Mundo Celestrin O mistério dos significados (Fábio de Melo)

O mistério dos significados

Lá em Minas existem algumas expressões que soam como "deseducadas". Exemplo
disso é a palavra "chouriço". Ela é usada como resposta àquelas perguntas que
não queremos responder. O outro nos pergunta: "O que é isso?". E rapidamente
respondemos: "Chouriço". Pronto, mostramos que a pergunta não nos agradou. Na
verdade, dizer chouriço é um modo de anunciar: "Não é da sua conta, sai pra
lá, seu bicudo, que eu não lhe devo satisfações!".
Portanto, além de ser linguiça de sangue cozido, em Minas a palavra
"chouriço" também adquiriu um tom de afronta e revela a má-criação daquele que
a utiliza como resposta.
Só que existem situações em que o chouriço é chouriço mesmo! E assim se deu
com minha mãe. Quando criança, em virtude da difícil situação financeira de
sua família, minha avó fazia minha mãe sair pelas ruas da cidade com um
balaio nos braços, vendendo os mais diversos produtos caseiros. O mais comum
era o sabão de bola feito de coalho.
Mas, num belo dia, o conteúdo do balaio era o tal chouriço feito pela minha
avó. Foi aí que um senhor a abordou perguntando: "Que que cê tá vendendo aí
menina?". Minha mãe prontamente respondeu: "Chouriço!". "Mal-educada, sua mãe
não te deu educação?", retrucou o velho. Assustada, minha mãe respondeu
medrosa: "É chouriço mesmo, moço!". E, destampando o balaio, mostrou ao velho
o seu conteúdo.
Coisas como essas me fazem pensar nos mistérios dos códigos da linguagem
humana. Uma mesma palavra pode ter os mais diversos significados. Tudo depende
do lugar e da forma como é empregada.
Em Portugal, por exemplo, a palavra "bicha" também significa fila. Portanto,
dizer que vai ter de enfrentar uma bicha para pagar uma conta no banco não
significa nenhum problema para os nossos irmãos lusitanos. Já aqui no Brasil,
fica muito complicado dizer isso, afinal as cabeças maldosas iriam colocar em
questão a sexualidade daquele segurança que fica parado na porta do banco!
Se chegar a Porto Alegre e disser numa padaria que você quer uma torrada, em
poucos minutos lhe servirão aquilo que chanmos de misto-quente. já em outros
lugares, se pedir uma torrada, você receberá uma fatia de pão com aspecto de
cadáver. Torrada é um pão morto. Tenhamos coragem de reconhecer. Torrada é uma
coisa sem graça que só desce sob ameaça de cardiologistas, endocrinologistas
e nutricionistas.
Misterioso mundo das palavras. Você já imaginou se alguém chegasse para você
e gritasse, olhando nos seus olhos, a palavra "merda"? Pois é, certamente você
ficaria ofendidíssimo! Mas, no mundo do teatro, isso é o mesmo que dizer:
"Sucesso". Dizem que a expressão veio da França. Quando o espetáculo era
bem-sucedido, as praças dos teatros ficavam repletas de merda de cavalo.
Quanto mais merda, maior era o número de carruagens que ali ficaram
estacionadas, revelando que houve um grande público.
A expressão se desdobrou. Hoje é muito comum que, antes de começar o
espetáculo, a equipe de produção e os atores se olhem para dizer isso. Nos
bastidores dos espetáculos, a merda corre solta e tem cheiro bom!
Já imaginou se alguém da plateia, desavisado do contexto dessa expressão,
escutasse o diretor dizendo isso ao ator principal?
Outra coisa complicada é traduzir os sentimentos que experimentamos na vida.
Fazer virar palavra a emoção sentida é um desafio e tanto!
É por isso que o emocionado tem sempre aquele aspecto de abobado, feito
cachorro que caiu da mudança.
Já assistiu àqueles concursos de Miss Brasil? Quando anunciam o nome da
vencedora, ela imediatamente morde os lábios, curva ligeiramente o corpo para
a frente, leva as mãos para cobrir o rosto e desata a chorar! Aí segue aquela
tradicionalíssima cena. As amigas concorrentes, controlando os seus desejos de
se juntar para espancar a vencedora, colocam-se a abraçá-la de maneira
carinhosa! Enfurecidas, uníssonas e chorosas, juntas compõem um quadro
psicopatológico que nenhum terapeuta seria capaz de decifrar.
Ali, os significados dos sentimentos são os mais diversos. As perdedoras
estão chorando porque estão solidárias com a vencedora ou porque estão
chateadíssimas?
Não sei. O que sei é que chouriço nem sempre é chouriço, torrada nem sempre
é torrada, e bicha nem sempre é bicha. Tudo depende do contexto!
Também o sentimento humano é como as palavras. É que nem sempre a palavra
pronunciada é coerente com o sentimento mais profundo que a motivou. Nisto
está a falsidade: usar a palavra fora do contexto do sentimento. Essa
desarticulação gera a mentira, faz brotar a dúvida e a insegurança nas
relações. É o mesmo que bater na cara com o intuito de dizer que se ama.
Mais fácil seria revelar o amor por meio do beijo, porque assim cessaria a
desarticulação das realidades. Mas o beijo de Judas não representou uma
traição?
Pois é, mas o que se seguiu foi pior ainda: o suicídio por enforcamento
significou o arrependimento. Muito mais nobre seria continuar vivendo para
rearticular a realidade passada, assim como fez o apóstolo Paulo, que deixou
a condição de perseguidor para se tornar um grande amigo de Cristo. Mudar de
vida é uma boa forma de demonstrar arrependimento!
O bom mesmo é mergulhar no mistério dos significados, por meio da
observância. Esse mergulho nos oferece mais perspicácia na arte de viver e
compreender esse tão complexo mundo dos humanos, que nem sempre dizem o que
querem dizer, nem sempre escutam o que verdadeiramente ouviram, e nem sempre
perguntam quando não entenderam o que foi falado.
A propósito, você entendeu essas últimas frases? Pois é, eu também não.
Não terei tempo para explicar. Estou precisando tirar a "água do joelho",
mas os dois banheiros do avião estão ocupados. Em um deles tem uma mocinha que
entrou há mais de meia hora. Deve estar passando um "fax"! E, no outro, não
dá para encarar a "bicha" enorme na porta!

* Retirado do livro Vale a Pena Viver (Fábio de Melo).

"Eu não queria ser o primeiro amor de um homem, eu queria ser seu último amor".
(A casa das sete mulheres)

Talita Fernanda Silva Bolduan
Joinville - SC
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