Livros C

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OS ECONOMISTAS
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KARL MARX
O CAPITAL
CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA


LIVRO PRIMEIRO
O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO CAPITAL


TOMO 2
(CAPÍTULOS XIII A XXV)


Coordenação e revisão de Paul Singer
Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe
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Fundador VICTOR CIVITA
(1907 -1990)


Editora Nova Cultural Ltda.
Copyright © desta edição 1996, Círculo do Livro Ltda.
Rua Paes Leme, 524 -10º andar CEP 05424-010 -São Paulo -SP


Títulos originais: Value, Price and Profit; Das Kapital -Kritik
der Politischen Ökonomie
Direitos exclusivos sobre a Apresentação de autoria de Winston Fritsch, Editora Nova Cultural Ltda.


Direitos exclusivos sobre as traduções deste volume: Círculo do Livro Ltda.
Impressão e acabamento: DONNELLEY COCHRANE GRÁFICA E EDITORA BRASIL LTDA.
DIVISÃO CÍRCULO -FONE (55 11) 4191-4633


ISBN 85-351-0831-9
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SEÇÃO IV
A PRODUÇÃO DA MAIS-VALIA RELATIVA (CONTINUAÇÃO)
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CAPÍTULO XIII
MAQUINARIA E GRANDE INDÚSTRIA


1. Desenvolvimento da maquinaria
John Stuart Mill, em seus Princípios da Economia Política, diz:


"É de se duvidar que todas as invenções mecânicas até agora feitas aliviaram a labuta diária de algum ser humano". 1


Tal não é também de modo algum a finalidade da maquinaria utilizada como capital. Igual a qualquer outro desenvolvimento da força
produtiva do trabalho, ela se destina a baratear mercadorias e a en-curtar a parte da jornada de trabalho que o trabalhador precisa para
si mesmo, a fim de encompridar a outra parte da sua jornada de tra-balho que ele dá de graça para o capitalista. Ela é meio de produção
de mais-valia. O revolucionamento do modo de produção toma, na manufatura,
como ponto de partida a força de trabalho; na grande indústria, o meio de trabalho. É preciso, portanto, examinar primeiro mediante o que o
meio de trabalho é metamorfoseado de ferramenta em máquina ou em que a máquina difere do instrumento manual. Aqui só se trata de
grandes traços característicos, genéricos, pois linhas fronteiriças abs-tratamente rigorosas separam tão pouco as épocas da sociedade quanto
as da história da Terra. Matemáticos e mecânicos — e isso se encontra repetido aqui e
acolá por economistas ingleses — explicam a ferramenta como uma


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1 "it is questionable, if all the mechanical inventions yet made have lightened the day's toil of any human being." Mill deveria ter dito: "Of any human being not
fed by other people's
labour", pois a maquinaria indubitavelmente aumentou muito o número dos ociosos distintos.
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máquina simples e a máquina como uma ferramenta composta. Não vêem aí nenhuma diferença essencial e até chamam as potências me-cânicas
simples, como alavanca, plano inclinado, parafuso, cunha etc., de máquinas. 2 De fato, cada máquina constitui-se daquelas potências
simples, como quer que estejam transvestidas e combinadas. Do ponto de vista econômico, no entanto, a explicação não vale nada, pois lhe
falta o elemento histórico. Por outro lado, procura-se a diferença entre
ferramenta e máquina no fato de que na ferramenta o homem seria a força motriz, enquanto na máquina ela seria uma força natural di-ferente


da humana, como a força animal, hidráulica, eólica etc. 3 De acordo com isso, um arado puxado por bois, que pertence às mais
diversas épocas da produção, seria uma máquina; o circular loom de Claussen, que, movido pela mão de um único trabalhador, apronta 96
mil malhas por minuto, uma mera ferramenta. Sim, o mesmo loom seria ferramenta se movido a mão e máquina se movido a vapor. Como
a utilização de força animal é uma das mais antigas invenções da humanidade, a produção com máquinas precederia, de fato, a produção
artesanal. Quando, em 1735, John Wyatt anunciou sua máquina de
fiar e, com ela, a revolução industrial do século XVIII, em momento algum aventou que, em vez de um homem, um burro moveria a má-quina,


e, no entanto, esse papel acabou por recair sobre o burro. Uma máquina "para fiar sem os dedos", rezava seu prospecto. 4
Toda maquinaria desenvolvida constitui-se de três partes essen-cialmente distintas: a máquina-motriz, o mecanismo de transmissão,
finalmente a máquina-ferramenta ou máquina de trabalho. A máqui-


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2 Ver, por exemplo, HUTTON. Course of Mathematics. 3 "Desse ponto de vista pode-se, então, traçar uma nítida linha divisória entre ferramenta
e máquina: pás, martelo, escopo etc., alavancas e chaves de fenda, para os quais, por artificiais que sejam, o homem é a força motriz (...) tudo isso cabe no conceito
de ferramenta;
enquanto o arado, com a força animal que o move, os moinhos movidos a vento etc. devem ser contados entre as máquinas." SCHULTZ, Wilhelm. Die Bewegung der Produktion.
Zu-rique,
1843. p. 38. Uma obra louvável em vários sentidos. 4 Antes dela, ainda que muito imperfeitas, foram usadas máquinas para torcer o fio, primeiro
provavelmente na Itália. Uma história crítica da tecnologia provaria, sobretudo, quão pouco qualquer invenção do século XVIII cabe a um só indivíduo. Até hoje não
existe tal obra.
Darwin atraiu o interesse para a história da tecnologia da Natureza, isto é, para a formação dos órgãos de plantas e animais como instrumentos de produção para a
vida das plantas
e dos animais. Será que não merece igual atenção a história da formação dos órgãos produtivos do homem social, da base material de toda organização social específica?
E não
seria mais fácil reconstituí-la, já que, como diz Vico, a história dos homens difere da história natural por termos feito uma e não a outra? A tecnologia revela
a atitude ativa
do homem para com a Natureza, o processo de produção direto de sua vida, e com isso também suas condições sociais de vida e as concepções espirituais decorrentes
delas. Mesmo
toda história da religião que abstraia essa base material é — acrítica. É efetivamente muito mais fácil mediante análise descobrir o cerne terreno das nebulosas
representações
religiosas do que, inversamente, desenvolver, a partir das condições reais de vida de cada momento, as suas formas celestializadas. Este último é o único método
materialista e,
portanto, científico. As falhas do materialismo científico natural abstrato, que exclui o processo histórico, já se percebem pelas concepções abstratas e ideológicas
de seus porta-vozes,
assim que se aventuram além dos limites de sua especialidade.
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na-motriz atua como força motora de todo o mecanismo. Ela produz a sua própria força motriz, como a máquina a vapor, a máquina calórica,
a máquina eletromagnética etc., ou recebe o impulso de uma força natural já pronta fora dela, como a roda-d'água, o da queda-d'água,
as pás do moinho, o do vento etc. O mecanismo de transmissão, com-posto de volantes, eixos, rodas dentadas, rodas-piões, barras, cabos,
correias, dispositivos intermediários e caixas de mudanças das mais variadas espécies, regula o movimento, modifica, onde necessário, sua
forma, por exemplo, de perpendicular em circular, o distribui e trans-mite para a máquina-ferramenta. Essas duas partes do mecanismo só
existem para transmitir o movimento à máquina-ferramenta, por meio do qual ela se apodera do objeto do trabalho e modifica-o de acordo
com a finalidade. É dessa parte da maquinaria, a máquina-ferramenta, que se origina a revolução industrial no século XVIII. Ela constitui
ainda todo dia o ponto de partida, sempre que artesanato ou manu-fatura passam à produção mecanizada.
Se examinamos, agora, mais de perto a máquina-ferramenta ou máquina de trabalho propriamente dita, então reaparecem, grosso
modo, ainda que freqüentemente sob forma muito modificada, os apa-relhos e ferramentas com que o artesão e o trabalhador de manufatura
trabalham, não como ferramentas do homem, porém agora como fer-ramentas de um mecanismo ou ferramentas mecânicas. Ou a máquina
toda é uma edição mecânica mais ou menos modificada do antigo ins-trumento artesanal, como no caso do tear mecânico, 5 ou os órgãos ativos
implantados na armação da máquina de trabalho são velhos conhecidos, como fusos na máquina de fiar, agulhas no tear de confeccionar meias,
lâminas de serra na máquina de serrar, facas na máquina de picar etc. A diferença dessas ferramentas em relação ao corpo propriamente
dito da máquina de trabalho estende-se até a origem delas. Ou seja, ainda são produzidas em sua maior parte de modo artesanal ou ma-nufatureiro
e só posteriormente afixadas no corpo da máquina de tra-balho, este produzido de modo mecanizado. 6 A máquina-ferramenta é,
portanto, um mecanismo que, ao ser-lhe transmitido o movimento cor-respondente, executa com suas ferramentas as mesmas operações que
o trabalhador executava antes com ferramentas semelhantes. Que por-tanto a força motriz provenha do homem ou novamente de uma má-quina
em nada modifica a essência da coisa. Quando a própria ferra-menta é transferida do homem para um mecanismo, surge uma má-quina
no lugar de uma mera ferramenta. A diferença salta logo à vista, mesmo que o ser humano continue sendo o primeiro motor. O


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5 Sobretudo na forma primitiva do tear mecânico reconhece-se à primeira vista o tear antigo. Ele aparece essencialmente modificado em sua forma moderna.
6 Só a partir de 1850 aproximadamente é que se passou a fabricar a máquina uma parte sempre crescente das ferramentas das máquinas de trabalho, embora não pelos
mesmos
fabricantes que fazem as próprias máquinas. Máquinas para fabricação de tais ferramentas mecânicas são, por exemplo a bobbin-making engine, card-setting engine,
máquinas de fazer
lançadeira, máquinas de soldar fusos para mule e throstle.
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número de instrumentos de trabalho com que ele pode operar ao mesmo tempo é limitado pelo número de seus instrumentos naturais de pro-dução,
seus próprios órgãos corpóreos. Na Alemanha, tentou-se inicial-mente fazer com que um fiandeiro movimentasse duas rodas de fiar,
fazê-lo, portanto, trabalhar simultaneamente com as duas mãos e os dois pés. Isso era estafante demais. Depois, inventou-se uma roda de
fiar com pedal e dois fusos, mas os virtuoses da fiação que conseguiam fiar dois fios ao mesmo tempo eram quase tão raros quanto homens
com duas cabeças. A Jenny, 7 pelo contrário, fia, de saída, com 12 a 18 fusos; o tear de confeccionar meias tricoteia com muitos milhares de
agulhas de uma só vez etc. O número de ferramentas com que a máquina-ferramenta joga simultaneamente está, de antemão, eman-cipado
da barreira orgânica que restringe a ferramenta manual de um trabalhador.
Em muita ferramenta manual, a diferença entre o homem como mera força motriz e como aquele que trabalha com o próprio operateur 8
tem existência corpórea à parte. Por exemplo, na roda de fiar, o pé atua apenas como força motriz, enquanto a mão, que trabalha no fuso,
puxa e retorce, executa a operação de fiar propriamente dita. Exata-mente dessa última parte do instrumento artesanal a Revolução In-dustrial
apodera-se primeiro e deixa para o homem, além do novo trabalho de vigiar com o olho a máquina e corrigir com a mão os erros
dela, antes de tudo ainda o papel puramente mecânico de força motriz. No entanto, ferramentas em que desde o começo o homem só atua
como simples força motriz, por exemplo girar a manivela de um moi-nho, 9 bombear, mover para cima e para baixo o braço de um fole, bater
com um pilão etc., provocam primeiro a utilização de animais, de água, de vento 10 como forças motrizes. Elas evoluem até se tornarem
máquinas, em parte no período manufatureiro, esporadicamente já mui-to antes dele, mas não revolucionam o modo de produção. Que elas
mesmo em sua forma artesanal já são máquinas mostra-se no período da grande indústria. As bombas hidráulicas, por exemplo, com que os
holandeses, em 1836/ 37, drenaram o lago de Harlem, eram construídas


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7 Máquina de fiar inventada nos anos 1764/ 67 por James Hargreaves e batizada com o nome de sua filha. (N. da Ed. Alemã.)
8 Operador. (N. dos T.) 9 Diz Moisés do Egito: "Não atarás a boca do boi que debulha". Os filantropos teuto-cristãos
colocavam, pelo contrário, um grande disco de madeira ao redor do pescoço do servo, que empregavam como força motriz para moer, a fim de que ele não pudesse levar
com a mão
farinha à boca. 10 Em parte a falta de quedas vivas de água, em parte a luta contra inundações forçaram
os holandeses a usar o vento como força motriz. O próprio moinho de vento obtiveram da Alemanha, onde essa invenção provocou curiosa luta entre a nobreza, o clero
e o imperador,
para saber a qual dos três "pertenceria" o vento. O ar torna o homem servo, dizia-se na Alemanha, enquanto o vento tornava a Holanda livre. Do que ele se apropriava
aqui não
era do holandês, mas do solo para o holandês. Ainda em 1836 eram empregados na Holanda 12 mil moinhos de vento com 6 mil cavalos de força para impedir que 2/ 3 do
país novamente
se transformasse em pântano.
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de acordo com os princípios das bombas comuns, só que os seus êmbolos eram acionados por ciclópicas máquinas a vapor e não por mãos hu-manas.
O comum e bastante imperfeito fole do ferreiro ainda é, na Inglaterra, ocasionalmente transformado, mediante a simples conexão
de seu braço com uma máquina a vapor, em bomba de ar mecânica. A própria máquina a vapor, como foi inventada no final do século
XVII, durante o período manufatureiro, e continuou a existir até o começo dos anos 80 do século XVIII, 11 não acarretou nenhuma revolução
industrial. Ocorreu o contrário: foi a criação das máquinas-ferramentas que tornou necessária a máquina a vapor revolucionada. Quando o
homem, em vez de atuar com a ferramenta sobre o objeto de trabalho, atua apenas como força motriz de uma máquina-ferramenta, torna-se
casual a força motriz revestir-se de músculos humanos e o vento, a água, o vapor etc. podem tomar seu lugar. Isso naturalmente não exclui
que tal mudança requeira com freqüência grandes modificações técnicas no mecanismo originalmente construído apenas para a força motriz
humana. Atualmente, todas as máquinas que ainda precisam abrir caminho, como máquinas de costura, máquinas de preparar pão etc.,
quando sua destinação não exclui de antemão a pequena escala, são construídas para força motriz humana e puramente mecânica ao mesmo
tempo.
A máquina, da qual parte a Revolução Industrial, substitui o trabalhador, que maneja uma única ferramenta, por um mecanismo,


que opera com uma massa de ferramentas iguais ou semelhantes de uma só vez, e que é movimentada por uma única força motriz, qualquer
que seja sua força. 12 Aí temos a máquina, mas apenas como elemento simples da produção mecanizada.
O aumento do tamanho da máquina de trabalho e do número de suas ferramentas operantes simultaneamente exige um mecanismo
motor mais volumoso, e esse mecanismo, para superar sua própria resistência, precisa de uma força motriz mais possante do que a força
humana; isso sem considerar que o homem é um instrumento muito imperfeito de produção de movimento uniforme e contínuo. Pressupon-do-
se que ele atue ainda como simples força motriz, que portanto no lugar de sua ferramenta haja uma máquina-ferramenta, forças naturais
podem agora também substituí-lo como força motriz. De todas as gran-des forças motrizes legadas pelo período manufatureiro, a força do ca-valo
era a pior, em parte porque um cavalo tem sua própria cabeça, em parte por causa de seu grande custo e do âmbito limitado em que


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11 Ela já foi muito aperfeiçoada com a primeira máquina a vapor de Watt, a assim chamada máquina de ação simples, mas, sob essa forma, continuou sendo uma mera máquina
de
puxar água e solução salgada das minas de sal. 12 "A reunião de todos esses instrumentos simples movidos por um único motor constitui uma
máquina." (BABBAGE. On the Economy of Machinery and Manufactures, Londres, 1832 [p. 136].)
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pode ser usado em fábricas. 13 Mesmo assim, o cavalo foi freqüentemente usado durante a infância da grande indústria, como, além das lamen-tações
dos agrônomos da época, o testemunha a expressão, tradicional até hoje, da força mecânica em cavalos de força. O vento era por demais
inconstante e incontrolável, e além disso, na Inglaterra, berço da grande indústria, já predominava a utilização da força hidráulica, durante o
período manufatureiro. Já no século XVII se tentara colocar em mo-vimento duas correias e, por conseguinte, também dois pares de mós
de moinho com uma única roda hidráulica. O volume inchado do me-canismo de transmissão entrou, porém, em conflito com a força hi-dráulica
tornada insuficiente, e essa é uma das circunstâncias que levou ao estudo mais acurado das leis da fricção. Igualmente, a atuação
irregular da força motriz nos moinhos, que eram postos em movimento pelo empurrar e puxar de êmbolos, levou à teoria e à aplicação da
roda-volante, 14 que mais tarde desempenha papel tão importante na grande indústria. Desse modo, o período manufatureiro desenvolveu
os primeiros elementos científicos e técnicos da grande indústria. A fiação com throstle 15 de Arkwright foi movida em seu começo a água.
No entanto, também o uso da força hidráulica como principal força motriz esteve envolvido em circunstâncias dificultadoras. Ela não podia
ser aumentada à vontade nem sua carência podia ser corrigida, às vezes faltava e, antes de tudo, era de natureza puramente local. 16 Só
com a segunda máquina a vapor de Watt, a assim chamada máquina de ação dupla, foi encontrado o primeiro motor que produz sua própria
força motriz, consumindo para isso carvão e água, cuja potência ener-gética está totalmente sob controle humano, que é deslocável e um
meio de locomoção urbano e não, como a roda-d'água rural, permitindo


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13 John C. Morton apresentou em dezembro de 1859, na Society of Arts, um trabalho sobre "as forças utilizadas na agricultura". Entre outras coisas, aí é dito: "Toda
melhoria que
contribua para a uniformização do solo favorece o emprego da máquina a vapor para produzir força puramente mecânica. (...) A força do cavalo é exigida onde cercas
irregulares
e outros obstáculos impeçam ação uniforme. Esses obstáculos estão desaparecendo cada dia mais. Para operações que exijam maior dispêndio de vontade e menos força
real, a
única força aplicável é a dirigida minuto a minuto pelo espírito humano, portanto força humana". O Sr. Morton reduz, então, força de vapor, de cavalo e humana, à
unidade de
medida usual em máquinas a vapor, ou seja, a força para erguer 33 mil libras por minuto a 1 pé, e calcula os custos de 1 cavalo-vapor por hora em 3 pence para a
máquina a vapor
e 5 1/ 2 pence para o cavalo. Além disso, o cavalo, em pleno estado de saúde, só pode ser utilizado 8 horas por dia. Empregando-se a força do vapor, podem ser poupados,
durante
o ano todo, em terra cultivada, 3 de cada 7 cavalos, a um preço de custo não maior do que o dos cavalos dispensados durante os 3 ou 4 meses em que são efetivamente
utilizados.
Finalmente, nas operações agrícolas em que a força do vapor pode ser aplicada, ela melhora, se comparada com a força do cavalo, a qualidade do produto. Para executar
o trabalho da
máquina a vapor teriam de ser empregados 66 trabalhadores, ao preço conjunto de 15 xelins por hora, e, para executar o trabalho dos cavalos, 32 homens, ao preço
conjunto de
8 xelins por hora. 14 FAULHABER. 1625; DE COUS. 1688.
15 Máquina de fiar. (N. dos T.) 16 A moderna invenção das turbinas liberta a exploração industrial da força hidráulica de
muitas limitações anteriores.
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a concentração da produção em cidades ao invés de, como a roda-d'água, dispersá-la pelo interior, 17 universal em sua aplicação tecnológica, de-pendendo
sua localização relativamente pouco de condições locais. O grande gênio de Watt se mostrava na especificação da patente que
obteve em abril de 1784, na qual sua máquina a vapor não é descrita como uma invenção para fins específicos, mas como agente geral da
grande indústria. Indicava aí aplicações, das quais várias, como por exemplo o pilão a vapor, só foram introduzidas mais de meio século
depois. No entanto, duvidou da aplicabilidade da máquina a vapor à navegação marítima. Seus sucessores, Boulton e Watt, apresentaram
na exposição industrial de Londres, em 1851, a mais colossal máquina a vapor para ocean steamers. 18
Só depois que as ferramentas se transformaram de ferramentas manuais em ferramentas de um aparelho mecânico, a máquina-motriz
adquiriu forma autônoma, totalmente emancipada dos limites da força
humana. Com isso, a máquina-ferramenta que examinamos até agora reduz-se a simples elemento da produção mecanizada. Uma máquina


motriz podia agora mover, ao mesmo tempo, muitas máquinas de tra-balho. Com o número das máquinas de trabalho movidas simultanea-mente,
cresce a máquina-motriz e a expansão do mecanismo de trans-missão transforma-o num aparelho de grandes proporções.
É preciso distinguir agora duas coisas: cooperação de muitas má-quinas da mesma espécie e sistema de máquinas.
Num caso o produto inteiro é feito pela mesma máquina de tra-balho. Ela executa todas as diversas operações que um artesão execu-tava
com sua ferramenta, por exemplo o tecelão com seu tear, ou que artesãos executavam com ferramentas diferentes em série, autonoma-mente
ou como membros de uma manufatura. 19 Por exemplo, na ma-nufatura moderna de envelopes, um trabalhador dobrava o papel com


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17 "Nos primórdios da manufatura têxtil, a localização da fábrica dependia de um curso de água que tivesse uma queda suficiente para fazer girar uma roda-d'água:
e, embora o
estabelecimento dos moinhos-d'água significasse então o início da dissolução da indústria doméstica, os moinhos, que necessariamente tinham de ser instalados junto
a cursos de
água e freqüentemente se situavam a considerável distância uns dos outros, representavam antes parte de um sistema rural do que urbano; só com a introdução da energia
a vapor
como substituto do curso de água é que as fábricas foram comprimidas em cidades e em localidades onde carvão e água, necessários à produção do vapor, estavam disponíveis
em
quantidades suficientes. A máquina a vapor é a mãe das cidades industriais." (REDGRAVE, A. In: Reports of the Insp. of Fact. 30 de abril de 1860. p. 36.)
18 Transatlânticos a vapor. (N. dos T.) 19 Do ponto de vista da divisão manufatureira, tecer não era trabalho simples, porém muito
mais trabalho artesanal complicado, e assim o tear mecânico é uma máquina que executa operações muito variadas. É sobretudo falsa a concepção de que a maquinaria
moderna
assume originalmente operações que a divisão manufatureira do trabalho tinha simplificado. Fiar e tecer foram, durante o período manufatureiro, diversificadas em
novas espécies, e
suas ferramentas foram melhoradas e diversificadas, mas o próprio processo de trabalho não foi de modo algum dividido, permanecendo artesanal. Não é do trabalho,
mas do meio
de trabalho, que a máquina se origina.
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a dobradeira, outro passava a cola e um terceiro dobrava a aba do envelope sobre a qual é impressa a divisa, um quarto punha a divisa
etc., e em cada uma dessas operações cada envelope tinha de mudar de mãos. Uma única máquina de fazer envelopes executa todas essas
operações de uma só vez e faz 3 mil envelopes, ou até mais, em 1 hora. Uma máquina americana para fazer cartuchos de papel, exibida
na exposição industrial de Londres de 1862, corta, cola, dobra e apronta 300 peças por minuto. O processo global, dividido e realizado dentro
da manufatura numa série sucessiva, é realizado aqui por uma máquina de trabalho que opera por meio da combinação de diferentes ferramen-tas.
Se, agora, tal máquina de trabalho é apenas a ressurreição me-cânica de uma ferramenta manual mais complicada ou a combinação
de diferentes instrumentos mais simples particularizados manufatu-reiramente — na fábrica, isto é, na oficina fundada na utilização da
máquina, reaparece toda vez a cooperação simples e, antes de mais nada (abstraímos aqui do trabalhador), como conglomeração espacial
de máquinas de trabalho da mesma espécie, operando simultaneamente em conjunto. Assim, uma tecelagem se constitui pela justaposição de
muitos teares mecânicos e uma fábrica de costuras pela justaposição de muitas máquinas de costura no mesmo local de trabalho. Aqui existe,
porém, uma unidade técnica, à medida que as muitas máquinas de trabalho da mesma espécie recebem, ao mesmo tempo e do mesmo
modo, seu impulso da batida cardíaca do primeiro motor comum, levado a elas através do mecanismo de transmissão, que em parte também
lhes é comum, já que dele se ramificam saídas individuais para cada máquina-ferramenta. Exatamente como muitas ferramentas consti-tuem
os órgãos de uma máquina de trabalho, muitas máquinas de trabalho constituem agora apenas órgãos da mesma espécie do mesmo
mecanismo motor.
Um autêntico sistema de máquinas só substitui, no entanto, a
máquina autônoma individual quando o objeto de trabalho percorre
uma seqüência conexa de diferentes processos graduados, que são rea-lizados
por uma cadeia de máquinas-ferramentas diversificadas, mas
que se complementam mutuamente. Aí reaparece a cooperação por
meio da divisão do trabalho, peculiar à manufatura, mas agora como
combinação de máquinas de trabalho parciais. As ferramentas especí-ficas
dos diferentes trabalhadores parciais, na manufatura da lã, por
exemplo, a do batedor de lã, do cardador de lã, do tosador de lã, do
fiandeiro de lã etc., transformam-se agora nas ferramentas de máquinas
de trabalho especificadas, das quais cada uma constitui um órgão es-pecífico
para uma função específica no sistema do mecanismo combi-nado
de ferramentas. A própria manufatura fornece ao sistema de
máquinas, nos ramos em que este é introduzido primeiro, grosso modo,
o fundamento naturalmente desenvolvido da divisão e portanto da or-


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ganização do processo de produção. 20 Aí se introduz, porém, imediata-mente
uma diferença essencial. Na manufatura, trabalhadores preci-sam,
individualmente ou em grupos, executar cada processo parcial
específico com sua ferramenta manual. Embora o trabalhador seja ade-quado
ao processo, também o processo é adaptado antes ao trabalhador.
Esse princípio subjetivo da divisão é suprimido na produção mecani-zada.
O processo global é aqui considerado objetivamente, em si e por si, analisado em suas fases constituintes, e o problema de levar a cabo


cada processo parcial e de combinar os diversos processos parciais é resolvido por meio da aplicação técnica da Mecânica, Química etc., 21
no que, naturalmente, a concepção teórica precisa ser depois como antes aperfeiçoada pela experiência prática acumulada em larga escala. Cada
máquina fornece à máquina seguinte mais próxima sua matéria-prima e, como todas elas atuam simultaneamente, o produto se encontra con-tinuamente
nas diversas fases de seu processo de formação, bem como na transição de uma para outra fase de produção. Assim como na
manufatura a cooperação direta dos trabalhadores parciais estabelece determinadas proporções entre os grupos particulares de trabalhadores,
também no sistema articulado das máquinas a contínua utilização das máquinas parciais umas pelas outras estabelece uma relação determi-nada
entre seu número, seu tamanho e sua velocidade. A máquina de trabalho combinada, agora um sistema articulado de máquinas de tra-balho
individuais de diferentes espécies e de grupos das mesmas, é tanto mais perfeita quanto mais contínuo for seu processo global, isto
é, com quanto menos interrupções a matéria-prima passa de sua pri-meira à sua última fase, quanto mais, portanto, em vez da mão humana,
o próprio mecanismo a leva de uma para outra fase da produção. Se na manufatura o isolamento dos processos particulares é um princípio


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20 Antes da época da grande indústria, a manufatura da lã era a manufatura dominante na Inglaterra. Nela foi feita, por isso, durante a primeira metade do século
XVIII, a maioria
dos experimentos. O algodão, cuja elaboração mecanizada exige preparativos menos traba-lhosos, foi beneficiado pelas experiências feitas na lã de carneiro, assim
como mais tarde,
inversamente, a indústria mecânica da lã se desenvolve com base na fiação e tecelagem mecânicas do algodão. Elementos isolados da manufatura da lã só nos últimos
decênios
foram incorporados ao sistema fabril, por exemplo, a cardagem de lã. "A aplicação de força mecânica ao processo de cardagem (...) que desde a introdução da máquina
de cardar,
especialmente a de Lister, ocorreu em grande escala (...) teve indubitavelmente por efeito que grande número de trabalhadores perdesse seu trabalho. Antes a lã era
cardada a mão,
na maioria das vezes na cottage do cardador. Agora ela geralmente é cardada na fábrica e, exceto em algumas espécies particulares de trabalho em que ainda se prefere
lã cardada
a mão, o trabalho manual foi eliminado. Muitos dos cardadores manuais encontraram em-prego nas fábricas, mas o produto do trabalho do cardador manual é tão pequeno
em
comparação com o da máquina que grande número de cardadores ficou sem ocupação." (Rep. of Insp. of Fact. for 31st Oct. 1856. p. 16.)
21 "O princípio do sistema da fábrica é, então, substituir (...) a divisão ou graduação do trabalho entre artesãos pela composição de um processo em seus constituintes
essenciais." (URE.
The Philosophy of Manufactures: or an Exposition of the Scientific, Moral and Commercial Economy of the Factory System of Great Britain. Londres, 1835. p. 20.)
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dado pela própria divisão de trabalho, na fábrica desenvolvida domina, pelo contrário, a continuidade dos processos particulares.
Um sistema de maquinaria, quer se baseie agora na mera coo-peração
de máquinas de trabalho da mesma espécie, como na tecelagem, quer numa combinação de espécies diferentes, como na fiação, constitui


em si e por si um grande autômato, assim que seja movido por um
primeiro motor semovente. Mas o sistema global pode ser movido, por exemplo, pela máquina a vapor, embora certas máquinas-ferramentas


ainda precisem do trabalhador para determinados movimentos, como o movimento necessário para dar partida à mule, 22 antes da introdução
do selfacting mule 23 e o movimento ainda necessário na fiação fina, ou
então determinadas partes da máquina que para realizar sua função precisam ser dirigidas como a ferramenta pelo trabalhador, como na


construção de máquinas antes da transformação do slide rest (torno) em um selfactor. 24 A partir do momento em que a máquina de trabalho
executa todos os movimentos necessários ao processamento da maté-ria-
prima sem ajuda humana, precisando apenas de assistência hu-mana, temos um sistema de maquinaria automático, capaz de ser con-tinuamente


aperfeiçoado em seus detalhes. Assim, por exemplo, o apa-relho que pára automaticamente a máquina de fiar tão logo um único
fio se parta e o selfacting stop, 25 que pára o tear melhorado a vapor
quando falta fio na canela da lançadeira, são invenções bem modernas. Como exemplo tanto da continuidade da produção quanto da aplicação


do princípio da automação pode servir a moderna fábrica de papel. Na
produção de papel pode ser estudada em geral vantajosamente em pormenores a diferença entre diferentes modos de produção, com base


em diferentes meios de produção, bem como a conexão entre as relações sociais de produção e esses modos de produção, já que a mais antiga
produção alemã de papel fornece o modelo da produção artesanal, a
Holanda no século XVII e a França no século XVIII o modelo da au-têntica manufatura e a Inglaterra moderna o modelo da fabricação


automática nesse ramo, além de existirem ainda na China e na Índia duas diferentes formas da antiga produção asiática da mesma indústria.
Como sistema articulado de máquinas de trabalho, que recebem
seu movimento apenas de um autômato central através de uma ma-quinaria de transmissão, a produção mecanizada possui sua forma mais


desenvolvida. No lugar da máquina individual surge aqui um monstro
mecânico, cujo corpo enche prédios fabris inteiros e cuja força demo-níaca, de início escondida pelo movimento quase festivamente comedido


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22 Máquina de fiar a vapor. (N. dos T.) 23 Máquina automática de fiar. (N. dos T.)
24 Autômato. (N. dos T.) 25 Freio automático. (N. dos T.)
14#
de seus membros gigantescos, irrompe no turbilhão febril de seus inú-meros órgãos de trabalho propriamente ditos.
Havia mules, máquinas a vapor etc. antes de haver trabalhadores cuja ocupação exclusiva era fazer máquinas a vapor, mules etc., assim
como o homem usava roupas antes de haver alfaiates. As invenções de Vaucanson, Arkwright, Watt etc. só foram, no entanto, concretizadas
porque esses inventores encontraram à mão um quantum considerável de hábeis trabalhadores mecânicos fornecidos prontos pelo período ma-nufatureiro.
Parte desses trabalhadores era constituída por artesãos autônomos de diversas profissões, e parte estava reunida em manufa-turas
onde, como já foi mencionado, a divisão do trabalho imperava com especial rigor. Com o aumento das invenções e a crescente procura
pelas máquinas recém-inventadas, desenvolveu-se cada vez mais, por um lado, a separação da fabricação de máquinas em diversificados
ramos autônomos, por outro lado a divisão do trabalho no interior das manufaturas que construíam máquinas. Vislumbramos, portanto, na
manufatura o fundamento técnico imediato da grande indústria. Aquela produziu a maquinaria, com a qual esta superou o artesanato e a
manufatura nas esferas de produção de que primeiro se apoderou. A produção mecanizada ergueu-se portanto de maneira natural sobre uma
base material que lhe era inadequada. Em certo grau de desenvolvi-mento ela teve de revolucionar essa base inicialmente encontrada pron-ta
e depois aperfeiçoada em sua antiga forma e criar para si nova base, correspondente a seu próprio modo de produção. Assim como a
máquina isolada permanece de tamanho anão enquanto é movida ape-nas por homens, assim como o sistema de máquinas não pôde desen-volver-
se livremente enquanto a máquina a vapor não veio ocupar o lugar das forças motrizes preexistentes — animal, vento e até mesmo
água — da mesma forma a grande indústria esteve manietada em seu desenvolvimento enquanto seu meio de produção característico, a pró-pria
máquina, devia sua existência à força pessoal e à habilidade pes-soal, dependendo portanto do desenvolvimento muscular, da agudeza
do olhar e da virtuosidade da mão com que o trabalhador parcial na manufatura e o artesão fora dela conduziam seu instrumento anão.
Abstraindo o encarecimento das máquinas em decorrência dessa origem — circunstância que domina o capital como motivação consciente —,
a expansão da indústria já movida a máquina e a penetração da ma-quinaria em novos ramos da produção permaneceram, assim, inteira-mente
condicionadas pelo crescimento de uma categoria de trabalha-dores que, devido à natureza semi-artística de sua atividade, só podia
ser ampliada pouco a pouco e não aos saltos. Mas, em certo grau de desenvolvimento, a grande indústria entrou também tecnicamente em
conflito com sua base artesanal e manufatureira. Expansão do tamanho das máquinas-motrizes, do mecanismo de transmissão e das máqui-nas-
ferramentas; maior complicação, diversidade e regularidade mais rigorosa de seus componentes, à medida que a máquina-ferramenta


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15#
se desprendia do modelo da ferramenta artesanal, que originalmente dominava sua construção, e obtinha configuração livre, 26 determinada
apenas por sua tarefa mecânica; aperfeiçoamento do sistema automá-tico e aplicação cada vez mais inevitável de material difícil de dominar,
por exemplo, ferro em vez de madeira — a solução de todas essas tarefas originadas naturalmente chocou-se por toda parte com as li-mitações
pessoais, que também o pessoal de trabalho combinado na manufatura só rompe em grau, não em essência. Máquinas como, por
exemplo, a impressora moderna, o moderno tear a vapor e a moderna máquina de cardar, não podiam ser fornecidas pela manufatura.
O revolucionamento do modo de produção numa esfera da indús-tria condiciona seu revolucionamento nas outras. Isso é válido primeiro
para os ramos da indústria que estão isolados pela divisão social do trabalho, de forma que cada um deles produz uma mercadoria autô-noma,
mas que, mesmo assim, se entrelaçam como fases de um processo global. Assim, a mecanização da fiação tornou necessária a mecanização
da tecelagem e ambas tornaram necessária a revolução mecânica e química no branqueamento, na estampagem e na tinturaria. Assim,
por outro lado, a revolução na fiação do algodão suscitou a invenção do gin para separar a fibra do algodão da semente, com que finalmente
se tornou possível a produção de algodão na larga escala agora exigida. 27 Mas a revolução no modo de produção da indústria e da agricultura
exigiu também uma revolução nas condições gerais do processo de pro-dução social, isto é, nos meios de comunicação e transporte. Os meios
de comunicação e de transporte, de uma sociedade cujo pivô, para usar uma expressão de Fourier, eram a pequena agricultura com sua in-dústria
acessória doméstica e o artesanato urbano, já não podiam sa-tisfazer, de forma alguma, às necessidades de produção do período
manufatureiro com sua divisão ampliada do trabalho social, com sua concentração de meios de trabalho e trabalhadores e com seus mercados
coloniais e, por isso, também foram de fato revolucionados. Da mesma maneira os meios de transporte e de comunicação oriundos do período
manufatureiro logo se transformaram em insuportáveis entraves para


OS ECONOMISTAS


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26 O tear mecânico é constituído em sua primeira forma principalmente de madeira, o aper-feiçoado, moderno, de ferro. O quanto, no começo, a velha forma do meio
de produção
domina sua nova forma mostra-o, entre outras coisas, a mais superficial comparação do moderno tear a vapor com o antigo, dos modernos instrumentos de insuflar ar
nas fundições
de ferro com a primeira e pouco eficiente ressurreição mecânica do fole comum e, talvez de modo mais convincente do que qualquer outro, uma locomotiva experimentada
antes
da invenção das locomotivas atuais e que tinha, de fato, duas patas que erguia alterna-damente, como um cavalo. Só depois do ulterior desenvolvimento da mecânica
e com a
experiência prática acumulada é que a forma passa a ser inteiramente determinada pelo princípio mecânico, e portanto totalmente emancipada da antiga forma corpórea
tradicional
da ferramenta, que se metamorfoseia em máquina. 27 A cottongin do ianque Eli Whitney havia sido, até há pouco, menos modificada na essência
do que qualquer outra máquina do século XVIII. Só nos últimos decênios (antes de 1867) outro americano, o Sr. Emery, de Albany, Nova York, tornou antiquada a máquina
de
Whitney por meio de uma melhoria tão simples quanto eficaz.
16#
a grande indústria, com sua velocidade febril de produção, sua escala maciça, seu contínuo lançamento de massas de capital e de trabalha-dores
de uma esfera da produção para a outra e suas recém-estabele-cidas conexões no mercado mundial. Abstraindo a construção de navios
a vela totalmente revolucionada, o sistema de comunicação e transporte foi, pouco a pouco, ajustado, mediante um sistema de navios fluviais a
vapor, ferrovias, transatlânticos a vapor e telégrafos, ao modo de produção da grande indústria. Mas as terríveis massas de ferro que precisavam
ser forjadas, soldadas, cortadas, furadas e moldadas exigiam, por sua vez, máquinas ciclópicas, cuja criação não era possível à construção manufa-tureira
de máquinas.
A grande indústria teve, portanto, de apoderar-se de seu meio característico de produção, a própria máquina, e produzir máquinas


por meio de máquinas. Só assim ela criou sua base técnica adequada e se firmou sobre seus próprios pés. Com a crescente produção meca-nizada
das primeiras décadas do século XIX, a maquinaria se apoderou, pouco a pouco, da fabricação das máquinas-ferramentas. Só durante
as últimas décadas, no entanto, a colossal construção de ferrovias e a navegação transatlântica a vapor deram à luz ciclópicas máquinas para
a construção dos primeiros motores. A condição de produção essencial para a fabricação de máquinas
por meio de máquinas era uma máquina-motriz capaz de desenvolver qualquer potência e no entanto ao mesmo tempo totalmente controlável.
Ela já existia na máquina a vapor. Mas tratava-se também de produzir as formas rigorosamente geométricas necessárias às partes individuais
da máquina, como linha, plano, círculo, cilindro, cone e esfera, de ma-neira mecanizada. Esse problema foi resolvido por Henry Maudslay
na primeira década do século XIX, com a descoberta do slide-rest, 28 que logo foi automatizado e, sob forma modificada, adaptado do torno
para o qual havia sido destinado para outras máquinas de construção. Esse dispositivo mecânico, que não substitui nenhuma ferramenta par-ticular
mas a própria mão humana, produz uma forma determinada mediante aproximação, ajustamento e orientação do fio de instrumentos
cortantes etc. contra ou sobre o material de trabalho, por exemplo, o ferro. Conseguiu-se, assim, produzir as formas geométricas das partes
componentes da máquina
"com um grau de facilidade, precisão e rapidez que nenhuma experiência acumulada da mão do mais hábil trabalhador poderia
conseguir". 29


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28 Suporte de corredeira. (N. dos T.) 29 The Industry of Nations. Londres, 1855. Parte Segunda, p. 239. Aí também se lê: "Por
simples e exteriormente pouco importante que possa parecer esse acessório do torno, cremos que não seja ousar demasiado asseverar que sua influência no emprego melhor
e mais
amplo de máquinas foi tão grande quanto a dos aperfeiçoamentos de Watt na máquina a vapor. Sua introdução teve imediatamente como conseqüência aperfeiçoamento e
baratea-mento
de todas as máquinas, e estimulou invenções e aperfeiçoamentos ulteriores".
17#
Examinemos agora a parte da maquinaria aplicada à construção de máquinas, que constitui a máquina-ferramenta propriamente dita,
e veremos reaparecer o instrumento artesanal, mas em dimensão ci-clópica. A parte operante da perfuratriz, por exemplo, é uma broca
monstruosa, movida por uma máquina a vapor e sem a qual, por sua vez, não poderiam ser produzidos os cilindros das grandes máquinas
a vapor e das prensas hidráulicas. O torno mecânico é o renascimento ciclópico do torno comum de pedal; a máquina de aplainar, um car-pinteiro
de ferro, que trabalha o ferro com as mesmas ferramentas com que o carpinteiro trabalha a madeira: a ferramenta que, nos es-taleiros
londrinos, corta as chapas é uma gigantesca navalha de bar-bear; a ferramenta da tesoura mecânica, que corta ferro como corta
pano a tesoura do alfaiate, uma monstruosa tesoura; e o martelo a vapor opera com uma cabeça comum de martelo, mas de peso tal que
nem mesmo Thor conseguiria brandi-lo. 30 Um desses martelos a vapor, por exemplo, que são uma invenção de Nasmyth, pesa mais de 6 to-neladas
e cai perpendicularmente de uma altura de 7 pés sobre uma bigorna de 36 toneladas de peso. Ele pulveriza, brincando, um bloco
de granito e não é menos capaz de enfiar um prego em madeira macia mediante uma seqüência de leves pancadas. 31
Como maquinaria, o meio de trabalho adquire um modo de exis-tência material que pressupõe a substituição da força humana por
forças naturais e da rotina empírica pela aplicação consciente das ciên-cias da Natureza. Na manufatura, a articulação do processo social de
trabalho é puramente subjetiva, combinação de trabalhadores parciais; no sistema de máquinas, a grande indústria tem um organismo de
produção inteiramente objetivo, que o operário já encontra pronto, como condição de produção material. Na cooperação simples e mesmo na
especificada pela divisão do trabalho, a supressão do trabalhador in-dividual pelo socializado aparece ainda como sendo mais ou menos
casual. A maquinaria, com algumas exceções a serem aventadas pos-teriormente, só funciona com base no trabalho imediatamente sociali-zado
ou coletivo. O caráter cooperativo do processo de trabalho torna-se agora, portanto, uma necessidade técnica ditada pela natureza do pró-prio
meio de trabalho.
2. Transferência de valor da maquinaria ao produto


Viu-se que as forças produtivas decorrentes da cooperação e da divisão do trabalho nada custam ao capital. São forças naturais do


OS ECONOMISTAS


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30 Em Londres, uma dessas máquinas para forjar paddle-wheel shafts tem o nome de "Thor". Ela forja um eixo de 16,5 toneladas de peso com a mesma facilidade com que
um ferreiro
forja uma ferradura. 31 As máquinas que trabalham com madeira e que também podem ser empregadas em pequena
escala são, na maioria, de invenção americana.
18#
trabalho social. Forças naturais como vapor, água etc., que são apro-priadas para seu uso em processos produtivos, também nada custam.
Mas assim como o homem precisa de um pulmão para respirar, ele precisa de uma "criação da mão humana" para consumir produtiva-mente
forças da Natureza. Uma roda-d'água é necessária para explorar a força motriz da água; uma máquina a vapor, para explorar a elas-ticidade
do vapor. O que ocorre com as forças naturais ocorre com a ciência. Uma vez descobertas, a lei do desvio da agulha magnética no
campo de ação de uma corrente elétrica ou a lei da indução de mag-netismo no ferro em torno do qual circula uma corrente elétrica já não
custam um único centavo. 32 Mas, para a exploração dessas leis pela telegrafia etc., é preciso uma aparelhagem muito cara e extensa. A
ferramenta, como vimos, não é suprimida pela máquina. De uma fer-ramenta anã do organismo humano, ela aumenta em tamanho e nú-mero,
tornando-se ferramenta de um mecanismo criado pelo homem. Em vez de trabalhar com a ferramenta manual, o capital põe o operário
a trabalhar agora com uma máquina, que conduz por si mesma suas ferramentas. Se, por isso, está claro à primeira vista que a grande
indústria tem de aumentar extraordinariamente a produtividade do trabalho mediante a incorporação de monstruosas forças da Natureza
e das ciências naturais ao processo de produção, não está de modo algum igualmente claro que essa força produtiva ampliada não é, por
outro lado, conseguida à custa de maior dispêndio de trabalho. Como qualquer outro componente do capital constante, a maquinaria não
cria valor, mas transfere seu próprio valor ao produto para cuja feitura ela serve. À medida que tem valor e, por isso, transfere valor ao produto,
ela se constitui num componente de valor do mesmo. Ao invés de ba-rateá-lo, encarece-o proporcionalmente a seu próprio valor. E é evidente
que máquina e maquinaria desenvolvidas sistematicamente, o meio característico de trabalho da grande indústria, contêm desproporcio-nalmente
mais valor em comparação com os meios de trabalho do ar-tesanato e da manufatura.
É preciso, agora, observar inicialmente que a maquinaria entra sempre por inteiro no processo de trabalho e sempre apenas em parte
no processo de valorização. Ela nunca agrega mais valor do que em média perde por seu desgaste. Há, portanto, grande diferença entre o
valor da máquina e a parcela do valor que ela transfere periodicamente para o produto. Há grande diferença entre a máquina como elemento


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21
32 A ciência não custa absolutamente "nada" ao capitalista, o que não o impede nem um pouco de explorá-la. A ciência "alheia" é incorporada ao capital como trabalho
alheio. Apropriação
"capitalista" e apropriação "pessoal", seja da ciência, seja de riqueza material, são coisas total e completamente díspares. O próprio Dr. Ure deplora o grosseiro
desconhecimento de
Mecânica por parte de seus queridos fabricantes, exploradores de máquinas, e Liebig pode contar alguma coisa da pavorosa ignorância quanto à Química por parte dos
fabricantes
ingleses de produtos químicos.
19#
formador do valor e como elemento formador do produto. Quanto maior
o período durante o qual a mesma máquina serve repetidamente para
o mesmo processo de trabalho, tanto maior essa diferença. Em todo
caso vimos que todo meio de trabalho ou instrumento de produção propriamente dito entra sempre inteiramente no processo de trabalho


e sempre apenas em parte, na proporção de seu desgaste médio diário,
no processo de valorização. Essa diferença entre utilização e desgaste
é, no entanto, muito maior na maquinaria do que na ferramenta, porque
ela, feita de material mais duradouro, tem vida mais longa, porque
sua aplicação, regulada por leis rigorosamente científicas, possibilita
maior economia no desgaste de suas partes componentes e de seus
meios de consumo; finalmente, porque seu campo de produção é in-comparavelmente
maior do que o da ferramenta. Deduzamos de ambas,
da maquinaria e da ferramenta, seus custos médios diários ou a com-ponente de valor que, mediante o desgaste médio diário e o consumo


de materiais acessórios, como óleo, carvão etc., agregam ao produto,
então verificaremos que atuam de graça, exatamente da mesma forma
que forças naturais preexistentes sem acréscimo de trabalho humano.
Quanto maior o âmbito de atuação produtiva da maquinaria em relação
ao da ferramenta, tanto maior o âmbito de seu serviço não-pago, em
comparação com o da ferramenta. Só na grande indústria o homem
aprende a fazer o produto de seu trabalho anterior, já objetivado, atuar
gratuitamente em larga escala como uma força da Natureza. 33 Do estudo da cooperação e da manufatura resultou que certas


condições gerais de produção, como prédios etc., se comparadas com
as condições de produção esparsas de trabalhadores isolados, são eco-nomizadas
por meio do consumo coletivo e, portanto, encarecem menos
o produto. Na maquinaria, não só o corpo de uma máquina de trabalho
é consumido por suas muitas ferramentas, mas também a própria má-quina-
motriz, além de parte do mecanismo de transmissão, é coletiva-mente
consumida por muitas máquinas de trabalho. Dada a diferença entre o valor da maquinaria e a parte de valor


transferida para seu produto diário, o grau em que essa parte do valor
encarece o produto depende, antes de tudo, do tamanho do produto,


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22
33 Ricardo apreende esse efeito das máquinas — o qual aliás no restante ele desenvolve tão pouco quanto a diferença geral entre processo de trabalho e processo de
valorização —
com tanta exclusividade que ocasionalmente esquece a componente de valor que as máquinas transferem ao produto e as confunde totalmente com as forças da Natureza.
Assim, por
exemplo: "Adam Smith não subavalia em nenhum lugar os serviços que os agentes naturais e a maquinaria nos prestam, mas distingue muito justamente a natureza do valor,
que
eles agregam às mercadorias (...) como eles executam seu trabalho gratuitamente, o auxílio que nos prestam nada agrega ao valor de troca". (RICARDO. On the Principles
of Political
Economy, and Taxation Londres, 1821, pp. 336-337.) Naturalmente a observação de Ricardo é correta contra J.-B. Say, que imagina que as máquinas prestam o "serviço"
de criar valor,
que constitui parte do "lucro".
20#
assim como de sua superfície. O Sr. Baynes, de Blackburn, numa con-ferência publicada em 1857, estima que
"cada cavalo-vapor real 34 impulsiona 450 fusos do selfacting mule ou 200 fusos de throstle ou 15 teares para 40 inch cloth, 35 além
dos acessórios para levantar a urdidura, alisar etc.". 36
No primeiro caso, é no produto de 450 fusos de mule, no segundo, no de 200 fusos de throstle, no terceiro, no de 15 teares mecânicos que


se repartem os custos diários de 1 cavalo-vapor e o desgaste da ma-quinaria posta por ele em movimento, de modo que, em virtude disso,
apenas uma parcela ínfima de valor é transferida a 1 onça de fio ou a 1 vara de tecido. O mesmo se dá no exemplo acima com o martelo
a vapor. Já que seu desgaste diário, consumo de carvão etc. se repartem pelas tremendas massas de ferro que martela a cada dia, a cada quintal
de ferro só adere uma parcela minúscula de valor, que seria muito grande se esse instrumento ciclópico tivesse de colocar pequenos pregos.
Dada a escala de ação da máquina de trabalho, portanto o número
de suas ferramentas, ou, onde se trata de força, dado seu tamanho, a
massa de produtos dependerá da velocidade com que ela opera, por-tanto,
por exemplo, da velocidade com que gira o fuso ou do número de golpes que o martelo dá em 1 minuto. Vários desses martelos co-lossais


dão 70 golpes, a máquina de forjar patenteada por Ryder, que
usa martelos a vapor em dimensões menores para forjar fusos, dá 700
golpes em 1 minuto.
Dada a proporção em que a maquinaria transfere valor para o produto, a grandeza dessa parcela de valor depende de sua própria


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23
34 {Nota à 3ª edição. — Um "cavalo de força" equivale à força de 33 mil libras-pé por minuto, ou seja, à força capaz de erguer o peso de 33 mil libras a 1 pé (inglês)
por minuto ou então
1 libra-peso a 33 mil pés. Isso é o que se entende acima por "cavalo de força". Na linguagem comercial comum, e também aqui e ali em citações deste livro, faz-se,
porém, distinção
entre cavalos de força "nominais" e "comerciais" ou "indicados" da mesma máquina. O cavalo de força antigo ou nominal é calculado exclusivamente pelo comprimento
do curso
do êmbolo e pelo diâmetro do cilindro, deixando de considerar totalmente a pressão do vapor e a velocidade do êmbolo. Ou seja, expressa efetivamente: esta máquina
a vapor tem,
por exemplo, 50 cavalos de força se ela for impelida pela mesma pressão baixa e à mesma velocidade reduzida do êmbolo que à época de Boulton e Watt. Os dois últimos
fatores
cresceram, porém, enormemente desde então. Para medir a força mecânica realmente for-necida hoje por uma máquina, foi inventado o indicador que registra a pressão
do vapor.
A velocidade do êmbolo é fácil de verificar. Assim, a medida dos cavalos de força "indicados" ou "comerciais" de uma máquina é uma fórmula matemática que considera
simultaneamente
o diâmetro do cilindro, o comprimento do curso do êmbolo, a velocidade do êmbolo e a pressão do vapor, mostrando, portanto, quantas vezes a máquina efetivamente
realiza 33
mil libras-pé por minuto. Um cavalo de força nominal pode, por conseguinte, realizar 3, 4 e até mesmo 5 cavalos de força indicados ou reais. Seja isso dito para
esclarecer diversas
citações posteriores. — F. E.} 35 Pano de 40 polegadas. (N. dos T.)
36 Baynes, J. B. The Cotton Trade. Two Lectures on the Above Subject, Delivered Before the Members of the Blackburn Literary Scientific and Mechanic's Institution.
Londres, Blackburn,
1857. (N. da Ed. Alemã.)
21#
grandeza de valor. 37 Quanto menos trabalho ela mesma contém, tanto menos valor agrega ao produto. Quanto menos valor transfere, tanto
mais produtiva é e tanto mais seu préstimo se aproxima do das forças naturais. A produção de maquinaria por intermédio de maquinaria
reduz, porém, seu valor em relação a sua amplitude e eficácia. Uma análise comparativa entre preços das mercadorias produ-zidas
artesanal ou manufatureiramente e os preços das mesmas mer-cadorias como produtos de máquina dá em geral o resultado de que,
no produto de máquina, a parte do valor devida ao meio de trabalho cresce relativamente, mas decresce em termos absolutos. Isso quer dizer
que sua grandeza absoluta decresce, mas sua grandeza cresce em re-lação
ao valor global do produto, por exemplo, 1 libra de fio. 38 É claro que ocorre um mero deslocamento do trabalho, portanto


a soma global do trabalho exigido para a produção de uma mercadoria
não é diminuída ou a força produtiva do trabalho não é aumentada, quando a produção de uma máquina custa tanto trabalho quanto sua


aplicação economiza. No entanto, a diferença entre o trabalho que ela
custa e o trabalho que ela poupa, ou o grau de sua produtividade, não depende, evidentemente, da diferença entre seu próprio valor e o valor


da ferramenta por ela substituída. A diferença perdurará tanto tempo
quanto os custos de trabalho da máquina, e por isso a parcela de valor adicionada por ela ao produto permanecerá menor do que o valor que


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37 O leitor preso a concepções capitalistas sente aqui naturalmente falta do "juro" que a máquina agrega ao produto proporcionalmente a seu valor de capital. É fácil
de compreender,
no entanto, que a máquina, já que ela cria tão pouco valor novo como qualquer outra parte do capital constante, não pode adicionar o mesmo sob o nome de "juros".
Além disso, está
claro que aqui, onde se trata da produção de mais-valia, não pode ser pressuposta a priori nenhuma parte da mesma sob o nome de "juros". O modo de calcular capitalista,
que,
prime facie, parece absurdo e contraditório às leis da formação do valor, encontra sua explicação no Livro Terceiro dessa obra.
38 Essa parcela do valor adicionada pela máquina cai absoluta e relativamente onde ela desloca cavalos, animais de tração em geral, que só sejam usados como força
motriz, não como máquinas
metabólicas. Observe-se de passagem que Descartes, com sua definição dos animais como meras máquinas, enxerga com os olhos do período manufatureiro em contraste
com a Idade
Média, para a qual o animal era ajudante do homem, como o foi depois de novo para o Sr. V. Haller em sua Restauration der Staatswissenschaften. Que Descartes, assim
como Bacon,
encarava uma configuração modificada da produção e dominação prática da Natureza pelos homens como resultante do método modificado de pensamento, demonstra-o seu
Discours de
la Méthode, no qual, entre outras coisas, é dito: "É possível" (mediante o método introduzido por ele na Filosofia) "alcançar conhecimentos que são muito úteis para
a vida, e no lugar
daquela filosofia especulativa que se ensina nas escolas encontrar uma filosofia prática, pela qual podemos aplicar a força e eficácia do fogo, da água, do ar, dos
astros e de todos os outros
corpos que nos cercam — ao conhecê-los com tanta exatidão quanto os diversos ofícios de nossos artesãos — igualmente a todos os fins úteis a que se adequam e assim
tornar-nos
senhores e possuidores da Natureza" e, desse modo, "contribuir para o aperfeiçoamento da vida humana". No prefácio de Discourses upon Trade de Sir Dudley North (1691)
é dito que
o método de Descartes, aplicado à Economia Política, teria começado a livrá-la de antigos contos de fadas e de concepções supersticiosas sobre dinheiro, comércio
etc. Em média, no
entanto, os antigos economistas ingleses se filiam a Bacon e Hobbes como seus filósofos, enquanto Locke tornou-se mais tarde "o filósofo" ' o [por excelência.
(N. dos T.)] da
Economia Política para Inglaterra, França e Itália.
22#
o trabalhador com sua ferramenta acrescentaria ao objeto do trabalho. A produtividade da máquina se mede portanto pelo grau em que ela
substitui a força de trabalho humana. Segundo o Sr. Baynes, são ne-cessários 2 1/ 2 trabalhadores 39 para 450 fusos de mule com acessórios,
que são movidos por 1 cavalo-vapor; com cada selfacting mule spindle, 40 em 10 horas de trabalho diário, são fiadas 13 onças de fio (número
médio), portanto, semanalmente, 365 5/ 8 libras por 2 1/ 2 trabalhadores. Em sua transformação em fio cerca de 366 libras de algodão (para
simplificar, não consideramos as perdas) absorvem, portanto, apenas 150 horas de trabalho ou 15 dias de trabalho de 10 horas, enquanto
com a roda de fiar, se o fiandeiro manual fornece 13 onças de fio em 60 horas, o mesmo quantum de algodão absorveria 2 700 dias de tra-balho
de 10 horas ou 27 mil horas de trabalho. 41 Onde o velho método do blockprinting ou de estampar tecidos a mão foi deslocado pela im-pressão
a máquina, uma única máquina, assistida por um homem ou um jovem, estampa tanto tecido a quatro cores quanto antigamente
200 homens. 42 Antes de Ely Whitney ter inventado em 1793 a cottongin, a separação de 1 libra de algodão da semente custava em média 1 dia
de trabalho. Em decorrência de sua invenção, 100 libras de algodão podiam ser obtidas a cada dia por uma negra e desde então a eficiência
da gin foi consideravelmente aumentada. Uma libra de fibra de algodão, antigamente produzida a 50 cents, é mais tarde vendida com maior
lucro, ou seja, com a inclusão de mais trabalho não-pago, a 10 cents. Na Índia, para separar a fibra da semente, emprega-se um instrumento
semimecânico, a churca, com a qual um homem e uma mulher limpam diariamente 28 libras-peso. Com a churca inventada há alguns anos
pelo Dr. Forbes, um homem e um jovem produzem diariamente 250 libras; onde bois, vapor ou água são usados como forças motrizes, são
necessários apenas poucos rapazes e moças como feeders (alimentadores da máquina com material). Dezesseis dessas máquinas, movidas por
bois, fazem por dia o trabalho médio diário de 750 pessoas. 43 Como já foi aventado, a máquina a vapor, no caso do arado a


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25
39 Segundo um relatório anual da Câmara de Comércio de Essen (outubro de 1863), a side-rúrgica Krupp produziu, em 1862, por meio de 161 fornos de fundição, caldeamento
e
cementação, de 32 máquinas a vapor (em 1800, era esse mais ou menos o número global de máquinas a vapor utilizadas em Manchester) e de 14 martelos a vapor, que representam
um conjunto de 1 236 cavalos de força, de 49 forjas, de 203 máquinas-ferramentas e de cerca de 2 400 trabalhadores — 13 milhões de libras de aço. Aí, nem sequer
2 trabalhadores
para 1 cavalo de força. 40 Fuso de selfacting mule. (N. dos T.)
41 Babbage calcula que, em Java, 117% são adicionados ao valor do algodão quase só pelo trabalho de fiação. Na mesma época (1832), na Inglaterra, o valor global
que a maquinaria
e o trabalho acrescentavam ao algodão na fiação fina era de mais ou menos 33% sobre o valor da matéria-prima. (Op. cit., p. 165-166.)
42 Além disso, a estampagem a máquina economiza tinta. 43 Cf. "Paper read by Dr. Watson, Reporter on Products to the Government of India, before
the Society of Arts". 17 de abril de 1860.
23#
vapor, executa em 1 hora, a 3 pence ou 1/ 4 de xelim, tanto trabalho quanto 66 pessoas a 15 xelins por hora. Volto a esse exemplo para
esclarecer uma concepção falsa. Os 15 xelins não são, de modo algum, a expressão do trabalho realizado pelas 66 pessoas em 1 hora. Se a
relação entre mais-trabalho e trabalho necessário era de 100%, então esses 66 trabalhadores produziam por hora um valor de 30 xelins,
embora só 33 horas representem um equivalente para eles, isto é, um salário de 15 xelins. Supondo-se, portanto, que uma máquina custa
tanto quanto o salário anual de 150 trabalhadores deslocados por ela, digamos 3 mil libras esterlinas, 3 mil libras esterlinas não são, de
modo algum, a expressão monetária do trabalho fornecido por 150 tra-balhadores e agregado ao objeto do trabalho, mas só a expressão da
parcela de seu trabalho anual que se apresenta a eles mesmos como salário. Em contrapartida, o valor monetário da máquina de 3 mil
libras esterlinas expressa todo o trabalho despendido durante sua pro-dução, qualquer que seja a relação em que esse trabalho constitua
salário para o trabalhador e mais-valia para o capitalista. Caso a má-quina custe, por conseguinte, tanto quanto a força de trabalho subs-tituída
por ela, então o trabalho objetivado nela mesma é sempre muito menor do que o trabalho vivo por ela substituído. 44
Considerada exclusivamente um meio de baratear o produto, o limite para o uso da maquinaria está em que sua própria produção
custe menos trabalho do que o trabalho que sua aplicação substitui. Para o capital, no entanto, esse limite se expressa de modo mais es-treito.
Como ele não paga o trabalho aplicado, mas o valor da força de trabalho aplicada, o uso da máquina lhe é delimitado pela diferença
entre o valor da máquina e o valor da força de trabalho substituída por ela. Como a divisão da jornada de trabalho em trabalho necessário
e mais-trabalho é diferente em diferentes países, bem como no mesmo país em diferentes períodos ou durante o mesmo período em diferentes
ramos de atividades; como, além disso, o verdadeiro salário do traba-lhador ora cai abaixo do valor de sua força de trabalho, ora se eleva
acima dele, a diferença entre o preço da maquinaria e o preço da força de trabalho a ser substituída por ela pode variar muito, ainda que a
diferença entre o quantum de trabalho necessário à produção da má-quina e o quantum global de trabalho substituído por ela continue a
mesma. 45 Mas é só a primeira diferença que determina os custos de produção de mercadoria para o próprio capitalista e o influencia por
meio das leis coercitivas da concorrência. Por isso, são inventadas hoje,


OS ECONOMISTAS


26
44 "Esses agentes mudos" (máquinas) "são sempre o produto de muito menos trabalho do que aquele que eles dispensam, mesmo quando possuem o mesmo valor monetário."
(RICARDO.
Op. cit., p. 40.) 45 Nota à 2ª edição. Numa sociedade comunista, a maquinaria teria portanto um espaço de
atuação completamente diferente do que tem na sociedade burguesa.
24#
na Inglaterra, máquinas que só são empregadas na América do Norte, assim como a Alemanha inventou máquinas nos séculos XVI e XVII
que só a Holanda utilizou, bem como mais de uma invenção francesa do século XVIII só foi explorada na Inglaterra. A própria máquina,
em países há mais tempo desenvolvidos, produz, por sua aplicação em alguns ramos de atividade, tal excesso de trabalho (redundancy of la-bour,
diz Ricardo), em outros ramos, que aí a queda do salário abaixo do valor da força de trabalho impede o uso da maquinaria e torna-o
supérfluo, freqüentemente impossível, do ponto de vista do capital, cujo lucro surge de qualquer modo da diminuição não do trabalho apli-cado,
mas do trabalho pago. Em alguns ramos da manufatura inglesa de lã diminuiu muito durante os últimos anos o trabalho infantil, aqui
e ali ele foi quase suprimido. Por quê? A lei fabril tornou necessários dois turnos de crianças, dos quais um trabalha 6 horas e o outro 4,
ou cada um só 5 horas. Mas os pais não queriam vender os half-times (meios-turnos) mais baratos do que anteriormente os full-times (turnos
completos). Daí a substituição dos half-times por maquinaria. 46 Antes da proibição do trabalho de mulheres e crianças (com menos de 10
anos) em minas, o capital considerava o método de utilizar mulheres e moças nuas, muitas vezes unidas a homens, tão de acordo com seu
código moral e sobretudo com seu livro-caixa, que só depois da proibição ele recorreu à maquinaria. Os ianques inventaram máquinas britado-ras.
Os ingleses não as utilizam porque o "miserável" (wretch é o termo da Economia Política inglesa criado para o trabalhador agrícola) que
faz esse trabalho recebe como paga parte tão diminuta de seu trabalho que a maquinaria encareceria a produção para o capitalista. 47 Na In-glaterra,
ainda se utilizam ocasionalmente, em vez de cavalos, mulheres para puxar etc. os barcos nos canais, 48 porque o trabalho exigido para
a produção de cavalos e máquinas é um quantum matematicamente dado, enquanto, pelo contrário, o exigido para manter mulheres da
população excedente está abaixo de qualquer cálculo. Por isso, em ne-nhum lugar se encontra desperdício mais descarado de força humana
por uma ninharia do que na Inglaterra, a terra das máquinas.


MARX


27
46 "Empregadores de trabalho não querem manter desnecessariamente duas turmas de crianças com menos de 13 anos. (...) Um grupo de fabricantes, os fiadores de fio
de lã, de fato,
raramente emprega agora crianças com menos de 13 anos de idade, isto é, operários de tempo parcial. Introduziram máquinas aperfeiçoadas e novas de várias espécies,
que tor-naram
supérflua a utilização de crianças" (isto é, com menos de 13 anos de idade); "como exemplo mencionarei um processo de trabalho para ilustrar essa diminuição do número
de
crianças em que às máquinas já existentes foi ligado um aparelho chamado máquina de emendar, mediante o qual o trabalho de 6 ou de 4 meios-turnos, conforme as características
da máquina, pode ser feito por uma pessoa jovem" (com mais de 13 anos). "(...) O sistema de meio turno" estimulou "a invenção da máquina de emendar." (Reports of
Insp. of Fact.
for 31st Oct. 1858 [pp. 42-43.].) 47 "Maquinaria (...) freqüentemente não pode ser usada enquanto o trabalho" (ele quer dizer
salário) "não subir." (RICARDO. Op. cit.; p. 479.) 48 Ver Report of the Social Science Congress at Edinburgh. Octob. 1863.
25#
3. Efeitos imediatos da produção mecanizada sobre o trabalhador
O ponto de partida da grande indústria constitui, como foi mos-trado, a revolução do meio de trabalho, e o meio de trabalho revolu-cionado
assume sua configuração mais desenvolvida no sistema arti-culado de máquinas da fábrica. Antes de vermos como a esse organismo
objetivo é incorporado material humano, consideremos algumas reper-cussões gerais daquela revolução sobre o próprio trabalhador.


a) Apropriação de forças de trabalho suplementares pelo capital.
Trabalho feminino e infantil


À medida que a maquinaria torna a força muscular dispensável, ela se torna o meio de utilizar trabalhadores sem força muscular ou
com desenvolvimento corporal imaturo, mas com membros de maior flexibilidade. Por isso, o trabalho de mulheres e de crianças foi a pri-meira
palavra-de-ordem da aplicação capitalista da maquinaria! Com isso, esse poderoso meio de substituir trabalho e trabalhadores trans-formou-
se rapidamente num meio de aumentar o número de assala-riados, colocando todos os membros da família dos trabalhadores, sem
distinção de sexo nem idade, sob o comando imediato do capital. O trabalho forçado para o capitalista usurpou não apenas o lugar do
folguedo infantil, mas também o trabalho livre no círculo doméstico, dentro de limites decentes, para a própria família. 49
O valor da força de trabalho era determinado pelo tempo de trabalho não só necessário para a manutenção do trabalhador indivi-dual
adulto, mas para a manutenção da família do trabalhador. A maquinaria, ao lançar todos os membros da família do trabalhador no
mercado de trabalho, reparte o valor da força de trabalho do homem por toda sua família. Ela desvaloriza, portanto, sua força de trabalho.
A compra de uma família parcelada, por exemplo, em 4 forças de tra-balho, custa, talvez, mais do que anteriormente a compra da força de
trabalho do cabeça da família, mas, em compensação, surgem 4 jornadas


OS ECONOMISTAS


28
49 Durante a crise do algodão que acompanhou a guerra civil americana, o Dr. Edward Smith foi enviado pelo Governo britânico para Lancashire, Cheshire etc., para
averiguar a situação
de saúde dos trabalhadores da indústria algodoeira. Entre outras coisas, relatou que: do ponto de vista da higiene, abstraindo o banimento dos trabalhadores da atmosfera
da
fábrica, a crise teria várias outras vantagens. As mulheres operárias tinham agora o tempo livre necessário para amamentar as suas crianças, ao invés de envenená-las
com Godfrey's
Cordial (um opiato). Elas ganharam tempo para aprender a cozinhar. Infelizmente essa arte culinária coincidiu com um momento em que elas nada tinham para comer.
Vê-se,
porém, como o capital usurpou o trabalho familiar necessário ao consumo para sua auto-valorização. Igualmente, a crise foi usada para ensinar em escolas próprias
as filhas dos
operários a costurar. Uma revolução americana e uma crise mundial foram necessárias para que jovens trabalhadoras, que fiam para o mundo inteiro, aprendessem a costurar!
26#
de trabalho no lugar de uma, e o preço delas cai proporcionalmente ao excedente de mais-trabalho dos quatro em relação ao mais-trabalho
de um. Agora, quatro precisam fornecer não só trabalho, mas mais-trabalho para o capital, para que uma família possa viver. Assim, a
maquinaria desde o início amplia o material humano de exploração, o campo propriamente de exploração do capital, 50 assim como ao mesmo
tempo o grau de exploração. A maquinaria também revoluciona radicalmente a mediação for-mal
das relações do capital, o contrato entre trabalhador e capitalista. Com base no intercâmbio de mercadorias, o pressuposto inicial era
que capitalista e trabalhador se confrontariam como pessoas livres, como possuidores independentes de mercadorias: um, possuidor de di-nheiro
e de meios de produção; o outro, possuidor de força de trabalho. Mas, agora, o capital compra menores ou semidependentes. O traba-lhador
vendia anteriormente sua própria força de trabalho, da qual dispunha como pessoa formalmente livre. Agora vende mulher e filho.
Torna-se mercador de escravos. 51 A procura por trabalho infantil as-semelha-se, freqüentemente também na forma, à procura de escravos
negros, como se costumava ler em anúncios de jornais americanos.
"Minha atenção", diz, por exemplo, um inspetor de fábrica in-glês, "foi despertada por um anúncio no jornal local de uma das


mais importantes cidades manufatureiras de meu distrito, do qual


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29
50 "O número de trabalhadores aumentou muito, porque se substitui cada vez mais trabalho masculino por feminino e sobretudo trabalho adulto por infantil. Três garotas
de 13 anos
de idade, com salários de 6 a 8 xelins por semana, deslocaram um homem adulto com salário de 18 a 45 xelins." (QUINCEY. Th. de. The Logic of Polit. Econ. Londres,
1844.
Nota à p. 147.) Como certas funções da família, por exemplo, cuidar das crianças e ama-mentá-las etc., não podem ser totalmente suprimidas, as mães de família confiscadas
pelo
capital têm de arranjar substitutas mais ou menos equivalentes. Os labores domésticos que o consumo da família exige, como costurar, remendar etc., precisam ser
substituídos pela
compra de mercadorias prontas. Ao menor dispêndio de trabalho doméstico corresponde portanto maior dispêndio de dinheiro. Os custos de produção da família operária
crescem,
portanto, e contrabalançam a receita suplementar. Acrescente-se a isso que economia e eficiência no uso e na preparação dos meios de subsistência se tornam impossíveis.
Sobre
esses fatos escamoteados pela Economia Política oficial encontra-se rico material nos Reports dos inspetores de fábrica, na "Children's Employment Commission" e
notadamente nos
Reports on Public Health. 51 Contrastando com o importante fato de a limitação do trabalho das mulheres e das crianças
nas fábricas inglesas ter sido uma conquista arrancada ao capital pelos trabalhadores adultos masculinos, encontram-se ainda nos relatórios mais recentes da "Children's
Employment
Commission" atitudes realmente revoltantes, próprias de comerciantes de escravos, por parte de pais trabalhadores em relação ao tráfico de crianças. Mas o fariseu
capitalista,
como se pode ver nesses mesmos Reports, denuncia essa bestalidade por ele mesmo pro-duzida, eternizada e explorada, a qual, fora daí, dá o nome de "liberdade de
trabalho".
"Recorreu-se ao trabalho de crianças pequenas (...) até mesmo para que trabalhem para seu próprio pão de cada dia. Sem forças para suportar trabalho tão desproporcionalmente
pesado, sem instrução que viesse a guiar sua vida futura, foram jogadas numa situação poluída física e moralmente. O historiador judeu observou, em relação à destruição
de
Jerusalém por Tito, que não era de se admirar que teria de ser destruída e destruída tão completamente se lá uma mãe desumana sacrificou seu próprio rebento para
satisfazer a
avidez de uma fome absoluta." (Public Economy Concentrated. Carlisle, 1833. p. 66.)
27#
o seguinte é uma cópia: Precisa-se de 12 a 20 garotos bastante crescidos para que possam passar por 13 anos. Salário, 4 libras
esterlinas por semana. Dirigir-se a etc." 52
A frase "que possam passar por 13 anos" refere-se a que, pelo Factory Act, crianças com menos de 13 anos só podem trabalhar 6


horas. Um médico oficialmente habilitado (certifying surgeon) tem de atestar a idade. O fabricante pede portanto jovens que aparentem já
ter 13 anos. A queda, por vezes súbita, do número de crianças com menos de 13 anos empregadas por fabricantes, surpreendente na es-tatística
inglesa dos últimos 20 anos, era, segundo o depoimento dos inspetores de fábrica, devida, em grande parte, aos certifying surgeons,
que falseavam a idade das crianças de acordo com a ânsia de exploração dos capitalistas e com a necessidade de traficância dos pais. No mal-afamado
distrito londrino de Bethnal Green, a cada segunda e terça-feira pela manhã, é realizado um mercado público, em que crianças
de ambos os sexos, a partir de 9 anos de idade, alugam a si mesmas para as manufaturas de seda londrinas. "As condições usuais são 1
xelim e 8 pence por semana (que pertence aos pais) e 2 pence para mim mesmo, além de chá." Os contratos são válidos apenas por uma
semana. As cenas e o linguajar, enquanto dura esse mercado, são ver-dadeiramente revoltantes. 53 Na Inglaterra, ainda ocorre que mulheres
"peguem crianças da Workhouse e as aluguem para qualquer comprador por 2 xelins e 6 pence por semana. 54 Apesar da legislação, pelo menos
2 mil jovens continuam sendo vendidos por seus próprios pais como máquinas vivas para limpar chaminés (apesar de existirem máquinas
para substituí-los). 55 A revolução acarretada pela maquinaria na relação jurídica entre comprador e vendedor de força de trabalho, de maneira
que a transação toda perde até mesmo a aparência de um contrato entre duas pessoas livres, propiciou mais tarde ao Parlamento inglês
a escusa jurídica para a ingerência do Estado no sistema fabril. Toda vez que a lei fabril limita a 6 horas o trabalho infantil em ramos
industriais até então não atingidos, ecoa sempre de novo a lamentação dos fabricantes: que parte dos pais retiraria as crianças da indústria
agora regulamentada, para vendê-las naquelas em que ainda predo-mina a "liberdade de trabalho", isto é, onde crianças com menos de
13 anos são obrigadas a trabalhar como adultos, podendo ser portanto também alienadas a um preço maior. Como o capital, porém, é um
leveller 56 por natureza, isto é, exige, em todas as esferas da produção,


OS ECONOMISTAS


30
52 REDGRAVE, A. In: Reports of Insp. of Fact. for 31st October 1858, pp. 40-41. 53 Children's Employment Commission, V Report. Londres, 1866, p. 81, nº 31. {Nota
à 4ª
edição. — A indústria de sedas de Bethnal Green está agora quase extinta. — F. E.} 54 Child. Employm. Comm., III Report. Londres, 1864, p. 53, nº 15.
55 Loc. cit., V Report. p. XXII, nº 137. 56 Nivelador. (N. dos T.)
28#
como um direito humano inato, igualdade nas condições de exploração do trabalho, a limitação legal do trabalho infantil em um ramo da
indústria torna-se causa de sua limitação em outro. Já se fez alusão à ruína física das crianças e pessoas jovens, bem
como das mulheres trabalhadoras, que a maquinaria submete à explo-ração do capital primeiro diretamente nas fábricas que rapidamente
crescem com base nela, e, depois, indiretamente, em todos os demais ramos industriais. Só nos deteremos aqui num ponto, a monstruosa
mortalidade de filhos de trabalhadores em seus primeiros anos de vida. Na Inglaterra, há 16 distritos de registro em que, na média anual,
para cada 100 mil crianças vivas com menos de 1 ano de idade, só ocorrem 9 085 casos de óbito (em um distrito, apenas 7 047); em 24
distritos, mais de 10 mil, mas abaixo de 11 mil; em 39 distritos, mais de 11 mil, mas abaixo de 12 mil; em 48 distritos, mais de 12 mil, mas
menos de 13 mil; em 22 distritos, acima de 20 mil; em 25 distritos, acima de 21 mil; em 17, acima de 22 mil; em 11, acima de 23 mil; em
Hoo, Wolverhampton, Ashton-under-Lyne e Preston, acima de 24 mil; em Nottingham, Stockport e Bradford, acima de 25 mil; em Wisbeach
26 001; e em Manchester 26 125. 57 Como demonstrou uma investigação médica oficial em 1861, abstraindo circunstâncias locais, as altas taxas
de mortalidade se devem principalmente à ocupação extradomiciliar das mães e ao descuido e mau trato das crianças daí decorrentes —
entre outras coisas, alimentação inadequada, falta de alimentação, ad-ministração de opiatos etc. — além da alienação antinatural 58 das mães
contra seus filhos, e conseqüentemente esfomeação e envenenamento propositais. 59 Em distritos agrícolas, "onde existe um mínimo de ocu-pação
feminina, a taxa de mortalidade é, por outro lado, menor". 60 A comissão de investigação de 1861 chegou no entanto ao resultado ines-perado
de que, em alguns distritos puramente agrícolas adjacentes ao mar do Norte, a taxa de mortalidade de crianças com menos de 1 ano
quase alcançou a dos distritos fabris de pior fama. O Dr. Julian Hunter foi, por isso, incumbido de pesquisar in loco esse problema. Seu relatório
está incorporado ao VI Report on Public Health. 61 Supunha-se até então que as crianças eram dizimadas pela malária e por outras doenças
típicas de regiões baixas e pantanosas. A investigação revelou exata-mente o contrário, ou seja,


MARX


31
57 Sixth Report on Public Health. Londres, 1864. p. 34. 58 Natural, na 3ª e 4ª edição. (N. da Ed. Alemã.)
59 "Ele" (o inquérito de 1861) "(...) mostrou, além disso, que enquanto nas circunstâncias descritas as crianças pequenas perecem devido à negligência e aos maus-tratos,
que são
condicionados pelo trabalho de suas mães, as mães perdem, em assustadora dimensão, as emoções naturais em relação a seus rebentos — comumente não se incomodando
muito
com a morte deles e às vezes até (...) tomando medidas diretas para provocá-la." (Loc. cit.) 60 Loc. cit., pp. 454.
61 Loc. cit., pp. 454-462. Reports by Dr. Henry Julian Hunter on the excessive mortality of infants in some rural districts of England.
29#
"que a mesma causa que extinguiu a malária, isto é, a transfor-mação do solo, de pântano no inverno e pastagem pobre no verão
em terra fértil para cereais, acarretou a extraordinária taxa de mortalidade infantil". 62


Os 70 médicos práticos que o Dr. Hunter ouviu naquele distrito foram "surpreendentemente unânimes" quanto a esse ponto. Com
a revolução no cultivo do solo com efeito foi introduzido o sistema industrial.


"Mulheres casadas, que, em bandos, trabalham junto com mo-ças e jovens, são postas à disposição do arrendatário por um
homem, chamado de 'mestre do bando', que aluga o bando todo por determinada quantia. Esses bandos se deslocam freqüente-mente
muitas milhas para longe de suas aldeias, são encontráveis ao amanhecer e à noitinha pelas estradas rurais, as mulheres
usando anáguas curtas, saias correspondentes e botas, e às vezes calças, parecendo muito fortes e saudáveis, mas arruinadas por imo-ralidade
costumeira e despreocupadas com as conseqüências nefas-tas que seu amor por essa vida ativa e independente está acarretando
para seus infortunados rebentos, que definham em casa. 63
Todos os fenômenos dos distritos fabris se reproduzem aí e, em maior grau, o infanticídio disfarçado e o tratamento de crianças com
opiatos. 64
"Meu conhecimento do mal que causa", diz o Dr. Simon, funcionário médico do Privy Council 65 inglês e redator en chef


dos relatórios sobre Public Health, "deve justificar o profundo horror com que encaro qualquer emprego industrial, em larga
escala, de mulheres adultas." 66 "Será", proclama o inspetor de fábrica R. Baker num relatório oficial, "de fato uma felicidade
para os distritos manufatureiros da Inglaterra quando toda


OS ECONOMISTAS


32
62 Loc. cit., p. 35 e p. 455-456. 63 Loc. cit., p. 456.
64 Assim como nos distritos fabris ingleses, expande-se dia a dia também nos distritos agrícolas o consumo de ópio entre os trabalhadores e trabalhadoras adultos.
"Promover a venda de
opiatos (...) é a grande meta de alguns atacadistas empreendedores. Entre os farmacêuticos, é considerado o artigo de maior saída." (Loc. cit., p. 459.) "Lactantes
a que foram dados
opiatos atrofiam, tornando-se pequenos anciões" ou "murcham até ficar como pequenos macacos." (Loc. cit., p. 460.) Percebe-se como a Índia e a China se vingam da
Inglaterra.
65 Conselho Secreto — órgão especial junto ao rei da Inglaterra, constituído por ministros e outros dignatários burocráticos e religiosos. O Conselho Secreto foi
criado no século XIII.
Por muito tempo ele teve direito de legislar e só era responsável perante o rei, não perante o Parlamento. Nos séculos XVIII e XIX caiu muito sua importância. Hoje,
o Conselho
Secreto não tem, na Inglaterra, nenhuma significação prática. (N. da Ed. Alemã.) 66 Loc. cit., p. 37.
30#
mulher casada, que tenha família, for proibida de trabalhar em qualquer fábrica." 67
A degradação moral decorrente da exploração capitalista do tra-balho de mulheres e crianças foi exposta tão exaustivamente por F.
Engels em Situação da Classe Trabalhadora da Inglaterra e por outros
autores que apenas a registro aqui. Mas a devastação intelectual, ar-tificialmente
produzida pela transformação de pessoas imaturas em
meras máquinas de produção de mais-valia — que deve ser bem dis-tinguida
daquela ignorância natural que deixa o espírito ocioso sem
estragar sua capacidade de desenvolvimento, sua própria fecundidade natural —, obrigou, finalmente, até mesmo o Parlamento inglês a fazer


do ensino primário a condição legal para o uso "produtivo" de crianças
com menos de 14 anos em todas as indústrias sujeitas às leis fabris.
O espírito da produção capitalista resplandeceu com brilho na redação
indecente das assim chamadas cláusulas educacionais da legislação
fabril, na falta de maquinaria administrativa, que torna esse ensino compulsório novamente em grande parte ilusório, na oposição dos fa-bricantes


até mesmo contra essa lei do ensino e em artimanhas práticas
e trapaças para deixarem de cumpri-la.


"Apenas o Legislativo é para ser culpado por ter passado uma lei ilusória (delusive law) que, sob a aparência de provi-denciar


educação para as crianças, não contém nenhum dis-positivo pelo qual esse pretenso objetivo possa ser assegurado.
Nada determina, exceto que as crianças devam ser encerradas por determinado número de horas" (3 horas) "por dia dentro
das quatro paredes de um local, chamado de escola, e que o usuário da criança deva receber semanalmente um certificado
a respeito de uma pessoa que lhe apõe o nome como professor ou professora." 68


Antes da promulgação da Lei Fabril 69 emendada de 1844, não
eram raros certificados de freqüência escolar assinados com uma cruz
por professor ou professora, já que estes não sabiam escrever.


"Ao visitar uma dessas escolas expedidoras de certificados fi-quei tão chocado com a ignorância do mestre-escola que lhe disse:


MARX


33
67 Reports of Insp. of Fact. for 31st Oct. 1862. p. 59. Esse inspetor de fábrica tinha sido anteriormente médico.
68 HORNER, Leonard. In: Reports of Insp. of Fact, for 30th April 1857. p. 17. 69 Neste capítulo, seguidamente aparece a expressão "lei fabril" ou "legislação fabril",
tradução
de Fabrikakt e Fabrikgesetzgebung, referindo-se à expressão inglesa Factory Act, também muito empregada por Marx. A tradução feita decorre de uma tradição já institucionalizada,
ainda que seu pleno significado seja encontrado na expressão "lei trabalhista" e "legislação trabalhista". (N. dos T.)
31#
'Por favor, o senhor sabe ler? ' Sua resposta foi: 'Ah! algo' (sum-mat). 70 E, como justificativa, acrescentou: 'De todos os modos,
estou à frente de meus alunos'."
Durante a elaboração da Lei de 1844, os inspetores de fábrica
denunciavam a lamentável situação dos locais, denominados escolas,
cujos certificados eles tinham de aceitar como totalmente válidos
do ponto de vista legal. Tudo o que conseguiram foi que, a partir de 1844,


"os números no certificado escolar tinham de ser preenchidos com letra do próprio punho do mestre-escola, que também tinha
de assinar com nome e sobrenome". 71
Sir John Kincaid, inspetor de fábrica na Escócia, conta experiên-cias funcionais semelhantes.


"A primeira escola que visitamos era mantida por uma Mrs. Ann Killin. Quando lhe pedi para soletrar o sobrenome, ela logo
cometeu um erro ao começar com a letra C, mas, corrigindo-se imediatamente, disse que seu sobrenome começava com K. Olhan-do
sua assinatura nos livros de assentamentos escolares, reparei, no entanto, que ela o escrevia de vários modos, enquanto sua
letra não deixava nenhuma dúvida quanto a sua incapacidade para lecionar. Ela mesma também reconheceu que não sabia man-ter
o registro. (...) Numa segunda escola, encontrei uma sala de aula de 15 pés de comprimento e 10 pés de largura e nesse
espaço contei 75 crianças que estavam grunhindo algo ininteli-gível." 72 "Não é, porém, apenas nessas covas lamentáveis que as
crianças recebem certificados escolares mas nenhuma instrução, pois, em muitas escolas onde o professor é competente, os esforços
dele são de pouca valia em face do amontoado atordoante de crianças de todas as idades, a partir de 3 anos. Sua receita,
mísera no melhor dos casos, depende totalmente do número de pence, recebidos do maior número possível de crianças que seja
possível empilhar num quarto. A isso acresce o parco mobiliário escolar, carência de livros e outros materiais didáticos, bem como
o efeito deprimente, sobre as pobres crianças, de uma atmosfera fechada e fétida. Estive em muitas dessas escolas, onde vi séries
inteiras de crianças não fazendo absolutamente nada: e isso é certificado como freqüência escolar e, na estatística oficial, tais
crianças figuram como tendo sido educadas (educated). 73


OS ECONOMISTAS


34
70 Something em cockney, dialeto londrino. (N. dos T.) 71 ID. In: Reports of Insp. of Fact. for 31st Oct. 1855. pp. 18-19.
72 KINCAID, Sir John. In: Reports of Insp. of Fact. for 31st Oct. 1858. pp. 31-32. 73 HORNER, Leonard. In: Reports etc. for 30th April 1857. p. 17-18.
32#
Na Escócia, os fabricantes procuram excluir, na medida do pos-sível,
crianças obrigadas a freqüentar a escola.


"Isso basta para demonstrar a grande hostilidade dos fabricantes contra as cláusulas educacionais." 74


Isso aparece de modo grotesco e horripilante nas estamparias de
chita etc., que são regulamentadas por uma lei fabril própria. Segundo
as determinações da lei:


"Toda criança, antes de ser empregada numa dessas estam-parias, deve ter freqüentado a escola ao menos por 30 dias e por


não menos de 150 horas durante os 6 meses que precedem ime-diatamente o primeiro dia de seu emprego. Durante a continui-dade
de seu emprego na estamparia, precisa igualmente freqüen-tar a escola por um período de 30 dias e de 150 horas a cada
período letivo semestral. (...) A freqüência à escola precisa ocorrer entre 8 horas da manhã e 6 horas da tarde. Nenhuma freqüência
de menos de 2 1/ 2 horas nem de mais de 5 horas no mesmo dia deve ser calculada como parte das 150 horas. Em circunstâncias
normais, as crianças freqüentam a escola pela manhã e à tarde por 30 dias, 5 horas por dia e, após o decurso dos 30 dias, quando
a soma estatutária global de 150 horas foi atingida, quando elas, para usar seu linguajar, acabaram seu livro, voltam para a es-tamparia,
onde ficam de novo por 6 meses até que vença outro prazo de freqüência escolar, e então ficam novamente na escola,
até que acabem o livro novamente. (...) Muitos jovens que fre-qüentam a escola durante as 150 horas requeridas, quando voltam
ao término dos 6 meses de permanência na estamparia, estão no mesmo ponto em que estavam no começo. (...) Eles natural-mente
perderam tudo quanto tinham adquirido com sua freqüên-cia anterior à escola. Em outras estamparias de chita, a freqüência
escolar é tornada dependente, de modo total e absoluto, das ne-cessidades de serviço da fábrica. O número regulamentar de horas
é preenchido a cada período semestral mediante prestações de 3 a 5 horas por vez, que talvez estejam dispersas pelos 6 meses.
Por exemplo, num dia a escola é freqüentada das 8 às 11 horas da manhã, noutro dia da 1 até as 4 horas da tarde e, depois de
a criança ter ficado ausente por uma série de dias, volta subitamente das 3 às 6 da tarde; então, aparece talvez por 3 a 4 dias consecutivos,
ou por uma semana, desaparece daí novamente por 3 semanas ou por 1 mês inteiro e retorna por algumas horas poupadas nos dias
sobrantes, quando seu empregador por acaso não precisar dela; e,


MARX


35
74 KINCAID, Sir John. In: Rep. Insp. Fact. 31st Oct. 1856. p. 66ª
33#
desse modo, a criança é, por assim dizer, chutada (buffeted) da escola para a fábrica, da fábrica para a escola, até que a soma de
150 horas tenha sido completada". 75
Com a adição preponderante de crianças e mulheres ao pessoal de trabalho combinado, a maquinaria quebra finalmente a resistência


que o trabalhador masculino ainda opunha na manufatura ao despo-tismo do capital. 76


b) Prolongamento da jornada de trabalho
Se a maquinaria é o meio mais poderoso de elevar a produti-vidade do trabalho, isto é, de encurtar o tempo de trabalho necessário
à produção de uma mercadoria, ela se torna, como portadora do capital, inicialmente nas indústrias de que se apodera de imediato,
o mais poderoso meio de prolongar a jornada de trabalho para além de qualquer limite natural. Ela cria, por um lado, novas condições
que capacitam o capital a dar livre vazão a essa sua tendência cons-tante e, por outro lado, novos motivos para aguçar seu apetite voraz
por trabalho alheio. Antes de tudo, na maquinaria se autonomizam o movimento e
a atividade operativa do meio de trabalho em face do operário. Torna-se em si e para si um perpetuum mobile industrial, que iria produzir
ininterruptamente caso não se chocasse com certas limitações naturais em seus auxiliares humanos: sua fraqueza corpórea e sua vontade
própria. Enquanto capital — e enquanto tal o autômato tem no capi-talista consciência e vontade — está animada pelo impulso de reduzir
a opositiva mas elástica limitação natural do ser humano à resistência mínima. 77 Esta é, de qualquer modo, diminuída pela aparente facilidade


OS ECONOMISTAS


36
75 REDGRAVE, A. In: Reports of insp. of Fact. for 31 st Oct. 1857. pp. 41-43. Nos ramos industriais ingleses em que vigora há mais tempo a lei fabril propriamente
dita (não o
Prints Work's Act referido por último no texto), os obstáculos contra as cláusulas educacionais foram um tanto superados nos últimos anos. Nas indústrias não sujeitas
à lei fabril pre-ponderam
ainda muito as opiniões do fabricante de vidros J. Geddes, que elucida ao co-missário de investigação White: "Pelo que percebo, o maior montante de educação que
parte da classe trabalhadora usufruiu nos últimos anos é um mal. É perigoso porque os torna independentes demais". (Chidren's Employment Commission, IV Report Londres,
1865.
p. 253.) 76 "O Sr. E., um fabricante, informou-me de que emprega exclusivamente mulheres em seus
teares mecânicos; ele dá preferência às mulheres casadas, especialmente àquelas com família em casa, que depende delas para se sustentar; são muito mais atentas
e dóceis, e são
compelidas a aplicar o máximo de seus esforços para obterem os meios de subsistência de que necessitam. Assim as virtudes, as virtudes peculiares do caráter feminino,
são perver-tidas
para seu próprio prejuízo — assim, tudo o que há de mais honesto e terno em sua natureza é transformado num meio de sua escravização e sofrimento." (Ten Hours' Factory
Bill. The Speech of Lord Ashley 15th March. Londres. 1844. p. 20.) 77 Desde a introdução geral de máquinas caras, a natureza humana tem sido solicitada muito
além de sua força média. (OWEN, Robert. Observations on the Effects of the Manufacturing System, 2ª ed.; Londres, 1817. [p. 16.])
34#
do trabalho na máquina e pela maior docilidade e maleabilidade do elemento feminino e infantil. 78
Como vimos, a produtividade da maquinaria é inversamente pro-porcional à grandeza da parcela de valor por ela transferida para o
produto. Quanto mais longo o período em que funciona, tanto maior a massa dos produtos sobre a qual se reparte o valor por ela adicionado,
e tanto menor a parte do valor que ela adiciona à mercadoria individual. Mas o período de vida ativa da maquinaria é claramente determinado
pela duração da jornada de trabalho ou pela duração do processo de trabalho diário multiplicado pelo número de dias em que ele se repete.
A depreciação das máquinas não corresponde, de modo algum, com exatidão matemática a seu tempo de utilização. E, mesmo que
isso seja pressuposto, uma máquina que funciona 16 horas por dia durante 7 1/ 2 anos cobre um período tão grande de produção e não
adiciona ao produto global mais valor do que a mesma máquina que, durante 15 anos, funciona apenas 8 horas por dia. No primeiro caso, no
entanto, a reprodução do valor da máquina seria duas vezes mais rápida do que no segundo e o capitalista teria embolsado mediante a mesma,
em 7 1/ 2 anos, tanta mais-valia quanto no segundo caso, em 15.
O desgaste material da máquina é duplo. Um desgaste decorre de seu uso, como moedas se desgastam pela circulação; o outro, de


sua não-utilização, como uma espada inativa enferruja na bainha. Esse é seu desgaste pelos elementos. O desgaste da primeira espécie está
em relação mais ou menos direta de seu uso; o segundo, até certo ponto, na razão inversa do uso. 79
Mas, além do desgaste material, a máquina sofre um desgaste, por assim dizer, moral. Ela perde valor de troca à medida que se
podem reproduzir de modo mais barato máquinas de igual construção ou à medida que surjam máquinas melhores concorrendo com ela. 80


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78 Os ingleses, que gostam de considerar a primeira forma empírica com que uma coisa aparece como seu motivo, apontam freqüentemente o grande roubo de crianças que
como Herodes,
o capital, nos primórdios do sistema fabril, levou a cabo em asilos e orfanatos — e por meio do qual incorporou material humano totalmente desprovido de vontade
— como motivo
da longa jornada de trabalho nas fábricas. Assim, por exemplo, Fielden, ele mesmo fabricante inglês: "É claro que as longas jornadas de trabalho foram estabelecidas
pela circunstância
de ter-se recebido um número tão grande de crianças indigentes de diferentes partes do país que os fabricantes se tornaram independentes dos trabalhadores e, uma
vez tendo,
com o auxílio do mísero material humano dessa forma mobilizado, tornado a longa jornada de trabalho costumeira, puderam impô-la com maior facilidade também a seus
vizinhos".
(FIELDEN, J. The Course of the Factory System. Londres. 1836. p. 11.) Quanto ao trabalho de mulheres, diz o inspetor de fábricas Saunders no relatório fabril de
1844: "Entre as
operárias, há mulheres que são ocupadas por muitas semanas sucessivas, com exceção de apenas poucos dias, das 6 horas da manhã até a meia-noite, com menos de 2 horas
para
refeições, de modo que, em 5 dias da semana, das 24 horas do dia só lhe sobram 6 para ir e voltar de suas casas e descansar na cama".
79 "A ocasião (...) para o estrago das delicadas partes móveis do mecanismo metálico pode estar na imobilidade." (URE. Op. cit., p. 281.)
80 O já anteriormente mencionado "Manchester Spinner" (Times, 26 de novembro de 1862) enumera entre os custos da maquinaria: "Ela" (ou seja, a dedução pela depreciação
da
35#
Em ambos os casos, seu valor, por mais nova e vitalmente forte que ainda possa ser, já não é determinado pelo tempo de trabalho de fato
objetivado nela mesma, mas pelo tempo de trabalho necessário a sua própria reprodução ou à representação da máquina mais aperfeiçoada.
Por isso, ela está mais ou menos desvalorizada. Quanto mais curto o período em que seu valor global é reproduzido, tanto menor o perigo
da depreciação moral e, quanto mais longa a jornada de trabalho, tanto mais curto aquele período. Logo que se introduz maquinaria em qual-quer
ramo da produção, aparecem, passo a passo, novos métodos para reproduzi-la mais barato 81 e aperfeiçoamentos que atingem não só par-tes
ou dispositivos isolados, mas toda sua construção. Por isso, em seu primeiro período de vida, esse motivo especial para o alongamento da
jornada de trabalho atua de modo mais agudo. 82 As demais circunstâncias permanecendo as mesmas e com uma
jornada de trabalho dada, a exploração do dobro do número de traba-lhadores exige igualmente a duplicação da parte do capital constante
despendida em maquinaria e construções, bem como a da despendida em matéria-prima, materiais auxiliares etc. Prolongando-se a jornada
de trabalho, amplia-se a escala da produção, enquanto a parte do capital despendida em maquinaria e construções permanece a mesma. 83 Por
isso, não só cresce a mais-valia, mas diminuem as despesas necessárias à exploração da mesma. Na verdade isso também ocorre mais ou menos
em todo e qualquer outro prolongamento da jornada de trabalho; aqui torna-se mais importante porque a parte do capital transformada em
meio de trabalho é em geral mais importante. 84 O desenvolvimento da produção mecanizada fixa uma parcela sempre crescente do capital
numa forma em que ele, por um lado, é constantemente valorizável e,


OS ECONOMISTAS


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máquina) "tem também o fim de cobrir o prejuízo que constantemente é causado pelo fato de máquinas, antes de estarem depreciadas, serem colocadas fora de uso por
outras de
construção mais nova e melhor". 81 "Estima-se, grosso modo, que construir uma única máquina de um novo modelo custará
cerca de 5 vezes mais do que a reconstrução do mesmo modelo." (BABBAGE. Op. cit., pp. 211-212.)
82 "Há alguns anos aperfeiçoamentos tão significativos e numerosos foram realizados na fa-bricação de tule que uma máquina em bom estado de conservação, cujo custo
original fora
de 1 200 libras esterlinas, foi vendida alguns anos depois por 60 libras esterlinas. (...) Os aperfeiçoamentos se sucederam tão rapidamente que máquinas permaneceram
inacabadas
nas mãos de seus construtores porque, devido a invenções mais afortunadas, já se haviam tornado obsoletas." Nesse período de avanços tempestuosos, os fabricantes
de tule logo
expandiram, por isso, a jornada anterior de trabalho de 8 horas com turma dupla para 24 horas. (Loc. cit., p. 233.)
83 "É evidente que, com as marés altas e marés baixas dos mercados e com a alternância de expansão e contração da demanda, seguidamente reaparecerão ocasiões em
que o fabricante
poderá aplicar capital circulante adicional sem empregar capital fixo adicional (...) quando quantidades adicionais de matéria-prima podem ser processadas sem despesas
adicionais
para construções e maquinaria." (TORRENS, R. On Wages and Combination. Londres, 1834. p. 64.)
84 A circunstância aventada no texto só é aventada para tornar completa a exposição, pois apenas no Livro Terceiro é que trato da taxa de lucro, isto é, da relação
entre mais-valia
e capital global adiantado.
36#
por outro, perde valor de uso e valor de troca assim que seu contato com o trabalho vivo é interrompido.
O Sr. Ashworth, um magnata inglês do algodão, ensina ao pro-fessor Nassau W. Senior:


"Quando um trabalhador agrícola põe de lado sua pá, torna inútil, por esse período, um capital de 18 pence. Se um de nossa
gente" (isto é, um dos trabalhadores da fábrica) "deixa a fábrica, ele torna inútil um capital que custou 100 mil libras esterlinas". 85


Veja só! Tornar "inútil", ainda que apenas por um instante, um capital que custou 100 mil libras esterlinas! É de clamar, de fato, aos
céus se alguém de nossa gente deixa a fábrica por uma única vez! O volume crescente da maquinaria, como o reconhece Senior, doutrinado
por Ashworth, torna "desejável" um prolongamento sempre crescente da jornada de trabalho. 86
A máquina produz mais-valia relativa não só ao desvalorizar di-retamente
a força de trabalho e, indiretamente, ao baratear as mer-cadorias
que entram em sua reprodução, mas também em suas pri-meiras aplicações esporádicas, ao transformar em trabalho potenciado


o trabalho empregado pelo dono de máquinas, ao elevar o valor social
do produto da máquina acima de seu valor individual, possibilitando
ao capitalista assim substituir, com uma parcela menor de valor do
produto diário, o valor diário da força de trabalho. Durante esse período
de transição, em que a produção mecanizada permanece uma espécie de monopólio, os lucros são, por isso, extraordinários e o capitalista


procura explorar ao máximo essa "lua-de-mel" por meio do maior pro-longamento
possível da jornada de trabalho. A grandeza do ganho es-timula
a voracidade por mais ganho.
Com a generalização da maquinaria num mesmo ramo de pro-dução, cai o valor social do produto da máquina para seu valor indi-vidual


e se impõe a lei de que a mais-valia não se origina das forças
de trabalho que o capitalista substituir pela máquina, mas, pelo con-trário,
das forças de trabalho que ocupa com ela. A mais-valia só se


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85 "When a labourer", said Mr. Ashworth, "lays down his spade, he renders useless, for that period, a capital worth 18 d. When one of our people leaves the mill,
he renders useless
a capital that has cost 100 000 pounds." (SENIOR. Letters on the Factory Act. Londres, 1837. p. 14)
86 "O grande peso do capital fixo em relação ao capital circulante (...) torna desejável a jornada longa de trabalho." Com o volume crescente da maquinaria etc.,
"a motivação para prolongar
a jornada de trabalho torna-se mais forte, pois esse é o único meio de tornar lucrativa grande massa de capital fixo". (Loc. cit., pp. 11-13.) "Há diversas despesas
numa fábrica
que continuam constantes quer a fábrica trabalhe mais ou menos tempo, como aluguel da construção, impostos gerais e locais, seguro contra fogo, salários de vários
trabalhadores
permanentes, deterioração da maquinaria, além de vários outros encargos cuja proporção para com o lucro diminui à medida que aumenta a produção." (Reports of the
Insp. of Fact.
for 31st Oct. 1862. p. 19.)
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origina da parte variável do capital e vimos que a massa da mais-valia
é determinada por dois fatores, a taxa de mais-valia e o número de
trabalhadores simultaneamente ocupados. Dada a duração da jornada de trabalho, a taxa de mais-valia é determinada pela proporção em


que a jornada se divide em trabalho necessário e mais-trabalho. O
número de trabalhadores simultaneamente ocupados depende, por sua
vez, da proporção entre a parte variável do capital e a constante. Agora,
é claro que a produção mecanizada, como quer que expanda, mediante
o aumento da força produtiva do trabalho, o mais-trabalho à custa do trabalho necessário, só alcança esse resultado ao diminuir o número


de operários ocupados por dado capital. Ela transforma parte do capital,
que antes era variável, isto é, que se convertia em força de trabalho
viva, em maquinaria, portanto em capital constante, que não produz
mais-valia. É impossível, por exemplo, espremer tanta mais-valia de
2 empregados quanto de 24. Se cada um dos 24 trabalhadores fornecer
de cada 12 horas apenas 1 hora de mais-trabalho, juntos eles fornecem 24 horas de mais-trabalho, enquanto o trabalho global dos 2 trabalha-dores


só compreende 24 horas. Há, portanto, na aplicação da maqui-naria
à produção de mais-valia, uma contradição imanente, já que dos
dois fatores da mais-valia que um capital de dada grandeza fornece
ela só aumenta um, a taxa de mais-valia, porque reduz o outro fator,
o número de trabalhadores. Essa contradição imanente se evidencia assim que, com a generalização da maquinaria em um ramo da indústria,


o valor da mercadoria produzida mecanicamente se torna o valor social
que regula todas as mercadorias da mesma espécie, e é essa contradição
que, por sua vez, impele o capital, sem que ele tenha consciência disso, 87
ao prolongamento mais violento da jornada de trabalho, para compensar
a redução do número relativo de trabalhadores explorados por meio do aumento do mais-trabalho não só relativo, mas também absoluto.


Se, portanto, a aplicação capitalista da maquinaria produz, por um lado, novos e poderosos motivos para o prolongamento desmedido da jor-nada
de trabalho e revoluciona o próprio modo de trabalho, bem como o caráter do corpo social de trabalho, de tal maneira que quebra a oposição
contra essa tendência, ela produz, por outro lado, em parte mediante a incorporação do capital de camadas da classe trabalhadora antes inaces-síveis,
em parte mediante a liberação dos trabalhadores deslocados pela máquina, uma população operária excedente, 88 compelida a aceitar a lei
ditada pelo capital. Daí o notável fenômeno na história da indústria mo-derna de que a máquina joga por terra todos os limites morais e naturais


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87 Por que essa contradição imanente não chega à consciência do capitalista individual e portanto tampouco à da Economia Política presa às concepções dele, ver-se-á
nas primeiras
partes do Livro Terceiro. 88 Um dos grandes méritos de Ricardo é ter entendido a maquinaria não só como um meio
de produção de mercadorias, mas também de redundant population.
38#
da jornada de trabalho. Daí o paradoxo econômico de que o meio mais poderoso para encurtar a jornada de trabalho se torna o meio infalível
de transformar todo o tempo de vida do trabalhador e de sua família em tempo de trabalho disponível para a valorização do capital. "Se",
sonhava Aristóteles, o maior pensador da Antiguidade,
"cada ferramenta, obedecendo às ordens ou mesmo pressentindo-as, pudesse realizar a obra que lhe coubesse, como os engenhos de


Dédalo que se movimentavam por si mesmos, ou as trípodes de Hefaísto que iam por si mesmas ao trabalho sagrado, se as lança-deiras
tecessem por si mesmas, não seriam, então, necessários au-xiliares para o mestre-artesão nem escravos para o senhor". 89


E Antípatros, um poeta grego da época de Cícero, saudava a
invenção do moinho hidráulico de moer cereal, essa forma elementar
de toda maquinaria produtiva, como libertadora das escravas e criadora da Idade do Ouro! 90 "Os pagãos, ah sim, os pagãos!" Como descobriu


o sensato Bastiat e, antes dele, o ainda mais prudente MacCulloch, eles não entendiam nada de Economia Política nem de cristianismo.
Não entendiam, entre outras coisas, que a máquina é o mais compro-vado meio de prolongar a jornada de trabalho. Justificavam eventual-mente
a escravidão de uns como meio para o pleno desenvolvimento de outros. Mas pregar a escravidão das massas para transformar alguns
arrivistas grosseiros ou semicultos em eminent spinners, extensive sau-sage makers e influential shoe black dealers, 91 para isso faltava-lhes o
órgão especificamente cristão.


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89 BIESE, F. Die Philosophie des Aristoteles. Berlim, 1842, v. II. 90 Apresento aqui a tradução do poema por Stolberg porque, do mesmo modo que as citações
anteriores sobre a divisão do trabalho, ele caracteriza a antítese entre a visão antiga e a moderna.
"Schonet der mahlenden Hand, o Müllerinnen, und schlafet Sanft! es verkünde der Hahn euch den Morgen umsonst!
Däo hat die Arbeit der Mädchen den Nymphen befohlen, Und itzt hüpfen sie leicht über die Räder dahin,
Da die erschütterten Achsen mit ihren Speichen sich wälzen, Und im Kreise die Last drehen des wälzenden Steins.
La t uns leben das Leben der Väter, und la t uns der Gaben Arbeitslos uns freun, welche die Göttin uns schenkt."
(Poema traduzido do grego para o alemão por Christian, Conde de Stolberg. Hamburgo, 1782.)
[Poupa essa mão moedora, ó moleira! E Dorme em paz! Que o galo anuncie a manhã em vão.
Deo ordenou às ninfas o trabalho das moças, e sobre as rodas elas saltam agora,
que os eixos estremecidos com seus raios rodem e movam em círculo a carga da pedra giratória.
Deixem-nos viver a vida dos pais e deixem-nos gozar sem trabalho a dádiva que a deusa nos deu.]
91 Fiandeiros eminentes, grandes fabricantes de salsichas e influentes comerciantes de graxa de sapatos. (N. dos T.)
39#
c) Intensificação do trabalho
O prolongamento desmedido da jornada de trabalho, que a ma-quinaria produz na mão do capital, provoca mais tarde, como vimos,
uma reação por parte da sociedade, ameaçada em sua raiz vital, e com isso a instauração de uma jornada normal de trabalho legalmente li-mitada.
Com base nesta última, desenvolve-se um fenômeno, que já encontramos antes, de decisiva importância — ou seja, a intensificação
do trabalho. Na análise da mais-valia absoluta, tratava-se inicialmente da grandeza extensiva do trabalho, enquanto o grau de sua intensidade
era pressuposto como dado. Temos, agora, de examinar a conversão da grandeza extensiva em grandeza intensiva ou de grau.
É evidente que, com o progresso da mecanização e com a expe-riência acumulada de uma classe própria de operadores de máquinas,
aumenta naturalmente a velocidade e, com isso, a intensidade do tra-balho. Assim, na Inglaterra o prolongamento da jornada de trabalho
avançou durante meio século paralelamente com a crescente intensi-ficação do trabalho na fábrica. No entanto torna-se compreensível que,
num trabalho que não se caracteriza por paroxismos transitórios, mas por uma uniformidade regular, repetida a cada dia, tem que se alcançar
um ponto nodal em que prolongamento da jornada de trabalho e in-tensidade do trabalho excluem-se mutuamente, de modo que o prolon-gamento
da jornada de trabalho só é compatível com um grau mais fraco de intensidade do trabalho e, vice-versa, um grau mais elevado
de intensidade com a redução da jornada de trabalho. Assim que a revolta cada vez maior da classe operária obrigou o Estado a reduzir
à força a jornada de trabalho e a ditar, inicialmente às fábricas pro-priamente ditas, uma jornada normal de trabalho, a partir desse ins-tante,
portanto, em que se impossibilitou de uma vez por todas a pro-dução crescente de mais-valia mediante o prolongamento da jornada
de trabalho, o capital lançou-se com força total e plena consciência à produção de mais-valia relativa por meio do desenvolvimento acelerado
do sistema de máquinas. Ao mesmo tempo, ocorreu uma modificação no caráter da mais-valia relativa. Em geral, o método de produção da
mais-valia relativa consiste em capacitar o trabalhador, mediante maior força produtiva do trabalho, a produzir mais com o mesmo dispêndio
de trabalho no mesmo tempo. O mesmo tempo de trabalho continua a adicionar o mesmo valor ao produto global, embora esse valor de
troca inalterado se apresente agora em mais valores de uso e, por isso, caia o valor da mercadoria individual. Outra coisa, porém, ocorre assim
que a redução forçada da jornada de trabalho, com o prodigioso impulso que ela dá ao desenvolvimento da força produtiva e à economia das
condições de produção, impõe maior dispêndio de trabalho, no mesmo tempo, tensão mais elevada da força de trabalho, preenchimento mais
denso dos poros da jornada de trabalho, isto é, impõe ao trabalhador


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uma condensação do trabalho a um grau que só é atingível dentro da jornada de trabalho mais curta. Essa compressão de maior massa de
trabalho em dado período de tempo conta, agora, pelo que ela é: como maior quantum de trabalho. Ao lado da medida do tempo de trabalho
como "grandeza extensiva", surge agora a medida de seu grau de con-densação. 92 Mas influência no tempo de trabalho como medida de valor
só ocorre também aqui enquanto a grandeza intensiva e a extensiva se colocam como expressões antitéticas e mutuamente excludentes do
mesmo quantum de trabalho. A hora mais intensa da jornada de tra-balho de 10 horas contém, agora, tanto ou mais trabalho, isto é, força
de trabalho despendida, do que a hora mais porosa da jornada de trabalho de 12 horas. Seu produto tem, por isso, tanto ou mais valor
do que o da 1 1/ 5 hora mais porosa. Abstraindo a elevação da mais-valia relativa pela força produtiva acrescida do trabalho, agora, por exemplo,
3 1/ 3 horas de mais-trabalho fornecem ao capitalista, para 6 2/ 3 horas de trabalho necessário, a mesma massa de valor fornecida antes por
4 horas de mais-trabalho para 8 horas de trabalho necessário. Pergunta-se, agora, como o trabalho é intensificado. O primeiro
efeito da jornada de trabalho reduzida decorre da lei evidente de que a eficiência da força de trabalho está na razão inversa de seu tempo
de efetivação. Por isso, dentro de certos limites, ganha-se em grau de esforço o que se perde em duração. No entanto, que o trabalhador
efetivamente movimente mais força de trabalho é assegurado pelo ca-pital mediante o método de pagamento. 93 Em manufaturas, por exemplo
na cerâmica, onde o papel desempenhado pela maquinaria é nenhum ou insignificante, a introdução da lei fabril demonstrou de modo fla-grante
que a mera redução da jornada de trabalho eleva maravilho-samente a regularidade, uniformidade, ordem, continuidade e energia
do trabalho. 94 Esse efeito parecia, no entanto, duvidoso na fábrica pro-priamente dita, pois a dependência do trabalhador em relação ao mo-vimento
contínuo e uniforme da máquina já tinha criado aí a disciplina mais rigorosa. Por isso, quando em 1844 era negociada a redução da
jornada de trabalho para menos de 12 horas, os fabricantes declaravam quase unanimemente que


"seus supervisores cuidavam, nas diversas dependências de tra-balho, para que os braços não perdessem tempo", que "o grau de
vigilância e atenção por parte dos trabalhadores" (the extent of vigilance and attention on the part of the workmen) "dificilmente
poderia ser aumentado", e que, pressupondo-se inalteradas as demais circunstâncias, como o andamento da maquinaria etc.


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92 Naturalmente há diferenças na intensidade do trabalho em geral em ramos diversos da produção. Estas se compensam parcialmente, como já o mostrou A. Smith, pelas
circuns-tâncias
peculiares a cada espécie de trabalho. 93 Isto é, por meio do salário por peça, uma forma que será desenvolvida na Seção VI.
94 Ver Reports of Insp. of Fact. for 31st Oct. 1865.
41#
"seria, portanto, absurdo esperar, em fábricas bem administradas, qualquer resultado apreciável de uma atenção acrescida etc., por
parte dos trabalhadores". 95
Essa assertiva foi refutada por experimentos. O Sr. R. Gardner, em suas duas grandes fábricas, em Preston, fez com que, a partir de 20 de


abril de 1844, se trabalhasse, em vez de 12 horas, somente 11 horas por dia. Depois do prazo de mais ou menos 1 ano, verificou-se que


"se obteve o mesmo quantum de produto com os mesmos custos e vários trabalhadores ganharam conjuntamente em 11 horas
tanto salário quanto antes em 12". 96
Passo aqui por alto os experimentos nas seções de fiação e car-dagem por estarem associados ao aumento de velocidade da maquinaria


(de cerca de 2%). No setor de tecelagem, pelo contrário, onde eram, ademais, tecidos artigos de fantasia com mais figuras, de espécies muito
diferentes, não ocorreu nenhuma modificação nas condições objetivas de produção. O resultado foi que:


"De 6 de janeiro até 20 de abril de 1844, com a jornada de trabalho de 12 horas, salário semanal médio de cada operário:
10 xelins e 1 1/ 2 pêni; de 20 de abril até 29 de junho de 1844, com a jornada de trabalho de 11 horas, salário semanal médio:
10 xelins e 3 1/ 2 pence". 97
Produziu-se aqui mais em 11 horas do que antes em 12, exclu-sivamente devido a um esforço maior e mais constante dos trabalha-dores


e maior economia de seu tempo. Enquanto estes percebiam o mesmo salário e ganhavam 1 hora de tempo livre, o capitalista recebia
a mesma massa de produtos e poupava gastos de carvão, gás etc. por 1 hora. Experiências semelhantes foram feitas, com igual êxito, nas
fábricas dos Srs. Horrock e Jackson. 98 Assim que a redução da jornada de trabalho, que cria de início
a condição subjetiva para a condensação do trabalho, ou seja, a capa-cidade do trabalhador em liberar mais força num tempo dado, se torna
obrigatória por lei, a máquina, na mão do capitalista, transforma-se no meio objetivo e sistematicamente aplicado de espremer mais tra-balho
no mesmo espaço de tempo. Isso ocorre de duas maneiras: me-


OS ECONOMISTAS


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95 Reports of Insp. of Fact. for 1844 and the quarter ending 30th April 1845. pp. 20-21. 96 Loc. cit., p. 19. Como a remuneração por peça permaneceu a mesma, o montante
do salário
semanal dependia do quantum de produto. 97 Loc. cit., p. 20.
98 O elemento moral desempenhou papel importante nos experimentos acima. Os trabalhadores contaram ao inspetor de fábrica: "Trabalhamos mais animados, temos sempre
ante nós a
recompensa de sairmos mais cedo à noite, e um espírito ativo e alegre pervade toda a fábrica, do mais jovem auxiliar até o mais velho trabalhador, e podemos nos
ajudar mu-tuamente
muito no trabalho" (loc. cit.).
42#
diante aceleração das máquinas e ampliação da maquinaria a ser su-pervisionada pelo mesmo operário ou de seu campo de trabalho. A
construção mais aperfeiçoada da maquinaria é, em parte, necessária para exercer maior pressão sobre o trabalhador, em parte ela acom-panha
por si mesma a intensificação do trabalho, porque a limitação da jornada de trabalho obriga o capitalista a controlar mais rigorosa-mente
os custos de produção. O aperfeiçoamento da máquina a vapor eleva o número de batidas de seu êmbolo por minuto e permite, si-multaneamente,
por meio de maior economia de força, acionar com o mesmo motor um mecanismo mais volumoso com um gasto de carvão
constante ou até mesmo em diminuição. O aperfeiçoamento do mecanismo de transmissão diminui a fricção e — o que distingue de modo tão evidente
a maquinaria moderna da antiga — reduz o diâmetro e o peso das árvores de transmissão grandes e pequenas a um mínimo cada vez menor. Os
aperfeiçoamentos da maquinaria de trabalho finalmente, ao lhe aumentar a velocidade e a eficácia, diminuem seu tamanho, como no caso do moderno
tear a vapor, ou aumentam-lhe o corpo e ao mesmo tempo tamanho e número de ferramentas que opera, como na máquina de fiar, ou ampliam
a mobilidade dessas ferramentas por meio de imperceptíveis alterações em pormenores, sendo, desse modo, na metade dos anos 50, acelerada
em 1/ 5 a velocidade dos fusos do selfacting mule. A redução da jornada de trabalho para 12 horas data, na Ingla-terra,
de 1832. Já em 1836 declarava um fabricante inglês:
"Comparado com o de antigamente, o trabalho que agora se manda fazer nas fábricas cresceu muito em decorrência da maior


atenção e diligência que o grande aumento de velocidade da ma-quinaria exige do operário". 99


No ano de 1844, Lorde Ashley, agora Conde de Shaftesbury, fez, na Câmara dos Comuns, a seguinte exposição apoiada em documentos:
"O trabalho feito pelos ocupados nos processos fabris é agora três vezes maior do que ao terem início tais operações. A ma-quinaria
tem, sem dúvida alguma, realizado uma tarefa que subs-titui 100 os tendões e músculos de milhões de seres humanos, mas
também multiplicou prodigiosamente (prodigiously) o trabalho das pessoas dominadas por seu terrível movimento. (...) O tra-balho
de acompanhar para cima e para baixo, por 12 horas, um par de mules para fiar algodão nº 40 envolvia em 1815 a neces-sidade
de caminhar uma distância de 8 milhas. Em 1832, para acompanhar um par de mules, produzindo fio do mesmo número,


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99 FIELDEN, John. Loc. cit., p. 32. 100 Em inglês, na edição preparada por Engels e com consulta às fontes citadas, tem-se aí:
would demand (demandaria); em Marx: ersetzt (substitui). (N. dos T.)
43#
durante 12 horas, a distância a percorrer era de 20 milhas e freqüentemente mais. Em 1825, o fiandeiro tinha de executar,
durante 12 horas, 820 tiradas em cada mule, o que perfazia um total de 1 640 para 12 horas. Em 1832, o fiandeiro, durante sua
jornada de trabalho de 12 horas, tinha de executar, em cada mule, 2 200 tiradas, ao todo 4 400; em 1844, 2 400 em cada
mule, ao todo 4 800; e em alguns casos o montante de trabalho (amount of labor) exigido é ainda maior. (...) Tenho aqui à mão
outro documento de 1842, 101 no qual é provado 102 que o trabalho aumenta progressivamente não só porque é preciso percorrer uma
distância maior, mas porque a quantidade de mercadoria produ-zida é multiplicada enquanto o número de braços diminui pro-porcionalmente;
e, além disso, porque agora com freqüência fia-se algodão inferior, que exige mais trabalho. 103 (...) Na seção de car-dagem
também ocorreu grande aumento de trabalho. Uma pessoa faz lá, agora, o trabalho que antes estava repartido por duas.
(...) Na tecelagem, onde está ocupado grande número de pessoas, principalmente do sexo feminino, o trabalho cresceu, nos últimos
anos, ao menos 10% em decorrência da maior velocidade da ma-quinaria. Em 1838, o número de hanks 104 fiados por semana era
de 18 mil; em 1843, alcançava 21 mil. Em 1819, o número de picks 105 no tear a vapor era de 60 por minuto; em 1842, era de
140, indicando grande aumento de trabalho". 106
Em face da notável intensidade que o trabalho tinha atingido já em 1844 sob o domínio da lei das 12 horas, parecia, naquela ocasião,


justificada a declaração dos fabricantes ingleses de que seria impossível qualquer progresso ulterior nessa direção e que, portanto, qualquer
nova diminuição do tempo de trabalho equivaleria a uma diminuição da produção. A melhor prova da aparente correção de seu raciocínio
é constituída pelas seguintes afirmações feitas na mesma época por seu incansável censor, o inspetor de fábrica Leonard Horner:


"Como a quantidade produzida é regulada principalmente pela velocidade da maquinaria, tem de ser do interesse do fabricante
fazer com que ela funcione com o grau máximo de velocidade, de acordo com as seguintes condições: preservar a maquinaria
de deterioração demasiado rápida, conservar a qualidade do artigo


OS ECONOMISTAS


46
101 Em inglês: I have another document sent to me in 1842, ou seja, "tenho outro documento que me foi enviado em 1842". (N. dos T.)
102 Em inglês: stating that, ou seja, "afirmando que". (N. dos T.) 103 Em inglês: because an inferior species of cotton is now often spun, which is more difficult
to work, ou seja, "porque agora uma espécie inferior de algodão é freqüentemente fiada, que é mais difícil de ser trabalhada". (N. dos T.)
104 Novelos. (N. dos T.) 105 Passadas da lançadeira. (N. dos T.)
106 ASHLEY, Lord. Loc. cit., pp. 6-9 et passim.
44#
fabricado e habilitar o operário a acompanhar o movimento sem um esforço maior do que pode sustentar continuamente. Acontece
com freqüência que o fabricante, em sua precipitação, acelera demais o movimento. Quebras e trabalho malfeito mais que com-pensam
a velocidade, e ele é obrigado a moderar o andamento da maquinaria. Já que um fabricante ativo e inteligente descobre o
máximo exeqüível, conclui que é impossível produzir em 11 horas tanto quanto em 12. 107 Admiti, além disso, que o operário pago por
peça se esforçaria ao máximo, na medida em que tivesse capacidade de suportar de modo contínuo o mesmo grau de trabalho. 108


Horner conclui, por isso, apesar das experiências de Gardner etc., que uma redução ulterior da jornada de trabalho, para menos de 12
horas, teria de diminuir a quantidade da produção. 109 Ele mesmo cita, 10 anos depois, suas reflexões de 1845 como prova de quão pouco ele
outrora entendera a elasticidade da maquinaria e da força de trabalho humana, sendo ambas estendidas do mesmo modo ao máximo por meio
da redução obrigatória da jornada de trabalho. Passemos, agora, ao período posterior à introdução, em 1847, da
lei das 10 horas nas fábricas inglesas de algodão, lã, seda e linho.
"A velocidade dos fusos nas throstles cresceu de 500, nas mules, de 1 000 rotações por minuto, ou seja, a velocidade dos fusos das


throstles, que em 1839 era de 4 500 rotações por minuto, atinge agora" (1862) "5 mil, e a dos fusos de mule que era de 5 mil
atinge agora 6 mil por minuto; no primeiro caso, isso representa uma velocidade adicional de 1/ 10 e no segundo de 1/ 6." 110, 111


James Nasmyth, o famoso engenheiro civil de Patricroft, perto
de Manchester, numa carta a Leonard Horner, em 1852, analisou os
aperfeiçoamentos introduzidos, de 1848 a 1852, na máquina a vapor.
Depois de observar que a força em cavalos-vapor, estimada todo o


MARX


47
107 Dentro dessa citação, encontra-se a seguinte passagem em inglês, diferenciando-se da versão alemã: "One of the most important problems, therefore, which the
owner of a factory has
to solve is to find out the maximum speed at which he can run, with a due regard to the above conditions. It frequently happens that he finds he has gone to fast,
that breakages
and bad work more than counterbalance the increased speed, and that he is obliged to slacken his pace. I therefore concluded that as an active and intelligent mill-owner
would
find out the safe maximum, it would not be possible to produce as much in eleven hours as in twelve". Ou seja, "Portanto, um dos mais importantes problemas que o
proprietário
de uma fábrica precisa resolver é descobrir a velocidade máxima que pode imprimir, com a devida consideração às condições acima mencionadas. Freqüentemente ocorre
que ele
acha que andou depressa demais, então quebras e mau serviço mais do que contrabalançam a maior velocidade, e ele é obrigado a diminuir seu andamento. Por isso é
que conclui que
como um fabricante ativo e inteligente descobriria o máximo seguro, não seria possível produzir em 11 horas tanto quanto em 12". (N. dos T.)
108 Reports of Insp. of Fact. to 30th April 1845. p. 20. 109 Loc. cit., p. 22.
110 Da 1ª à 4ª edição: 1/ 4. (N. da Ed. Alemã.) 111 Reports of Insp. of Fact. for 31st Oct. 1862. p. 62.
45#
tempo na estatística oficial de acordo com seu rendimento de 1828, 112
é apenas nominal e só pode servir de índice da verdadeira força, entre
outras coisas, afirma:


"Não há dúvida alguma 113 de que maquinaria a vapor de mes-mo peso, muitas vezes as mesmas e idênticas máquinas, às quais


só foram aplicados os aperfeiçoamentos modernos, realizam em média 50% mais trabalho do que antes e de que, em muitos
casos, as mesmas e idênticas máquinas a vapor, que nos tempos da velocidade limitada a 228 pés por minuto forneciam 50 cavalos
de força, hoje, com menor consumo de carvão, fornecem mais de 100. (...) A moderna máquina a vapor, com a mesma potência
nominal em cavalos de força, é acionada com maior força do que antes, em decorrência dos aperfeiçoamentos em sua construção,
do tamanho menor e da instalação da caldeira etc. (...) Ainda que, por isso, o mesmo numero de braços seja ocupado em relação
à potência nominal em cavalos de força, são ocupados menos braços em relação à maquinaria de trabalho". 114


No ano de 1850, as fábricas do Reino Unido utilizavam 134 217 cavalos de força nominais para movimentar 25 638 716 fusos e 301
445 teares. Em 1856, o número de fusos e de teares era, respectiva-mente, de 33 503 580 e 369 205. Se a potência em cavalos de força
requerida tivesse ficado a mesma que em 1850, em 1856 seriam ne-cessários 175 mil cavalos de força. Mas ela compreendia, de acordo
com os dados oficiais, só 161 435, portanto mais de 10 mil cavalos de força a menos do que a estimativa feita com base em 1850. 115


"Os fatos constatados pelo último return de 1856" (estatística oficial) "são que o sistema fabril se expande de modo avassalador,
que o número de braços diminuiu em relação à maquinaria, que a máquina a vapor, mediante economia de força e outros métodos,
aciona maior peso mecânico e alcança maior quantum de produção devido a máquinas de trabalho aperfeiçoadas, métodos modifica-dos
de fabricação, velocidade mais elevada da maquinaria e mui-tas outras causas." 116 "Os grandes aperfeiçoamentos introduzidos


OS ECONOMISTAS


48
112 Isso se modificou com o Parliamentary Return de 1862. Aí aparece a verdadeira portência do cavalo-vapor das modernas máquinas a vapor e rodas-d'água no lugar
da nominal. (Ver
nota 37. Também os fusos de torcer já não são misturados com os fusos de fiar propriamente ditos (como nos Returns de 1839, 1850 e 1856); além disso, para os fabricantes
de lã, é
acrescentado o número de gigs; distingue-se, por um lado, entre fábricas de juta e de cânhamo e, por outro, as fábricas de linho e, finalmente, pela primeira vez,
é incluída no
relatório a confecção de meias. 113 Em alemão: Es unterliegt keinem Zweifel, ou seja, "Não há dúvida alguma"; em inglês: I
am confident that, ou seja, "Estou certo de que". (N. dos T.) 114 Reports of Insp. of Fact. for 31st Oct. 1856. pp. 14-20.
115 Loc. cit., pp. 14-15. 116 Loc. cit., p. 20.
46#
em máquinas de toda espécie elevaram muito sua força produtiva. Sem sombra de dúvida, a redução da jornada de trabalho (...) deu
o impulso para esses aperfeiçoamentos. Estes últimos e o esforço mais intenso do trabalhador fazem com que seja fornecido ao menos
tanto produto durante a jornada de trabalho reduzida" (em 2 horas ou 1/ 6) "quanto anteriormente durante a mais longa." 117


Como o enriquecimento dos fabricantes aumentou com a explo-ração
mais intensiva da força de trabalho já é demonstrado pela cir-cunstância
de que o crescimento médio das fábricas inglesas de algodão
etc. foi entre 1838 e 1850 de 32 por ano e entre 1850 e 1856, em
confronto, foi de 86 por ano. 118
Por maior que tenha sido nos 8 anos, de 1848 a 1856, sob vigência
da jornada de trabalho de 10 horas, o progresso da indústria inglesa,
ele foi novamente superado de longe no subseqüente período de 6 anos,
de 1856 a 1862. Na fabricação de seda, por exemplo. Em 1856: fusos,
1 093 799; em 1862, 1 388 544; em 1856: teares, 9 260; e em 1862:
10 709. Entretanto, em 1856: número de operários, 56 137; e em 1862:
52 429. Disso resulta um acréscimo de 26,9% no número de fusos e
de 15,6% no de teares, com redução simultânea de 7% no número de
operários. Em 1850, na fabricação de worsted 119 foram usados 875
830 fusos; em 1856: 1 324 549 (acréscimo de 51,2%) e em 1862:
1 289 172 (decréscimo de 2,7%). No entanto, descontados os fusos
de torcer, que figuram no cômputo de 1856, mas não no de 1862,
o número de fusos permaneceu aproximadamente estacionário
desde 1856. Entretanto, desde 1850, em muitos casos, a velocidade
dos fusos e teares foi duplicada. Número de teares a vapor na
fabricação de worsted em 1850: 32 617; em 1856: 38 956; e em
1862: 43 048. Nisso estavam ocupadas, em 1850: 79 737 pessoas;
em 1856: 87 794; e em 1862: 86 063; mas, entre elas, crianças com
menos de 14 anos, em 1850: 9 956; em 1856: 11 228; e em 1862:
13 178. Apesar do número muito maior de teares, comparando-se
1862 com 1856, o número global dos operários ocupados diminuiu
e o das crianças exploradas aumentou. 120


MARX


49
117 Reports etc. for 31st Oct. 1858. p. 10. Confronte Reports etc. for 30th April 1860. 118 Nas primeiras 4 edições essa frase estava redigida do seguinte modo:
Como o enriquecimento
dos fabricantes aumentou com a exploração mais intensiva da força de trabalho já é de-monstrado pela circunstância de que o crescimento médio proporcional das fábricas
inglesas
de algodão etc. foi entre 1832 e 1850 de 32% e entre 1850 e 1856, em confronto, foi de 86%. Nossa modificação se funda nos dados do Report of the inspectors of factories
for 31st
October 1856. Londres, 1857. p. 12. Essa foi a fonte que Marx presumivelmente utilizou aqui. Compare também o artigo de Marx "Das englische Fabriksystem". In: MEW.
v. 12,
p. 187. (N. da Ed. Alemã.) 119 Têxteis de lã. (N. dos T.)
120 Reports of Insp. of Fact. for 31st Oct. 1862. p. 100, 103, 129 e 130.
47#
A 27 de abril de 1863, o deputado Ferrand declarou na Câmara Baixa:
"Delegados dos trabalhadores de 16 distritos de Lancashire e Cheshire, pelos quais eu falo, informaram-me de que o tra-balho
nas fábricas, devido ao aperfeiçoamento da maquinaria, constantemente aumenta. Em vez de, como anteriormente, uma
pessoa com assistentes cuidar de 2 teares, agora, sem assis-tentes, ela cuida de 3 e não é nada incomum que uma pessoa
cuide de uns 4 etc. Como se depreende dos fatos comunica-dos, 12 horas são agora espremidas em menos de 10 horas
de trabalho. É portanto evidente em que proporção mons-truosa aumentou a labuta dos operários de fábrica nos úl-timos
anos". 121
Por isso, embora os inspetores de fábrica louvem incansavelmen-te, e com toda razão, os resultados favoráveis das leis fabris de 1844


e 1850, reconhecem, no entanto, que a redução da jornada de trabalho
provocou uma intensificação do trabalho destruidora da saúde dos tra-balhadores
e, portanto, da própria força de trabalho.


"Na maioria das fábricas de algodão, de worsted e de seda, um exaustivo estado de tensão, necessário para o trabalho junto


à maquinaria, cujo movimento foi acelerado tão extraordinaria-mente nos últimos anos, parece ser uma das causas da excessiva
mortalidade por doenças pulmonares, que o Dr. Greenhow com-provou em seu admirável relatório mais recente." 122


Não há a menor dúvida de que a tendência do capital, uma
vez que o prolongamento da jornada de trabalho lhe é definitiva-mente
vedado por lei, é de ressarcir-se mediante sistemática elevação
do grau de intensidade do trabalho e transformar todo aperfeiçoa-mento
da maquinaria num meio de exaurir ainda mais a força de
trabalho, o que logo deve levar a novo ponto de reversão, em que será inevitável outra redução das horas de trabalho. 123 Por outro


lado, a marcha impetuosa da indústria inglesa, de 1848 até o pre-


OS ECONOMISTAS


50
121 Com o moderno tear a vapor, um tecelão fabrica agora, em 60 horas por semana e com 2 teares, 26 peças de certa espécie e de determinado comprimento e largura,
das quais ele
só podia fazer 4 no antigo tear a vapor. Os custos de tecer tal peça, já no início dos anos de 1850, haviam caído de 2 xelins e 9 pence para 5 1/ 8 pence.
Aderindo à 2ª edição: "Há 30 anos" (1841) "exigia-se de um fiandeiro de algodão com 3 auxiliares que cuidasse apenas de um par de mules com 300 a 324 fusos. Hoje"
(final de
1871) "com 5 auxiliares, ele tem de cuidar de mules cujo número de fusos é de 2 200 e produz não menos que 7 vezes mais fio do que em 1841". (REDGRAVE, Alexander,
inspetor
de fábrica. In: Journal of the Soc. of Arts. 5 de janeiro de 1872.) 122 Reports of Insp. of Fact. for 31st Oct. 1861. pp. 25-26.
123 A agitação das 8 horas começou agora (1867) em Lancashire, entre os trabalhadores de fábrica.
48#
sente, ou seja, durante o período da jornada de trabalho de 10 horas,
superou o período de 1833 a 1837, ou seja, o período da jornada de
trabalho de 12 horas, em proporção ainda maior do que o último superou o meio século desde a introdução do sistema fabril, ou seja, o período


da jornada ilimitada de trabalho. 124
4. A fábrica


No começo deste capítulo, examinamos o corpo da fábrica, a ar-ticulação
do sistema de máquinas. Vimos então como a maquinaria
aumenta o material humano explorável pelo capital mediante apro-priação
do trabalho de mulheres e crianças, vimos como ela confisca
todo o tempo de vida do operário mediante ampliação desmedida da jornada de trabalho e como seu progresso, que permite fornecer um


produto em enorme crescimento num tempo cada vez mais curto, serve
finalmente de meio sistemático de liberar em cada momento mais tra-balho
ou de explorar a força de trabalho de modo cada vez mais intenso.
Voltamo-nos agora para o todo da fábrica e isso em sua configuração
mais evoluída.
O Dr. Ure, o Píndaro da fábrica automática, descreve-a, por um
lado, como


"a cooperação de diferentes classes de trabalhadores, adultos e menores, que com destreza e diligência vigiam um sistema de


máquinas produtivas, que é ininterruptamente posto em ativi-dade por uma força central (o primeiro motor)",


por outro lado, como
"um enorme autômato, composto por inúmeros órgãos me-cânicos e conscientes, agindo em concerto e sem interrupção


para a produção de um mesmo objeto, de modo que todos estão subordinados a uma força motriz, que se move por si
mesma".
Essas duas formulações não são, de modo algum, idênticas.
Numa, o trabalhador coletivo combinado ou corpo social de trabalho aparece como sujeito transcendental e o autômato mecânico como


objeto; na outra, o próprio autômato é o sujeito e os operários são
apenas órgãos conscientes, coordenados com seus órgãos inconscien-tes
e subordinados, com os mesmos, à força motriz central. A pri-meira
formulação vale para qualquer aplicação possível da maqui-naria
em grande escala, a outra caracteriza sua aplicação capitalista


MARX


51
124 Os poucos números seguintes mostram o progresso das factories propriamente ditas, no Reino Unido desde 1848: (Ver tabelas nas páginas 53 e 54.)
49#
e, portanto, o sistema fabril moderno. Por isso, Ure também gosta de
apresentar a máquina central, da qual parte o movimento, não só como
autômato, mas como autocrata.


a 1846. (N. da Ed. Alemã.)
b Libras-peso. (N. da Ed. Alemã.)


"Nessas grandes oficinas, a potência benigna do vapor reúne suas miríades de súditos em torno de si." 125


Com a ferramenta de trabalho, transfere-se também a virtuosi-dade, em seu manejo, do trabalhador para a máquina. A eficácia da
ferramenta é emancipada das limitações pessoais da força de trabalho humano. Com isso, supera-se o fundamento técnico sobre o qual repousa
a divisão de trabalho na manufatura. No lugar da hierarquia de ope-rários especializados que caracteriza a manufatura, surge, por isso, na
fabrica automática, a tendência à igualação ou nivelação dos trabalhos, que os auxiliares da maquinaria precisam executar; 126 no lugar das


OS ECONOMISTAS


52
125 URE. Op. cit., p. 18. 126 Op. cit., p. 20. Confronte de MARX, Karl, Misère etc. (N. da Ed. Alemã)
(Ver os Livros Azuis: "Statistical Abstracts for the U. Kingd." Nº 8 e nº 13. Londres, 1861 e 1866.)
Em Lancashire, de 1839 a 1850, as fábricas aumentaram apenas de 4%; entre 1850 e 1856, de 19%; entre 1856 e 1862, de 33%, enquanto em ambos os períodos de 11 anos
o número
de pessoas ocupadas aumentou de modo absoluto, mas diminuiu relativamente. Cf. Reports of Insp. of Fact for 31st Oct 1862. p. 63. Em Lancashire predomina a indústria
algodoeira.
50#
diferenças artificialmente criadas entre os trabalhadores parciais sur-gem de modo preponderante as diferenças naturais de idade e sexo.
À medida que na fábrica automática ressurge a divisão de tra-balho, ela é, antes de tudo, distribuição dos trabalhadores entre as
máquinas especializadas e de massas de trabalhadores, que no entanto não formam grupos articulados, entre os diversos departamentos da
fábrica, onde trabalham em máquinas-ferramentas da mesma espécie, enfileiradas umas ao lado das outras, ocorrendo, portanto, apenas coope-ração


simples entre eles. O grupo articulado da manufatura é substi-tuído pela conexão do operário principal com alguns poucos auxiliares.
A distinção essencial é entre trabalhadores que efetivamente estão ocupados com as máquinas-ferramentas (adicionam-se a estes alguns
trabalhadores para vigiar ou então alimentar a máquina-motriz) e me-ros ajudantes (quase exclusivamente crianças) desses trabalhadores
de máquinas. Entre os ajudantes incluem-se mais ou menos todos os feeders (que apenas suprem as máquinas com material de trabalho).


MARX


53
O espaço proporcional que ela, no entanto, ocupa em geral na fabricação de fio e tecido, pode-se depreender considerando que representa 45,2% de todas as fábricas
dessa espécie
na Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda, 83,3% de todos os fusos, 81,4% de todos os teares a vapor, 72,6% de todos os cavalos-vapor que movem essa indústria
e 58,2% do
número global das pessoas ocupadas. (Loc. cit., p. 62-63.)
51#
Ao lado dessas classes principais, surge um pessoal numericamente insignificante que se ocupa com o controle do conjunto da maquinaria
e com sua constante reparação, como engenheiros, mecânicos, marce-neiros etc. É uma classe mais elevada de trabalhadores, em parte com
formação científica, em parte artesanal, externa ao círculo de operários de fábrica e só agregada a eles. 127 Essa divisão de trabalho é puramente
técnica. Todo trabalho na máquina exige aprendizado precoce do traba-lhador
para que ele aprenda a adaptar seu próprio movimento ao mo-vimento uniforme e contínuo de um autômato. À medida que a própria
maquinaria coletiva constitui um sistema de máquinas variadas, atuan-do ao mesmo tempo e de modo combinado, a cooperação nela baseada
exige também uma divisão de diferentes grupos de trabalhadores entre as diferentes máquinas. Mas a produção mecanizada supera a neces-sidade
de fixar à moda da manufatura essa divisão por meio da apro-priação permanente do mesmo trabalhador à mesma função. 128 Como
o movimento global da fábrica não parte do trabalhador, mas da má-quina, pode ocorrer contínua mudança de pessoal sem haver interrup-ção
do processo de trabalho. A prova mais contundente disso é dada pelo sistema de turnos múltiplos (relays system), posto em prática na
Inglaterra durante a revolta dos fabricantes ingleses, de 1848 a 1850. 129 Finalmente, a velocidade com que o trabalho na máquina é aprendido
na juventude elimina igualmente a necessidade de preparar uma classe especial de trabalhadores exclusivamente para o trabalho em máqui-nas.
130 Mas os serviços dos meros ajudantes são substituíveis na fábrica


OS ECONOMISTAS


54
127 É característico da intenção de engodo estatístico, que, aliás, poderia ser ainda detalha-damente comprovada em outros casos, quando a legislação fabril inglesa
exclui expressa-mente
de seu âmbito de aplicação os trabalhadores aventados por último no texto como não-operários fabris, enquanto, por outro lado, os Returns publicados pelo Parlamento
in-cluem
tão expressamente não só engenheiros, mecânicos etc., mas também dirigentes de fábrica, vendedores, mensageiros, supervisores de estoques, empacotadores etc., em
suma,
todas as pessoas exceto o próprio proprietário da fábrica, na categoria de operários fabris. 128 Ure reconhece isso. Ele diz que "em caso de necessidade, os trabalhadores
podem ser
deslocados de uma máquina para outra conforme a vontade do administrador", e exclama triunfante: "Tal mudança está em aberta contradição com a velha rotina, que
divide o
trabalho e que atribui a um trabalhador a tarefa de acabar a cabeça de um alfinete e a outro a de afiar a ponta". Ele deveria antes ter-se perguntado por que essa
"velha rotina"
na fábrica automática só é abandonada "em caso de necessidade". 129 Ver MEW. v. 23, pp. 305-309. Na presente edição, v. I, t. 1, pp. 228-231.
130 Em períodos de grande necessidade, como durante a guerra civil americana, o operário de fábrica é, excepcionalmente, usado pelo burguês para os trabalhos mais
rudes, como cons-trução
de estradas etc. Os ateliers nationaux ingleses de 1862 e anos seguintes, destinados aos trabalhadores algodoeiros desempregados, diferenciavam-se dos franceses
de 1848 por-que
nestes o trabalhador tinha de executar, à custa do Estado, tarefas improdutivas, ao passo que naqueles tinha de fazer trabalhos produtivos urbanos para o benefício
da bur-guesia,
a salários menores do que os dos trabalhadores regulares, com os quais ele foi, assim, colocado em competição. "A aparência física dos operários algodoeiros melhorou
indubitavelmente. Atribuo isso (...) quanto aos homens, ao trabalho, ao ar livre em obras públicas". (Trata-se aqui dos operários das fábricas de Preston, que foram
empregados no
"Preston Moor".) (Rep. of Insp. of Fact. Oct. 1863. p. 59.)
52#
em parte por máquinas, 131 em parte possibilitam, por causa de sua total simplicidade, troca rápida e constante das pessoas submetidas a
essa labuta.
Embora a maquinaria descarte agora, tecnicamente, o velho sis-tema da divisão do trabalho, este persiste inicialmente como tradição


da manufatura, por hábito, na fábrica, para ser, depois, reproduzido e consolidado sistematicamente pelo capital como meio de exploração
da força de trabalho de forma ainda mais repugnante. Da especialidade por toda a vida em manejar uma ferramenta parcial surge, agora, a
especialidade por toda a vida em servir a uma máquina parcial. Abu-sa-se da maquinaria para transformar o próprio trabalhador, desde a
infância, em parte de uma máquina parcial. 132
Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da fer-ramenta; na fábrica, ele serve a máquina. Lá, é dele que parte o mo-vimento


do meio de trabalho; aqui ele precisa acompanhar o movimento. Na manufatura, os trabalhadores constituem membros de um meca-nismo
vivo. Na fábrica, há um mecanismo morto, independente deles, ao qual são incorporados como um apêndice vivo.


"A lúgubre rotina de uma infindável tortura de trabalho, na qual o mesmo processo mecânico é repetido sempre de novo, se-melha
o trabalho de Sísifo; a carga de trabalho, como a rocha, recai sempre de novo sobre o estafado operário." 133


Enquanto o trabalho em máquinas agride o sistema nervoso ao máximo, ele reprime o jogo polivalente dos músculos e confisca toda
a livre atividade corpórea e espiritual. 134 Mesmo a facilitação do tra-balho torna-se um meio de tortura, já que a máquina não livra o tra-


MARX


55
131 Exemplo: os diversos aparelhos mecânicos que foram, desde a Lei de 1844, introduzidos na fabricação de lã como substituto do trabalho infantil. Assim que os
próprios filhos dos
senhores fabricantes tiverem de fazer a "sua escola" como ajudante de fábrica, esse setor da Mecânica ainda quase inexplorado há de experimentar logo notável impulso.
"As selfacting
mules talvez sejam máquinas tão perigosas quanto as de qualquer outra espécie. A maioria dos acidentes ocorre com crianças pequenas, por engatinharem por baixo das
mules a fim
de varrer o assoalho, enquanto as mules estão em movimento. Diversos minders (trabalha-dores nas mules) foram processados judicialmente (pelos inspetores de fábrica)
e condenados
a penas pecuniárias por causa desse procedimento, mas sem nenhum benefício geral. Se os fabricantes de máquinas ao menos inventassem um varredor automático, cujo
uso eli-minasse
a necessidade de essas crianças pequenas engatinharem por baixo da maquinaria, essa seria uma feliz adição a nossas medidas preventivas." (Reports of Insp. of Factories
for 31st October 1866. p. 63.) 132 Reconheça-se o mérito da fabulosa idéia de Proudhon que "constrói" a maquinaria não como
síntese de meios de trabalho, mas como síntese de trabalhos parciais para os próprios trabalhadores.
133 ENGELS, F. Lage etc. p. 21 et seqs. Mesmo um livre-cambista bem ordinário, otimista, o Sr. Molinari, observa: "Um homem se desgasta mais rapidamente vigiando
durante 15
horas por dia a movimentação uniforme de um mecanismo do que exercendo sua própria força física no mesmo espaço de tempo. Esse trabalho de vigilância, que serviria
ao mesmo
tempo". (MOLINARI, G. de. Études Économiques. Paris, 1846 [p. 49.]) 134 ENGELS, F. Op. cit., pp. 216.
53#
balhador do trabalho, mas seu trabalho de conteúdo. Toda produção capitalista, à medida que ela não é apenas processo de trabalho, mas
ao mesmo tempo processo de valorização do capital, tem em comum o fato de que não é o trabalhador quem usa as condições de trabalho,
mas, que, pelo contrário, são as condições de trabalho que usam o trabalhador: só, porém, com a maquinaria é que essa inversão ganha
realidade tecnicamente palpável. Mediante sua transformação em au-tômato, o próprio meio de trabalho se confronta, durante o processo
de trabalho, com o trabalhador como capital, como trabalho morto que domina e suga a força de trabalho viva. A separação entre as potências
espirituais do processo de produção e o trabalho manual, bem como a transformação das mesmas em poderes do capital sobre o trabalho, se
completa, como já foi indicado antes, na grande indústria erguida sobre a base da maquinaria. A habilidade pormenorizada do operador de
máquinas individual, esvaziado, desaparece como algo ínfimo e secun-dário perante a ciência, perante as enormes forças da Natureza e do
trabalho social em massa que estão corporificadas no sistema de má-quinas e constituem com ele o poder do "patrão" (master). Esse patrão
em cujo cérebro a maquinaria e seu monopólio sobre ela estão indis-soluvelmente fundidos, proclama aos "braços", com desprezo, em casos
de conflito:
"Os operários de fábrica deveriam resguardar em sagrada me-mória o fato de que o trabalho deles é efetivamente uma espécie


muito baixa de trabalho qualificado: que não há nenhum que seja apropriado mais facilmente e que, em sua qualidade, seja
mais bem pago, que, por meio de rápido treinamento dos menos experientes, possa ser suprido em tempo tão curto e em tamanha
abundância. A maquinaria do patrão desempenha, de fato, um papel muito mais importante no negócio da produção do que o
trabalho e a habilidade do operário, que se adestra com um treino de 6 meses e que qualquer peão do campo pode aprender". 135


A subordinação técnica do operário ao andamento uniforme do meio de trabalho e a composição peculiar do corpo de trabalho por
indivíduos de ambos os sexos e dos mais diversos níveis etários geram uma disciplina de caserna, que evolui para um regime fabril completo,
e desenvolve inteiramente o trabalho de supervisão, já antes aventado,


OS ECONOMISTAS


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135 "The factory operatives should keep in wholesome remembrance the fact that their is really a low species of skilled labour; and that there is none which is more
easily acquired or of
its quality more amply remunerated, or which, by a short training of the least expert can be more quickly as well as abundantly acquired. (...) The masters machinery
really plays
a far more important part in the business of production than the labour and the skill of the operative, which six months' education can teach, and a common labourer
can learn."
(The Master Spinners' and Manufacturers' Defence Fund. Report of the Committee. Man-chester, 1854. p. 17.) Ver-se-á mais tarde que o Master assobia outra melodia
quando
ameaçado com a perda de seus autômatos "vivos".
54#
portanto ao mesmo tempo a divisão dos trabalhadores em trabalhadores manuais e supervisores do trabalho, em soldados rasos da indústria
e suboficiais da indústria.
"A principal dificuldade na fábrica automática consistia em sua disciplina necessária, em fazer os seres humanos renunciar


a seus hábitos irregulares no trabalho e se identificar com a invariável regularidade do grande autômato. Divisar um código
de disciplina fabril adequado às necessidades e à velocidade do sistema automático e realizá-lo com êxito foi um empreendimento
digno de Hércules, eis a nobre realização de Arkwright! Mesmo ainda hoje, quando o sistema está organizado com toda perfeição,
é quase impossível encontrar entre os trabalhadores que atingi-ram a idade adulta ajudantes úteis para o sistema automático." 136


O código fabril, em que o capital formula, por lei privada e au-toridade própria, sua autocracia sobre seus trabalhadores, sem a divisão
dos poderes tão cara fora daí à burguesia e sem o ainda mais amado sistema representativo, é apenas a caricatura capitalista da regulação
social do processo de trabalho, que se torna necessária com a cooperação em grande escala e a utilização de meios coletivos de trabalho, nota-damente
a maquinaria. No lugar do chicote do feitor de escravos surge o manual de penalidades do supervisor. Todas as penalidades se re-solvem,
naturalmente, em penas pecuniárias e descontos de salário, e a sagacidade legislativa desses Licurgos fabris faz com que a violação
de suas leis lhes seja onde possível ainda mais rendosa do que sua observância. 137


MARX


57
136 URE. Op. cit., p. 15. Quem conhece a biografia de Arkwright nunca lançará a palavra "nobre" sobre a cabeça desse genial barbeiro. De todos os grandes inventores
do século
XVIII, era ele indubitavelmente o maior ladrão de invenções alheias e o sujeito mais ordi-nário.
137 "A escravidão em que a burguesia mantém preso o proletariado não aparece em nenhum lugar mais nitidamente à luz do dia do que no sistema fabril. Aí cessa toda
liberdade de
direito e de fato. O operário tem de estar às 5 1/ 2 horas da manhã na fábrica; caso chegue tarde alguns minutos, é punido; caso chegue 10 minutos atrasado, não
pode nem entrar
até depois do café da manhã e perde 1/ 4 de dia do salário. Ele tem de comer, beber e dormir sob o comando (...) O sino despótico arranca-o da cama, do desjejum
e do almoço.
E o que acontece afinal na fábrica? Aí, o fabricante é legislador absoluto. Baixa regulamentos fabris conforme lhe apetece; modifica seu código e lhe faz acréscimos
como lhe agrada; e
ainda que insira a coisa mais extravagante, os tribunais dizem ao trabalhador: Já que os senhores por livre e espontânea vontade aderiram a esse contrato, agora
também tem de
cumpri-lo. (...) Esses trabalhadores estão condenados, de seu nono ano de vida até a morte, a viverem sob essa férula espiritual e corpórea." (ENGELS, F. Op. cit.,
p. 217 et seqs.)
Quero esclarecer com dois exemplos o que "dizem os tribunais". Um dos casos ocorreu em Shefield, ao final de 1866. Lá um operário se tinha alugado por 2 anos numa
fábrica
metalúrgica. Por causa de uma divergência com o fabricante, deixou a fábrica e declarou que em nenhuma circunstância trabalharia mais para ele. Foi processado por
quebra de
contrato e condenado a 2 meses de prisão. (Se o fabricante rompe o contrato, ele só pode ser acusado Civiliter e só arrisca uma pena pecuniária.) Depois de cumprir
os dois meses,
o mesmo fabricante o intima a, de acordo com o antigo contrato, voltar à fábrica. O tra-balhador declara: Não. Pela quebra de contrato ele já pagou. O fabricante
o processa de
55#
Apenas apontamos as condições materiais em que se realiza o trabalho fabril. Todos os órgãos dos sentidos são igualmente lesados
pela temperatura artificialmente elevada, pela atmosfera impregnada de resíduos de matéria-prima, pelo ruído ensurdecedor etc., para não
falar do perigo de vida sob a maquinaria densamente amontoada que, com a regularidade das estações do ano, produz seus boletins da ba-talha
industrial. 138 A economia nos meios sociais de produção, artifi-


OS ECONOMISTAS


58
novo, o tribunal o condena novamente, embora um dos juízes, Mr. Shee, denuncie isso publicamente como uma monstruosidade jurídica, pela qual um homem poderia ser
punido
periodicamente sempre de novo durante toda sua vida pela mesma falta, isto é, delito. Esse julgamento não foi proferido pelos Great Unpaid dogberries provincianos,
mas em
Londres, por uma das mais altas cortes de justiça. {Adendo à 4ª edição: Agora isso está abolido. Com raras exceções — por exemplo, em
empresas públicas de gás — agora, na Inglaterra, o trabalhador, em caso de rompimento de contrato, está equiparado ao empregador e só pode ser processado civilmente.
— F. E.}
O segundo caso transcorre em Wiltshire, ao final de novembro de 1863. Cerca de 30 ope-radoras de tear a vapor, empregadas por um certo Harrup, fabricante de pano
em Leower's
Mill, Westbury Leigh, fizeram uma strike porque esse mesmo Harrup tinha o agradável hábito de lhes descontar do salário, por atrasos na hora de entrada: 6 pence
para 2 minutos,
1 xelim para 3 minutos e 1 xelim e 6 pence para 10 minutos. Isso soma, a 9 xelins por hora, 4 libras esterlinas e 10 xelins por dia, enquanto o salário médio anual
delas nunca
era maior do que 10 a 12 xelins por semana. Harrup encarregou igualmente um garoto para fazer soar o apito da fábrica, o que ele às vezes faz mesmo antes das 6 horas
da
manhã e, se os braços já não estão por acaso aí, assim que acaba, os portões são fechados e os de fora são punidos pecuniariamente; e como não há relógio no local,
os infelizes
braços estão sob o poder do jovem guardião do tempo inspirado por Harrup. Os braços envolvidos na strike, mães de família e moças, declararam que voltariam ao trabalho
se o
guardião do tempo fosse substituído por um relógio e uma escala mais racional de multas fosse estabelecida. Harrup denunciou aos magistrados 19 mulheres e moças
por rompimento
de contrato. Elas foram condenadas a pagar, cada uma, 6 pence de multa e 2 xelins e 6 pence de custas sob ruidosa indignação do auditório. Harrup saiu do tribunal
seguido por
uma massa popular que o vaiava. — Um golpe predileto dos fabricantes é punir os traba-lhadores com descontos salariais por falhas do material que lhes é fornecido.
Esse método
provocou, em 1866, uma strike geral nos distritos cerâmicos ingleses. Os relatórios da "Ch. Employm. Commiss." (1863/ 66) apresentam casos em que o trabalhador,
ao invés de receber
salário por seu trabalho, torna-se, ainda por cima, por meio do regulamento de penalidades, devedor do seu augusto Master. Traços edificantes da sagacidade dos autocratas
fabris
quanto aos descontos salariais também foram expostos na mais recente crise algodoeira. Mr. R. Baker, inspetor de fábrica, afirma: "Eu mesmo, há pouco, tive de iniciar
ação judicial
contra um fabricante de algodão por ter ele, nesses tempos duros e difíceis, descontado 10 pence de alguns dos trabalhadores jovens (de mais de 13 anos) que emprega,
pelo certificado
médico, que só lhe custa 6 pence, e pelo qual a lei só lhe faculta descontar 3 pence, e a tradição não faculta nenhum desconto. (...) Outro fabricante, para alcançar
sem conflito
com a lei o mesmo objetivo, onera com 1 xelim cada uma das pobres crianças que trabalham para ele como taxa pelo aprendizado da arte e do mistério do fiar, assim
que o certificado
médico as declare maduras para essa atividade. Há portanto correntes subterrâneas que é preciso conhecer para compreender fenômenos tão extraordinários como strikes
em tempos
tais como o presente". (Trata-se de uma strike na fábrica de Darven, em junho de 1863, entre os tecelões de máquina.) (Reports of Insp. of Fact. for 30th April 1863.
pp. 50-51.)
(Os relatórios de fábrica vão sempre além de sua data oficial.) 138 As leis de proteção contra maquinaria perigosa tiveram efeito benéfico. "Mas (...) há outras
fontes de acidentes que não existiam há 20 anos; uma especialmente: a maior velocidade das máquinas. Rodas, cilindros, fusos e teares são, agora, impulsionados com
força maior
e em constante aumento; os dedos precisam pegar o fio quebrado com mais rapidez e segurança porque se colocados com hesitação ou descuido são sacrificados. (...)
Grande
número de acidentes é causado pela ansiedade dos trabalhadores em executar rapidamente seu serviço. É preciso recordar que é da maior importância para os fabricantes
que sua
maquinaria esteja ininterruptamente em movimento, isto é, produzindo fios e tecidos. Cada
56#
cialmente amadurecida apenas no sistema de fábrica, torna-se ao mesmo tempo, na mão do capital, roubo sistemático das condições
de vida do operário durante o trabalho, roubo de espaço, de ar, de luz e de meios de proteção de sua pessoa física contra condições
que oferecem perigo de vida ou são nocivas à saúde no processo de produção, isso sem sequer falar de instalações para a comodidade
do trabalhador. 139 Será que Fourier era injusto ao chamar as fábricas de "bagnos mitigados"? 140


5. Luta entre trabalhador e máquina
A luta entre capitalista e assalariado começa com a própria re-lação — capital. Ela se agita por todo o período manufatureiro. 141 Mas


só a partir da introdução da maquinaria é que o trabalhador combate


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minuto de parada não é apenas uma perda de força motriz, mas de produção. Os traba-lhadores são urgidos pelos supervisores, que estão interessados na quantidade
da produção,
para manterem a maquinaria em movimento; e isso não é menos importante para os ope-rários, que são pagos por peso ou por peça. Em conseqüência, embora seja formalmente
proibido, na maioria das fábricas, que a maquinaria seja limpa enquanto em movimento, essa prática é geral. Só essa causa produziu durante os 6 últimos meses 906
acidentes.
(...) Embora a tarefa de limpeza esteja sendo feita dia a dia, sábado é geralmente o dia reservado para a limpeza completa da maquinaria, e a maior parte é feita
enquanto ela
está em movimento. (...) É uma operação não paga e os operários procuram, portanto, acabá-la o mais rápido possível. Por isso, o número de acidentes que ocorrem
às sextas-feiras
e especialmente aos sábados é muito maior do que nos demais dias da semana. Às sextas o excedente é cerca de 12% acima do número médio dos 4 primeiros dias da semana,
sábado
o excedente de acidentes é de 25% acima do número médio dos 5 dias anteriores; caso se leve em conta que o número de horas de trabalho aos sábados é de somente 7
1/ 2 horas
e de 10 1/ 2 horas nos outros dias da semana, o excedente sobe a mais de 65%." (Reports of Insp. of Factories for etc. 31st Oct. 1866. Londres, 1867. p. 9, 15, 16
e 17.)
139 Na seção I do Livro Terceiro tratarei de uma recente campanha dos fabricantes ingleses contra as cláusuras da lei fabril destinada à proteção dos membros dos
"braços" contra
maquinaria que ofereça perigo de vida. Aqui basta uma citação de um relatório oficial do inspetor de fábrica Leonard Horner: "Ouvi fabricantes falando com inescusável
frivolidade
de alguns dos acidentes, por exemplo que a perda de um dedo seria uma coisa de nada. A vida e as perspectivas de um operário dependem tanto de seus dedos que tal
perda é algo
extremamente sério para ele. Quando ouço tal palavrório irrefletido, coloco a questão: su-ponhamos que o senhor precise de mais um operário e dois se candidatassem,
ambos igual-mente
bem qualificados em outros aspectos, mas um tendo perdido um polegar ou indicador, qual dos dois o senhor escolheria? Eles nunca hesitavam um instante em se decidir
pelo
que tivesse todos os dedos. (...) Esses senhores fabricantes têm preconceitos errôneos contra o que chamam de legislação pseudofilantrópica". (Reports of Insp. of
Fact. for 31st Oct.
1855. [pp. 6-7].) Esses senhores são "gente sagaz" e não estiveram gratuitamente entusias-mados com a rebelião dos escravocratas.
140 Prisões brandas (les bagnes mitigés) — é assim que Fourier denomina as fábricas no livro A Falsa Indústria, Dividida, Repugnante, Enganadora e seu Antídoto,
a Indústria Natural,
Combinada, Atraente, Verídica, com Produção Quadruplicada. (N. da Ed. Alemã.) 141 Ver, entre outros, HOUGHTON, John. Husbandry and Trade Improved. Londres, 1727.
The Advantage of the East Indian Trade. 1720. BELLERS, John. Proposals for Raising a Colledge of Industry. Londres 1696. "Os patrões e os trabalhadores estão, infelizmente,
em
perpétua guerra entre si. Aqueles têm o invariável objetivo de obter seu trabalho feito tão barato quanto possível; e eles não hesitam em usar de qualquer artifício
para esse propósito,
enquanto os últimos estão igualmente atentos para forçar em qualquer ocasião seus patrões a atender às suas reivindicações mais elevadas." An Inquiry into the Causes
of the Present
High Prices of Provisions. 1767. pp. 61-62. (Autor, Rev. Nathaniel Forster, totalmente do lado dos trabalhadores.)
57#
o próprio meio de trabalho, a forma de existência material do capital. Revolta-se contra essa forma determinada do meio de produção como
base material do modo capitalista de produção. Durante o século XVII, quase toda a Europa vivenciou revoltas
de trabalhadores contra o assim chamado tear de fitas (também de-nominado em alemão Schnurmühle ou Mühlenstuhl), uma máquina de
tecer fitas e galões. 142 No final do primeiro terço do século XVII, uma serraria movida a vento, construída perto de Londres por um holandês,
sucumbiu devido aos excessos do populacho. Ainda no começo do século XVIII, máquinas de serrar movidas a água só com dificuldade venceram
a resistência popular apoiada no Parlamento. Quando, em 1758, Everet construiu a primeira máquina de tosquiar lã movida a água, ela foi
queimada pelas 100 mil pessoas que deixou sem trabalho. Contra as scribbling mills 143 e máquinas de cardar de Arkwright se dirigiram ao
Parlamento 50 mil trabalhadores, que até então tinham vivido de cardar lã. A destruição maciça de máquinas nos distritos manufatureiros in-gleses
durante os 15 primeiros anos do século XIX, provocada sobretudo pelo emprego do tear a vapor, ofereceu, sob o nome de movimento
luddita, pretexto ao governo antijacobino de um Sidmouth, Castlereagh etc., para as mais reacionárias medidas de violência. É preciso tempo
e experiência até que o trabalhador distinga a maquinaria de sua apli-cação capitalista e, daí, aprenda a transferir seus ataques do próprio
meio de produção para sua forma social de exploração. 144


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60
142 O tear de fitas foi inventado na Alemanha. O abade italiano Lancellotti conta, num texto publicado em Veneza no ano de 1636: "Anton Müller de Dantzig viu, há
cerca de 50 anos"
(L. escrevia em 1629, "uma máquina muito engenhosa, que fabricava 4 a 6 tecidos ao mesmo tempo; mas como o Conselho Municipal receava que essa invenção transformasse
uma porção de trabalhadores em mendigos, suprimiu o emprego da invenção e mandou secretamente estrangular ou afogar o inventor". Em Leyden, a mesma máquina foi em-pregada
pela primeira vez em 1629. As revoltas dos tecelões de galões obrigaram inicial-mente os magistrados a proibí-la; mediante diversas ordenações, de 1623, 1639 etc.
por
parte dos Estados Gerais, seu uso devia ser limitado; finalmente ela foi permitida, sob certas condições, mediante uma ordenação de 15 de dezembro de 1661. "Nessa
cidade", diz
Boxhorn (Inst. Pol. 1663) sobre a introdução do tear de fitas em Leyden, "certas pessoas inventaram há cerca de 20 anos um instrumento para tecer, com o qual um
indivíduo
podia produzir mais tecido e com maior facilidade do que, de outro modo, várias pessoas em tempo igual. Isso levou a distúrbios e a queixas dos tecelões, até que
o uso desse
instrumento foi proibido pelo magistrado etc." Essa mesma máquina foi proibida em Colônia em 1676, enquanto sua introdução na Inglaterra provocou na mesma época
agitações entre
os trabalhadores. Por meio de um édito imperial de 19 de fevereiro de 1685, seu uso foi proibido em toda a Alemanha, Em Hamburgo, ela foi queimada publicamente por
ordem
do magistrado. Carlos VI renovou a 9 de fevereiro de 1719 o édito de 1685 e o eleitorado da Saxônia só permitiu seu uso em 1765. Essa máquina, que causou tanta barulheira
no
mundo, era efetivamente precursora das máquinas de fiar e tecer, portanto da Revolução Industrial do século XVIII. Ela capacitava um jovem sem nenhuma experiência
em tecelagem
a pôr em movimento, empurrando e puxando uma barra acionadora, o tear inteiro, com todas suas lançadeiras, e produzia, em sua forma aperfeiçoada, 40 a 50 peças de
uma só vez.
143 Moinhos de cardar. (N. dos T.) 144 Em manufaturas antiquadas, ainda hoje se repete às vezes a forma primitiva da indignação
dos trabalhadores contra a maquinaria. Assim, por exemplo, em Shefield, em 1865, entre os afiadores de limas.
58#
As lutas por salário dentro da manufatura pressupõem a manu-fatura e não são voltadas, de nenhuma maneira, contra sua existência.
Na medida em que a formação das manufaturas foi combatida, isso ocorreu por parte dos mestres das corporações e das cidades privile-giadas,
não dos assalariados. Por isso a divisão do trabalho é entendida por escritores do período manufatureiro preponderantemente como
meio virtual de substituir trabalhadores, mas não de deslocar de fato trabalhadores. Essa diferença é evidente. Caso se diga, por exemplo,
que, na Inglaterra, seriam necessários 100 milhões de pessoas para fiar, com a velha roda de fiar, a quantidade de algodão que agora é
fiada com a máquina por 500 mil, isso naturalmente não significa que a máquina tomou o lugar desses milhões que nunca existiram. Apenas
quer dizer que muitos milhões de trabalhadores seriam necessários para substituir a maquinaria da fiação. Quando se diz, porém, que,
na Inglaterra, o tear a vapor pôs no olho da rua 800 mil tecelões, não se fala aí de maquinaria existente que teria de ser substituída por
determinado número de trabalhadores, mas de um número de traba-lhadores existentes que foram efetivamente substituídos ou deslocados
por maquinaria. Durante o período manufatureiro, a produção artesanal continuou, ainda que decomposta, sendo a base. Os novos mercados
coloniais não podiam ser atendidos pelo número relativamente baixo de trabalhadores urbanos legados pela Idade Média e as manufaturas
propriamente ditas abriram, ao mesmo tempo, novas áreas de produção à população rural expulsa da terra com a dissolução da feudalidade.
Destacava-se então, pois, mais o lado positivo da divisão do trabalho e da cooperação nas oficinas, que faziam os trabalhadores ocupados
se tornarem mais produtivos. 145 Aplicadas à agricultura, cooperação e combinação dos meios de trabalho colocados nas mãos de poucos pro-vocam
grandes revoluções, súbitas e violentas, no modo de produção e, daí, nas condições de vida e nos meios de ocupação da população
rural, em muitos países e bem antes do período da grande indústria. No entanto, essa luta trava-se originalmente mais entre grandes e
pequenos proprietários fundiários do que entre capital e trabalho as-salariado; por outro lado, à medida que trabalhadores são deslocados


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145 Sir James Steuart também capta o efeito da maquinaria nesse sentido. "Considero, portanto, as máquinas como meio de aumentar (conforme sua eficácia) o número
de pessoas ativas,
sem que se seja obrigado a alimentar seu acréscimo. (...) Em que difere o efeito de uma máquina do de novos habitantes?" (Trad. francesa, t. I, 1. I, cap. XIX.)
Petty, bem mais
ingênuo, diz que ela substitui a "poligamia". Esse ponto de vista é adequado, no máximo, para algumas partes dos Estados Unidos. Pelo contrário: "Raramente a maquinaria
pode
ser usada com sucesso para abreviar o trabalho de um indivíduo; perder-se-ia mais tempo em sua construção do que se poderia poupar com sua utilização. Ela só é realmente
útil
quando opera em larga escala, quando uma única máquina pode suportar o trabalho de milhares. A maquinaria é utilizada ao máximo por isso nos países mais densamente
povoados,
onde há mais desempregados. (...) Ela não é utilizada devido à escassez de trabalhadores, mas pela facilidade com que podem ser levados a trabalhar em massa". (RAVENSTONE,
Piercy. Thoughts on the Funding System and its Effects. Londres, 1824. p. 45.)
59#
por meios de trabalho, ovelhas, cavalos etc., atos de violência direta constituem, aí, em primeira instância, o pressuposto da revolução in-dustrial.
Primeiro os trabalhadores são expulsos das terras e depois vêm as ovelhas. O latrocínio de terras em larga escala, como na In-glaterra,
começa por oferecer à grande agricultura seu campo de apli-cação. 146 Em seus primórdios, esse revolucionamento da agricultura
assemelha-se mais a uma revolução política. Como máquina, o meio de trabalho logo se torna um concorrente
do próprio trabalhador. 147 A autovalorização do capital por meio da máquina está na razão direta do número de trabalhadores cujas con-dições
de existência ela destrói. Todo o sistema de produção capitalista repousa no fato de que o trabalhador vende sua força de trabalho como
mercadoria. A divisão do trabalho unilateraliza essa força de trabalho em uma habilidade inteiramente particularizada de manejar uma fer-ramenta
parcial. Assim que o manejo da ferramenta passa à máquina, extingue-se, com o valor de uso, o valor de troca da força de trabalho.
O trabalhador torna-se invendável, como papel-moeda posto fora de circulação. A parte da classe trabalhadora que a maquinaria transforma
em população supérflua, isto é, não mais imediatamente necessária para a autovalorização do capital, sucumbe, por um lado, na luta de-sigual
da velha empresa artesanal e manufatureira contra a mecani-zada, inunda, por outro lado, todos os ramos mais acessíveis da in-dústria,
abarrota o mercado de trabalho e reduz, por isso, o preço da força de trabalho abaixo de seu valor. Para os trabalhadores pauperi-zados,
deve ser grande consolo acreditar, por um lado, que seu sofri-mento seja apenas "temporário" (a temporary inconvenience), por outro,
que a maquinaria só se apodere paulatinamente de todo um setor da produção, ficando reduzida a dimensão e a intensidade de seu efeito
destruidor. Um consolo bate o outro. Onde a máquina se apodera pau-latinamente de um setor da produção, produz miséria crônica nas ca-madas
de trabalhadores que concorrem com ela. Onde a transição é rápida, seus efeitos são maciços e agudos. A história mundial não ofe-rece
nenhum espetáculo mais horrendo do que a progressiva extinção dos tecelões manuais de algodão ingleses, arrastando-se por décadas
e consumando-se finalmente em 1838. Muitos deles morreram de fo-me, muitos vegetaram com suas famílias a 2 1/ 2 pence por dia. 148 Em


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146 {Nota da 4ª edição alemã: isso vale também para a Alemanha. Onde entre nós existe a agricultura extensiva, portanto notadamente no leste, ela só se tornou possível
por meio
do Bauemlegen, praticado desde o século XVI, mas particularmente desde 1648. — F. E.} 147 "Maquinaria e trabalho estão em constante competição." (RICARDO. Op. cit.,
p. 479.)
148 A concorrência entre tecelagem a mão e tecelagem a máquina foi prolongada na Inglaterra antes da introdução da Lei dos Pobres de 1834 porque se complementavam
com subsídios
paroquiais os salários, então muito abaixo do mínimo. "O Reverendo Mr. Turner era, em 1827, pároco de Wilmslow em Cheshire, um distrito industrial. As perguntas
do Comitê
de Emigração e as respostas de Mr. Turner mostram como é mantida a competição do trabalho manual com a maquinaria. Pergunta: 'Será que o uso do tear mecânico não
suprimiu
60#
contraposição foram agudos os efeitos da maquinaria algodoeira in-glesa sobre a Índia Oriental, cujo governador-geral constatava em
1834/ 35:
"A miséria dificilmente encontra um paralelo na história do comércio. Os ossos dos tecelões de algodão alvejam as planícies


da Índia".
Não há dúvida: despachando-os deste mundo temporal, a máquina só lhes impunha uma "inconveniência temporária". Ademais, o efeito


"temporário" da maquinaria é permanente, ao se apoderar constante-mente de novos setores da produção. A configuração autonomizada e
alienada que o modo de produção capitalista imprime em geral às condições de trabalho e ao produto do trabalho em confronto com o
trabalhador desenvolve-se pois com a maquinaria, numa antítese com-pleta. 149 Daí, pela primeira vez, com ela, a revolta brutal do trabalhador
contra o meio de trabalho.
O meio de trabalho mata o trabalhador. Esta antítese direta aparece, no entanto, de maneira mais evidente sempre que a maqui-naria


recém-introduzida concorre com a produção artesanal e manu-fatureira tradicional. Dentro da própria grande indústria, no entanto,
o aperfeiçoamento constante da maquinaria e o desenvolvimento do sistema automático têm efeitos análogos.


"O objetivo permanente da maquinaria aperfeiçoada é diminuir o trabalho manual ou completar um elo na corrente de produção
da fábrica mediante a substituição de um aparelho humano por um de ferro." 150 "A aplicação da força do vapor ou da água à
maquinaria, que, até então, era movida a mão, é acontecimento de todo dia. (...) Os aperfeiçoamentos menores na maquinaria,


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o uso do tear manual? ' Resposta: 'Sem dúvida; tê-lo-ia inclusive suprimido muito mais do que ocorreu se os tecelões manuais não tivessem sido colocados em situação
de se submeterem
a uma redução de salários'. Pergunta: 'Mas, o tecelão manual contentou-se, mediante essa submissão, com um salário que é insuficiente para seu sustento vital e solicita
subsídio
paroquial para o resto de seu sustento vital? ' Resposta: Sim, e, de fato, a competição entre o tear manual e o mecânico é mantida pela assistência aos pobres'.
Esse pauperismo de-gradante
ou a emigração são a vantagem que a introdução da maquinaria trouxe aos tra-balhadores; eles foram rebaixados de artesãos respeitáveis e em certo grau independentes
a miseráveis rastejantes que comem o pão degradante da caridade. A isso é que se chama de uma inconveniência temporária." (A Prize Essay on the Comparative Merits
of Competition
and Co-operation. Londres, 1834. p. 29.) 149 "A mesma causa que pode aumentar a renda do país" (isto é, como Ricardo explica na
mesma passagem, the revenues of landlords and capitalists cuja wealth considerada do ponto de vista econômico é, em geral = Wealth of the Nation) "pode ao mesmo
tempo gerar
uma população excedente e piorar a situação do trabalhador." (RICARDO. Op. cit., p. 469.) "O objetivo constante e a tendência de cada aperfeiçoamento do mecanismo
é, de fato,
eliminar completamente o trabalho do homem ou diminuir seu preço pela substituição do trabalho de homens adultos pelo de mulheres e de crianças ou o de operários
qualificados
pelo de não-qualificados." (URE. [Loc. cit., p. 23.]) 150 Reports of Insp. of Fact. 31st Oct. 1858. p. 43.
61#
que almejam economia de força motriz, melhoria do produto, maior produção no mesmo tempo ou deslocamento de uma criança,
de uma mulher ou de um homem, são constantes e, embora não pareçam ter grande peso, têm, no entanto, resultados ponderá-veis."
151 "Onde quer que uma operação requeira muita destreza
e mão segura, retirar-se-á, tão rápido quanto possível, dos braços do trabalhador demasiado qualificado e freqüentemente inclinado


a irregularidades de toda espécie, para confiá-la a um mecanismo específico, que é tão bem regulado que uma criança pode cuidar
dele." 152 "No sistema automático o talento do trabalhador é pro-gressivamente suprimido." 153 "O aperfeiçoamento da maquinaria
exige não só diminuição no número de trabalhadores adultos ocu-pados para alcançar determinado resultado, mas substitui uma
classe de indivíduos por outra classe, uma mais qualificada por uma menos qualificada, adultos por crianças, homens por mu-lheres.
Todas essas mudanças causam constantes flutuações no nível do salário." 154 "A maquinaria joga incessantemente adultos
para fora da fábrica." 155, 156
A extraordinária elasticidade do sistema de máquinas, devido à
experiência prática acumulada, à dimensão preexistente dos meios me-cânicos
e ao constante progresso da técnica foi-nos mostrada por sua
marcha impetuosa sob a pressão de uma jornada encurtada de trabalho.
Mas quem teria adivinhado em 1860, o ano do apogeu da indústria
algodoeira inglesa, os aperfeiçoamentos galopantes da maquinaria e o
deslocamento correspondente do trabalho manual que os três anos se-


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151 Reports etc. 31st Oct. 1856. p. 15. 152 URE. Loc. cit., p. 19. "A grande vantagem da maquinaria utilizada para queimar tijolos
consiste em tomar o empregador inteiramente independente de trabalhadores qualificados." (Ch. Empl. Comm., V Report. Londres, 1866. p. 130, nº 46.)
Adendo à 2ª edição: O Sr. Surrock, superintendente do departamento de máquinas da Great Northern Railway, diz, referindo-se à construção de máquinas (locomotivas
etc.):
"Trabalhadores ingleses caros (expensive) estão sendo menos usado a cada dia. A produção está sendo incrementada mediante o uso de instrumentos aperfeiçoados e esses
instrumentos
são, por sua vez, manejados por uma classe baixa de trabalho (a low class of labour). (...) Antes, o trabalho qualificado produzia necessariamente todas as partes
da máquina a
vapor. Agora, as mesmas partes são produzidas por trabalho menos qualificado, mas com bons instrumentos. (...) Por instrumentos entendo máquinas utilizadas na construção
de
máquinas." (Royal Commission on Railways. Minutes of Evidence. Nº 17 862 e 17 863. Londres, 1867.)
153 URE. Op. cit., p. 20. 154 Op. cit., p. 321.
155 Op. cit., p. 23. 156 Em inglês, o texto original traduzido por Marx na chamada da nota 102 diz literalmente
o seguinte: "O efeito de substituir o tear comum pelo tear automático é o de descartar a maior parte dos tecelões homens e reter adolescentes e crianças". Ou seja:
"The effect of
substituting the selfacting mule for the common mule is to discharge the greater part of the men spinners, and to retain adolescents and children". (In: MARX, Karl.
Capital.
Moscow, Progress Publishers, edited by F. Engels, v. I, p. 408.) (N. dos T.)
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guintes provocariam sob o acicate da guerra civil americana? Dos re-latórios
oficiais dos inspetores de fábrica ingleses quanto a esse ponto,
bastam alguns exemplos. Um fabricante de Manchester declara:


"Em vez de 75 máquinas de cardar, agora precisamos apenas de 12, que fornecem a mesma quantidade de produto de igual,


se não de melhor, qualidade. (...) A economia salarial é de 10 libras esterlinas por semana, a de perdas de algodão de 10%". 157


Numa fiação fina de Manchester,
"por meio do movimento mais acelerado e da adoção de diversos processos selfacting 158 foi afastado 1/ 4 do pessoal de trabalho de


um departamento, mais da metade em outro, enquanto a máquina de pentear no lugar da segunda máquina de cardagem diminuiu
consideravelmente o número de operários empregados na sala de cardar".


Outra fiação estima sua economia geral de "braços" em 10%. Os Srs. Gilmore, fiandeiros de Manchester, declaram:
"Em nosso blowing department, 159 avaliamos devido à nova maquinaria em 1/ 3 a economia feita em braços e salários. (...)
No jack frame e drawing frame room, 160 cerca de 1/ 3 a menos em despesa e braços; na sala de fiação, cerca de 1/ 3 a menos em
despesa. Mas isso não é tudo; quando nosso fio vai agora para os tecelões, está tão melhorado por causa da utilização da nova
maquinaria que eles produzem mais e melhor tecido do que com o fio das máquinas antigas". 161


Sobre isso, observa o inspetor de fábrica A. Redgrave:
"A redução do número de trabalhadores com aumento da pro-dução avança rapidamente; nas fábricas de lã, começou há pouco


nova redução dos braços e ela vai continuando; há poucos dias, um mestre-escola que mora perto de Rochdale disse-me que a
grande evasão nas escolas para moças não é causada apenas pela pressão da crise, mas também pelas mudanças de maqui-


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157 Em inglês, loc. cit., p. 408: "We formerly had 75 carding engines, now we have 12, doing the same quantity of work. (...) We are doing with fewer hands by 14,
at a saving in wages
of £ 10 a-week. Our estimated saving in waste is about 10% in the quantity of cotton consumed". Ou seja: "Anteriormente tínhamos 75 máquinas de cardar, agora temos
12,
fazendo a mesma quantidade de serviço. Estamos fazendo, com menos braços, cerca de 14, economizando umas 10 libras esterlinas por semana. Nossa economia em restos
desperdi-çados
é estimada em 10% da quantidade de algodão consumido". (N. dos T.) 158 Automatizados. (N. dos T.)
159 Departamento de sopro. (N. dos T.) 160 Sala de máquinas de bobinar e repuxar fio. (N. dos T.)
161 Reports of Insp. of Fact. 31st Oct. 1863. p. 108 et seqs.
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naria na fabricação de lã, em conseqüência das quais ocorreu uma redução média de 70 operários de meia jornada". 162
O resultado global dos aperfeiçoamentos mecânicos devidos à guerra civil americana na indústria algodoeira inglesa mostra a se-guinte
tabela: 163 (Ver p. 68.) De 1861 a 1868 desapareceram, portanto, 338 fábricas de algodão;
ou seja, maquinaria mais produtiva e mais potente concentrou-se nas mãos de um número menor de capitalistas. O número de teares a
vapor diminuiu em 20 663; mas seu produto ao mesmo tempo aumentou de modo que um tear aperfeiçoado produzia agora mais do que um
antigo. Finalmente, o número de fusos cresceu de 1 612 547, enquanto o número de trabalhadores empregados diminuiu de 50 505. A miséria
"temporária" com que a crise algodoeira oprimiu os trabalhadores foi,
portanto, intensificada e consolada pelo progresso rápido e permanente da maquinaria.


A maquinaria não atua, no entanto, apenas como concorrente
mais poderoso, sempre pronto para tornar trabalhador assalariado "su-pérfluo".
Aberta e tendencialmente, o capital a proclama e maneja
como uma potência hostil ao trabalhador. Ela se torna a arma mais
poderosa para reprimir as periódicas revoltas operárias, greves etc.,
contra a autocracia do capital. 164
Segundo Gaskell, a máquina a vapor foi desde o início um an-tagonista
da "força humana" que capacitou os capitalistas a esmagar
as crescentes exigências dos trabalhadores, que ameaçavam levar à
crise o nascente sistema fabril. 165 Poder-se-ia escrever toda uma história
dos inventos que, a partir de 1830, surgiram apenas como armas do


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162 Loc. cit., p. 109. O rápido aperfeiçoamento da maquinaria durante a crise do algodão permitiu aos fabricantes ingleses, logo depois do término da guerra civil
americana, abar-rotar
num piscar de olhos novamente o mercado mundial. Os tecidos, já durante os últimos 6 meses de 1866, tornaram-se quase invendáveis. Com isso, começou a consignação
das
mercadorias para a China e a ïndia, o que naturalmente tornou ainda mais intensivo o Glut. No começo de 1867, os fabricantes recorreram a seu habitual expediente,
redução
dos salários em 5%. Os trabalhadores se opuseram e declararam, de modo absolutamente correto no plano teórico, que o único remédio seria trabalhar menos tempo, 4
dias por
semana. Depois de espernearem bastante, os autonomeados capitães da indústria tiveram de se decidir a aceitá-lo, com a redução de salários de 5% em alguns lugares,
sem ela em
outros. 163 A tabela foi feita com dados dos três relatórios parlamentares seguintes, que têm o título
comum de Factories [fábricas]: Return to an Address of the Honourable the House of Com-mons, dated 15 April 1856; Return to an Address of the Honourable the House
of Commons,
dated 24 April 1861. Return to an Address of Honourable the House of Commons, dated 5 December 1867. (N. da Ed. Alemã.)
164 "A relação entre patrões e operários nas fábricas de cristais e garrafas de vidro soprado é uma strike crônica! Daí o impulso da manufatura de vidro prensado,
em que as operações
principais são realizadas por meio de maquinaria. Uma firma de Newcastle, que antes produzia anualmente 350 mil libras de cristal soprado, produz agora, em vez disso,
3 000
500 libras de vidro prensado." (Ch. Empl. Comm. IV Rep. 1865. pp. 262-263.) 165 GASKELL. The Manufacturing Population of England. Londres, 1833. pp. 11-12.
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capital contra motins de operários. Lembramos, sobretudo, o selfacting
mule, porque ele abre nova era do sistema automático. 166


Em seu depoimento perante a Trades Union Comission, Nasmyth, o inventor do martelo a vapor, relata o seguinte sobre os aperfeiçoa-mentos
da maquinaria introduzidos por ele, em decorrência das grandes e longas strikes dos operários de máquinas em 1851:


"O traço característico de nossos modernos aperfeiçoamentos mecânicos é a introdução de máquinas-ferramentas automáticas.
O que agora um trabalhador mecânico tem de fazer, e o que qualquer garoto pode fazer, não é ele mesmo trabalhar, mas su-pervisionar
o belo trabalho da máquina. Já está posta de lado toda a classe de trabalhadores que depende exclusivamente de
sua própria habilidade. Antes, eu ocupava 4 garotos para cada


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166 Algumas aplicações muito significativas de máquinas para a construção de máquinas foram inventadas pelo Sr. Fairbain em decorrência de strikes em sua própria
fábrica de máquinas.
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mecânico. Graças a essas novas combinações mecânicas, reduzi o número de homens adultos de 1 500 para 750. O resultado foi
um considerável aumento em meu lucro". 167
A respeito de uma máquina de estampar nas estamparias de chita, diz Ure:


"Por fim, os capitalistas procuraram libertar-se dessa intole-rável escravidão" (ou seja, das para eles incômodas condições
contratuais dos trabalhadores) "apelando para os recursos da ciên-cia e logo estavam reintegrados em seus legítimos direitos, os
da cabeça sobre os demais membros do corpo".
Falando de uma invenção para preparar urdiduras, cujo motivo imediato foi uma strike, diz ele:


"A horda dos insatisfeitos, que se imaginava entrincheirada inexpugnavelmente atrás das velhas linhas da divisão do tra-balho,
viu-se, assim, tomada pelo flanco e suas defesas ani-quiladas pela moderna tática mecânica. Tiveram que render-se
incondicionalmente".
A respeito da invenção do selfacting mule, diz ele:
"Ele estava destinado a restabelecer a ordem entre as classes industriais. (...) Essa invenção confirma a doutrina já desenvol-vida


por nós de que o capital, ao pôr a ciência a seu serviço, sempre compele à docilidade o braço rebelde do trabalho". 168


Embora o escrito de Ure tenha sido publicado em 1835, à época, portanto, de um sistema fabril ainda relativamente pouco desenvolvido,
ele continua sendo a expressão clássica do espírito fabril, não só por causa de seu franco cinismo, mas também por causa da ingenuidade
com que deixa escapar as contradições impensadas da mente do capital. Depois que ele, por exemplo, desenvolve a "doutrina" de que o capital,
com a ajuda da ciência posta a seu soldo,
"sempre compele à docilidade o braço rebelde do trabalho", indigna-se porque "partiu de alguns a acusação à ciência físi-co-


mecânica de se prestar ao despotismo 169 de ricos capitalistas e de se oferecer como um instrumento de opressão das classes
pobres". 170


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167 "Tenth report of the commissioners appointed to inquire into the organization and rules of Trades Unions and other associations: together with minutes of evidence".
Londres,
1868, pp. 63-64. (N. da Ed. Alemã.) 168 URE. Op. cit., pp. 367-370.
169 "Ao despotismo" — ausente no texto inglês. (N. dos T.) 170 "Pobres", em inglês; "classes pobres", em alemão. (N. dos T.)
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Depois de pregar largamente quão vantajoso é para os trabalhadores o desenvolvimento rápido da maquinaria, adverte-os de que, por sua opo-sição,
strikes etc., acelerariam o desenvolvimento da maquinaria.
"Revoltas violentas dessa natureza", diz ele, "mostram a miopia humana em seu caráter mais desprezível, no caráter de um ho-mem


que se torna seu próprio carrasco."
Poucas páginas antes ele afirma o contrário:
"Sem as violentas colisões e interrupções ocasionadas pelas errôneas concepções dos trabalhadores, o sistema fabril ter-se-ia


desenvolvido ainda muito mais rapidamente e de modo muito mais útil para todos os interessados".


Depois ele proclama novamente:
"Para felicidade da população dos distritos fabris da Grã-Bre-tanha, os aperfeiçoamentos da mecânica só ocorrem gradualmen-te".


"Injustamente", diz ele, "acusam-se as máquinas de que di-minuem o salário dos adultos, desempregando parte deles, com
o que seu número excede a necessidade de trabalho. Elas au-mentam, porém, a demanda de trabalho de crianças e, com isso,
o índice salarial delas."
O mesmo bom samaritano defende, por outro lado, o nível baixo dos salários das crianças para que "se evite que os pais enviem os


filhos cedo demais para as fábricas". Seu livro é uma apologia da jornada ilimitada de trabalho e sua alma liberal evoca os tempos mais sombrios
da Idade Média, quando a legislação proíbe exaurir crianças de menos de 13 anos durante mais de 12 horas diárias. Isso não o impede de
exortar os operários fabris a elevarem uma oração de graças à Provi-dência que, por meio da maquinaria, "lhes proporcionou o lazer para
meditar sobre seus interesses imortais". 171
6. A teoria da compensação, relativa aos trabalhadores deslocados pela maquinaria


Toda uma série de economistas burgueses, como James Mill, Mac-Culloch, Torrens, Senior, J. St. Mill etc., afirma que toda maquinaria
que desloca trabalhadores sempre libera, simultânea e necessariamen-te, capital adequado para empregar esses mesmos trabalhadores. 172
Suponha-se que um capitalista empregue 100 trabalhadores, por exemplo, numa fábrica de papel de parede, cada homem a 30 libras


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171 URE. Op. cit., pp. 368, 7, 370, 280, 321, 281 e 475. 172 Ricardo de início compartilhava desse ponto de vista, mas retratou-se expressamente mais
tarde com sua característica imparcialidade científica e amor à verdade. Ver op. cit., cap XXXI, "On Machinery".
67#
esterlinas por ano. O capital variável gasto por ele anualmente importa, portanto, em 3 mil libras esterlinas. Suponha-se que ele despeça 50
trabalhadores e empregue os 50 restantes com uma maquinaria que lhe custe 1 500 libras esterlinas. Para simplificar, suponha-se que não
se leve em conta construções, carvão etc. Admita-se ainda que a ma-téria-prima anualmente consumida custe depois como antes 3 mil libras
esterlinas. 173 Por meio dessa metamorfose, algum capital foi "liberado"? No modo antigo de produzir, a soma global despendida era de 6 mil
libras esterlinas, metade constituída de capital constante, metade de capital variável. Agora ela é constituída de 4 500 libras esterlinas de
capital constante (3 mil para matéria-prima e 1 500 para maquinaria) e 1 500 libras esterlinas de capital variável. Ao invés de metade, a
parte do capital variável, ou a parcela investida em força de trabalho viva, só constitui 1/ 4 do capital global. Ao invés de liberação, aqui tem
lugar vinculação de capital numa forma em que ele deixa de se trocar por força de trabalho, isto é, transformação de capital variável em
constante. O capital de 6 mil libras esterlinas agora não pode, perma-necendo invariáveis as demais circunstâncias, ocupar mais de 50 tra-balhadores.
A cada aperfeiçoamento da maquinaria, ele ocupa menos. Custando a recém-introduzida maquinaria menos do que a soma da
força de trabalho e das ferramentas de trabalho deslocadas por ela, portanto, por exemplo, ao invés de 1 500 apenas 1 000 libras esterlinas,
então um capital variável de 1 000 libras esterlinas se transformaria ou se converteria em capital constante, enquanto um capital de 500
libras esterlinas seria liberado. Este último, suposto o mesmo salário anual, constitui um fundo para dar ocupação a cerca de 16 trabalha-dores,
enquanto 50 são despedidos; na verdade, para muito menos do que 16 trabalhadores, já que, para sua transformação em capital, as
500 libras esterlinas precisam ser de novo transformadas parcialmente em capital constante, portanto só podem, também, ser em parte con-vertidas
em força de trabalho. Suponhamos também que a fabricação da nova máquina dê em-prego
a maior número de mecânicos; deve isso ser uma compensação para os produtores de papel de parede postos no olho da rua? Na
melhor das hipóteses, fabricá-la emprega menos trabalhadores do que sua utilização desloca. A soma de 1 500 libras esterlinas, que só re-presentava
o salário dos produtores de papel de parede despedidos, representa, agora, na figura da maquinaria: 1) o valor dos meios de
produção requeridos para sua construção; 2) o salário dos mecânicos que a constroem; 3) a mais-valia que cabe a seu "patrão". Além disso,
uma vez pronta, nunca mais a máquina precisa ser renovada até sua morte. Portanto, para ocupar continuamente o número adicional de


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173 NB, dou a ilustração bem de acordo com os economistas acima citados.
68#
mecânicos, é necessário que um fabricante de papéis de parede após outro desloque trabalhadores por meio de máquinas.
Aqueles apologetas também não têm, de fato, em mente essa espécie de liberação de capital. Eles têm em mente os meios de sub-sistência
dos trabalhadores liberados. No caso acima, não pode ser negado que, por exemplo, a maquinaria não só libera 50 trabalhadores
e, assim, torna-os "disponíveis", mas, ao mesmo tempo, suprime a co-nexão deles com meios de subsistência no valor de 1 500 libras esterlinas
e, assim, "libera" esses meios de subsistência. O fato simples, e de modo algum novo, de que a maquinaria libera os trabalhadores dos
meios de subsistência significa, portanto, economicamente, que a ma-quinaria libera meios de subsistência para o trabalhador ou transfor-ma-
os em capital para lhe dar emprego. Como se vê, tudo depende do modo de se expressar. Nominibus mollire licet mala. 174
Segundo essa teoria, os meios de subsistência no valor de 1 500 libras esterlinas eram um capital valorizado mediante o trabalho dos
50 produtores de papel de parede despedidos. Esse capital perde, em conseqüência, sua ocupação assim que os 50 se tornam ociosos, e não
descansa nem sossega enquanto não encontrar nova "aplicação" em que os ditos 50 possam de novo consumi-lo produtivamente. Portanto,
mais cedo ou mais tarde, capital e trabalho precisam reencontrar-se e é quando se dá a compensação. As provações dos trabalhadores des-locados
pela maquinaria são, portanto, tão transitórias quanto as ri-quezas deste mundo.
Os meios de subsistência no valor de 1 500 libras esterlinas nunca se confrontaram, enquanto capital, com os trabalhadores despedidos.
O que se confrontava com estes como capital eram as 1 500 libras esterlinas agora transformadas em maquinaria. Observando-se mais
de perto, essas 1 500 libras esterlinas representavam apenas parte dos papéis de parede produzidos anualmente pelos 50 trabalhadores
despedidos e que eles recebiam de seu empregador como salário em forma-dinheiro e não in natura. Com os papéis de parede transformados
em 1 500 libras esterlinas eles compravam meios de subsistência da mesma importância. Estes não existiam, portanto, para eles como ca-pital,
mas como mercadorias; e eles mesmos não existiam para essas mercadorias como assalariados, mas como compradores. A circunstância
de que a maquinaria os "liberou" dos meios de compra transforma-os de compradores em não-compradores. Daí, menor procura daquelas
mercadorias. Voilà tout. 175 Se essa procura diminuída não for compen-sada por procura aumentada de outro setor, então cai o preço de mer-cado
das mercadorias. Se isso dura por mais tempo e em maior escala,


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174 É lícito abrandar o mal com palavras — OVÍDIO. Artis Amatoriae. Livro Segundo. Verso 657. (N. da Ed. Alemã.)
175 Isso é tudo. (N. dos T.)
69#
então ocorre um deplacement 176 dos trabalhadores empregados na pro-dução daquelas mercadorias. Parte do capital, que antes produzia meios
de subsistência necessários, passa a ser reproduzida de outra forma. Durante a queda dos preços de mercado e o deplacement de capital,
os trabalhadores empregados na produção dos meios de subsistência necessários também são "liberados" de parte de seu salário. Ao invés,
portanto, de provar que a maquinaria, mediante a liberação dos tra-balhadores dos meios de subsistência, transforma os últimos simulta-neamente
em capital para o emprego dos primeiros, o Sr. Apologista prova, com a consagrada lei da oferta e da procura, que a maquinaria
põe, não só no ramo da produção em que é introduzida, mas também nos ramos da produção em que não é introduzida, trabalhadores no
olho da rua. Os fatos verdadeiros, transvestidos pelo otimismo econômico, são
estes: os trabalhadores deslocados pela maquinaria são jogados da ofi-cina para o mercado de trabalho, aumentando o número de forças de
trabalho já disponíveis para a exploração capitalista. Na Seção VII vai-se mostrar que esse efeito da maquinaria, que nos é aqui apresen-tado
como uma compensação para a classe trabalhadora, atinge o tra-balhador como o mais temível dos flagelos. Aqui, só isso: os operários
postos fora de um ramo da indústria podem, na verdade, procurar emprego em qualquer outro ramo. Se o encontram e, com isso, se re-compõe
o laço que havia entre eles e os meios de subsistência com eles liberados, então isso acontece por intermédio de novo capital adi-cional,
que procura aplicação; de nenhum modo, porém, por intermédio do capital que já funcionava antes e agora se transformou em maqui-naria.
E mesmo então, quão limitada perspectiva têm eles! Atrofiados pela divisão do trabalho, esses pobres-diabos têm tão pouco valor fora
de seu velho círculo de atividade que só conseguem acesso a alguns poucos ramos inferiores de trabalho, portanto, ramos constantemente
saturados e sub-remunerados. 177 Além disso, cada ramo industrial atrai anualmente novo afluxo de seres humanos, que lhe fornece seu con-tingente
para substituição e crescimento regulares. Assim que a ma-quinaria libera parte dos trabalhadores até então ocupados em deter-minado
ramo industrial, o pessoal de reserva também é redistribuído e absorvido em outros ramos de trabalho, enquanto as vítimas originais
em grande parte decaem e perecem no período de transição.


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176 Deslocamento. (N. dos T.) 177 Um ricardiano observa quanto a isso contra as sensaborias de J.-B. Say: "Com divisão de
trabalho desenvolvida, a qualificação do trabalhador só é aplicável no ramo particular em que ela foi adquirida: eles mesmos são uma espécie de máquina. Por isso,
não adianta em
absoluto palrar como um papagaio que as coisas têm tendência a encontrar seu nível. Precisamos olhar ao nosso derredor e ver que não podem por longo tempo encontrar
seu
nível; e, quando o encontram, o nível está mais baixo do que no começo do processo". (An Inquiry into those Principles Respecting the Nature of Demand etc. Londres,
1821. p. 72.)
70#
É um fato indubitável que a maquinaria não é, em si, responsável pela "liberação" dos operários dos meios de subsistência. Ela barateia
o produto e aumenta sua quantidade no ramo de que se apodera e deixa inalteradas as massas de meios de subsistência produzidos em
outros ramos industriais. Tanto depois quanto antes de sua introdução, a sociedade possui, por conseguinte, tantos ou mais meios de subsis-tência
para os trabalhadores deslocados, isso mesmo sem considerar a enorme massa do produto anual que é desperdiçada por não-traba-lhadores.
E essa é a grande conclusão da apologética econômica! As contradições e os antagonismos inseparáveis da utilização capitalista
da maquinaria não existem porque decorrem da própria maquinaria, mas de sua utilização capitalista! Já que, portanto, considerada em
si, a maquinaria encurta o tempo de trabalho, enquanto utilizada como capital aumenta a jornada de trabalho; em si, facilita o trabalho, uti-lizada
como capital aumenta sua intensidade; em si, é uma vitória do homem sobre a força da Natureza, utilizada como capital submete o
homem por meio da força da Natureza; em si, aumenta a riqueza do produtor, utilizada como capital o pauperiza etc. O economista burguês
declara simplesmente que a observação da maquinaria em si demonstra com toda precisão que essas contradições palpáveis são mera aparência
da realidade comum, mas que nem sequer existem em si e, portanto, também não existem na teoria. Ele se poupa, assim, à necessidade de
continuar quebrando a cabeça e, ainda por cima, imputa a seu adver-sário a bobagem de combater não a utilização capitalista da maquinaria,
mas a própria maquinaria. De forma alguma o economista burguês nega que surjam também
aí aborrecimentos temporários; mas onde existiria uma medalha sem reverso! Para ele, é impossível outra utilização da maquinaria que não
seja a capitalista. A exploração do trabalhador pela máquina é, por conseguinte, para ele, idêntica à exploração da máquina pelo traba-lhador.
Quem, portanto, revela o que realmente ocorre com a utilização capitalista da maquinaria simplesmente não quer sua utilização, é um
adversário do progresso social! 178 Igual ao raciocínio do célebre dego-lador Bill Sikes:


"Senhores jurados! Sem dúvida, a garganta desse caixeiro-via-jante foi cortada. Esse fato não é, porém, culpa minha, é culpa
da faca. Por causa de tais aborrecimentos temporários, devería-mos nós eliminar a utilização da faca? Pensem uma vez! Que


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178 Um virtuose desse desmesurado cretinismo é, entre outros, MacCulloch. "Se é vantajoso", diz ele com a ingenuidade afetada de uma criança de 8 anos, "desenvolver
mais e mais a
habilidade do trabalhador, de modo que ele seja capaz de produzir uma quantidade sempre crescente de mercadorias com a mesma ou menor quantidade de trabalho, então
deve ser
também vantajoso que recorra ao auxílio da maquinaria que lhe sirva de modo mais eficaz para atingir esse resultado." MACCULLOCH. Princ. of Pol. Econ. Londres, 1830.
p. 182.
71#
seria da agricultura e do artesanato sem a faca? Será que ela não é tão benéfica na cirurgia quanto sábia na anatomia? Além
disso, um auxiliar prestimoso em alegres ágapes? Eliminem a faca — e lançar-nos-ão de volta à mais profunda barbárie". 179


Embora a maquinaria necessariamente desloque trabalhadores nos ramos de atividade em que é introduzida, pode, no entanto, suscitar
aumento da ocupação em outros ramos. Esse efeito nada tem a ver, no entanto, com a assim chamada teoria da compensação. Já que todo
produto de máquina, por exemplo 1 vara de tecido feito a máquina, é mais barato do que o produto manual similar deslocado por ele, segue
como lei absoluta: permanecendo o quantum global do artigo produzido mecanicamente igual ao quantum global do artigo produzido manual
ou artesanalmente por ele substituído, então diminui a soma global do trabalho aplicado. O acréscimo de trabalho exigido para a produção
do próprio meio de trabalho, em maquinaria, carvão etc. tem de ser menor do que a diminuição de trabalho decorrente da utilização da
maquinaria. Se não, o produto da máquina seria tão caro ou até mais caro do que o produto manual. Mas, ao invés de ficar igual, a massa
global do artigo feito a máquina por um número reduzido de traba-lhadores cresce, de fato, muito além da massa global do artigo artesanal
deslocado. Suponha-se que 400 mil varas de tecido feito a máquina seriam produzidas por menos trabalhadores do que 100 mil varas de
tecido feito a mão. No produto quadruplicado há quatro vezes mais matéria-prima. A produção de matéria-prima precisa, portanto, ser qua-druplicada.
Mas no que tange aos meios de trabalho consumidos, como construções, carvão, máquinas etc., modifica-se assim o limite, den-tro
do qual pode crescer o trabalho adicional necessário à sua pro-dução, com a diferença entre a massa do produto de máquinas e a
massa do produto manual que poderia ter sido feito pelo mesmo número de trabalhadores.
Com a expansão do sistema fabril num ramo industrial, aumenta, portanto, inicialmente a produção em outros ramos que lhe fornecem
seus meios de produção. Até que ponto cresce, em função disso, a massa de trabalhadores ocupados depende, dadas a duração da jornada de
trabalho e a intensidade do trabalho, da composição dos capitais apli-cados, ou seja, da relação entre suas componentes constante e variável.
Essa relação por sua vez varia muito com a amplitude com que a maquinaria já se apoderou ou se apodera desses mesmos ramos. O
número de seres humanos condenados às minas de carvão e metal cresceu enormemente com o progresso do sistema fabril inglês, embora


OS ECONOMISTAS


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179 "O inventor da máquina de fiar arruinou a Índia, o que efetivamente pouco nos importa." (THIERS, A. De la Propriété. [p. 275.] O Sr. Thiers confunde aí a máquina
de fiar com o
tear mecânico, "o que efetivamente pouco nos importa".
72#
seu crescimento tenha-se tornado mais lento nas últimas décadas de-vido ao uso de nova maquinaria para a mineração. 180 Uma nova espécie
de trabalhador nasce com a máquina: seu produtor. Já sabemos que a produção mecanizada se apossou mesmo desse ramo da produção
em escala cada vez mais maciça. 181 Além disso, quanto à matéria-pri-ma, 182 não há dúvida alguma, por exemplo, de que a marcha acelerada
da fiação de algodão promoveu de modo artificial a plantação de al-godão nos Estados Unidos e, com ela, não só o tráfico de escravos
africanos, mas, simultaneamente, fez da criação de negros o principal negócio dos assim chamados Estados escravagistas fronteiriços. Quan-do,
em 1790, foi feito o primeiro censo de escravos nos Estados Unidos, o número deles atingia 697 mil, enquanto em 1861 eram cerca de 4
milhões. Por outro lado, não é menos certo que o florescimento da fábrica mecânica de lã, com a transformação progressiva de terras
cultivadas em pastagens para ovelhas, provocou a expulsão em massa e a "transformação em excedentes" dos trabalhadores agrícolas. A Ir-landa
atravessa ainda neste instante o processo de diminuir ainda mais sua população, já reduzida desde 1845 quase à metade, até atingir
a medida exata correspondente às necessidades de seus landlords e dos senhores fabricantes de lã ingleses.
Quando a maquinaria se apodera de fases preliminares ou in-termediárias que um objeto de trabalho tem de percorrer até sua forma
final, com o material de trabalho aumenta a procura de trabalho nos ramos ainda artesanais ou manufatureiros em que entra o produto da
máquina. A fiação a máquina, por exemplo, fornecia o fio tão barato e tão abundante que os tecelões manuais podiam inicialmente trabalhar
em tempo integral, sem maiores despesas. Assim, cresceu sua renda. 183 Daí a afluência de pessoas para a tecelagem de algodão, até que, na
Inglaterra, os 800 mil tecelões gerados pela Jenny, throstle e mule


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180 Segundo o censo de 1861 (v. II, Londres, 1863), o número de trabalhadores empregados nas minas de carvão da Inglaterra e País de Gales era de 246 613, dos quais
73 546
com menos de 20 anos de idade e 173 067 com mais de 20 anos. À primeira rubrica pertencem 835 com 5 a 10 anos de idade, 30 701 com 10 a 15 anos, 42 010 com 15 a
19 anos. O número de ocupados em minas de ferro, cobre, chumbo, zinco e todos os outros metais: 319 222.
181 Na Inglaterra e no País de Gales, em 1861, estavam ocupadas na produção de maquinaria: 60 807 pessoas, incluídos os fabricantes com seus caixeiros etc., isto
é, todos os agentes e
pessoas do comércio nesse setor. Excluídos, no entanto, os produtores de máquinas menores, como máquinas de costura etc., bem como os produtores de ferramentas para
as máquinas
de trabalho, como fusos etc. O número de engenheiros civis atingia 3 329. 182 Como o ferro é uma das principais matérias-primas, registre-se aqui que, em 1861, na
Inglaterra e País de Gales havia 125 771 fundidores de ferro, dos quais 123 430 do sexo masculino e 2 341 do sexo feminino. Daqueles, 30 810 com menos de 20 anos
de idade e
92 620 com mais de 20 anos. 183 "Uma família de 4 pessoas adultas (tecelões de algodão), com 2 crianças como winders,
ganhava, no final do século passado e início do atual, 4 libras esterlinas por semana para uma jornada de trabalho de 10 horas; sendo o trabalho muito urgente, podiam
ganhar
mais. (...) Antes disso, sempre haviam sofrido devido a um suprimento deficiente de fio." (GASKELL. Op. cit., pp. 34-35.)
73#
foram, afinal, novamente liquidados pelo tear a vapor. Assim, com a superabundância de tecidos para vestuário produzidos a máquina, cres-ce
o número de alfaiates, modistas, costureiras etc., até que aparece a máquina de costura.
Correspondendo à massa crescente de matérias-primas, pro-dutos semi-acabados, instrumentos de trabalho etc., que a empresa
mecanizada fornece com um número relativamente baixo de traba-lhadores, a elaboração dessas matérias-primas se divide em inúme-ras
subespécies e cresce, portanto, a diversidade dos ramos sociais de produção. A empresa mecanizada leva a divisão social do trabalho
incomparavelmente mais avante do que a manufatura, pois amplia a força produtiva dos setores de que se apodera em grau incompa-ravelmente
mais elevado. O resultado mais próximo da maquinaria é aumentar a mais-valia
e, ao mesmo tempo, a massa de produtos em que ela se representa, portanto a substância de que a classe dos capitalistas e seu cortejo se
cevam, fazendo crescer essas camadas sociais. Sua riqueza crescente e a diminuição relativamente constante dos trabalhadores exigidos para
a produção dos gêneros de primeira necessidade geram, além de novas necessidades de luxo, simultaneamente novos meios para sua satisfa-ção.
Uma parte maior do produto social transforma-se em produto ex-cedente e uma parte maior do produto excedente é reproduzida e con-sumida
em formas mais refinadas e mais variadas. Em outras palavras: cresce a produção de luxo. 184 O refinamento e a diversificação dos pro-dutos
brotam igualmente das novas relações de mercado mundial, cria-das pela grande indústria. Não só se trocam mais artigos estrangeiros
de consumo pelo produto doméstico, mas uma massa maior de maté-rias-primas, ingredientes, produtos semi-acabados etc. estrangeiros en-tra
na indústria doméstica como meio de produção. Com essas relações de mercado mundial cresce a demanda de trabalho na indústria de
transportes e esta se divide em numerosas subespécies novas. 185 A multiplicação dos meios de produção e de subsistência com
decréscimo relativo do número de trabalhadores leva à expansão do trabalho em ramos da indústria cujos produtos, como canais, docas,
túneis, pontes etc., só trazem frutos em futuro mais distante. Consti-tuem-se, diretamente com base na maquinaria ou, então, na revolução
industrial geral que lhe corresponde, ramos totalmente novos da pro-dução e, portanto, novos campos de trabalho. A participação deles na
produção global não é, no entanto, mesmo nos países mais desenvol-


OS ECONOMISTAS


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184 F. Engels em Lage etc. demonstra a situação deplorável de grande parte exatamente desses trabalhadores do luxo. Maciços dados novos quanto a isso nos relatórios
da "Child. Empls.
Comm." 185 Em 1861, na Inglaterra e no País de Gales, havia 94 665 marinheiros empregados na
marinha mercante.
74#
vidos, de modo algum significativa. O número de trabalhadores ocu-pados por eles sobe na proporção direta em que é reproduzida a ne-cessidade
de trabalho manual mais rudimentar. Como indústrias prin-cipais dessa espécie podem-se considerar, atualmente, usinas de gás,
telegrafia, fotografia, navegação a vapor e sistema ferroviário. O censo de 1861 (para a Inglaterra e País de Gales) registra na indústria de
gás (usinas de gás, produção dos aparelhos mecânicos, agentes das companhias de gás etc.) 15 211 pessoas, na telegrafia, 2 399, na foto-grafia,
2 366, no serviço de navegação a vapor, 3 570 e nas ferrovias, 70 599, entre as quais cerca de 28 mil trabalhadores de terra "não-qualificados"
ocupados de modo mais ou menos permanente, além de todo o pessoal administrativo e comercial. Portanto, número global de
indivíduos nessas cinco indústrias novas: 94 145.
Por fim, a força produtiva extraordinariamente elevada nas es-feras
da grande indústria, acompanhada como é por exploração da
força de trabalho ampliada intensiva e extensivamente em todas as
demais esferas da produção, permite ocupar de forma improdutiva uma
parte cada vez maior da classe trabalhadora e assim reproduzir ma-ciçamente
os antigos escravos domésticos sob o nome de "classe ser-viçal",
como criados, empregadas, lacaios etc. Segundo o censo de 1861,
a população global da Inglaterra e do País de Gales era de 20 066 224
pessoas, das quais 9 776 259 do sexo masculino e 10 289 965 do sexo
feminino. Descontando-se disso os que são velhos demais ou jovens
demais para o trabalho, todas as mulheres "improdutivas", pessoas
jovens e crianças, em seguida os estamentos ideológicos, como governo,
clero, juristas, militares etc., além disso aqueles cujo negócio exclusivo
é consumir trabalho alheio sob a forma de renda da terra, juros etc.
e, por fim, indigentes, vagabundos, criminosos etc.. então restam, grosso
modo, 8 milhões de ambos os sexos e das mais variadas idades, inclusive
diversos capitalistas que, de algum modo, desempenhem funções na
produção, no comércio, nas finanças etc. Desses 8 milhões, são:


Trabalhadores agrícolas (inclusive pastores, bem como peões e criadas que morem
junto aos arrendatários) . . . . . . . . . . . . . . . 1 098 261 pessoas Todos os ocupados na fabricação de
algodão, lã, linho, cânhamo, seda, juta e na confecção mecanizada de
meias e rendas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 642 607 186 pessoas Todos os ocupados em minas de carvão e
de metais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 565 835 pessoas


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186 Dos quais só 177 596 do sexo masculino com mais de 13 anos.
75#
Todos os ocupados em usinas metalúr-gicas (altos-fornos, laminações etc.) e
em manufaturas metalúrgicas de toda espécie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 396 998 187 pessoas
Classe serviçal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 208 648 188 pessoas
Se contarmos os ocupados em todas as fábricas têxteis junto com o pessoal das minas de carvão e de metais, teremos 1 208 442; se os
computarmos com o pessoal de todas as metalúrgicas e manufaturas, teremos então o número global de 1 039 605; em ambos os casos o
total é menor do que o número de modernos escravos domésticos. Que edificante resultado da maquinaria explorada como capital!


7. Repulsão e atração de trabalhadores com o desenvolvimento da produção mecanizada.
Crises da indústria algodoeira
Todos os representantes confiáveis da Economia Política reco-nhecem que a introdução de nova maquinaria age como uma peste


sobre os trabalhadores dos artesanatos e manufaturas tradicionais, com os quais ela inicialmente compete. Quase todos deploram a escra-vidão
do operário de fábrica. E qual é o grande trunfo que todos eles põem na mesa? Que a maquinaria, depois do pavor de seu período de
introdução e desenvolvimento, aumenta, em última instância, os es-cravos do trabalho, ao invés de finalmente diminuí-los! Sim, a Economia
Política se rejubila com o teorema repelente, repelente para qualquer "filantropo" que acredite na eterna necessidade natural do modo de
produção capitalista, de que mesmo a fábrica baseada na produção mecanizada, depois de certo período de crescimento, depois de maior
ou menor "período de transição", esfalfa mais trabalhadores do que ela originalmente pôs no olho da rua! 189


OS ECONOMISTAS


78
187 Destes, 30 501 do sexo feminino. 188 Destes, 137 447 do sexo masculino. Excluído dos 1 208 648 todo pessoal que não presta
serviços em residências particulares. Adendo à 2ª edição: De 1861 a 1870, o número de serviçais masculinos quase dobrou.
Aumentou para 267 671. Em 1847, havia 2 694 guardas-florestais (para as reservas de caça dos aristocratas); em 1869, no entanto, havia 4 921. As mocinhas que trabalhavam
como empregadas nas casas dos pequenos burgueses londrinos eram chamadas, na lingua-gem popular, de little slaveys, pequenas escravas.
189 Ganilh considera, no entanto, como resultado último da produção mecanizada um número absolutamente reduzido de escravos do trabalho, à custa dos quais se ceva,
um número
maior de gens honnêtes e desenvolve sua conhecida perfectibilité perfectible. Por pouco que ele entenda o movimento da produção, ao menos sente que a maquinaria
é uma instituição
extremamente fatal se sua introdução transforma trabalhadores ocupados em paupers, enquanto seu desenvolvimento gera mais escravos do trabalho do que ela liquidou.
O cre-tinismo
de seu ponto de vista só se pode expressar por meio de suas próprias palavras: "As classes condenadas a produzir e a consumir diminuem; e as classes que dirigem
o
trabalho, as que aliviam, consolam e esclarecem toda a população se multiplicam (...) e se apropriam de todos os benefícios que resultam da diminuição dos custos
do trabalho, da
76#
Já se mostrou em alguns casos, por exemplo nas fábricas inglesas de worsted e de seda, que, em certo grau de desenvolvimento, uma
extraordinária expansão de ramos fabris pode estar unida a um de-créscimo não só relativo, mas absoluto, do número de trabalhadores
empregados. 190 No ano de 1860, quando se fez um censo especial, por ordem do Parlamento, de todas as fábricas do Reino Unido, contava
a seção, adjudicada ao inspetor fabril R. Baker, dos distritos fabris de Lancashire, Cheshire e Yorkshire com 652 fábricas. Destas, 570 con-tinham:
85 622 teares a vapor, 6 819 146 fusos (com exclusão dos fusos de torcer), 27 439 cavalos de força em máquinas a vapor e 1 390
em rodas-d'água; 94 119 pessoas ocupadas. Em 1865, entrementes, as mesmas fábricas continham: 95 163 teares a vapor, 7 025 031 fusos,
28 925 cavalos de força em máquinas a vapor, 1 445 em rodas-d'água; 88 913 pessoas ocupadas. De 1860 a 1865, a expansão dessas fábricas
atingia, portanto, 11% em teares a vapor, 3% em fusos, 5% em cavalos de força de vapor enquanto, ao mesmo tempo, o número de pessoas
ocupadas diminuía em 5,5%. 191 Entre 1852 e 1862 ocorreu considerável crescimento da fabricação inglesa de lã, enquanto o número de traba-lhadores
empregados se manteve quase estacionário.
"Isso mostra em que grande medida a maquinaria recém-in-troduzida tinha deslocado o trabalho de períodos anteriores." 192


Em casos empiricamente dados, o aumento de trabalhadores fa-bris empregados é, com freqüência, apenas aparente, isto é, não devido
à expansão da fábrica já baseada na produção mecanizada, mas à ane-xação paulatina de ramos acessórios. Por exemplo, o aumento dos teares
mecânicos e dos trabalhadores de fábrica por eles ocupados era devido, de 1838 a 1858, nas fábricas da indústria algodoeira (britânica), sim-plesmente
à expansão desse ramo de atividades; nas outras fábricas,


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79
abundância dos produtos e dos baixos preços dos bens de consumo. Sob essa direção, a espécie humana se eleva às mais altas criações do gênio, penetra nas profundezas
misteriosas
da religião, estabelece os salutares fundamentos da moral" (que consiste em "apropriar-se de todos os benefícios" etc.), "as leis tuteladoras da liberdade" (a liberdade
para as "classes
condenadas a produzir"?) "e do poder, da obediência e da justiça, do dever e da humanidade". Esse palavrório em Des Systèmes d'Economie Politique etc. por M. Ch.
Ganilh. 2ª ed., Paris,
1821. t. I, p. 224, cf. ib., p. 212. 190 Ver MEW. v. 23, pp. 438-439. Neste volume, pp. 37-39.
191 Reports of Insp. of Fact. 31st Oct. 1865. p. 58 et seqs. Mas ao mesmo tempo já havia também a base material para a ocupação de um número crescente de trabalhadores
em 110 novas
fábricas com 11 625 teares a vapor, 628 576 fusos, 2 695 cavalos de força de vapor e hidráulica. (Loc. cit.)
192 Reports etc. for 31st Oct. 1862. p. 79. Adendo à 2ª edição: Ao final de dezembro de 1871, dizia o inspetor de fábrica A. Redgrave,
numa conferência proferida em Bradford, no New Mechanics Institution: "O que há algum tempo me tem chocado é a aparência alterada das fábricas de lã. Antes elas
estavam lotadas
de mulheres e crianças, agora a maquinaria parece fazer todo o trabalho. Questionado, um fabricante deu-me a seguinte explicação: 'No sistema antigo, eu empregava
63 pessoas;
depois da introdução de maquinaria aperfeiçoada, reduzi meus braços a 33 e, recentemente, em conseqüência de novas e extensas alterações, fui capaz de reduzi-los
de 33 a 13'".
77#
pelo contrário, à aplicação nova da força do vapor nos teares de tapetes, fitas, linho etc., que antes eram movidos por força muscular humana. 193
Portanto, o acréscimo desses operários fabris era apenas a expressão de uma diminuição do número global de trabalhadores ocupados. Por
fim, aqui não se considera que, por toda parte, com exceção das fábricas metalúrgicas, trabalhadores jovens (com menos de 18 anos), mulheres
e crianças constituem de longe o elemento preponderante do pessoal de fábrica.
Compreende-se, no entanto, apesar da massa de trabalhadores fac-tualmente deslocada e virtualmente substituída, como, com seu próprio
crescimento, expresso em maior número de fábricas da mesma espécie ou nas dimensões ampliadas das fábricas existentes, os operários de fábrica
possam ser, afinal, mais numerosos do que os trabalhadores de manufatura ou artesãos deslocados por eles. Suponhamos que o capital, semanalmente
aplicado, de 500 libras esterlinas consista, por exemplo, no antigo modo de produzir, em 2/ 5 de capital constante e 3/ 5 de capital variável, ou seja,
que 200 libras sejam despendidas em meios de produção, 300 libras em força de trabalho, digamos a 1 libra por trabalhador. Com a produção
mecanizada, transforma-se a composição do capital global. Este se de-compõe agora, por exemplo, em 4/ 5 de componente constante e 1/ 5 de
variável, ou então são gastas apenas 100 libras esterlinas em força de trabalho. Dois terços dos trabalhadores anteriormente ocupados são, por
conseguinte, despedidos. Se essa empresa fabril se expande e o capital global investido, com as outras condições de produção constantes, cresce
de 500 para 1 500, então passarão a ser ocupados 300 trabalhadores, tantos quantos antes da Revolução Industrial. Crescendo o capital aplicado
até 2 mil, então 400 trabalhadores serão empregados, portanto 1/ 3 a mais que no antigo modo de produzir. Em termos absolutos, o número de tra-balhadores
empregados cresceu de 100; em termos relativos, ou seja, em relação ao capital global investido, caiu de 800, pois o capital de 2 mil
libras esterlinas teria, no antigo modo de produzir, ocupado 1 200 em vez de 400 trabalhadores. A redução relativa do número de trabalhadores
é, portanto, compatível com seu aumento absoluto. Supôs-se, acima, que com o crescimento do capital global sua composição permanecesse cons-tante
porque também as condições de produção assim permaneceram. Mas já se sabe que, com cada progresso do sistema de máquinas, cresce
a parte constante do capital composta de maquinaria, matéria-prima etc., enquanto cai o capital variável, despendido em força de trabalho, e já se
sabe também que em nenhum outro modo de produzir os aperfeiçoamentos são tão constantes e, por isso, a composição do capital global é tão variável.
Essa mudança contínua é, porém, constantemente interrompida por pontos de parada e pela expansão apenas quantitativa sobre uma base técnica


OS ECONOMISTAS


80
193 Reports etc. for 31st Oct. 1856. p. 16.
78#
dada. Com isso, cresce o número de trabalhadores ocupados. Assim, o número de todos os operários nas fábricas de algodão, lã, worsted, linho
e seda, no Reino Unido, em 1835, somava apenas 354 684, enquanto, em 1861, só o número de tecelões de teares a vapor (de ambos os sexos
e de idades diferentes, a partir dos 8 anos) era de 230 654. Esse cres-cimento certamente não parece tão grande quando se pondera que, em
1838, os tecelões manuais britânicos de algodão, juntamente com as famílias ocupadas por eles mesmos, ainda eram 800 mil, 194 abstraindo
totalmente os trabalhadores deslocados na Ásia e na Europa continental. Nas poucas observações a serem ainda feitas sobre esse ponto,
tocaremos, em parte, em relações puramente factuais que nossa expo-sição teórica ainda não considerou de per si.
Enquanto a produção mecanizada se expande num ramo da in-dústria à custa do artesanato ou da manufatura tradicionais, suas
vitórias são tão seguras quanto a vitória de um exército equipado com fuzis de agulha contra um exército de arqueiros. Esse período inicial,
em que a máquina primeiro conquista seu raio de ação, é de importância decisiva por causa dos extraordinários lucros que ajuda a produzir.
Estes constituem não só, em si e para si, uma fonte de acumulação acelerada, mas atraem grande parte do capital social adicional, que
constantemente se forma e que busca novas aplicações, à esfera favo-recida de produção. As especiais vantagens do primeiro período de
impetuoso avanço repetem-se constantemente nos ramos da produção em que a maquinaria é introduzida pela primeira vez. Mas assim que
o sistema fabril ganha certa base existencial e certo grau de maturidade, especialmente quando sua própria base técnica, a maquinaria, passa,
por sua vez, a ser produzida por meio de máquinas, assim que a extração de carvão e ferro, bem como a elaboração dos metais e os meios de
transportes são revolucionados, quando, em suma, são estabelecidas as condições gerais de produção correspondentes à grande indústria,
esse modo de produzir adquire elasticidade, uma súbita capacidade de expansão aos saltos, que só na matéria-prima e no mercado de escoa-mento
encontra limites. A maquinaria efetua, por um lado, aumento direto de matéria-prima, como, por exemplo, o cotton gin aumentou a
produção de algodão. 195 Por outro lado, barateamento do produto da má-quina e sistemas revolucionados de transporte e de comunicação são armas
para a conquista de mercados estrangeiros. Mediante a ruína do produto


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81
194 "Os sofrimentos dos tecelões manuais" (de algodão e de materiais misturados com algodão) "foram objeto de inquérito de uma Comissão Real, mas, embora a miséria
deles fosse re-conhecida
e lamentada, a melhoria (!) de sua situação foi deixada às chances e mudanças do tempo, podendo esperar-se agora" (20 anos depois!) "que esses sofrimentos quase
(nearly)
tenham desaparecido, para o que a grande expansão do tear a vapor com toda probabilidade contribuiu." (Rep. Insp. Fact. 31st Oct. 1856. p. 15)
195 Outros métodos mediante os quais a maquinaria afeta a produção da matéria-prima serão mencionados no Livro Terceiro.
79#
artesanal desses mercados, a produção mecanizada os transforma à força em campos de produção de suas matérias-primas. Assim, a Índia
foi obrigada a produzir algodão, lã, cânhamo, juta, anil etc. para a
Grã-Bretanha. 196 A constante "transformação em excedentes" dos traba-lhadores dos países da grande indústria promove de maneira artificial-mente


rápida a emigração e a colonização de países estrangeiros, que se
transformam em áreas de plantações das matérias-primas do país de origem, como, por exemplo, a Austrália tornou-se um local de produção


de lã. 197 Cria-se nova divisão internacional do trabalho, adequada às prin-cipais
sedes da indústria mecanizada, que transformam parte do globo terrestre em campo de produção preferencialmente agrícola para o outro


campo preferencialmente industrial. Essa revolução está ligada a modi-ficações
na agricultura que aqui não serão ainda examinadas. 198


OS ECONOMISTAS


82
196 Exportação de Algodão da Índia para a Grã-Bretanha (em Libras)
1846 34 540 143 1860 204 141 168 1865 445 947 600
Exportação de Lã da Índia para a Grã-Bretanha (em Libras)
1846 4 570 581 1860 20 214 173 1865 20 679 111
197 Exportação de Lã do Cabo da Boa Esperança para a Grã-Bretanha (em Libras)
1846 2 958 457 1860 16 574 345 1865 29 920 623
Exportação de Lã da Austrália para a Grã-Bretanha (em Libras)
1846 21 789 346 1860 59 166 616 1865 109 734 261
198 O desenvolvimento econômico dos Estados Unidos é, ele mesmo, um produto da grande indústria européia, ou melhor, inglesa. Em sua atual configuração (1866), precisam
ser
ainda considerados uma colônia da Europa. {Adendo à 4ª edição: De lá para cá transformaram-se no segundo país mais industrializado
do mundo, sem ter, com isso, perdido completamente seu caráter colonial. — F. E.}
Exportação de Algodão dos Estados Unidos para a Grã-Bretanha (em Libras)
1846 401 949 393 1852 765 630 544 1859 961 707 264 1860 1 115 890 608


Exportação de Grãos etc. dos Estados Unidos para a Grã-Bretanha (1850 e 1862)


a cwts = hundredweight, medida de peso equivalente a 112 libras ou 50,802 quilogramas.
(N. dos T.) b Espécie de cevada. (N. dos T.)
80#
Por iniciativa de Gladstone, a Câmara dos Comuns ordenou, a 18 de fevereiro de 1867, que fosse feita uma estatística de todo grão,
cereal e farinha de qualquer espécie, importados e exportados do Reino Unido. Apresento, mais adiante, o resultado sinóptico. A farinha está
reduzida a quarters de grão. 199 (Ver tabela à p. 82.)
A enorme capacidade de expansão aos saltos do sistema fabril e sua dependência do mercado mundial produzem necessariamente pro-dução


febril e conseqüente saturação dos mercados, cuja contração pro-voca estagnação. A vida da indústria se transforma numa seqüência
de períodos de vitalidade média, prosperidade, superprodução, crise e estagnação. A insegurança e a instabilidade a que a produção meca-nizada
submete a ocupação e, com isso, a situação de vida dos traba-lhadores tornam-se normais com essas oscilações periódicas do ciclo
industrial. Descontados os tempos de prosperidade, impera entre os capitalistas a mais intensa luta em torno de sua participação individual
no mercado. Essa participação está em relação direta com a barateza do produto. Além dessa rivalidade, produzida por esse fato, no uso de
maquinaria aperfeiçoada, que substitui a força de trabalho, e de novos métodos de produção, surge toda vez um ponto em que o barateamen-toda
mercadoria é buscado mediante diminuição forçada dos salários abaixo do valor da força de trabalho. 200
O crescimento do número de trabalhadores de fábrica é, portanto, condicionado pelo crescimento proporcionalmente muito mais rápido
do capital global investido nas fábricas. Esse processo só se realiza,


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83
199 Marx extraiu os dados do relatório parlamentar "Corn, grain, and meal. Return to an order of the Honourable House of Commons, dated 18 February 1867". (N. da
Ed. Alemã.)
200 Numa proclamação dos trabalhadores, postos na rua pelos fabricantes de calçados de Licester por meio de um look out, às "Trade Societies of England" em julho
de 1866, é dito, entre
outras coisas: "Há cerca de 20 anos a fabricação de calçados de Leicester foi revolucionada por meio da introdução do rebitamento no lugar da costura. Naquela época,
bons salários
podiam ser ganhos. Logo esse novo negócio se expandiu muito. Verificou-se grande competição entre as diversas firmas com o intuito de apresentar o artigo de melhor
gosto. Pouco depois,
no entanto, surgiu uma espécie pior de competição, ou seja, a de cada um vender no mercado a preço mais baixo do que o outro. As funestas conseqüências disso logo
se manifestaram
pela redução de salário e a queda do preço do trabalho foi tão impetuosamente rápida que muitas firmas só pagam agora metade do salário original. E, mesmo assim,
apesar de os
salários caírem mais e mais, os lucros parecem crescer com cada alteração na escala dos salários". — Mesmo períodos desfavoráveis da indústria são aproveitados pelos
fabricantes
para conseguirem lucros extraordinários mediante redução exagerada do salário, isto é, roubo direto dos meios de subsistência mais necessários ao trabalhador. Um
exemplo. Tra-ta-
se da crise na tecelagem de seda em Coventry: "Por informações que recebi tanto de fabricantes como de trabalhadores, parece não haver dúvidas de que os salários
têm sido
reduzidos em extensão maior do que o impunha a concorrência dos produtores estrangeiros ou outras circunstâncias. (...) A maioria dos tecelões está trabalhando com
uma redução
de 30 a 40% em seus salários. Uma peça de fita, para cuja feitura o tecelão recebia 6 ou 7 xelins há uns 5 anos, só lhe rende agora 3 xelins e 3 pence ou 3 xelins
e 6 pence; outro
trabalho, tendo anteriormente o preço de 4 xelins e 4 xelins e 3 pence, é pago agora a 2 xelins e a 2 xelins e 3 pence. A redução salarial é maior do que a requerida
para estimular
a demanda. De fato, no caso de muitas espécies de fita, a redução do salário não foi acom-panhada por nenhuma redução do preço do artigo". (Relatório do comissário
F. D. Longe.
In: Ch. Emp. Comm., V Rep. 1866. p. 114, nº 1.)
81#
OS ECONOMISTAS
84
82#
porém, dentro dos períodos de maré alta e maré baixa do ciclo industrial. Além disso, ele constantemente é interrompido pelo progresso técnico,
que ora substitui virtualmente trabalhadores, ora os desloca de fato. Essa mudança qualitativa na produção mecanizada afasta constante-mente
trabalhadores da fábrica ou cerra seus portões ao novo fluxo de recrutas, enquanto a expansão apenas quantitativa das fábricas
engole, além dos expulsos, novos contingentes. Assim, os trabalhadores são ininterruptamente repelidos e atraídos, jogados de um lado para
outro, e isso numa mudança constante de sexo, idade e habilidade dos recrutados.
As vicissitudes do operário de fábrica ficarão mais bem evi-denciadas mediante rápido exame dos destinos da indústria algo-doeira
inglesa.
De 1770 a 1815, indústria algodoeira deprimida ou estagnada por 5 anos. Durante esse período inicial de 45 anos, os fabricantes


ingleses detinham o monopólio da maquinaria e do mercado mundial. De 1815 a 1821, deprimida; em 1822 e 1823, prosperando; em 1824,
abolição das leis de coalizão, 201 grande expansão geral das fábricas; em 1825, crise; em 1826, grande miséria e levantes entre os trabalha-dores
do algodão; em 1827, leve melhoria; em 1828, grande aumento de teares a vapor e das exportações; em 1829, a exportação, especial-mente
para a Índia, supera todos os anos anteriores; em 1830, mercados saturados, grande penúria; de 1831 a 1833, depressão permanente; é
retirado o monopólio do comércio para a Ásia oriental (Índia e China) da Companhia das Índias Orientais. Em 1834, grande crescimento de
fábricas e maquinaria, falta de braços. A nova Lei dos Pobres estimula a migração dos trabalhadores agrícolas para os distritos fabris. Grande
busca de crianças nos condados rurais. Tráfico de escravos brancos. Em 1835, grande prosperidade. Simultaneamente, os tecelões manuais
de algodão morrem de fome. Em 1836, grande prosperidade. Em 1837 e 1838, depressão e crise. Em 1839, recuperação. Em 1840 grande
depressão, levantes, intervenção militar. Em 1841 e 1842, sofrimento terrível dos operários fabris. Em 1842, os fabricantes excluem operários
das fábricas, para forçar a revogação das leis do trigo. Os trabalhadores afluem aos milhares a Yorkshire, sendo repelidos pelas tropas e seis
líderes levados a julgamento em Lancaster. Em 1843, grande miséria. Em 1844, recuperação. Em 1845, grande prosperidade. Em 1846, de
início ascensão contínua, em seguida sintomas de reação. Revogação das leis do trigo. Em 1847, crise. Redução geral dos salários em 10%


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201 Leis de coalizão. Nos anos de 1799 e 1800, o Parlamento inglês aprovou leis pelas quais eram proibidas a fundação e a atividade de quaisquer organizações de
trabalhadores. Essas
leis foram novamente revogadas pelo Parlamento em 1824, no entanto mesmo depois as autoridades limitavam ao máximo a atividade das organizações operárias. Especialmente
a agitação para que os operários ingressassem numa organização e participassem de greves foi considerada "intimidação" e "imposição" e punida como ato criminoso.
(N. da Ed. Alemã.)
83#
ou mais para festejar o big loaf. Em 1848, mantêm-se a depressão. Manchester sob proteção militar. Em 1849, recuperação. Em 1850, pros-peridade.
Em 1851, preço das mercadorias em declínio, salários baixos, strikes freqüentes. Em 1852, início de melhoria. Continuação das stri-kes,
os fabricantes ameaçam importar trabalhadores estrangeiros. Em 1853, exportações em crescimento. Strike de 8 meses e grande miséria
em Preston. Em 1854, prosperidade, abarrotamento dos mercados. Em 1855, relatos de falências afluem dos Estados Unidos, do Canadá, dos
mercados da Ásia oriental. Em 1856, grande prosperidade. Em 1857, crise. Em 1858, melhoria. Em 1859, grande prosperidade, aumento
das fábricas. Em 1860, apogeu da indústria algodoeira inglesa. Mercado indiano, australiano e outros tão abarrotados que, ainda em 1863, mal
tinham absorvido todo o encalhe. Tratado de comércio com a França. Enorme crescimento de fábricas e maquinaria. Em 1861, a melhoria
continua por algum tempo, reação, guerra civil americana, falta de algodão. De 1862 a 1863, colapso total.
A história da falta de algodão é característica demais para que não se demore nela por um instante. Pelas indicações das condições
do mercado mundial de 1860 a 1861, vê-se que a crise do algodão foi oportuna e, em parte, vantajosa para os fabricantes, fato reconhecido
em relatórios da Câmara de Comércio de Manchester, proclamado no Parlamento por Palmerston e Derby, confirmado pelos acontecimen-tos.
202 No entanto, em 1861 havia, entre as 2 887 fábricas algodoeiras
do Reino Unido, muitas pequenas. Segundo o relatório do inspetor de fábrica A. Redgrave, cuja circunscrição administrativa abrangia 2 109


daquelas 2 887 fábricas, 392, ou seja 19%, empregavam menos de 10 cavalos-vapor; 345 ou 16%, de 10 a menos de 20; 1 372, no entanto,
20 ou mais cavalos de força. 203 A maioria das pequenas fábricas eram tecelagens, construídas durante o período de prosperidade a partir de
1858, a maior parte por especuladores, dos quais um fornecia o fio, outro a maquinaria e um terceiro o prédio, sob a direção de antigos
overlookers 204 ou de outras pessoas sem recursos. Grande parte desses fabricantes foi a pique. O mesmo destino lhes teria sido reservado pela
crise comercial, evitada pelo desastre do algodão. Embora constituíssem 1/ 3 do número de fabricantes, suas fábricas absorviam parte incompa-ravelmente
menor do capital investido na indústria algodoeira. No que tange à dimensão da paralisação, segundo estimativas idôneas, em
outubro de 1862, 60,3% dos fusos e 58% dos teares estavam parados. Isso se refere a todo ramo da indústria e estava, naturalmente, muito
modificado em cada distrito individual. Só poucas fábricas trabalhavam em tempo integral (60 horas por semana); as restantes, com interrup-


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202 Cf. Reports of Insp. of Fact. for 31st Oct. 1862. p. 30. 203 Loc. cit., pp. 18-19.
204 Capatazes. (N. dos T.)
84#
ções. Mesmo para os poucos trabalhadores ocupados em tempo integral e pelo costumeiro salário por peça, estreitou-se necessariamente o sa-lário
semanal devido à substituição do algodão melhor por pior, o Sea Island pelo egípcio (na fiação fina), americano e egípcio por surat (in-diano)
e algodão puro por misturas de restos de algodão com surat. A fibra mais curta do algodão surat, sua condição suja, a maior fragilidade
dos fios, a substituição da farinha por toda espécie de ingredientes mais pesados, a fim de engomar os fios da urdidura etc., diminuíam
a velocidade da maquinaria ou o número de teares que um tecelão podia supervisionar, aumentavam o trabalho com os erros da máquina
e limitavam, com a quantidade menor dos produtos, o salário por peça. Com o uso de surat e com tempo integral de trabalho, a perda do
trabalhador elevava-se a 20, 30% e até mais. Mas a maioria dos fa-bricantes também rebaixava a taxa de salário por peça em 5, 7 1/ 2 e
10%. Pode-se entender, daí, a situação dos empregados por 3, 3 1/ 2, 4 dias por semana ou só 6 horas por dia. Em 1863, depois de haver
ocorrido melhoria relativa para tecelões, fiandeiros etc., os salários semanais eram de 3 xelins e 4 pence, 3 xelins e 10 pence, 4 xelins e
6 pence, 5 xelins e 1 pêni etc. 205 Mesmo nessas condições angustiosas, o espírito inventivo do fabricante quanto a reduções salariais não se
esgotava. Estas eram impostas em parte como multas por defeitos no produto, devidos à má qualidade do algodão, maquinaria inadequada
etc. Onde o fabricante era, porém, proprietário dos cottages 206 dos tra-balhadores, ele cobrava os aluguéis por meio de descontos no salário
nominal. O inspetor de fábrica Redgrave conta a respeito de selfacting minders (que supervisionam um par de selfacting mules), que,


"ao final de 14 dias de trabalho integral, recebiam 8 xelins e 11 pence, e dessa soma era descontado o aluguel da casa, do qual,
no entanto, o fabricante devolvia a metade como presente, de modo que os minders bem levavam para casa 6 xelins e 11 pence.
Ao final de 1862, o salário semanal dos tecelões variava de 2 xelins e 6 pence para cima". 207


Mesmo que os operários só trabalhassem em horário reduzido, o aluguel era freqüentemente descontado dos salários. 208 Não é de ad-mirar
que em algumas partes de Lancashire irrompesse uma espécie de peste de fome! Mais característico do que tudo isso foi, porém, como
o revolucionamento do processo de produção progrediu à custa do tra-balhador. Eram, formalmente, experimenta in corpore vili, 209 como os
dos anatomistas com rãs.


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87
205 Reports of Fact. for 31st Oct. 1863. pp. 41-45, 51. 206 Moradias. (N. dos T.)
207 Reports etc. 31st Oct. 1863. pp. 41-42. 208 Loc. cit., p. 57.
209 Experimentos em corpo vil. (N. dos T.)
85#
"Embora", diz o inspetor de fábrica Redgrave, "eu tenha dado as quantias de fato recebidas pelos operários em muitas fábricas,
não se deve concluir que eles recebem a mesma quantia a cada semana. Os operários estão sujeitos às maiores flutuações por
causa das constantes experimentações (experimentalizing) dos fa-bricantes (...) as remunerações deles sobem e descem com a qua-lidade
da mistura do algodão; ora se aproximam até 15% de seus ganhos antigos, ora caem em 50 ou 60% uma ou duas semanas
depois. 210
Essas experiências não foram feitas apenas à custa dos meios de subsistência dos trabalhadores. Eles tiveram que pagar com seus


cinco sentidos.
"Os ocupados em abrir o algodão informaram-me que o fedor insuportável lhes causa mal-estar. (...) Aos empregados nas salas


de misturar, scribbling 211 e cardar, o pó e a sujeira que se des-prendem irritam todos os orifícios da cabeça, provocam tosse e
dificuldades de respiração. (...) Por causa do pouco comprimento da fibra, ao engomá-la é adicionada grande quantidade de todas
as espécies de substitutos, no lugar da farinha anteriormente usada. Daí, náusea e dispepsia dos tecelões. A bronquite prepon-dera
por causa do pó, do mesmo modo inflamação da garganta, além de uma enfermidade da pele em conseqüência de sua irri-tação
pela sujeira contida no surat."
Por outro lado, os substitutos da farinha eram uma sacola de Fortunato 212 para os senhores fabricantes por causa do aumento do


peso do fio. Faziam "15 libras de matéria-prima pesarem 20 libras quando tecidas". 213 No relatório dos inspetores de fábrica, feito a 30
de abril de 1864, lê-se:
"A indústria se aproveita agora dessa fonte auxiliar numa proporção verdadeiramente indecente. Sei, de autoridade idônea,


que um tecido de 8 libras é feito de 5 1/ 4 libras de algodão e 2 3/ 4 libras de goma. Outro tecido de 5 1/ 4 libras continha 2 libras
de goma. Estes eram shirtings 214 ordinários para exportação. Em outras espécies, era acrescentado às vezes 50% de goma, de modo
que fabricantes podiam vangloriar-se, e se vangloriavam real-


OS ECONOMISTAS


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210 Loc. cit., pp. 50-51. 211 Carduçar. (N. dos T.)
212 Fortunato — Personagem literário alemão, possuidor de uma sacola com dinheiro que nunca acaba. (N. dos T.)
213 Loc. cit., p. 62-63. 214 Tecidos para camisa. (N. dos T.)
86#
mente, de que ficavam ricos com a venda de tecidos por menos dinheiro do que custa o fio nominalmente contido neles". 215
Os operários, porém, não tiveram de sofrer apenas com as expe-rimentações dos fabricantes nas fábricas e das municipalidades fora
das fábricas, não só com reduções salariais e desemprego, com penúrias e esmolas, com discursos laudatórios dos lordes e dos membros da
Câmara dos Comuns.
"Infortunadas mulheres, desempregadas devido à crise algo-doeira, tornaram-se párias da sociedade e assim continuaram.


(...) O número de jovens prostituídas cresceu mais do que durante os últimos 25 anos." 216


Portanto, nos primeiros 45 anos da indústria algodoeira britânica, de 1770 a 1815, só se encontram 5 anos de crise e estagnação; esse
foi, porém, o período de seu monopólio mundial. O segundo período, de 48 anos, de 1815 a 1863, conta apenas 20 anos de recuperação e
prosperidade para 28 de depressão e estagnação. De 1815 a 1830, co-meça a concorrência com a Europa continental e os Estados Unidos.
A partir de 1833, a expansão dos mercados asiáticos é forçada por meio da "destruição da race humana". 217 Desde a revogação das leis
do trigo, de 1846 a 1863, para 8 anos de vitalidade e prosperidade médias 9 anos de depressão e estagnação. A situação dos trabalhado-res
adultos masculinos do algodão, mesmo durante a época de pros-peridade, pode ser julgada pela nota abaixo. 218


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215 Reports etc. 30th April 1864. p. 27. 216 De uma carta do Chief Constable Harris de Bolton. In: Reports of Insp. of Fact. 31st Oct.
1856. p. 61-62. 217 Marx refere-se à intensidade com que os comerciantes particulares ingleses conquistaram
o mercado chinês depois da supressão do monopólio da Companhia das Índias Orientais no comércio com a China (1833). Para tanto, qualquer meio lhes servia. A primeira
guerra
do ópio (1839/ 42), que foi uma guerra de agressão da Inglaterra contra a China, deveria abrir o mercado chinês ao comércio inglês. Com ela, iniciou-se a transformação
da China
num país semicolonial. Desde o início do século passado, a Inglaterra procurava, por meio do contrabando para a China de ópio produzido na Índia, equilibrar o passivo
de sua
balança comercial com a China; chocou-se, porém, com a oposição das autoridades chinesas que, em 1839, confiscaram carregamentos de ópio a bordo de navios estrangeiros
em Cantão
e os mandaram queimar. Esse foi o pretexto para a guerra em que a China foi derrotada. Os ingleses se aproveitaram dessa derrota da China feudal e retrógrada e ditaram-lhe
o
espoliador tratado de paz de Nanquim (agosto de 1842). O Tratado de Nanquim assegura a abertura de cinco portos chineses (Cantão, Hanói, Futchu, Ningpo e Xangai)
ao comércio
inglês, a entrega de Hong Kong "por toda a eternidade" à Inglaterra e o pagamento de elevados tributos a esse país. Depois de protocolo complementar do Tratado de
Nanquim,
a China também teve de reconhecer aos estrangeiros o direito da extraterritorialidade. (N. da Ed. Alemã.)
218 Num manifesto dos trabalhadores do algodão, na primavera de 1863, para a constituição de uma sociedade de emigração, entre outras coisas, é dito: "Que uma grande
emigração
de trabalhadores de fábrica é, agora, absolutamente necessária poucos hão de negar. Mas que uma corrente contínua de emigração é necessária em todos os tempos e
sem a qual é
impossível manter nossa posição em circunstâncias normais, mostram os seguintes fatos: — No ano de 1814, o valor oficial (que é apenas índice da quantidade) dos
artigos de
87#
8. O revolucionamento da manufatura, do artesanato e do trabalho domiciliar pela grande indústria
a) Superação da cooperação baseada no artesanato e na divisão do trabalho


Viu-se como a maquinaria supera a cooperação baseada no ar-tesanato e a manufatura baseada na divisão do trabalho artesanal.
Um exemplo da primeira espécie é a máquina de ceifar, que substitui a cooperação de ceifeiros. Um exemplo impactante da segunda espécie
é a máquina de fazer agulhas de costura. Segundo Adam Smith, à sua época, por meio da divisão do trabalho, 10 homens faziam diariamente
mais de 48 mil agulhas de costura. Uma única máquina fornece, no entanto, 145 mil num dia de trabalho de 11 horas. Uma mulher ou
uma jovem supervisiona, em média, 4 dessas máquinas e produz por-tanto, com a maquinaria, diariamente 600 mil, mais de 3 milhões de
agulhas de coser por semana. 219 À medida que uma única máquina de trabalho toma o lugar da cooperação ou da manufatura, ela mesma
pode novamente servir de base à produção de caráter artesanal. No entanto, essa reprodução do artesanato com base na maquinaria cons-titui
apenas a transição para a produção fabril que, em regra, surge assim que a força motriz mecânica, vapor ou água, substitui os músculos
humanos na movimentação da máquina. De modo esporádico e igual-mente apenas transitório, a pequena empresa pode ligar-se à força
motriz mecânica por meio do aluguel de vapor, como em algumas ma-nufaturas de Birmingham, por meio do uso de pequenas máquinas
calóricas, como em certos ramos da tecelagem etc. 220 Na tecelagem de


OS ECONOMISTAS


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algodão exportados era de 17 665 378 libras esterlinas, enquanto o valor real de mercado era de 20 070 824 libras esterlinas. Em 1858, o valor oficial dos artigos
de algodão exportados
era de 182 221 681 libras esterlinas, seu valor real de mercado era só de 43 001 322 libras esterlinas, de modo que a decuplicação da quantidade proporcionou pouco
mais que a
duplicação do equivalente. Para produzir resultados tão desvantajosos para o país de modo geral e para os operários de fábrica em particular, cooperaram várias causas.
Uma das
mais óbvias é o constante excesso de trabalho, indispensável para esse ramo de negócios que, sob ameaça de aniquilamento, requer contínua expansão do mercado. Nossas
fábricas
de algodão podem ser forçadas a parar devido à estagnação periódica do comércio, que, sob a presente ordem, é tão inevitável quanto a própria morte. Mas, por causa
disso, o
espírito inventivo da humanidade não pára. Embora, calculando por baixo, 6 milhões tenham deixado esse país nos últimos 25 anos, em conseqüência de constante deslocamento
do
trabalho, para baratear a produção, larga percentagem dos homens adultos não consegue encontrar ocupação de nenhuma espécie sob nenhuma condição nas fábricas até
mesmo
nas épocas de maior prosperidade". (Reports of Insp. of Fact. 30th April 1863. pp. 51-52.) Ver-se-á em capítulo posterior como os senhores fabricantes, durante a
catástrofe do algodão,
procuraram impedir a todo custo a emigração dos operários de fábrica, mesmo com a interferência do Estado.
219 Ch. Empl. Comm., III Report. 1864. p. 108, nº 447. 220 Nos Estados Unidos é freqüente tal reprodução do artesanato baseada em maquinaria. A
concentração nessa inevitável transição para a produção fabril avançará, em comparação com a Europa e até mesmo com a Inglaterra, com botas de sete léguas.
88#
seda em Coventry, desenvolveu-se de modo natural a experiência das "fábricas de cottage". No meio de fileiras de cottages, construídas em
forma de quadrado, foi erguida uma assim chamada Engine House 221 para a máquina a vapor; esta, por meio de cabos, foi ligada aos teares
nos cottages. Em todos os casos, o vapor era alugado, por exemplo, a 2 1/ 2 xelins por tear. Essa renda do vapor era paga semanalmente,
quer os teares estivessem em funcionamento, quer não. Cada cottage continha 2 a 6 teares, pertencentes aos trabalhadores ou comprados
a crédito, ou alugados. A luta entre a fábrica de cottage e a fábrica propriamente dita perdurou por mais de 12 anos. Terminou com a
ruína total das 300 cottage factories. 222, 223 Onde a natureza do processo não condicionava desde o início a produção em larga escala, as novas
indústrias surgidas nas últimas décadas, como fábricas de envelopes, de penas de aço etc., percorriam, em regra, primeiro a empresa arte-sanal
e depois a empresa manufatureira como fases transitórias, de curta duração, até a empresa fabril. Essa metamorfose continua a mais
difícil onde a produção manufatureira da mercadoria não é constituída por uma seqüência de processos de desenvolvimento, mas por uma
multiplicidade de processos díspares. Isso constitui, por exemplo, gran-de obstáculo à fábrica de penas de aço. Não obstante, já foi inventado,
há cerca de uma década e meia, um autômato que executa, de uma só vez, 6 processos díspares. Em 1820, o artesanato fornecia as pri-meiras
12 dúzias de penas de aço a 7 libras esterlinas e 4 xelins; em 1830, a manufatura as fornecia a 8 xelins; e hoje a fábrica as fornece
ao comércio por atacado por 2 a 6 pence. 224
b) Reação do sistema fabril sobre a manufatura e o trabalho domiciliar


Com o desenvolvimento do sistema fabril e com o revoluciona-mento da agricultura, que o acompanha, não só se expande a escala
da produção nos demais ramos da indústria, mas também se modifica seu caráter. O princípio da produção mecanizada — analisar o processo
de produção em suas fases constitutivas e resolver os problemas assim dados por meio da aplicação da Mecânica, da Química etc., em suma,
das ciências naturais — torna-se determinante por toda parte. A ma-quinaria força portanto sua entrada ora neste ora naquele processo


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221 Casa das máquinas. (N. dos T.) 222 Fábricas de cottages. (N. dos T.)
223 Cf. Reports of Insp. of Fact. 31st Oct. 1865. p. 64. 224 O Sr. Gillot erigiu em Birmingham a primeira manufatura de penas de aço em larga escala.
Já em 1851 ela fornecia mais de 180 milhões de penas e consumia anualmente 120 toneladas de chapas de aço. Birmingham, que monopoliza essa indústria no Reino Unido,
produz
agora anualmente bilhões de penas de aço. Segundo o censo de 1861, o número de pessoas ocupadas atingia 1 428, entre as quais 1 268 operárias, engajadas a partir
dos 5 anos de
idade.
89#
parcial das manufaturas. A cristalização fixa de sua organização, oriun-da da velha divisão do trabalho, dissolve-se com isso e dá lugar a
mudanças contínuas. Abstraindo isso, a composição do trabalhador co-letivo ou do pessoal de trabalho combinado é revolucionada pela base.
Em antítese ao período da manufatura, o plano da divisão do trabalho funda-se agora, sempre que possível, na utilização da mão-de-obra fe-minina,
do trabalho de crianças de todas as idades, de trabalhadores não-qualificados, em suma, do cheap labour, do trabalho barato, como
o inglês tão caracteristicamente o denomina. Isso vale não só para toda a produção combinada em larga escala, quer use maquinaria,
quer não, mas também para a assim chamada indústria domiciliar, seja ela exercida nas moradias privadas dos trabalhadores ou em pe-quenas
oficinas. Essa assim chamada moderna indústria domiciliar nada tem em comum, exceto o nome, com a antiga, que pressupõe
artesanato urbano independente, economia camponesa autônoma e, an-tes de tudo, uma casa da família trabalhadora. Ela está agora trans-formada
no departamento externo da fábrica, da manufatura ou da grande loja. Ao lado dos trabalhadores fabris, dos trabalhadores ma-nufatureiros
e dos artesãos, que concentra espacialmente em grandes massas e comanda diretamente, o capital movimenta, por fios invisíveis,
outro exército de trabalhadores domiciliares espalhados pelas grandes cidades e pela zona rural. Exemplo: a fábrica de camisas do Sr. Tillie
em Londonderry, Irlanda, que emprega 1 000 trabalhadores na fábrica e 9 mil trabalhadores domiciliares espalhados pelo campo. 225
A exploração de forças de trabalho baratas e imaturas torna-se, na manufatura moderna, mais desavergonhada do que na fábrica pro-priamente
dita, pois a base técnica aí existente, substituição da força muscular por máquinas e facilidade do trabalho, lá em grande parte
não existe e, ao mesmo tempo, o corpo feminino ou ainda imaturo fica exposto, da maneira mais inescrupulosa, às influências de substâncias
venenosas etc. Ela se torna ainda mais desavergonhada no assim cha-mado trabalho domiciliar do que na manufatura, porque a capacidade
de resistência dos trabalhadores diminui com sua dispersão; toda uma série de parasitas rapaces se coloca entre o empregador propriamente
dito e o trabalhador, o trabalho domiciliar luta em toda parte com empresas mecanizadas ou ao menos manufatureiras no mesmo ramo
da produção, a pobreza rouba do trabalhador as condições mais neces-sárias ao trabalho, como espaço, luz, ventilação etc., cresce a irregu-laridade
do emprego e, finalmente, nesses últimos refúgios daqueles que a grande indústria e a grande agricultura tornaram "supérfluos",
a concorrência entre os trabalhadores alcança necessariamente seu má-ximo. A economia dos meios de produção, desenvolvida sistematica-


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225 Ch. Empl. Comm., II Report. 1864. p. LXVIII, nº 415.
90#
mente apenas pela produção mecanizada, que de antemão e ao mesmo tempo é o desperdício mais inescrupuloso de força de trabalho e roubo
dos pressupostos normais da função do trabalho, acentua agora tanto mais esse seu lado antagônico e homicida quanto menos estiverem
desenvolvidas num ramo da indústria a força produtiva social do tra-balho e a base técnica de processos combinados de trabalho.


c) A manufatura moderna
Quero agora ilustrar com alguns exemplos as assertivas feitas acima. O leitor já conhece, com efeito, numerosos testemunhos da parte
relativa à jornada de trabalho. As manufaturas de metal em Birming-ham e adjacências empregam, em grande parte para trabalhos muito
pesados, 30 mil crianças e pessoas jovens, além de 10 mil mulheres. São aí encontráveis em atividades insalubres, nas fundições de latão,
fábricas de botões, trabalhos de esmaltar, galvanizar e laquear. 226 O excesso de trabalho, para maiores e menores de idade, assegurou a
diversas gráficas de jornais e livros o honroso nome de "matadouro". 227 Os mesmos excessos ocorrem no setor da encadernação de livros, sendo
vítimas sobretudo mulheres, moças e crianças. Trabalho pesado para menores nas cordoarias; trabalho noturno em salinas, em manufaturas
de velas e em outras manufaturas químicas; utilização assassina de jovens para rodar os teares em tecelagens de seda não movidas me-canicamente.
228 Um dos trabalhos mais infames, sujos e mal pagos,
para o qual são empregadas de preferência mocinhas e mulheres, é o de classificar trapos. Sabe-se que a Grã-Bretanha, além de seus inú-meros


trapos próprios, constitui o empório para o comércio de trapos de todo o mundo. Afluem do Japão, dos mais distantes Estados da
América do Sul e das ilhas Canárias. Mas as principais fontes de su-primento são Alemanha, França, Rússia, Itália, Egito, Turquia, Bélgica
e Holanda. Servem para a adubação, para a fabricação de estofos (para roupa de cama), shoddy (lã artificial) e como matéria-prima do papel.
As classificadoras de trapos tornam-se transmissoras de varíola e de outras doenças contagiosas, cujas primeiras vítimas são elas mesmas. 229
Como exemplo clássico de excesso de trabalho, trabalho pesado e ina-dequado, e da brutalização, daí decorrente, dos trabalhadores consu-midos
desde a infância, podem servir, além da mineração e da produção de carvão, as olarias, nas quais a máquina recém-descoberta é usada,
ainda esporadicamente, apenas na Inglaterra (1866). Entre maio e se-


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226 E agora até crianças a picotar limas em Shefield! 227 Ch. Empl. Comm., V Rep., 1866. p. 3, nº 24; p. 26, nº 55, 56; p. 7, nº 59, 60.
228 Loc. cit., pp. 114-115, nº 6, 7. O comissário observa corretamente que, se a máquina em regra substitui o ser humano, aí o jovem literalmente substitui a máquina.
229 Ver o relatório sobre o comércio de trapos e abundante documentação em: Public Health, VIII Report. Londres, 1866. Apêndice, pp. 196-208.
91#
tembro, o trabalho vai de 5 horas da manhã até 8 horas da noite e,
quando se faz a secagem ao ar livre, freqüentemente de 4 horas da
manhã até 9 horas da noite. A jornada de trabalho das 5 horas da
manhã até 7 horas da noite é considerada "reduzida", "moderada".
Crianças de ambos os sexos são empregadas a partir dos 6 e até mesmo
dos 4 anos de idade. Trabalham o mesmo número de horas, freqüen-temente
mais, que os adultos. O trabalho é duro e o calor do verão
aumenta ainda mais o esgotamento. Numa olaria de Mosley, por exem-plo,
uma moça de 24 anos fazia diariamente 2 mil tijolos, ajudada por
2 garotas menores de idade como auxiliares, que traziam o barro e
empilhavam os tijolos. Essas garotas carregavam diariamente 10 to-neladas
de barro por um aclive escorregadio de uma escavação com
uma profundidade de 30 pés, e numa distância de 210 pés.


"É impossível a uma criança passar pelo purgatório de uma
olaria sem grande degradação moral. (...) A linguagem baixa que
tem de ouvir desde a mais tenra idade, os hábitos obscenos, in-decentes
e desavergonhados, entre os quais as crianças crescem
inconscientes e meio selvagens, tornam-nas, para o resto da vida,
sem-lei, vis e dissolutas. (...) Uma terrível fonte de desmoralização
é o modo como moram. Cada moulder" 230 (o trabalhador realmente
qualificado e chefe de um grupo de trabalho) "fornece, a seu grupo
de 7 pessoas, alojamento e refeições em sua cabana ou cottage.
Pertencendo ou não à sua família, homens, jovens, mocinhas dor-mem
na cabana. Esta é constituída por 2, só excepcionalmente
por 3 peças, todas ao rés-do-chão, com pouca ventilação. Os corpos
estão tão exaustos pela grande transpiração que de nenhum modo
são observadas as regras de higiene, de limpeza ou de decência.
Muitas dessas cabanas são verdadeiros modelos de desordem,
sujeira e pó. (...) O maior mal desse sistema, que emprega mo-cinhas
para essa espécie de trabalho, reside em que, em regra,
ele as amarra, desde a infância, por todo o resto da vida, à corja
mais abjeta. Elas se tornam rudes rapagões desbocados (rough,
foul-mouthed boys) antes mesmo de a Natureza tê-las ensinado
que são mulheres. Vestidas com poucos trapos imundos, pernas
desnudas até bem acima dos joelhos, cabelos e rostos manchados
com sujeira, aprendem a tratar com desprezo todos os sentimentos
de decência e pudor. Durante o intervalo das refeições, deitam-se
esticadas pelos campos ou espiam os rapazes que tomam banho
num canal próximo. Concluído, afinal, seu pesado labor cotidiano,
vestem roupas melhores e acompanham os homens às tabernas."


OS ECONOMISTAS


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230 Moldador. (N. dos T.)
92#
Que, desde a infância, reine em toda essa classe a maior em-briaguez, é apenas natural.
"O pior é que os oleiros desesperam de si mesmos. Um dos me-lhores disse a um capelão de Southallfield: O senhor tanto pode
tentar erguer e melhorar o diabo quanto um oleiro!" (You might as well try to raise and improve the devil as a brickie, Sir!) 231


Sobre o modo capitalista de economizar nas condições de trabalho na manufatura moderna (que inclui todas as oficinas em grande escala,
exceto fábricas propriamente ditas) encontra-se material oficial e o mais rico no IV (1861) e no VI (1864) Public Health Report. A descrição
dos workshops (locais de trabalho), notadamente dos impressores e alfaiates londrinos, supera as mais repulsivas fantasias de nossos ro-mancistas.
O efeito sobre o estado de saúde dos trabalhadores é evi-dente. O Dr. Simon, o mais alto funcionário médio do Privy Council
e editor oficial dos Public Health Reports, diz, entre outras coisas:
"Em meu quarto relatório" (1861) "mostrei como é pratica-mente impossível para os trabalhadores sustentar o que seria


seu primeiro direito em matéria de saúde, o direito de que, qual-quer que seja a atividade para a qual seu empregador os reúna,
o trabalho deva estar livre de todas as circunstâncias nocivas à saúde que possam ser evitadas, na medida em que isso dependa
dele. Demonstrei que, enquanto os trabalhadores forem pratica-mente incapazes de alcançar por si mesmos essa justiça sanitária,
não poderão conseguir nenhuma ajuda eficaz dos administradores nomeados da polícia sanitária. (...) A vida de miríades de traba-lhadores
e trabalhadoras é, agora, inutilmente torturada e en-curtada pelo sofrimento físico sem fim, causado apenas por sua
ocupação". 232
Para ilustrar a influência dos locais de trabalho sobre o estado de saúde, o Dr. Simon dá a seguinte tabela de mortalidade:


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231 Child. Empl. Comm., V Report. 1866. pp. XVI-XVIII, nº 86-97 e p. 130 até 133, nº 39-71. Cf. também ibid. III Report. 1864. p. 48-56.
232 Public Health, VI Rep. Londres, 1864. pp. 29-31.
93#
d) O trabalho domiciliar moderno
Volto-me agora para o assim chamado trabalho domiciliar. Para se ter noção dessa esfera de exploração do capital, construída na re-taguarda
da grande indústria, bem como de suas monstruosidades, considere-se, por exemplo, a fabricação de pregos, tão idílica na apa-rência,
233 em algumas aldeias remotas da Inglaterra. Aqui bastam al-guns
exemplos tirados dos ramos da fabricação de rendas e de trançados de palha, que ainda não são mecanizados, ao todo, ou concorrem com


empresas mecanizadas e manufatureiras. 234 Das 150 mil pessoas empregadas na produção inglesa de rendas,
cerca de 10 mil caem no âmbito da Lei Fabril de 1861. A grande maioria das 140 mil restantes são mulheres, pessoas jovens e crianças
de ambos os sexos, embora o sexo masculino só esteja fracamente re-presentado. O estado de saúde desse material "barato" de exploração
se revela na seguinte tabela do Dr. Trueman, médico no General Dis-pensary 235 de Nottingham. De cada 686 pacientes, rendeiras, a maioria,
entre 17 e 24 anos de idade, era tuberculosa:


Essa progressão na taxa de incidência de tuberculose deve ser suficiente para o mais otimista dos progressistas e o mais mentiroso
dos traficantes alemães do livre-cambismo. A Lei Fabril de 1861 regulamenta a feitura propriamente dita
de rendas, à medida que ocorre a máquina, e essa é a regra na Ingla-terra. Os ramos, que aqui examinamos sumariamente — não à medida
que concentram trabalhadores em manufaturas, estabelecimentos co-merciais etc., mas só à medida que compreendem os assim chamados
trabalhadores domiciliares —, dividem-se em 1) finishing (último aca-bamento das rendas confeccionadas a máquina, uma categoria que,
por sua vez, compreende numerosas subdivisões); 2) rendas de bilro.
O lace finishing 236 é feito como trabalho domiciliar nas assim chamadas Mistresses Houses 237 ou por mulheres sozinhas ou com seus


OS ECONOMISTAS


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233 Trata-se aí de pregos feitos a martelo e não de pregos recortados e feitos a máquina. Ver Child. Empl. Comm., III Report. p. XI, p. XIX, nº 125, 130; p. 52,
nº 11; pp. 113-114, nº
487; p. 137, nº 674. 234 Da 1ª à 4ª edição, apenas: "empresas manufatureiras". (N. dos T.)
235 Enfermaria geral. (N. dos T.) 236 Acabamento da renda. (N. dos T.)
237 Casa de mestras. (N. dos T.)
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filhos em suas moradias particulares. As mulheres que mantêm as Mistresses Houses são elas mesmas pobres. O local de trabalho faz
parte de sua moradia privada. Elas recebem encomendas de fabricantes, donos de lojas etc. e empregam mulheres, moças e crianças pequenas,
de acordo com o tamanho de seus quartos e a flutuante demanda do negócio. O número de trabalhadoras empregadas varia de 20 a 40 em
alguns locais, de 10 a 20 em outros. A idade média mínima com que crianças começam é de 6 anos, algumas, no entanto, com menos de 5
anos. O tempo de trabalho costuma ir das 8 horas da manhã até as 8 horas da noite, com 1 1/ 2 hora para as refeições, que são feitas sem
regularidade e muitas vezes nos próprios fétidos buracos de trabalho. Com bons negócios o trabalho vai de 8 horas (às vezes 6 horas) da
manhã até as 10, 11 ou 12 horas da noite. Nas casernas inglesas, o espaço reservado por regulamento para cada soldado é de 500 a 600
pés cúbicos, nos hospitais militares, de 1 200. Naqueles buracos de trabalho, cabem 67 a 100 pés cúbicos para cada pessoa. Ao mesmo
tempo, lampiões de gás consomem o oxigênio do ar. Para manter as rendas limpas, as crianças, mesmo no inverno, têm de tirar os sapatos,
embora o assoalho seja de laje ou ladrilho.
"Não é nada incomum, em Nottingham, encontrar amontoadas 15 a 20 crianças num pequeno quarto de talvez não mais que


12 pés quadrados e ocupadas durante 15 das 24 horas do dia num trabalho em si mesmo estafante por seu tédio e monotonia,
executado, além disso, em todas as condições possíveis que pre-judicam a saúde. (...) Mesmo as crianças menores trabalham com
atenção tensa e numa velocidade que é espantosa, quase nunca permitindo a seus dedos descanso ou movimentação mais lenta.
Quando se faz uma pergunta a elas, nunca levantam os olhos do serviço por medo de perder um só instante."


As mistresses usam de uma "vara longa" como estimulante, quanto mais o tempo de trabalho é prolongado.
"As crianças cansam gradualmente e se tornam tão inquietas como pássaros, ao final de sua longa prisão em uma atividade
monótona, perniciosa aos olhos e estafante devido à postura sem-pre igual do corpo. É verdadeiramente trabalho escravo. (Their
work is like slavery.)" 238
Onde mulheres trabalham com seus próprios filhos em casa, isto é, no sentido moderno, num quarto alugado, freqüentemente num sótão,


as circunstâncias são, caso isso seja possível, ainda piores. Essa espécie de trabalho é distribuída num raio de 80 milhas em torno de Nottin-


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238 Child. Empl. Comm., II Report. 1864. p. XIX, XX, XXI.
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gham. Quando a criança ocupada nos estabelecimentos comerciais sai, às 9 ou 10 horas da noite, dá-se ainda a ela, freqüentemente, um
pacote para que o apronte em casa. O fariseu capitalista, representado por um de seus lacaios assalariados, faz isso com a frase untuosa de
que "isto é para mamãe", mas ele sabe muito bem que a pobre criança vai ter de ficar sentada e ajudar. 239
A indústria das rendas de bilro é desenvolvida principalmente em dois distritos agrícolas ingleses, o distrito de rendas de Honiton,
com 20 a 30 milhas ao longo da costa sul de Devonshire, incluindo-se poucos lugares de Nord-Devon, e outro distrito, que compreende grande
parte dos condados de Buckingham, Bedford Northampton e as regiões vizinhas de Oxfordshire e Huntingdonshire. Os cottages dos diaristas
agrícolas constituem em geral os locais de trabalho. Alguns donos de manufatura empregam mais de 3 mil desses trabalhadores domiciliares,
sobretudo crianças e pessoas jovens, exclusivamente do sexo feminino. As condições descritas no lace finishing se repetem. Só que no lugar
das Mistresses Houses surgem as assim chamadas lace schools (escolas de bordado), mantidas por mulheres pobres em seus casebres. A partir
dos 5 anos de idade, às vezes menos, até os 12 ou 15 anos, as crianças trabalham nessas escolas; durante o primeiro ano, as menores traba-lham
de 4 a 8 horas; depois, das 6 horas da manhã até as 8 ou 10 horas da noite.


"Os quartos geralmente são salas de estar comuns de pequenos cottages, com a chaminé tapada para evitar correntes de ar, com
os ocupantes às vezes também no inverno aquecidos apenas por seu próprio calor animal. Em outros casos, essas assim chamadas
salas de aula parecem pequenas despensas, sem lareira. (...) A superlotação desses buracos e a poluição assim causada do ar
são freqüentemente extremas. A isso se acrescentam o efeito ma-léfico de regos de esgotos, privadas, substâncias em decomposição
e outras imundícies que costumam estar nas vias de acesso aos cottages menores."


Quanto ao espaço:
"Numa escola de bordado 18 moças e a mestra, 33 pés cúbicos para cada pessoa; em outra, na qual o cheiro era insuportável,


18 pessoas e 24 1/ 2 pés cúbicos por cabeça. Nessa atividade, encontram-se empregadas crianças de 2 e 2 1/ 2 anos de idade". 240


Onde acaba a renda de bilros nos condados rurais de Buckingham e Bedford, começa o entrançamento de palha. Ele se estende por grande
parte de Hertfordshire ocidentais e pelas regiões setentrionais de Essex.


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239 Loc. cit., p. XXI, XXII. 240 Loc. cit., p. XXIX, XXX.
96#
Em 1861, 48 043 pessoas estavam ocupadas em trançar palha e fazer chapéus de palha, das quais 3 815 do sexo masculino em todos os
grupos etários, as outras do sexo feminino, das quais 14 913 com menos de 20 anos de idade, sendo 7 mil crianças. No lugar das escolas de
bordados, surgem as straw plait schools (escolas de entrançamento de palha). Aí as crianças começam a aprender a entrançar palha com 4
anos de idade, às vezes entre os 3 e os 4 anos. Educação, naturalmente, não recebem nenhuma. As próprias crianças chamam as escolas pri-márias
de natural schools (escolas naturais), para diferenciá-las dessas instituições de sugar sangue, nas quais apenas são mantidas a traba-lhar
para aprontarem a tarefa prescrita por suas mães meio mortas de fome, em geral 30 jardas por dia. Essas mães fazem freqüentemente
com que trabalhem em casa até 10, 11, 12 horas da noite. A palha corta-lhes os dedos e a boca, com a qual a umedecem a todo momento.
Segundo o ponto de vista coletivo dos funcionários médicos de Londres, resumido pelo Dr. Ballard, é de 300 pés cúbicos o espaço mínimo para
cada pessoa num quarto de dormir ou numa sala de trabalho. Nas escolas de entrançamento de palha, o espaço é ainda mais escassamente
repartido do que nas escolas de bordados, variando de 12 2/ 3, 17, 18 1/ 2 a 22 pés cúbicos para cada pessoa.


"Os menores desses números", diz o comissário White, "repre-sentam menos da metade do espaço que uma criança ocuparia caso
empacotada numa caixa de 3 pés em cada uma das dimensões."
Esse é o prazer da vida das crianças até os 12 ou 14 anos de idade. Os pais, miseráveis e degenerados, só pensam em arrancar o


máximo possível de seus filhos. Uma vez crescidos, os filhos nada mais querem saber dos pais e os abandonam.


"Não admira que a ignorância e o vício grassem numa popu-lação assim criada. (...) Sua moralidade está no mais baixo nível.
(...) Grande número das mulheres tem filhos ilegítimos e isso em idade tão imatura que até mesmo os familiarizados com a esta-tística
criminal ficam assombrados." 241
E a pátria dessas famílias modelares, segundo afirma o Conde de Montalembert, seguramente autoridade competente em matéria de


cristianismo, é o modelo de país cristão da Europa! O salário, nos ramos de atividades abordados, em geral deplorável
(o salário máximo excepcional das crianças nas escolas de entrança-mento de palha é de 3 xelins), é reduzido a muito menos do que seu
montante nominal, por meio do Trucksystem, 242 que prepondera em geral sobretudo nos distritos das rendas e dos bordados. 243


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241 Loc. cit., p. XL, XLI. 242 Pagamento com bônus. (N. dos T.)
243 Child. Empl. Comm., I Rep. 1863, p. 185.
97#
e) Transição da manufatura e do trabalho domiciliar modernos para a grande indústria. Aceleração dessa revolução pela aplicação das
leis fabris a esses modos de produzir
O barateamento da força de trabalho por meio do mero abuso de forças de trabalho femininas e imaturas, do mero roubo de todas
as condições normais de trabalho e de vida e da mera brutalidade do trabalho excessivo e noturno choca-se, por fim, com certas barreiras
naturais não mais transponíveis, o mesmo ocorrendo com o baratea-mento das mercadorias e com a exploração capitalista em geral, quando
repousam nesses fundamentos. Assim que esse ponto finalmente é al-cançado, o que demora bastante, soa a hora de introduzir a maquinaria
e a agora rápida transformação do trabalho domiciliar esparso (ou também da manufatura) em produção fabril.
O mais colossal exemplo desse movimento é dado pela produção de wearing apparel (artigos pertencentes ao vestuário). Segundo a clas-sificação
da "Children's Employment Commission", essa indústria com-preende confeccionadores de chapéus de palha e de senhoras, confec-cionadores
de gorros, alfaiates, milliners e dressmakers, 244 camiseiros e costureiras, espartilheiros, luveiros, sapateiros, além de muitos ramos
menores, como fabricação de gravatas, de colarinhos etc. O pessoal feminino ocupado nessas atividades na Inglaterra e no País de Gales
atingia, em 1861, 586 298 pessoas, das quais no mínimo 115 242 me-nores de 20 e 16 560 menores de 15 anos. Número dessas trabalhadoras
no Reino Unido (1861): 750 334. O número de trabalhadores masculinos ocupados à mesma época na confecção de chapéus, calçados, luvas, na
Inglaterra e no País de Gales: 437 969, dos quais 14 964 menores de 15 anos de idade, 89 285 com 15 a 20 anos, 333 117 maiores de 20
anos. Faltam nesses dados muitos pequenos ramos pertencentes a esse setor. Se tomarmos, no entanto, os números como estão, então resulta,
só para a Inglaterra e País de Gales, segundo o censo de 1861, uma soma de 1 024 267 pessoas, portanto mais ou menos tantas quantas
absorvem a agricultura e a criação de gado. Começa-se a entender por que a maquinaria ajuda a criar como por mágica massas tão enormes
de produtos e a "liberar" massas tão enormes de trabalhadores. A produção de wearing apparel é levada a cabo por manufaturas,
que só reproduziram em seu interior a divisão do trabalho, cujos mem-bra disjecta já encontraram prontos; por mestres-artesãos menores,
mas que não trabalham, como antigamente, para consumidores indi-viduais, porém para manufaturas e grandes lojas, de modo que cidades
e regiões inteiras do país exercem tais atividades, como fabricação de calçados etc., como especialidade; por fim, em maior escala, pelos assim


OS ECONOMISTAS


100
244 Millinery refere-se propriamente só à confecção de toucados, porém compreende também casacos de senhoras e mantilhas, enquanto dressmakers são idênticas a nossas
modistas.
98#
chamados trabalhadores domiciliares, que constituem o departamento externo das manufaturas, grandes lojas e mesmo dos mestres meno-res.
245 As massas do material de trabalho, matéria-prima, produtos
semi-acabados etc., são fornecidas pela grande indústria, a massa do material humano barato (taillable à merci et miséricorde) 246 é consti-tuída


de "liberados" pela grande indústria e pela grande agricultura. As manufaturas dessa esfera devem sua origem principalmente à ne-cessidade
do capitalista de ter à mão um exército adequado a qualquer flutuação da demanda, pronto para ser mobilizado. 247 Essas manufa-turas
deixavam, no entanto, que subsistisse a seu lado, como ampla base, a dispersa atividade artesanal a domicílio. A grande produção
de mais-valia nesses ramos de atividades, bem como ao mesmo tempo o progressivo barateamento de seus artigos, era e é devida sobretudo
ao mínimo de salário necessário para vegetar miseramente somado ao máximo de tempo de trabalho humanamente possível. Foi, de fato, a
barateza do sangue e do suor humano transformados em mercadoria que ampliou constantemente e a cada dia amplia o mercado de escoa-mento,
para a Inglaterra, em particular, o mercado colonial, onde, além de tudo, preponderam os costumes e o gosto ingleses. Chegou-se, por
fim, a um ponto nodal. O fundamento do velho método, a mera explo-ração brutal da mão-de-obra, mais ou menos acompanhada de divisão
do trabalho sistematicamente desenvolvida, já não bastava ao crescente mercado e à concorrência ainda mais rapidamente crescente dos capi-talistas.
Soou a hora da maquinaria. A máquina revolucionária de fato, que se apodera dos diversos e inumeráveis ramos dessa esfera da pro-dução,
como confecções, alfaiataria, fabricação de sapatos, costura, cha-pelaria etc., é — a máquina de costura.
Seu efeito imediato sobre os trabalhadores é, mais ou menos, o de toda maquinaria que, no período da grande indústria, se apodera
de novos ramos de atividades. Crianças de menos idade são afastadas. O salário dos operários de máquinas se eleva em relação ao dos tra-balhadores
domiciliares, dos quais muitos pertencem aos "mais pobres dos pobres" (the poorest of the poor). O salário dos artesãos mais bem
colocados, com os quais a máquina concorre, cai. Os novos operários de máquinas são exclusivamente mocinhas e mulheres jovens. Com o
auxílio da força mecânica, elas aniquilam o monopólio do trabalho mas-culino em tarefas pesadas e expulsam, de tarefas mais leves, massas


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245 A millinery e dressmaking inglesas são exercidas geralmente nas casas dos empregadores, em parte por operárias que aí residem e trabalham, em parte por mulheres
diaristas que
residem fora. 246 Sujeito à graça e à misericórdia. (N. dos T.)
247 O comissário White visitou uma manufatura de vestimentas militares que empregava 1 000 a 1 200 pessoas, quase todas do sexo feminino, uma manufatura de calçados
com 1
300 pessoas, das quais quase a metade era constituída por crianças e adolescentes etc. (Child. Empl. Comm., II Rep., p. XLVII, nº 319.)
99#
de mulheres idosas e crianças imaturas. A concorrência irresistível elimina os trabalhadores manuais mais débeis. O horrendo crescimento
da morte por inanição (death from starvation) em Londres durante a última década corre paralelo com a expansão da costura a máquina. 248
As novas operárias da máquina de costura movida com o pé e a mão, ou só com a mão, ficando elas sentadas ou de pé de acordo com o peso,
o tamanho e a especialidade da máquina, despendem muita força de trabalho. Sua ocupação torna-se nociva à saúde, devido à duração do
processo, embora esta seja na maioria das vezes menor do que no velho sistema. Onde quer que a máquina de costura se abrigue, como
na confecção de calçados, espartilhos, chapéus etc., em oficinas já por si acanhadas e superlotadas, multiplica as influências nocivas à saúde.


"O efeito", diz o comissário Lord, "experimentado ao se entrar em locais de trabalho de teto baixo, onde 30 a 40 operários de
máquinas trabalham juntos, é insuportável. (...) O calor, devido parcialmente aos fogões a gás usados para aquecer os ferros de
passar, é terrível. (...) Mesmo quando prevalece em tais locais o assim chamado 249 horário moderado de trabalho, isto é, das 8
horas da manhã às 6 horas da tarde, ainda assim 3 a 4 pessoas desmaiam regularmente a cada dia. 250


O revolucionamento do modo social de produzir, esse produto necessário da transformação do meio de produção, realiza-se num co-lorido
caos de formas de transição. Elas variam com o tamanho, o setor e o período de tempo em que a máquina de costura se apoderou
de um ou outro ramo da indústria; com a situação preexistente dos trabalhadores, com a preponderância da produção manufatureira, ar-tesanal
ou domiciliar, com o aluguel dos locais de trabalho 251 etc. Por exemplo, na confecção de vestidos finos, em que o trabalho já estava
em geral organizado, principalmente mediante cooperação simples, a máquina de costura constitui de início apenas um novo fator da pro-dução
manufatureira. Na alfaiataria, na camisaria, na confecção de calçados etc., entrecruzam-se todas as formas. Aqui, produção fabril
propriamente dita. Lá, subcontratistas recebem a matéria-prima do capitalista en chef 252 e agrupam de 10 a 50 e até mais assalariados


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248 Um exemplo. A 26 de fevereiro de 1864, o relatório semanal de óbitos do Registrar General contém 5 casos de morte por fome. No mesmo dia, o Times relata novo
caso de morte por
fome. Seis vítimas de morte por inanição em uma semana! 249 "Assim chamado", adendo de K. Marx ao texto inglês. (N. dos T.)
250 Child. Empl. Comm., II Report. 1864. p. LXVII, nº 406-409; p. 84, nº 124; p. LXXIII, nº 441; p. 68, nº 6; p. 84, nº 126; p. 78, nº 85; p. 76, nº 69; p. LXXII,
nº 438.
251 "O aluguel dos locais de trabalho parece ser o elemento decisivo em última instância e, conseqüentemente, é na capital que o velho sistema de empreitar trabalho
a pequenos
empresários e a famílias foi mantido por mais tempo e retomado mais cedo." (Loc. cit., p. 83, nº 123.) A frase final refere-se apenas à fabricação de calçados.
252 Em chefe. (N. dos T.)
100#
ao redor de máquinas de costura, em "câmaras" ou "sótãos". Finalmente, como em toda maquinaria que não constitui um sistema articulado e
é utilizável em tamanho pequeno, artesãos ou trabalhadores domici-liares utilizam, com a própria família ou com a ajuda de alguns poucos
trabalhadores estranhos, máquinas pertencentes a eles mesmos. 253 Ago-ra prepondera de fato, na Inglaterra, o sistema pelo qual o capitalista
concentra um número maior de máquinas em seus prédios e depois reparte o produto da máquina entre o exército de trabalhadores do-miciliares
para o processamento subseqüente. 254 A diversidade das for-mas de transição não esconde, porém, a tendência à transformação em
autêntico sistema fabril. Essa tendência é alimentada pelo caráter da máquina de costura, cuja aplicabilidade diversificada induz à unificação
no mesmo prédio, e sob o comando do mesmo capital, de ramos de atividade anteriormente separados; devido à circunstância de que tra-balhos
preparatórios de agulha e algumas outras operações se realizam mais adequadamente no local em que está a máquina; finalmente,
devido à inevitável expropriação dos artesãos e trabalhadores domici-liares que produzem com suas próprias máquinas. Essa fatalidade já
os colheu em parte agora. A massa sempre crescente de capital investido em máquinas de costura 255 estimula a produção e provoca saturação
de mercado, que fazem soar o sinal para a venda das máquinas de costura dos trabalhadores domiciliares. A própria superprodução de
tais máquinas força seus produtores, que precisam de escoadouros, a alugá-las por semana, acarretando, com isso, uma concorrência mor-tífera
para os pequenos proprietários de máquinas. 256 As constantes mudanças na construção e o barateamento das máquinas depreciam
de modo igualmente constante seus exemplares antigos e só permitem sua utilização ainda lucrativa quando ela se realiza em massa, com-prados
a preços irrisórios, nas mãos de grandes capitalistas. Final-mente, a substituição do ser humano pela máquina a vapor dá nesse
processo, como em todos os processos similares de revolucionamento, o golpe decisivo. A utilização da força do vapor choca-se no começo
com obstáculos puramente técnicos, como trepidação das máquinas, dificuldades em controlar sua velocidade, desgaste rápido das máquinas
mais leves etc., todos eles obstáculos que a experiência logo ensina a superar. 257 Se, por um lado, a concentração de muitas máquinas de
trabalho em manufaturas maiores leva à utilização da força do vapor,


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103
253 Isso não ocorre na confecção de luvas etc., em que a situação dos trabalhadores quase não difere da do indigente.
254 Loc. cit., p. 83, nº 122. 255 Em Leicester, só na fabricação de botas e calçados para o atacado estavam em uso, em
1864, 800 máquinas de costura. 256 Loc. cit., p. 84, nº 124.
257 Assim ocorreu no almoxarifado militar de uniformes de Pimlico, em Londres, na fábrica de camisas de Tillie e Henderson em Londonderry, na fábrica de roupas da
firma Tait em
Limerick, que utiliza cerca de 1 200 "braços".
101#
a concorrência do vapor com músculos humanos acelera por outro lado a concentração de operários e máquinas de trabalho em grandes
fábricas. Assim, a Inglaterra vivencia atualmente, na colossal esfera de produção de wearing apparel, como na maioria dos demais setores,
o revolucionamento da manufatura, do artesanato e do trabalho do-miciliar em sistema fabril, depois de todas essas formas, sob a in-fluência
da grande indústria, estarem totalmente modificadas, de-compostas, deformadas, já tendo reproduzido e até mesmo exagerado
todas as monstruosidades do sistema fabril, sem seus momentos positivos de desenvolvimento. 258
Essa revolução industrial, que se processa naturalmente, é ace-lerada de modo artificial pela extensão das leis fabris a todos os ramos
industriais em que trabalhem mulheres, jovens e crianças. A regula-mentação obrigatória da jornada de trabalho, estabelecendo duração,
pausas, início e término, o sistema de turnos para crianças, a exclusão de todas as crianças abaixo de certa idade etc., torna necessária, por
um lado, mais maquinaria 259 e a substituição de músculos por vapor como força motriz. 260 Por outro lado, para ganhar em espaço o que é
perdido em tempo, ocorre a ampliação dos meios de produção utilizados em comum, o forno, as construções etc., portanto, em uma palavra,
maior concentração dos meios de produção e maior aglomeração cor-respondente de trabalhadores. A principal objeção, apaixonadamente
repetida por toda manufatura quando ameaçada com a lei fabril, é com efeito a necessidade de maior investimento de capital para levar
avante a empresa em sua dimensão antiga. No que tange às formas intermediárias entre manufatura e trabalho domiciliar, assim como ao
próprio trabalho domiciliar, sua base desmorona com a limitação da jornada de trabalho e do trabalho infantil. Exploração ilimitada de
forças de trabalho baratas constitui o único fundamento de sua capa-cidade de concorrência.
Condição essencial da produção fabril, sobretudo assim que sub-


OS ECONOMISTAS


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258 "Tendência para o sistema de fábrica" (loc. cit., p. LXVII). "O ramo todo está, no momento, em estado de transição e está passando pelas mesmas mudanças que
a indústria de rendas,
a tecelagem etc. sofreram." (Loc. cit., nº 405.) "Uma revolução completa" (loc. cit., p. XLVI, nº 318). À época da "Child. Empl. Comm." de 1840, a confecção de meias
ainda era trabalho
manual. A partir de 1846, foi introduzida uma maquinaria diversificada, agora impulsionada a vapor. O número global de pessoas empregadas na confecção inglesa de
meias, de ambos
os sexos e em todos os grupos etários, a partir dos 3 anos, atingia em 1862 cerca de 120 mil pessoas. Destas, no entanto, segundo o Parliamentary Return de 11 de
fevereiro de
1862, só 4 063 sob o domínio da lei fabril. 259 Assim, por exemplo, na cerâmica, a firma Cochran da "Brittania Pottery, Glasgow", relata:
"Para manter nosso nível de produtividade, usamos agora amplamente máquinas, que são manejadas por operários não-qualificados e cada dia nos convence mais de que
podemos
produzir uma quantidade maior do que pelo método antigo". (Rep. of Insp. of Fact., 31lst Oct. 1865. pp. 13.) "O efeito das leis fabris é induzir maior introdução
de maquinaria."
(Loc. cit., pp. 13-14.) 260 Assim, depois da introdução da lei fabril na cerâmica, grande aumento de power jiggers
no lugar de hand moved jiggers.
102#
metida à regulamentação da jornada de trabalho, é a segurança normal quanto ao resultado, isto é, a produção de determinado quantum de
mercadoria ou de um efeito útil tencionado em certo espaço de tempo. As pausas legais na jornada de trabalho regulamentada pressupõem,
além disso, paradas súbitas e periódicas do trabalho sem prejuízo para o objeto que se encontra em processo de produção. Essa segurança
quanto ao resultado e a possibilidade de interrupção do trabalho são, naturalmente, alcançáveis com maior facilidade em atividades pura-mente
mecânicas do que naquelas em que processos químicos e físicos são importantes, como na cerâmica, no branqueamento, na tinturaria,
na panificação, na maioria das manufaturas de metal. Com a prática da jornada de trabalho ilimitada, do trabalho noturno e da livre de-vastação
de seres humanos, toda dificuldade naturalmente desenvol-vida é logo considerada uma eterna "barreira natural" à produção.
Nenhum veneno elimina de modo mais seguro animais daninhos do que a lei fabril tais "barreiras naturais". Ninguém gritou mais alto
sobre "impossibilidades" do que os donos das cerâmicas. Em 1864 foi-lhes imposta a lei fabril e, 16 meses depois, todas as impossibilidades
já tinham desaparecido. Devido à lei fabril, surgiu um
"método aperfeiçoado de produzir massa de revestimento (slip) por pressão e não por evaporação, a nova construção dos fornos


para secagem do artigo não-queimado etc., acontecimentos de grande importância na arte da cerâmica e que marcam um pro-gresso
que o século anterior não pôde exibir. (...) Reduziu consi-deravelmente a temperatura dos fornos, com considerável econo-mia
no consumo de carvão e ação mais rápida sobre o produto". 261
Apesar de todas as profecias, não subiu o preço de custo dos artigos de cerâmica, mas sim a massa dos produtos, de modo que a


exportação dos 12 meses, de dezembro de 1864 a dezembro de 1865, resultou num excedente de valor de 138 628 libras esterlinas acima
da média dos três anos anteriores. Na fabricação de fósforos, era con-siderada lei natural que jovens, mesmo enquanto engoliam sua refeição
do meio-dia, molhassem os palitos num composto químico de fósforo aquecido, cujo vapor venenoso lhes subia ao rosto. Com a necessidade
de economizar tempo, a lei fabril forçou a criação (1864) de uma dipping machine (máquina de imersão), cujos vapores não podem atingir o tra-balhador.
262 Assim, nos ramos da manufatura de rendas ainda não
sujeitos à lei fabril, sustenta-se agora que os intervalos das refeições não podem ser regulares por causa dos tempos diferentes que diferentes


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105
261 Rep. Insp. of Fact, 31st Oct. 1865. pp. 96 e 127. 262 A introdução dessa e de outras máquinas na fábrica de fósforos substituiu num departamento
230 pessoas jovens por 32 rapazes e moças de 14 a 17 anos de idade. Essa economia de trabalhadores foi levada avante, em 1865, com a utilização do vapor.
103#
materiais de rendas precisam para secar e que variam de 3 minutos a 1 hora e até mais. A isso respondem os comissários da "Children's
Employment Comm.":
"As circunstâncias deste caso são exatamente análogas às da estamparia de papéis de parede. Alguns dos principais fabricantes


desse ramo sustentavam com veemência que a natureza dos ma-teriais empregados e a diversidade dos processos que percorrem
não permitiriam, sem grande perda, paralisar as atividades su-bitamente para refeições. (...) De acordo com a 6ª cláusula da 6ª
seção da Factory Acts Extension Act" 263 (1864) "foi-lhes concedido um prazo de 18 meses a partir da data de promulgação da lei,
findo o qual teriam de se submeter às pausas para descanso especificadas pela lei fabril". 264


Mal tinha a lei recebido sanção parlamentar, quando os senhores fabricantes também descobriram:
"Os males que esperávamos da introdução da lei fabril não ocorreram. Não achamos que, de modo algum, a produção esteja
paralisada. De fato, produzimos mais no mesmo tempo." 265
Vê-se que o Parlamento inglês, a quem seguramente ninguém há de acusar de genialidade, chegou por meio da experiência à convicção


de que uma lei coercitiva pode simplesmente eliminar todas as assim chamadas barreiras naturais da produção contrárias à limitação e re-gulamentação
da jornada de trabalho. Com a introdução da lei fabril num ramo industrial, é concedido, por isso, um prazo de 6 a 18 meses,
dentro do qual é problema do fabricante eliminar os obstáculos técnicos. Para a tecnologia moderna, vale literalmente o dito de Mirabeau: Im-possible?
Ne me dites jamais ce bête de mot! 266 Se, porém, a lei fabril acelera assim a maturação dos elementos materiais necessários à trans-formação
da empresa manufatureira em fabril, apressa, ao mesmo tem-po, pela necessidade de maior dispêndio de capital, a ruína dos pequenos
mestres, bem como a concentração do capital. 267 Além dos obstáculos puramente técnicos e tecnicamente elimi-náveis,
a regulamentação da jornada de trabalho choca-se com hábitos irregulares dos próprios trabalhadores, notadamente onde predomina
o salário por peça e onde o desperdício de tempo numa parte do dia


OS ECONOMISTAS


106
263 Lei de Extensão da Lei Fabril. (N. dos T.) 264 Child. Empl. Comm., II Rep. 1864. p. IX, nº 50.
265 Reports of Insp. of Fact, 31st Oct. 1865. p. 22. 266 "Impossível? Jamais me diga essa palavra estúpida." (N. dos T.)
267 "As melhorias necessárias (...) não podem ser introduzidas em muitas manufaturas antigas sem dispêndio de capital acima dos recursos de muitos dos atuais proprietários.
Uma
desorganização transitória acompanha necessariamente a introdução das leis fabris. A di-mensão dessa desorganização está em proporção direta com a grandeza dos males
a serem
corrigidos."
104#
ou da semana pode ser posteriormente compensado por trabalho extra ou trabalho noturno, método que embrutece os trabalhadores adultos
e arruína seus companheiros imaturos e do sexo feminino. 268 Embora essa irregularidade no dispêndio da força de trabalho seja uma reação
primitiva e natural contra o enfado de uma labuta monótona e maçante, ela se origina, no entanto, em grau incomparavelmente mais elevado,
da anarquia da própria produção, que, por sua vez, pressupõe nova-mente exploração desenfreada da força de trabalho pelo capital. Além
das variações periódicas gerais do ciclo industrial e das oscilações es-pecíficas de mercado, em cada ramo de produção, surge ainda a assim
chamada temporada, com base quer na periodicidade das estações do ano mais favoráveis à navegação, quer na moda e na premência de
grandes encomendas a serem atendidas no menor prazo. Esse costume se expande com as ferrovias e a telegrafia.


"A expansão do sistema ferroviário", diz, por exemplo, um fa-bricante londrino, "através de todo o país desenvolveu muito o
hábito de encomenda urgente. Agora chegam compradores de Glasgow, Manchester e Edinburgh, uma vez a cada 14 dias ou,
então, para compras no atacado nos estabelecimentos da City, aos quais fornecemos as mercadorias. Eles fazem encomendas
que precisam ser atendidas imediatamente, ao invés de compra-rem do estoque como era costume. Em anos anteriores, estávamos
sempre em condições de adiantar o serviço durante a estação baixa para a demanda da temporada seguinte, mas agora nin-guém
pode prever qual será então a demanda." 269
Nas fábricas e manufaturas ainda não sujeitas à lei fabril, reina periodicamente o mais terrível excesso de trabalho durante a assim


chamada temporada, em fluxos imprevisíveis devido a encomendas sú-bitas. No departamento externo da fábrica, da manufatura ou da casa
comercial, na esfera do trabalho domiciliar, já por si totalmente irre-gular, completamente dependente dos caprichos do capitalista para a
obtenção de matéria-prima e de encomendas, o qual aqui não está sujeito a nenhuma preocupação com a valorização de prédios, máquinas


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107
268 Nos altos-fornos, por exemplo, "o trabalho na parte final da semana em geral é muito prolongado em decorrência do hábito dos homens de folgarem às segundas-feiras
e, ocasio-nalmente,
em parte ou totalmente, na terça-feira". (Child. Empl. Comm., III Report, p. VI.) "Os pequenos mestres geralmente têm horários de trabalho muito irregulares. Perdem
2
ou 3 dias e, então, trabalham a noite toda para compensar. (...) Eles sempre ocupam seus próprios filhos, caso os tenham." (Loc. cit., p. VII.) "A falta de regularidade
no começar o
trabalho é encorajada pela possibilidade e pela prática de compensar o prejuízo mediante trabalho extra." (Loc. cit., p. XVIII.) "Em Birmingham (...) perde-se um
tempo enorme (...)
folgando parte do tempo, se esfalfando durante o resto." (Loc. cit., p. XI.) 269 Child. Empl. Comm., IV Rep., p. XXXII. "A expansão do sistema ferroviário contribuiu
grandemente para esse costume de dar ordens súbitas; para os trabalhadores decorrem daí ritmo forçado, negligência quanto ao horário das refeições e horas extras."
(Loc. cit., p.
XXXI.)
105#
etc. e que aqui tampouco arrisca coisa alguma exceto a pele do próprio trabalhador, cria-se assim, sistematicamente, um exército industrial
de reserva sempre disponível, durante parte do ano dizimado por um trabalho forçado desumano, enquanto durante outra parte está na mi-séria
por falta de trabalho.
"Os empregadores", diz a "Child. Empl. Comm.", "exploram a irregularidade habitual do trabalho domiciliar para, nas épocas


em que seja necessário trabalho extra, forçarem-no até 11, 12 e 2 horas da noite, de fato até, como diz uma frase corrente, durante
todas as horas" e isso em locais "onde o fedor é suficiente para vos pôr a nocaute (the stench is enough to knock you down). Os
senhores podem ir, talvez, até a porta e abri-la, mas recuariam com horror em vez de ir avante." 270 "Nossos patrões são tipos
gozados", diz uma das testemunhas ouvidas, um sapateiro, "eles pensam que não faz nenhum mal a um rapaz matar-se de tanto
trabalhar metade do ano e ser quase obrigado a vagabundear durante a outra metade." 271


Como ocorre com os obstáculos técnicos, esses assim chamados "costumes do comércio" (usages which have grown with the growth of
trade) foram e são declarados, por capitalistas interessados, como sendo "barreiras naturais" da produção, grito predileto dos lordes do algodão
à época em que a lei fabril ameaçou-os pela primeira vez. Embora sua indústria, mais do que qualquer outra, se baseie no mercado mundial
e, portanto, na navegação, a experiência prática os desmentiu. Desde então todo pretenso "obstáculo ao comércio" é tratado pelos inspetores
de fábrica ingleses como puro embuste. 272 As investigações inteiramente conscienciosas da "Child. Empl. Comm." provam que, de fato, em al-gumas
indústrias, a massa de trabalho já empregada só foi distribuída de modo mais regular por todo o ano devido à regulamentação da
jornada de trabalho, 273 que esta última foi o primeiro freio racional para os volúveis caprichos da moda, destruidores de vidas humanas,
sem sentido e inadequados ao sistema da grande indústria, 274 que o


OS ECONOMISTAS


108
270 Child. Empl. Comm., IV Report., pp. XXXV, nº 235 e 237. 271 Loc. cit., p. 127, nº 56.
272 "No que se refere ao prejuízo sofrido pelo comércio devido à não-execução a tempo de ordens de embarque, lembro-me que esse era o argumento predileto dos donos
de fábricas
em 1832 e 1833. Nada do que agora possa ser alegado sobre esse assunto poderia ter tanto peso como antes de o vapor ter cortado pela metade todas as distâncias e
estabelecido
novas regulamentações para o tráfego. Quando efetivamente testada, essa assertiva mos-trou-se outrora não veraz e, agora, certamente também não resistiria a uma
nova prova."
(Reports of Insp. of Fact., 31st Oct. 1862. pp. 54, 55.) 273 Child. Empl. Comm. III Rep., p. XVIII, nº 118.
274 Já em 1699, John Bellers observava: "A incerteza da moda aumenta o número dos pobres necessitados. Ela abriga dois grandes males: 1º, os oficiais passam necessidades
durante
o inverno por falta de trabalho, pois os comerciantes de manufaturas e mestres-tecelões não ousam adiantar seus capitais para ocupar os oficiais antes que chegue
a primavera e
106#
desenvolvimento da navegação transoceânica e dos meios de comuni-cação efetivamente superou a causa propriamente técnica do trabalho
sazonal, 275 que todas as outras circunstâncias pretensamente incon-troláveis são eliminadas por mais edificações, maquinaria adicional,
maior número de trabalhadores simultaneamente empregados 276 e pela repercussão conseqüente sobre o sistema do comércio atacadista. 277 No
entanto, o capital, como ele reiteradamente declara pela boca de seus representantes, só se prontifica a tal revolucionamento "sob a pressão
de uma lei geral do Parlamento" 278 que regule coercitivamente a jornada de trabalho.


9. Legislação fabril. (Cláusulas sanitárias e educacionais.) Sua generalização na Inglaterra


A legislação fabril, essa primeira reação consciente e planejada da sociedade à configuração espontaneamente desenvolvida de seu pro-cesso
de produção, é, como se viu, um produto tão necessário da grande indústria quanto o algodão, selfactors e o telégrafo elétrico. Antes de
passarmos para sua generalização na Inglaterra, há que mencionar resumidamente algumas das cláusulas da lei fabril inglesa não rela-cionadas
ao número de horas da jornada de trabalho. Além de sua redação, que facilita ao capitalista burlá-las, as cláu-sulas
sanitárias são extremamente pobres, restritas efetivamente a prescrever a caiação das paredes e mais algumas outras medidas de
limpeza, de ventilação e de proteção contra máquinas perigosas. Vol-taremos, no Livro Terceiro, à luta fanática dos fabricantes contra a
cláusula que lhes impõe uma pequena despesa para a proteção dos


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109
que saibam qual será, então, a moda: 2º, na primavera, não há bastantes oficiais de modo que os mestres-tecelões precisam atrair muitos aprendizes para poderem suprir
o comércio
do reino em 1/ 4 ou em metade do ano, o que arranca o lavrador do arado, esvazia o campo de trabalhadores, abarrota em grande parte a cidade com mendigos e faz com
que alguns
que têm vergonha de mendigar pereçam de fome no inverno". (Essays About the Poor, Manufactures etc., p. 9.)
275 Child. Empl. Comm. V Report., p. 171, nº 34. 276 Nos depoimentos de exportadores de Bradford, consta, por exemplo: "Nessas circunstâncias,
parece claro que não é necessário que garotos trabalhem nos armazéns mais do que das 8 da manhã até 7 ou 7 1/ 2 da noite. É meramente uma questão de despesa extra
e de
mão-de-obra extra. Os garotos não precisariam trabalhar até tão tarde da noite se alguns patrões não fossem tão vorazes por lucros; uma máquina extra custa somente
16 ou 18
libras esterlinas. (...) Todas as dificuldades se originam de insuficiência de instalações e carência de espaço". (Loc. cit., p. 171, nº 35, 36 e 38.)
277 Loc. cit., [p. 81. nº 32]. Um fabricante londrino, que, aliás, considera a regulamentação coercitiva da jornada de trabalho um meio de proteger os trabalhadores
contra os fabricantes
e os próprios fabricantes contra o comércio atacadista, afirma: "A pressão em nosso negócio é causada pelos embarcadores, que querem, por exemplo, remeter as mercadorias
por navio
a vela, de modo a alcançar seu destino em determinada temporada e, ao mesmo tempo, embolsar a diferença no frete entre um navio a vela e um navio a vapor, ou que
escolhem
de dois navios a vapor o que sai antes para aparecer no mercado externo antes de seus competidores".
278 "Isso poderia ser obviado", diz um fabricante, "à custa de uma ampliação das obras sob a pressão de uma lei geral do Parlamento." (Loc. cit., p. X, nº 38.)
107#
membros de seus "braços". Aqui de novo se demonstra brilhantemente o dogma do livre-cambismo de que, numa sociedade com interesses
antagônicos, cada qual promove o bem comum mediante a busca de sua vantagem particular. Basta um exemplo. Sabe-se que, durante o
último período de 20 anos, a indústria do linho e, com ela, as scutching mills (fábricas para bater e quebrar o linho) aumentaram muito na
Irlanda. Em 1864, havia aí cerca de 1 800 dessas mills. Periodicamente, no outono e no inverno, pessoas jovens e mulheres principalmente,
filhos, filhas e mulheres dos pequenos arrendatários das vizinhanças, pessoas que nada conhecem de maquinaria, são retiradas do trabalho
do campo para alimentarem com linho os laminadores das scutching mills. Em dimensão e intensidade, os acidentes são totalmente sem
similares na história da maquinaria. Uma única scutching mill em Kildinan (perto de Cork) registrou, de 1852 a 1856, 6 casos fatais e
60 mutilações graves, todos podendo ter sido evitados mediante dis-positivos dos mais simples, ao preço de poucos xelins. O Dr. W. White,
o certifying surgeon das fábricas de Downpatrick, declara num relatório oficial de 16 de dezembro de 1865:


"Os acidentes nas scutching mills são da espécie mais terrível. Em muitos casos, um quarto do corpo é arrancado do tronco. A
morte ou um futuro de mísera incapacitação e sofrimentos são as conseqüências usuais dos ferimentos. A multiplicação das fá-bricas
neste país naturalmente há de difundir esses resultados assustadores. Estou convicto de que, por meio de adequada fis-calização
estatal das scutching mills, grandes sacrifícios de vidas e corpos podem ser evitados". 279


O que melhor poderia caracterizar o modo de produção capitalista do que a necessidade de que lhe sejam impostas, por meio de coação
legal do Estado, as mais simples providências de higiene e saúde?
"A Lei Fabril de 1864 caiou e limpou mais de 200 oficinas de cerâmica, depois de uma abstinência de 20 anos, ou total, de


qualquer operação dessa espécie" (essa é a "abstinência" do ca-pital!) "em locais onde estão ocupados 27 878 trabalhadores e
onde até agora, durante trabalho excessivo diurno e muitas vezes noturno, respiravam uma atmosfera mefítica que impregna uma
atividade, fora isso, comparativamente inofensiva de doença e morte. A lei multiplicou muito os meios de ventilação." 280


Ao mesmo tempo, esse ramo da lei fabril mostra contundente-mente como o modo de produção capitalista a partir de certo ponto
exclui, de acordo com sua essência, toda melhoria racional. Reiteradas


OS ECONOMISTAS


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279 Loc. cit., p. XV, nº 72 et seqs. 280 Reports of Insp. of Fact., 31st Oct. 1865. p. 127.
108#
vezes foi observado que os médicos ingleses declaram com unanimidade que 500 pés cúbicos de ar por pessoa constituem o mínimo absoluta-mente
necessário em condições de trabalho continuado. Pois bem! Se a lei fabril acelera indiretamente, mediante todas as suas regras coer-citivas,
a transformação das oficinas menores em fábricas e, assim, interfere indiretamente no direito de propriedade dos capitalistas me-nores
e garante o monopólio aos grandes, a imposição legal do espaço de ar necessário para cada trabalhador na oficina expropriaria dire-tamente
de um só golpe milhares de pequenos capitalistas! Ela atingiria a raiz do modo de produção capitalista, ou seja, a autovalorização do
capital, seja grande ou pequeno, mediante "livre" compra e consumo da força de trabalho. Por isso, ante esses 500 pés cúbicos de ar, a lei
fabril perde o fôlego. As autoridades sanitárias, as comissões de in-vestigação industrial, os inspetores de fábrica repetem sempre de novo
a necessidade dos 500 pés cúbicos e a impossibilidade de impô-los ao capital. Eles assim declaram que na realidade tuberculose e outras
enfermidades pulmonares são condições vitais do capital. 281
Por parcas que pareçam no todo, as cláusulas educacionais da lei fabril proclamam a instrução primária como condição obrigatória


para o trabalho. 282 Seu êxito demonstrou, antes de tudo, a possibilidade de conjugar ensino e ginástica 283 com trabalho manual, por conseguinte
também trabalho manual com ensino e ginástica. Os inspetores de fábrica logo descobriram, por depoimentos de mestres-escolas, que as
crianças de fábricas, embora só gozem de metade do ensino oferecido aos alunos regulares de dia inteiro, aprendem tanto e muitas vezes
até mais.
"A coisa é simples. Aqueles que só permanecem metade do dia na escola estão sempre lépidos e quase sempre dispostos e


desejosos de receber instrução. O sistema de metade trabalho e


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111
281 Por meio de experiências, verificou-se que são consumidas cerca de 25 polegadas cúbicas de ar a cada respiração de intensidade média de um indivíduo médio saudável
e que ocorrem
cerca de 20 respirações por minuto. De acordo com isso, o consumo de ar de um indivíduo, em 24 horas, daria cerca de 720 mil polegadas cúbicas ou 416 pés cúbicos.
Sabe-se, contudo,
que o ar, uma vez inspirado, já não pode servir para o mesmo processo antes de ter sido purificado na grande oficina da Natureza. Segundo as experiências de Valentin
e Brunner,
um homem sadio parece expirar cerca de 1 300 polegadas cúbicas de gás carbônico por hora: isso equivaleria a cerca de 8 onças de carvão sólido lançadas pelo pulmão
em 24
horas. "Cada ser humano deveria ter ao menos 800 pés cúbicos." (Huxley.) 282 Segundo a lei fabril inglesa, os pais não podem mandar crianças com menos de 14 anos
para as fábricas "controladas" sem fazer com que recebam instrução primária. O fabricante é responsável pelo cumprimento da lei. "O ensino de fábrica é obrigatório
e pertence às
condições de trabalho." (Reports of Insp. of Fact., 31st Oct. 1865. p. 111.) 283 Sobre os resultados mais vantajosos da conjugação de ginástica (para rapazes também
exercícios militares) com o ensino obrigatório para crianças de fábrica e alunos pobres, veja-se o discurso de N. W. Senior no 7º congresso anual da "National Association
for the
Promotion of Social Science" in "Report of Proceedings" etc. Londres, 1863, p. 63, 64, bem como o relatório dos inspetores de fábrica de 31 de outubro de 1865, pp.
118, 119, 120,
126 et seqs.
109#
metade escola faz de cada uma dessas atividades descanso e re-creação em relação à outra e conseqüentemente muito mais ade-quadas
para a criança do que a continuidade ininterrupta de uma das duas. Um garoto que desde manhã cedo fica sentado
na escola não pode concorrer, especialmente quando faz calor, com outro que chega lépido e fagueiro de seu trabalho." 284


Documentação adicional encontra-se no discurso de Senior pro-ferido durante o congresso sociológico de Edinburgh em 1863. Entre
outras coisas, mostra ainda como a jornada escolar unilateral, impro-dutiva e prolongada das crianças das classes alta e média aumenta
inutilmente o trabalho dos professores, "enquanto desperdiça tempo, saúde e energia das crianças não só de modo infrutífero, mas absolu-tamente
prejudicial". 285 Do sistema fabril, como se pode ver detalha-damente em Robert Owen, brotou o germe da educação do futuro, que
há de conjugar, para todas as crianças acima de certa idade, trabalho produtivo com ensino e ginástica, não só como um método de elevar
a produção social, mas como único método de produzir seres humanos desenvolvidos em todas as dimensões.
Viu-se que a grande indústria supera tecnicamente a divisão ma-nufatureira do trabalho, com sua anexação por toda a vida de um ser
humano inteiro a uma operação de detalhe, enquanto, ao mesmo tempo, a forma capitalista da grande indústria reproduz ainda mais mons-truosamente
aquela divisão do trabalho, na fábrica propriamente dita, por meio da transformação do trabalhador em acessório consciente de
uma máquina parcelar e, em todos os outros lugares, em parte mediante o uso esporádico das máquinas e do trabalho das máquinas, 286 em


OS ECONOMISTAS


112
284 Reports of Insp. of Fact., loc. cit., p. 118, 119. Um ingênuo fabricante de seda esclarece aos comissários de inquérito da "Child. Empl. Comm.": "Estou inteiramente
convencido de
que o verdadeiro segredo da produção de operários eficientes reside na união de trabalho com instrução a partir da infância. Naturalmente, o trabalho não deve ser
demasiado
pesado, nem desagradável ou nocivo à saúde. Eu gostaria que minhas próprias crianças tivessem trabalho e brinquedo como alternação da escola". (Child. Empl. Comm.,
V Rep.,
p. 82, nº 36.) 285 SENIOR. Loc. cit., p. 66. Como a grande indústria, em certo estágio, mediante o revolu-cionamento
do modo de produção material e das relações sociais de produção, também revoluciona as cabeças, mostra-o contundentemente uma comparação entre o discurso de
N. W. Senior de 1863 e sua filípica contra a Lei Fabril de 1833, ou uma comparação dos pontos de vista do citado congresso com o fato de que, em certas partes rurais
da Inglaterra,
é proibido a pais pobres, sob pena de morrerem de fome, educar seus filhos. Assim, por exemplo, o Sr. Snell relata como sendo uma prática costumeira em Somersetshire
que, se
uma pessoa pobre requer auxílio da paróquia, é obrigada a retirar suas crianças da escola. Assim, o Sr. Wollaston, pároco em Feltham, conta casos em que todo apoio
foi negado a
certas famílias "porque enviavam seus filhos para a escola"! 286 Onde máquinas artesanais, impulsionadas por força humana, concorrem direta ou indire-tamente
com maquinaria mais desenvolvida e, portanto, pressupondo força motriz mecânica, ocorre grande mudança com referência ao trabalhador que movimenta a máquina. Origi-nalmente,
a máquina a vapor substituía esse trabalhador, agora é ele quem deve substituir a máquina a vapor. Por esse motivo, a tensão e o desgaste de sua força de trabalho
tornam-se monstruosos, e isso sobretudo para menores, que são condenados a essa tortura! Assim, o comissário Longe encontrou em Coventry e redondezas jovens de 10
a 15 anos
110#
parte por meio da introdução de trabalho feminino, infantil e não qua-lificado como nova base da divisão do trabalho. A contradição entre a
divisão manufatureira do trabalho e a essência da grande indústria impõe-se com violência. Ela aparece, entre outras coisas, no terrível
fato de que grande parte das crianças empregadas nas fábricas mo-dernas e nas manufaturas, soldadas desde a mais tenra idade às ma-nipulações
mais simples, é explorada durante anos sem aprender ne-nhum trabalho que as torne mais tarde úteis ao menos nessa mesma
fábrica ou manufatura. Nas gráficas inglesas de livros, por exemplo, ocorria antigamente a passagem, correspondente ao sistema da velha
manufatura e do artesanato, dos aprendizes de trabalhos mais leves para trabalhos de mais conteúdo. Eles percorriam as etapas de uma
aprendizagem, até serem tipógrafos completos. Saber ler e escrever era, para todos, uma exigência do ofício. Tudo isso mudou com a má-quina
impressora. Ela emprega duas espécies de trabalhadores: um trabalhador adulto, o supervisor da máquina, e mocinhos, em geral
com 11 a 17 anos de idade, cuja tarefa consiste exclusivamente em colocar uma folha de papel na máquina ou retirar dela a folha impressa.
Notadamente em Londres, eles executam essa faina vexatória por 14, 15, 16 horas ininterruptas, durante alguns dias da semana e com fre-qüência
até por 36 horas consecutivas, com apenas 2 horas de descanso para comer e dormir! 287 Grande parte deles não sabe ler e, em regra,
são criaturas embrutecidas, anormais.
"A fim de capacitá-los para sua tarefa, não é necessária formação intelectual de nenhuma espécie; eles têm pouca opor-tunidade


para habilitação e, menos ainda, para julgamento; o salário, embora relativamente alto para adolescentes, não cres-ce
proporcionalmente ao próprio crescimento deles e a grande maioria não tem perspectiva de atingir o posto mais bem re-munerado
e mais responsável de supervisor de máquina, pois para cada máquina existe apenas 1 supervisor e freqüente-mente
4 rapazinhos." 288
Assim que se tornam velhos demais para seu trabalho infantil, portanto o mais tardar aos 17 anos, são despedidos da tipografia. Tor-nam-


se recrutas da criminalidade. Algumas tentativas de arranjar-lhes ocupação noutro lugar fracassaram em face de sua ignorância, embru-tecimento,
degradação física e espiritual. O que é válido para a divisão manufatureira do trabalho no in-


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113
de idade empregados para fazerem girar teares de fitas, além de crianças menores que tinham de girar teares de tamanho menor. "É um trabalho extraordinariamente
fatigante.
O garoto é um mero substituto da força do vapor." (Child. Empl. Comm., V Report, 1866. p. 114. nº 6.) Sobre as conseqüências assassinas "desse sistema de escravidão",
como o
relatório o denomina, loc. cit. seqs. 287 Loc. cit., p. 3, nº 24.
288 Loc cit., p. 7, nº 60.
111#
terior da oficina vale para a divisão do trabalho no interior da sociedade. Enquanto artesanato e manufatura constituem o fundamento geral da
produção social, a subsunção do produtor a um ramo exclusivo de pro-dução,
o rompimento da diversidade original de suas ocupações, 289 é um momento necessário do desenvolvimento. Sobre esse fundamento,


cada ramo específico da produção encontra empiricamente a configu-ração
técnica que lhe é adequada, aperfeiçoa-a lentamente e cristaliza-a rapidamente, assim que é atingido certo grau de maturidade. O que


aqui e acolá provoca modificações é, além de novos materiais de trabalho
fornecidos pelo comércio, a mudança paulatina do instrumento de tra-balho. Uma vez alcançada a forma adequada de acordo com a expe-riência,


também ela se ossifica, como o comprova sua passagem, através
de milênios, das mãos de uma geração para as de outra. É característico que, até o século XVIII inclusive, os ofícios específicos se chamassem


mysteries (mystères) 290 , em cujos arcanos só o empírica e profissional-mente
iniciado podia penetrar. A grande indústria rasgou o véu que ocultava aos homens seu próprio processo de produção social e que


transformava os diversos ramos da produção, que se haviam natural-mente particularizado, em enigmas de uns para os outros e até mesmo
para o iniciado em cada ramo. Seu princípio — dissolver cada processo de produção, em si e para si, e para começar sem nenhuma consideração
para com a mão humana, em seus elementos constitutivos — produziu
a bem moderna ciência da tecnologia. As coloridas configurações, apa-rentemente desconexas e ossificadas, do processo de produção social


se dissolveram em aplicações conscientemente planejadas e sistemati-camente
particularizadas, de acordo com o efeito útil tencionado das ciências naturais. A tecnologia descobriu igualmente as poucas formas


básicas do movimento, em que necessariamente ocorre todo fazer pro-dutivo
do corpo humano, apesar da diversidade dos instrumentos uti-lizados, assim como a Mecânica não se deixa enganar pela maior com-plicação


da maquinaria quanto à repetição constante das potências
mecânicas simples. A indústria moderna nunca encara nem trata a forma existente de um processo de produção como definitiva. Sua base


OS ECONOMISTAS


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289 "Em algumas partes altas da Escócia (...) apareceram muitos pastores de ovelhas e cotters com mulher e filho, segundo o Statistical Account com calçado feito
por eles mesmos, de
couro que eles mesmos curtiram, com roupas que não haviam sido tocadas exceto por suas próprias mãos, cuja matéria-prima era a lã das ovelhas que tosquiaram ou o
linho que
eles mesmos haviam plantado. Na preparação das vestimentas, dificilmente entrava algum artigo comprado, exceto sovela, agulha, dedal e muito poucas peças de ferro
empregadas
no tecer. Os corantes eram extraídos, pelas próprias mulheres, de árvores, arbustos e ervas." (STEWART, Dugald. Works, ed. Hamilton, v. VIII, pp. 327-328.)
290 No célebre Libre des Métiers de Etienne Boileau, é prescrito, entre outras coisas, que quando um oficial é recebido entre os mestres deve prestar um juramento
de "amar fra-ternalmente
seus irmão, apoiá-los, cada um em seu métier não trair voluntariamente os segredos do ofício e até, no interesse da coletividade, não chamar a atenção, a fim de
recomendar sua própria mercadoria, para os defeitos de artigos feitos por outros".
112#
técnica é, por isso, revolucionária, enquanto a de todos os modos de produção anteriores era essencialmente conservadora. 291 Por meio da
maquinaria, de processos químicos e de outros métodos, ela revoluciona de forma contínua, com a base técnica da produção, as funções dos
trabalhadores e as combinações sociais do processo de produção. Com isso, ela revoluciona de modo igualmente constante a divisão do tra-balho
no interior da sociedade e lança sem cessar massas de capital e massas de trabalhadores de um ramo da produção para outro. A
natureza da grande indústria condiciona, portanto, variação do traba-lho, fluidez da função, mobilidade, em todos os sentidos, do trabalhador.
Por outro lado, reproduz em sua forma capitalista a velha divisão do trabalho com suas particularidades ossificadas. Viu-se como essa con-tradição
absoluta elimina toda tranqüilidade, solidez e segurança na situação de vida do trabalhador, ameaçando constantemente arrancar-lhe
da mão, com o meio de trabalho, o meio de subsistência 292 e torná-lo, com sua função parcelar, supérfluo; como essa contradição desencadeia
um ritual ininterrupto de sacrifício da classe trabalhadora, o mais des-mesurado desperdício de forças de trabalho e as devastações da anar-quia
social. Esse é o lado negativo. Mas, se a variação do trabalho agora se impõe apenas como lei natural preponderante e com o cego
efeito destrutivo de uma lei natural, que se defronta com obstáculos por toda parte, 293 a grande indústria torna, por suas catástrofes mesmo,
uma questão de vida ou morte reconhecer a mudança dos trabalhos, e portanto a maior polivalência possível dos trabalhadores, como lei
geral e social da produção, adequando as condições à sua realização normal. Ela torna uma questão de vida ou morte substituir a mons-truosidade
de uma miserável população trabalhadora em disponibili-


MARX


115
291 "A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, portanto todas as relações sociais.
Manter inalterado o
modo de produção antigo era, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes ativas anteriores. O revolucionamento contínuo da produção, o
abalo ininterrupto
de todas as condições sociais, a perene insegurança e movimento caracterizam a época burguesa em face de todas as outras épocas anteriores. Todas as relações fixas,
enferrujadas,
com seu séquito de veneráveis concepções e opiniões são dissolvidas, todas as relações recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo o que é sólido
e estabelecido
evapora, todo o sacro é profanado e, finalmente, os homens são obrigados a encarar com olhos sóbrios suas condições de vida e suas relações recíprocas." (ENGELS,
F. e MARX,
Karl. Manifest der Kommunistischen Partei. Londres, 1848. p. 5.) 292 "Tirais minha vida
Quando tirais os meios de que vivo." (Shakespeare)
293 Ao regressar de San Francisco, escreve um trabalhador francês: "Eu nunca teria acreditado que pudesse exercer todos os ofícios que pratiquei na Califórnia. Estava
firmemente convicto
de que não servia para nada senão tipografia. (...) Uma vez no meio desse mundo de aventureiros, que trocam mais facilmente de profissão do que de camisa, eu — por
minha
fé! — fiz como os outros. Como a mineração não se mostrou suficientemente rendosa, abandonei-a e mudei-me para a cidade, onde me tornei, sucessivamente, tipógrafo,
telhador,
fundidor de chumbo etc. Devido a essa experiência de ser capaz para todos os trabalhos, sinto-me menos como um molusco e mais como um homem". (CORBON, A. De l'Enseignement
Professionnel. 2ª ed., p. 50.)
113#
dade, mantida em reserva para as mutáveis necessidades de exploração do capital, pela disponibilidade absoluta do homem para as exigências
variáveis do trabalho; o indivíduo-fragmento, o mero portador de uma função social de detalhe, pelo indivíduo totalmente desenvolvido, para
o qual diferentes funções sociais são modos de atividade que se alter-nam. Um momento, espontaneamente desenvolvido com base na grande
indústria, desse processo de revolucionamento são as escolas politéc-nicas e agronômicas, outro são as écoles d'enseignement professionnel, 294
em que filhos de trabalhadores recebem alguma instrução de tecnologia e de manejo prático dos diferentes instrumentos de produção. Se a
legislação fabril, como primeira concessão penosamente arrancada ao capital, só conjuga ensino elementar com trabalho fabril, não há dúvida
de que a inevitável conquista do poder político pela classe operária há de conquistar também para o ensino teórico e prático da tecnologia
seu lugar nas escolas dos trabalhadores. Mas tampouco há dúvida de
que a forma capitalista de produção e as condições econômicas dos trabalhadores que lhe correspondem estão na contradição mais diame-tral


com tais fermentos revolucionários e seu objetivo, a superação da antiga divisão do trabalho. O desenvolvimento das contradições de uma
forma histórica de produção é, no entanto, o único caminho histórico de sua dissolução e estruturação de uma nova. Ne sutor ultra crepi-dam!,
295 o nec plus ultra 296 da sapiência artesanal tornou-se uma tre-menda
bobagem a partir do momento em que o relojoeiro Watt inventou
a máquina a vapor, o barbeiro Arkwright, a máquina de fiar, o joalheiro Fulton, o navio a vapor. 297


Na medida em que a legislação fabril regula o trabalho em fá-bricas, manufaturas etc., isso aparece inicialmente apenas como intro-missão
nos direitos de exploração do capital. Toda regulamentação do assim chamado trabalho domiciliar 298 apresenta-se, em compensação,


OS ECONOMISTAS


116
294 Escolas de ensino profissional. (N. dos T.) 295 Que o sapateiro não vá além das chinelas. Apelando para essas palavras, Apeles, o pintor
grego da Antiguidade, rebateu a crítica de um sapateiro a seus quadros. 296 O ponto culminante, o não mais além. (N. dos T.)
297 John Bellers, um verdadeiro fenômeno na história da Economia Política, já no final do século XVII entendeu do modo mais claro a necessidade de superar a atual
educação e
divisão do trabalho, que criam hipertrofia e atrofia em ambos os extremos da sociedade, ainda que em direções opostas. Entre outras coisas, ele afirma: "Aprender
no ócio é pouco
melhor do que aprender a ociosidade. (...) O trabalho corpóreo foi instituído originalmente por Deus mesmo. (...) O trabalho é tão necessário para a saúde do corpo
quanto o comer
para sua vida; pois as dores que se poupam com o ócio serão infligidas por doença. (...) O trabalho acrescenta óleo à lamparina da vida, mas o pensamento a acende.
(...) Uma ocupação
infantilmente estúpida" (aviso, por pressentimento, contra os Basedows e seus desas-trados imitadores modernos) "deixa o espírito das crianças estúpido". (Proposals
for
Raising a Colledge of Industry of all Useful Trades and Husbandry. Londres, 1696. pp. 12, 14, 16, 18.)
298 Aliás, isso também ocorre com freqüência em oficinas menores, como vimos na manufatura de rendas e no entrançamento de palha e, como poderia ser mostrado em
detalhes, parti-cularmente
nas manufaturas metalúrgicas de Sheffield, Birmingham etc.
114#
como intervenção direta ao patria potestas, 299 ou seja, interpretado mo-dernamente, à autoridade paterna, passo perante o qual o sensível
Parlamento inglês fingiu por muito tempo estar impedido pelo temor. A força dos fatos obrigou, no entanto, a reconhecer finalmente que a
grande indústria, junto com o fundamento econômico do antigo sistema familiar e do trabalho familiar, que lhe corresponde, dissolve também
as próprias relações familiares antigas. O direito das crianças teve de ser proclamado.


"Infelizmente", diz o relatório final de 1866 da "Child. Empl. Comm.", "transparece, da totalidade dos depoimentos de teste-munhas,
que as crianças de ambos os sexos precisam de mais proteção contra seus pais do que contra qualquer outra pessoa."
O sistema da exploração desmesurada do trabalho infantil de modo geral e do trabalho a domicílio em particular é "mantido
porque os pais exercem sobre seus jovens e tenros rebentos um poder arbitrário e nefasto, sem freios nem controle. (...) Os pais
não deveriam ter o poder absoluto de fazer de seus filhos meras máquinas para conseguir certa quantia de salário semanal. Crian-ças
e jovens têm direito à proteção da legislatura contra o abuso do poder paterno, que alquebra prematuramente sua força física
e os degrada na escala dos seres morais e intelectuais." 300
Não é, no entanto, o abuso do poder paterno que acarretou a exploração direta ou indireta de forças de trabalho imaturas pelo ca-pital,


mas, pelo contrário, é o modo de exploração capitalista que fez do poder paterno, ao suprimir sua correspondente base econômica, um
abuso. Por terrível e repugnante que agora pareça a dissolução do antigo sistema familiar no interior do sistema capitalista, a grande
indústria não deixa de criar, com o papel decisivo que confere às mu-lheres, pessoas jovens e crianças de ambos os sexos em processos de
produção socialmente organizados para além da esfera domiciliar, o novo fundamento econômico para uma forma mais elevada de família
e de relações entre ambos os sexos. É, naturalmente, tolo tomar como absoluta tanto a forma teuto-cristã de família quanto a forma romana
antiga, ou a grega antiga, ou a oriental, que, aliás, constituem entre si uma progressão histórica de desenvolvimento. É igualmente óbvio
que a composição do pessoal coletivo do trabalho por indivíduos de ambos os sexos e dos mais diversos grupos etários — embora em sua
forma capitalista espontaneamente brutal, em que o trabalhador com-parece para o processo de produção e não o processo de produção para
o trabalhador —, fonte pestilenta de degeneração e escravidão, tenha,


MARX


117
299 Pátrio poder, autoridade paterna. (N. dos T.) 300 Child. Empl. Comm., V Rep., p. XXV. nº 162; e II Rep., p. XXXVIII, nº 285, 289, p. XXV,
XXVI, nº 191.
115#
sob circunstâncias adequadas, de converter-se inversamente em fonte de desenvolvimento humano. 301
A necessidade de generalizar a lei fabril de uma lei de exceção para fiações e tecelagens, estas primeiras formações da empresa me-canizada,
em uma lei de toda a produção social decorre, como se viu, da marcha histórica de desenvolvimento da grande indústria, em cuja
esteira é completamente revolucionada a estrutura tradicional da ma-nufatura, do artesanato e do trabalho domiciliar; a manufatura trans-forma-
se continuamente em fábrica, o artesanato em manufatura e, por fim, as esferas do artesanato e do trabalho domiciliar tornam-se,
em tempo relativo espantosamente curto, antros de miséria, onde cam-peiam livremente as mais fantásticas monstruosidades da exploração
capitalista. Por fim, são duas as circunstâncias que se tornam decisivas: primeiro, a experiência, sempre de novo repetida, de que o capital,
assim que fica sujeito ao controle do Estado apenas em alguns pontos da periferia social, se ressarce tanto mais desmesuradamente nos outros
pontos; 302 segundo, o clamor dos próprios capitalistas por igualdade nas condições de concorrência, isto é, limitações iguais à exploração
do trabalho. 303 Ouçamos, a respeito disso, dois gritos do coração. Os Srs. W. Cooksley (fabricantes de pregos, correntes etc., em Bristol)
introduziram voluntariamente a regulamentação fabril em seu negócio.
"Como o antigo sistema, irregular, continua nas empresas vi-zinhas, eles ficam expostos à desvantagem de ter seus garotos


de trabalho atraídos (enticed) a continuarem trabalhando noutro local após as 6 horas da tarde. 'Isto', dizem eles naturalmente,
'é uma injustiça contra nós e uma perda, já que esgota parte da energia dos garotos, da qual devemos ter pleno usufruto'." 304


O Sr. J. Simpson (Paper-Box Bag Maker, 305 Londres) explica aos comissários da "Child. Empl. Comm.":
"Ele subscrevia qualquer petição em prol da implantação das leis fabris. Na atual situação, sempre se sentia intranqüilo à
noite (he always felt restless at night), após fechar sua oficina, com a preocupação de que outros deixassem trabalhar por mais
tempo, arrebatando-lhe suas encomendas diante de seu nariz". 306 "Seria uma injustiça", resume a "Child. Empl. Comm.", "para
com os empregadores maiores que suas fábricas fossem subme-


OS ECONOMISTAS


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301 O trabalho em fábrica pode ser tão limpo e primoroso quanto o trabalho doméstico, e talvez até mais. (Reports of Insp. of Fact., 31st Oct. 1865. p. 129.)
302 Loc. cit., pp. 27, 32. 303 Maciças documentações quanto a isso nos Rep. of Insp. of Fact.
304 Child. Empl. Comm., V Report. p. X, nº 35. 305 Fabricante de embalagens de papelão. (N. dos T.)
306 Loc. cit., p. IX, nº 28.
116#
tidas à regulamentação, enquanto, em seu próprio ramo de ati-vidade, a pequena empresa não estivesse sujeita a nenhuma li-mitação
legal do tempo de trabalho. E, à injustiça decorrente de condições desiguais de concorrência em relação às horas de tra-balho
devidas à exclusão das empresas menores, acrescentar-se-ia ainda a desvantagem para os fabricantes maiores de que seu
suprimento de trabalho juvenil e feminino seria desviado para as oficinas não sujeitas à legislação. Por outro lado, isso daria
estímulo à multiplicação das oficinas menores, que, quase sem exceção, são as menos favoráveis à saúde, conforto, educação e
melhoria geral do povo". 307
Em seu relatório final, a "Children's Employment Commission" propõe que sejam submetidas à lei fabril mais de 1,4 milhão de crianças,


pessoas jovens e mulheres, das quais cerca de metade é explorada pela pequena empresa e pelo trabalho domiciliar. 308


"Caso", diz o relatório, "o Parlamento aceitasse nossa proposta em toda sua amplitude, é fora de qualquer dúvida que tal legis-lação
exerceria a mais benéfica influência não só sobre os jovens e os fracos, com os quais se ocupa imediatamente, mas sobre a
massa ainda maior de trabalhadores adultos que ficariam sob sua ação direta (mulheres) ou indireta (homens). Ela lhes imporia
horas regulares e moderadas de trabalho; pouparia e acumularia a reserva de energia física, da qual tanto depende seu próprio
bem-estar e o do país; protegeria a geração em crescimento do esforço excessivo em idade imatura, que mina sua constituição
e leva à decadência prematura; finalmente, assegurar-lhes-ia — ao menos até os 13 anos de idade — a oportunidade de receberem
instrução elementar e acabaria com a incrível ignorância (...) tão fielmente descrita nos relatórios da comissão e que só pode ser
encarada com a sensação de máximo sofrimento e um sentimento profundo de degradação nacional." 309


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119
307 Loc. cit., p. XXV, nº 165-167. Cf., sobre as vantagens da grande empresa comparada à pequena empresa, Child. Empl. Comm., III Report., p. 13, nº 144; p. 25,
nº 121; p. 26, nº
125; p. 27, nº 140 etc. 308 Os ramos industriais a regulamentar são: manufatura de rendas, tecelagem de meias,
entrançamento de palha, manufatura de wearing apparel com suas inúmeras divisões, con-fecções de flores artificiais, indústria de calçados, chapelaria e luvaria,
alfaiataria, todas
as fábricas metalúrgicas, dos altos-fornos até as fábricas de agulhas etc., fábricas de papel, manufatura de vidro, manufatura de tabaco, fábricas de Indian-rubber,
fabricação de liço
(para a tecelagem), tecelagem manual de tapetes, manufaturas de guarda-chuvas e som-brinhas, fabricação de fusos e de canilhas, tipografias, encadernação, comércio
de artigos
de papel (stationery e a correspondente feitura de caixas de papelão, cartões, cores para papéis etc.), cordoaria, manufatura de adornos de azeviche, olarias, manufatura
manual
de seda, tecelagem de Coventry, salinas, produção de velas e de cimento, refinaria de açúcar, produção de biscoitos, diversas indústrias de madeira e outros trabalhos
mistos.
309 Loc. cit., p. XXV, nº 169.
117#
Na fala do trono de 5 de fevereiro de 1867, o ministério tory anunciou que tinha formulado como bills 310 as recomendações 311 da
comissão de inquérito industrial. Para tanto, tinha necessitado de um novo experimentum in corpore vili de 20 anos. Já em 1840 havia sido
nomeada uma comissão parlamentar para investigar o trabalho infantil. Seu relatório de 1842, segundo as palavras de N. W. Senior, oferecia


"o mais horrível quadro de avareza, egoísmo e crueldade por parte de pais e patrões, de miséria, degradação e aniquilamento de
crianças e adolescentes que jamais foi dado ao mundo contemplar. (...) Talvez se suponha que o relatório descreva horrores de uma
era passada. Infelizmente há relatos de que esses horrores con-tinuam tão intensos como antes. Uma brochura, publicada por
Hardwicke há dois anos, afirma que os abusos denunciados em 1842 continuam hoje" (1863) "em plena florescência. (...) Esse
relatório" (de 1842) "ficou no olvido por 20 anos, durante os quais aquelas crianças cresceram sem a menor idéia daquilo que de-nominamos
'moral' e sem formação escolar, religião ou afeto fa-miliar natural — àquelas crianças permitiu-se que se tornassem
os pais da atual geração". 312
Entrementes, a situação social tinha-se modificado. O Parlamento não se atreveu a rechaçar as demandas da comissão de 1863 assim


como fizera, na época, com as de 1842. Por isso, já em 1864, tendo a comissão publicado apenas parte de seus relatórios, a indústria de
cerâmica (inclusive louças), a confecção de tapetes, fósforos, cartuchos e espoletas, bem como a aparação de veludo, foram submetidas às leis
vigentes para a indústria têxtil. Na fala do trono de 5 de fevereiro de 1867 o gabinete tory de então anunciou outros bills, baseados nas pro-postas
finais da comissão, que entrementes, em 1866, havia completado seu trabalho.
A 15 de agosto de 1867, a Factory Acts Extension Act e, a 21 de agosto, a Workshops' Regulation Act receberam sanção real; a primeira
lei regulamenta os grandes, a segunda, os pequenos ramos de atividade. A Factory Acts Extension Act regula os altos-fornos, as usinas
siderúrgicas e de cobre, fundições, fábricas de máquinas, oficinas me-talúrgicas, fábricas de guta-percha, papel, vidro, tabaco, depois gráficas
e encadernadoras e, em geral, todas as oficinas industriais dessa es-


OS ECONOMISTAS


120
310 Projetos de lei. (N. dos T.) 311 A Factory Acts Extension Act foi aprovada em 12 de agosto de 1867. Regula todas as
fundições, forjas e manufaturas metalúrgicas, incluindo as fábricas de máquinas, além de indústrias de vridro, papel, guta-percha, borracha e tabaco, tipografias,
encadernadoras,
enfim todos os estabelecimentos em que trabalhem mais de 50 pessoas. A Hours of Labour Regulation Act passada a 17 de agosto de 1867, regula as oficinas menores
e o assim
chamado trabalho domiciliar. Voltarei a tratar dessa lei, da nova Mining Act de 1872 etc., no volume II.
312 SENIOR. Social Science Congress. pp. 55-58.
118#
pécie, nas quais 50 ou mais pessoas estão ocupadas ao mesmo tempo durante pelo menos 100 dias por ano.
Para dar noção da extensão da área abrangida por essa lei, se-guem aqui algumas das definições nela estabelecidas:


"Artesanato deve" (nessa lei) "significar: qualquer trabalho ma-nual exercido comercialmente ou como fonte de ganho na, ou por
ocasião da, feitura, modificação, ornamentação, conserto ou aca-bamento para venda de qualquer artigo ou parte dele".
"Oficina deve significar: qualquer quarto ou local, coberto ou a céu aberto, no qual seja exercido um 'artesanato' por qualquer
criança, trabalhador jovem ou mulher e sobre o qual aquele que ocupa tal criança, trabalhador jovem ou mulher tenha o direito
de acesso e de controle". "Ocupado deve significar: ativo em um 'artesanato', por salário
ou não, sob um patrão ou um dos pais, conforme abaixo mais pormenorizadamente definido".
"Pais deve significar: pai, mãe, guardião ou outra pessoa que tenha a tutela ou controle sobre qualquer (...) criança ou traba-lhador
jovem".
A cláusula 7, a cláusula que pune a ocupação de crianças, ado-lescentes e mulheres em violação das determinações dessa lei, fixa


penas pecuniárias não só para o dono da oficina, seja ele um dos pais ou não, mas também para


"os pais ou outras pessoas que tenham sob sua guarda a criança, o adolescente ou a mulher, ou que tirem vantagens diretas do
trabalho deles".
A Factory Acts Extension Act, que atinge os grandes estabeleci-mentos, está atrás da lei fabril pelo fato de estabelecer numerosas


exceções miseráveis e covardes compromissos com os capitalistas. A Workshops' Regulation Act, deplorável em todos os seus pormenores,
permaneceu letra morta nas mãos das autoridades citadinas e locais encarregadas de sua execução. Quando o Parlamento em 1871 retirou-lhes
essa atribuição, passando-a para os inspetores de fábrica, cuja área de supervisão foi aumentada, de uma só assentada, em mais de
100 mil oficinas, além de 300 olarias, seu pessoal foi cuidadosamente ampliado em apenas 8 assistentes, quando já era, até então, muito
deficiente. 313 O que, portanto, chama a atenção nessa legislação inglesa de


MARX


121
313 O pessoal de inspeção das fábricas era constituído por 2 inspetores, 2 inspetores auxiliares e 41 subinspetores. Mais 8 subinspetores foram nomeados em 1871.
Os custos globais de
execução das leis fabris na Inglaterra, Escócia e Irlanda, em 1871/ 72, somavam apenas 25 347 libras esterlinas, incluindo os custos judiciais dos processos contra
transgressões.
119#
1867 é, por um lado, a necessidade, imposta ao Parlamento das classes dominantes, de adotar em princípio regulamentação tão extraordinária
e ampla contra os excessos da exploração capitalista; por outro lado, as meias medidas, a má-vontade e a mala fides 314 com que, então,
adotou realmente essa regulamentação. A comissão de inquérito de 1862 propôs, igualmente, nova regu-lamentação
da indústria de mineração, uma indústria que se diferencia de todas as outras porque nela os interesses dos proprietários fundiários
e dos capitalistas industriais coincidem. A antítese entre esses dois interesses tinha favorecido a legislação fabril, a ausência dessa antítese
basta para explicar o retardamento e as chicanas da legislação sobre mineração.
A comissão de inquérito de 1840 tinha feito revelações tão ter-ríveis e revoltantes e provocado tal escândalo ante toda a Europa que
o Parlamento teve de aquietar sua consciência por meio da Mining Act de 1842, em que se limitou a proibir o trabalho abaixo da superfície,
de mulheres e de crianças com menos de 10 anos. Então veio, em 1860, a Mines' Inspection Act, segundo a qual as
minas seriam inspecionadas por funcionários públicos especialmente nomeados para tanto e meninos entre 10 e 12 anos não deveriam ser
ocupados, exceto quando de posse de um atestado escolar ou quando freqüentassem a escola por certo número de horas. Essa lei continuou
sendo totalmente letra morta devido ao número ridiculamente diminuto de inspetores nomeados, devido à insignificância de seus poderes e a
outras causas que ao longo da exposição se mostrarão de modo mais preciso.
Um dos mais recentes Livros Azuis sobre minas é o Report from the Select Committee on Mines, together with (...) Evidence, 23 July
1866. É a obra de um comitê de membros da Câmara dos Comuns, com plenos poderes para chamar testemunhas e inquiri-las; um volu-moso
in-fólio, no qual o próprio Report só compreende 5 linhas, com o seguinte conteúdo: que o comitê nada sabe dizer e que mais teste-munhas
precisam ser ouvidas. O modo de ali inquirir testemunhas lembra as cross examina-tions
315 perante as cortes inglesas, onde o advogado procura, por meio
de um contraquestionamento desavergonhado e capcioso, confundir a testemunha e torcer o sentido de suas palavras. Aqui, os advogados


são os próprios inquiridores parlamentares, entre eles proprietários e exploradores de minas; as testemunhas, trabalhadores mineiros, ge-ralmente
de minas de carvão. Toda essa farsa é demasiado caracte-rística do espírito do capital para que se deixe de apresentar aqui
alguns extratos. Para facilitar a visão geral, dou os resultados do in-


OS ECONOMISTAS


122
314 Má fé. (N. dos T.) 315 Inquéritos cruzados. (N. dos T.)
120#
quérito etc. em rubricas. Lembro que, nos Blue Books ingleses, pergunta e resposta obrigatória estão numeradas e que as testemunhas, cujos
depoimentos são aqui citados, são trabalhadores em minas de carvão.
1. Ocupação nas minas de jovens a partir dos 10 anos. O trabalho, junto com o percurso obrigatório de ida até as minas e volta, dura em
regra 14 a 15 horas, excepcionalmente mais, das 3, 4, 5 horas da manhã até 4 ou 5 horas da tarde. (nº 6, 452, 83.) Os trabalhadores
adultos trabalham em dois turnos ou 8 horas, mas nenhuma alternância é feita para os jovens para poupar despesas. (nº 80, 203, 204.) As
crianças pequenas, empregadas principalmente para abrir e fechar as portas de ventilação nas diversas seções da mina; as mais velhas, em
trabalho pesado no transporte de carvão etc. (nº 122, 739, 740.) As longas horas de trabalho debaixo da terra duram até os 18 ou 22 anos,
quando ocorre a passagem para o trabalho de mineração propriamente dito. (nº 161.) As crianças e os adolescentes são hoje mais esfalfados
do que em qualquer período anterior. (nº 1663-1667.) Os trabalhadores das minas reivindicam quase unanimemente uma lei parlamentar que
proíba o trabalho em minas até os 14 anos de idade. E então pergunta Hussey Vivian (ele mesmo explorador de minas): 316


"Não depende essa reivindicação da maior ou menor pobreza dos pais?" — E Mr. Bruce: "Não seria duro onde o pai está morto
ou mutilado etc. tirar da família esses recursos? E é preciso mesmo haver uma regra geral. Quereis proibir em todos os casos a ocu-pação
das crianças até os 14 anos debaixo da terra?" — Resposta:


MARX


123
316 Há algumas diferenças entre a versão de Marx e o texto inglês original relativo às perguntas e respostas entre o comitê de membros da Câmara dos Comuns e os
mineiros. Para que o
leitor possa ter noção dessas diferenças, após termos apresentado uma versão a partir do texto de Marx, portanto a versão de uma versão (sendo impossível o acesso
ao diálogo
efetivamente travado entre os parlamentares e os operários), apresentamos aqui uma versão do texto inglês do tópico 1:
"Será que a opinião do trabalhador não depende da pobreza da família do trabalhador?" Mr. Bruce: "Os Senhores (you) não acham que seria muito duro, onde um pai tivesse
sido
mutilado, ou onde ele estivesse doente, ou onde o pai estivesse morto e só houvesse a mãe, impedir uma criança entre 12 e 14 anos de ganhar l xelim e 6 pence por
dia para o bem
da família? (...) Os Senhores (you) precisam de uma regra geral? (...) Os Senhores estão preparados para recomendar uma legislação que vá impedir o emprego de crianças
com
menos de 12 e 14 anos, qualquer que seja a situação dos pais delas?" "Sim." (nº 107-110.) Vivian: "Supondo que fosse passada uma lei impedindo o emprego de crianças
com menos
de 14 anos, não seria provável que (...) os pais procurassem emprego para seus filhos em outros endereços, por exemplo, em fábricas?" "Acho que geralmente não."
(nº 174.) Kinnaird:
"Alguns dos garotos são encarregados de vigiar as portas?" "Sim." "Não há geralmente grande corrente de ar toda vez que se abre ou se fecha a porta?" "Sim, geralmente
há."
"Parece uma coisa muito fácil, mas é, de fato, antes uma coisa muito penosa. Ele está preso lá como se estivesse na cela de uma cadeia." O burguês Vivian: "Caso
o garoto esteja
provido de uma lâmpada, não pode ele ler?" "Sim, pode ler se ele mesmo compra as velas. (...) Suponho que ele seria considerado em falta se fosse descoberto lendo;
ele está lá para
cuidar de seu negócio, tem uma obrigação para cumprir e tem de atender a ela em primeiro lugar e eu não acredito que isso seria permitido lá embaixo na mina." (nº
139, 141, 143,
158, 160.) (N. dos T.)
121#
"Em todos os casos". (nº 107-110.) Vivian: "Se o trabalho nas minas fosse proibido até os 14 anos, será que os pais não envia-riam
as crianças para fábricas etc.?" — "Em regra, não." (nº 174.) Trabalhador: "Abrir e fechar as portas parece fácil. É uma tarefa
muito penosa. Sem levar em conta a contínua corrente de ar, o garoto está preso exatamente como se estivesse numa cela escura
de cadeia". O burguês Vivian: "O garoto não pode ler enquanto
cuida da porta, caso ele tenha uma luz?" — "Primeiro, ele teria de comprar as velas. Mas, além de tudo, isso não lhe seria per-mitido.


Ele está aí para cuidar de seu serviço, tem de cumprir uma obrigação. Nunca vi um menino lendo dentro da mina." (nº
139, 141-160.)
2. Educação. Os trabalhadores das minas reivindicam uma lei tornando obrigatório o ensino para as crianças, como nas fábricas. Con-sideram


a cláusula da Lei de 1860, pela qual se exige certificado escolar
para o emprego de meninos de 10 a 12 anos de idade, como pura ilusão. O "penoso" processo de interrogatório dos juízes de instrução


capitalistas torna-se aqui verazmente cômico. 317


OS ECONOMISTAS


124
317 De modo idêntico à nota 82* damos aqui uma versão a partir do original inglês do diálogo relativo às cláusulas educacionais: "Ela (a lei fabril) é mais necessária
contra os patrões
ou contra os pais?" "Acho que é necessária contra ambos." "O Senhor (you) não pode dizer se ela é mais necessária contra um ou contra o outro?" "Não; dificilmente
eu poderia
responder a essa pergunta." (nº 115, 116.) "Parece haver por aí algum desejo da parte dos empregadores de que os garotos tenham as tais horas para poderem ir à escola?"
"Não;
as horas nunca são encurtadas para esse propósito." (nº 137.) Kinnaird: "O Senhor diria que os mineiros do carvão geralmente aperfeiçoam a instrução deles, ou será
que eles não
regridem e perdem qualquer vantagem que tenham conseguido?" "Eles geralmente se tornam piores: eles não melhoram; adquirem maus hábitos, vão para a bebida, o jogo
e coisas
assim, e naufragam completamente." (nº 211.) "Fazem eles qualquer tentativa dessa espécie (para providenciar instrução) tendo escolas noturnas?" "Há poucos distritos
do carvão onde
funcionam escolas noturnas e talvez alguns garotos cheguem a ir a essas escolas; mas eles estão fisicamente tão exaustos que vão lá para nada." (nº 454.) "Os Senhores
são, portanto",
conclui o burguês, "contra a educação?" "Certamente não, mas etc." (nº 443.) "Mas eles (os empregadores) não estão obrigados (pela lei de 1860) a exigi-los (os certificados
escolares)?"
"Pela lei estão, mas não estou sabendo que eles realmente sejam exigidos pelos emprega-dores." "Então é sua opinião que essa provisão da lei que exige certificados
não é em geral
cumprida nas minas de carvão?" "Ela não é cumprida." (nº 443, 444.) "Os homens aí têm grande interesse por essa questão (do ensino)?" "A maioria deles tem." (nº
717.) "Eles estão
muito ansiosos para ver a lei cumprida?" "A maioria está." (nº 718.) "O Senhor pensa que, neste país, qualquer lei que se passe (...) pode ser realmente eficaz a
menos que a população
ajude a colocá-la em prática?" "Muito homem poderia querer se opor a empregar um garoto (a boy), mas ele talvez ficasse marcado por isso (marked by it)." (nº 720.)
"Marcado por
quem?" "Por seus empregadores." (nº 721.) "O Senhor (you) pensa que os empregadores encontrariam qualquer falta num homem que obedeceu à lei (...)?" "Creio que sim."
(nº
722.) "O Senhor já ouviu de algum trabalhador objetando empregar um garoto entre 10 e 12 anos e que não soubesse escrever ou ler?" "Não se dá opção aos homens."
(nº 123 [sic].)
"Os Senhores apelariam para a interferência do Parlamento?" "Penso que, se alguma coisa deve ser efetivamente feita na educação das crianças dos mineiros de carvão
(colliers), terá
de ser tornada compulsória por lei do Parlamento." (nº 1634.) "O Senhor (you) colocaria essa obrigação só para os mineiros do carvão ou para todo o operariado da
Grã-Bretanha?"
"Vim para falar pelos mineiros de carvão." (nº 1636.) "Por que o Senhor os distinguiria (os garotos das minas) dos outros garotos?" "Porque acho que são uma exceção
à regra." (nº
122#
(nº 115.) "A lei é mais necessária contra os empregadores ou contra os pais? — Contra ambos." (nº 116.) "Mais contra um ou
contra o outro? — Como devo responder a isso?" (nº 137.) "Mos-tram os empregadores algum desejo de adaptar o horário de tra-balho
ao ensino escolar? — Nunca." (nº 211.) "Os trabalhadores das minas de carvão melhoram posteriormente sua educação? —
Geralmente eles pioram; adquirem maus hábitos; entregam-se à bebida, ao jogo e a coisas semelhantes e naufragam completa-mente."
(nº 454.) "Por que não enviar as crianças a escolas no-turnas? — Na maioria dos distritos carvoeiros elas não existem.
Mas o principal é que elas ficam tão exaustas do longo trabalho em excesso que os olhos fecham de cansaço." "Portanto", conclui
o burguês, "vós sois contra o ensino? — De modo algum, mas etc." (nº 443.) "Os donos das minas não são obrigados, pela lei
de 1860, a exigir certificado escolar quando empregam crianças entre 10 e 12 anos? — Pela lei sim, mas os empregadores não
o fazem." (nº 444.) "Em sua opinião, essa cláusula legal não é geralmente cumprida? — Ela não é cumprida ao todo." (nº 717.)
"Os mineiros se interessam pela questão educacional? — A grande maioria." (nº 718.) "Estão eles temerosos pela execução da lei?
— A grande maioria." (nº 720.) "Por que eles não forçam, então, a execução dela? — Muito trabalhador gostaria de recusar garotos
sem certificado escolar, mas ele se torna um homem marcado (a marked man)." (nº 721.) "Marcado por quem? — Por seu empre-gador."
(nº 722.) "Vós não acreditais, por acaso, que os emprega-dores perseguiriam alguém só porque ele quer cumprir a lei? —
Creio que eles o fariam." (nº 723.) "Por que os trabalhadores não se negam a empregar tais menores? — Isso não é deixado à
opção deles." (nº 1634.) "Os Senhores pedem a intervenção do Parlamento? — Se algo eficaz deve acontecer para a educação
dos filhos dos mineiros, terá de ser tornado compulsório mediante lei do Parlamento." (nº 1636.) "Isso deve ser feito para os filhos
de todos os trabalhadores da Grã-Bretanha ou só para os traba-lhadores das minas? — Estou aqui para falar em nome dos tra-balhadores
das minas." (nº 1638.) — "Por que distinguir das outras


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1638.) "Em que sentido?" "Em sentido físico." (nº 1639.) "Por que a educação deve ser mais valiosa para eles do que para outras classes de rapazinhos (lads)?" "Não
sei se é mais
valiosa; mas, por causa do esforço excessivo em minas, há menos chances para os garotos (boys) que estão empregados lá de conseguirem educação, seja em escolas dominicais
ou
em escolas diurnas." (nº 1640.) "É impossível olhar para uma questão dessa espécie abso-lutamente por si mesma?" (nº 1644.) "Há escolas suficientes?" "Não (...)"
(nº 1646.) "Se o
Estado exigisse que toda criança fosse enviada à escola, haveria escolas para as crianças irem?" "Não; mas acho que, se as circunstâncias surgissem, as escolas seriam
uma decor-rência
(forthcoming)." (nº 1647.) "Suponho que alguns (dos garotos) não saibam ler nem escrever nada." "A maioria não sabe. (...) A maioria dos próprios homens não sabe."
(nº
705, 725 [sic].) (N. dos T.)
123#
as crianças das minas? — Porque elas constituem uma exceção à regra." (nº 1639.) "Em que sentido? — No físico." (nº 1640.)
"Por que a educação deveria ser mais preciosa para elas do que para os meninos de outras classes? — Eu não digo que seja mais
preciosa para elas, mas por causa de seu excesso de labuta nas minas elas têm menos chance para educação em escolas diurnas
e dominicais." (nº 1644.) "Não é verdade que é impossível tratar de modo absoluto questões dessa natureza?" (nº 1646.) "Há bas-tantes
escolas nos distritos? — Não." (nº 1647.) "Se o Estado exigisse que toda criança fosse enviada à escola, de onde viriam
escolas para todas as crianças? — Creio que, assim que as cir-cunstâncias o possibilitarem, as escolas vão surgir por si mesmas."
"A grande maioria não só das crianças, mas também dos trabalha-dores adultos nas minas não sabe ler nem escrever." (nº 705, 726.)


3. Trabalho das mulheres. Desde 1842, trabalhadoras já não são esgotadas debaixo da terra, mas sim na superfície, para carregar carvão
etc., arrastar as cubas até os canais e vagões ferroviários, selecionar o carvão etc. O emprego delas aumentou muito nos últimos 3 a 4 anos.
(nº 1727.) Na maioria são esposas, filhas e viúvas de mineiros, de 12 até 50 e 60 anos de idade. (nº 647, 1779, 1781.)


(nº 6848.) "O que pensam os mineiros do emprego de mulheres na mineração? — Eles geralmente o condenam." (nº 649.) "Por
quê? — Eles o consideram degradante para o sexo. (...) Elas ves-tem uma espécie de roupa masculina. Em muitos casos, todo
pudor é eliminado. Várias mulheres fumam. O trabalho é tão sujo quanto nas próprias galerias. Muitas dentre elas são mu-lheres
casadas, que não podem cumprir suas obrigações domés-ticas." (nº 651 e seguintes, 701.) (nº 709.) "Podem as viúvas con-seguir
em outro lugar emprego tão rendoso (de 8 a 10 xelins por semana)? — Nada sei dizer quanto a isso." (nº 710.) "E ainda
assim (ó coração de pedra) estais resolvidos a cortar-lhes esse ganha-pão? — Certamente." (nº 1715.) "De onde esse sentimento?
— Nós, os mineiros, temos respeito demais pelo belo sexo para querer vê-lo condenado à mina de carvão (...) Esse trabalho é,
na maior parte, muito pesado. Muitas dessas mocinhas levantam 10 toneladas por dia." (nº 1732.) "Acreditais que as trabalhadoras
ocupadas nas minas são mais imorais do que as ocupadas nas fábricas? — A percentagem das que não prestam é maior do que
entre as moças das fábricas." (nº 1733.) "Mas não estais satisfeito também com o nível de moralidade nas fábricas? — Não." (nº
1734.) "Quereis, então, proibir também o trabalho das mulheres nas fábricas? — Não, eu não quero." (nº 1735.) "Por que não? —
É mais honrado e conveniente para o sexo feminino." (nº 1736.) "Apesar disso, acreditais que é prejudicial para a moralidade de-


OS ECONOMISTAS


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124#
las? — Não, de modo algum, não tanto quanto o trabalho na mina. Aliás, eu não falo só por razões morais, mas também físicas
e sociais. A degradação social das moças é deplorável e extrema. Quando essas moças se tornam esposas de mineiros, os homens
sofrem profundamente com essa degradação e isso leva-os para fora de casa e para a bebida." (nº 1737.) "Mas isso não seria
igualmente válido para as mulheres ocupadas nas usinas side-rúrgicas? — Não posso falar por outros ramos de atividade." (nº
1740.) "Mas qual é a diferença entre as mulheres empregadas em siderurgias e as empregadas em minas? — Não tenho me
ocupado dessa questão." (nº 1741.) "Podeis descobrir alguma di-ferença entre uma classe e outra? — Não tenho assegurado nada
sobre isso, mas conheço, por visitas de casa em casa, o deplorável estado de coisas em nosso distrito." (nº 1750.) "Será que não teríeis
grande desejo de acabar com a ocupação feminina onde quer que ela seja degradante? — Sim (...) os melhores sentimentos das
crianças têm de vir da educação materna." (nº 1751.) "Mas isso também é válido quanto ao trabalho agrícola de mulheres? —
Este só dura duas estações do ano, enquanto no nosso elas tra-balham as quatro estações, muitas vezes dia e noite, molhadas
até os ossos, com a constituição enfraquecida e a saúde alque-brada." (nº 1753.) "Não estudastes a questão (da ocupação femi-nina)
de modo geral? — Tenho olhado ao redor de mim e posso dizer que em nenhum lugar encontrei algo equivalente à ocupação
feminina em minas de carvão. [nº 1793, 1794, 1808.] É trabalho de homem, e trabalho para homens fortes. A classe melhor dos
mineiros, que procura se elevar e humanizar, ao invés de encon-trar apoio em suas mulheres, é rebaixada por elas."


Depois de os burgueses terem continuado a questionar em todas as direções, revela-se finalmente o segredo de sua "compaixão" por
viúvas, famílias pobres etc.:
"O dono da mina de carvão designa certos gentlemen 318 para a supervisão e, para colherem aplausos, a política deles é fazer


tudo do modo mais econômico possível, e as moças ocupadas re-cebem de 1 a 1 xelim e 6 pence por dia, onde um homem teria
que receber 2 xelins e 6 pence." (nº 1816.)
4. Júris de instrução em casos de morte
(nº 360.) "Em relação aos coroner's inquests, 319 em vossos distritos, estão os trabalhadores satisfeitos com o processo judicial em caso


de acidentes? — Não, não estão." (nº 361-375.) "Por que não? —


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318 Cavalheiros. (N. dos T.) 319 Inquéritos em casos de morte. (N. dos T.)
125#
Especificamente porque se nomeiam pessoas para o júri que não sabem absolutamente nada de minas. Trabalhadores nunca são
convocados, a não ser como testemunhas. Normalmente são es-colhidos merceeiros das vizinhanças, que estão sob a influência
dos proprietários das minas, seus fregueses, e não entendem se-quer as expressões técnicas das testemunhas. Reivindicamos que
parte do júri seja constituída por mineiros. Em média, a sentença está em contradição com os depoimentos das testemunhas." (nº
378.) "Mas os júris não devem ser imparciais? — Sim." (nº 379.) "Os trabalhadores o seriam? — Não vejo motivos para que eles
não devam ser imparciais. Eles têm conhecimento do assunto." (nº 310.) "Mas eles não teriam a tendência de, no interesse dos
trabalhadores, pronunciar sentenças injustamente severas? — Não, creio que não."


5. Pesos e medidas falsos etc. Os trabalhadores reivindicam pa-gamento semanal e não a cada 14 dias, medido por peso e não por
cubagem, proteção contra o uso de pesos falsos etc.
(nº 1071.) "Se as cubas são aumentadas fraudulentamente, en-tão um homem pode abandonar a mina após 14 dias de aviso


prévio? — Mas, se ele for para outro lugar, ele encontra o mesmo." (nº 1072.) "Mas ele pode abandonar o local onde a in-justiça
é cometida! — Ela existe por toda parte." (nº 1073.) "Mas o homem pode deixar o emprego depois dos 14 dias de aviso
prévio? — Sim."
Passemos adiante!


6. Inspeção de minas. Os trabalhadores não sofrem apenas devido a acidentes com gases que explodem.


(nº 234 et seqs.) "Nós também temos de nos queixar da má ven-tilação das minas de carvão, pois as pessoas mal podem respirar
lá dentro; elas se tornam incapazes de qualquer espécie de tra-balho. Por exemplo, bem agora, na parte da mina em que trabalho,
o ar pestilento pôs de cama doentes muitas pessoas durante se-manas. As galerias principais são em geral bem ventiladas, mas
exatamente os lugares onde trabalhamos não. Se alguém apre-senta queixa ao inspetor quanto à ventilação, é despedido e se
torna um homem "marcado", que também não encontra ocupação em outros lugares. A Mining Inspection Act de 1860 é um mero
farrapo de papel. O inspetor, e seu número é de longe pequeno demais, faz talvez uma visita formal a cada 7 anos. Nosso inspetor
é um homem totalmente incapaz, de 70 anos, que está à testa de mais de 130 minas. Além de mais inspetores, precisamos de
subinspetores." (nº 280.) "Deve o Governo manter tal exército de


OS ECONOMISTAS


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inspetores que ele mesmo possa fazer tudo o que demandais sem informações dos próprios operários? — Isso é impossível, mas
eles que venham buscar as informações nas próprias minas." (nº 285.) "Não acreditais que o efeito seria jogar a responsabilidade
(!) pela ventilação etc. do proprietário da mina para os funcio-nários governamentais? De modo algum; deve ser tarefa deles
exigir o cumprimento das leis já existentes." (nº 294.) "Ao falardes de subinspetores, vós vos referis a pessoas com menor salário e
de caráter mais baixo que os dos atuais inspetores? — Não os desejo mais baixos, se vós podeis conseguir melhores." (nº 295.)
"Quereis mais inspetores ou uma classe mais baixa de gente do que os inspetores? — Precisamos de gente que ande de fato dentro
das minas, pessoas que não tenham medo de arriscar a pele." (nº 297.) "Se fosse atendido vosso desejo de ter inspetores de
espécie pior, será que a falta de habilitação deles não iria criar perigos etc.? — Não; é atribuição do Governo nomear pessoas
adequadas."
Tal espécie de interrogatório acaba sendo demasiado estúpida até mesmo para o presidente da comissão de inquérito.


"Quereis", intervém ele, "pessoas práticas, que examinem pes-soalmente as minas e relatem aos inspetores, que podem, então,
utilizar seus maiores conhecimentos." (nº 531.) "Será que a ven-tilação de todas essas construções antigas não acarretaria muitas
despesas? — Sim, as despesas poderiam crescer, mas vidas hu-manas seriam protegidas."


(nº 581.) Um trabalhador em minas de carvão protesta contra a 17ª seção da Lei de 1860:
"Atualmente, quando o inspetor de minas encontra qualquer parte da mina fora de condições de trabalho, tem de relatá-lo ao
proprietário da mina e ao ministro do Interior. Depois disso, o proprietário tem 20 dias para pensar no assunto; ao cabo dos 20
dias, ele pode recusar qualquer alteração. Mas, se faz isso, ele tem de escrever ao ministro do Interior e propor-lhe 5 engenheiros
de minas, entre os quais o ministro tem de escolher os árbitros. Sustentamos que, nesse caso, o proprietário da mina virtualmente
nomeia seus próprios juízes".
(nº 586.) O examinador burguês, ele mesmo proprietário de minas:
"Esta é uma objeção puramente especulativa." (nº 588.) "Ten-des, portanto, pouca fé na integridade dos engenheiros de minas?


— Digo que é muito iníquo e injusto." (nº 589.) "Não possuem os engenheiros de minas uma espécie de caráter público, que
coloca as decisões deles acima da parcialidade que temeis? —


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Recuso-me a responder a perguntas sobre o caráter pessoal desses homens. Estou convencido de que em muitos casos eles agem de
modo muito parcial e de que esse poder deveria ser-lhes retirado, onde vidas humanas estão em jogo."


O mesmo burguês tem a sem-vergonhice de perguntar:
"Não acreditais que também os proprietários de minas têm prejuízos com as explosões?


Finalmente (nº 1042):
"Será que vós, trabalhadores, não poderíeis vós mesmos cuidar dos vossos interesses sem apelar para a ajuda do Governo? — Não."


No ano de 1865, havia 3 217 minas de carvão na Grã-Bretanha — e 12 inspetores. Um proprietário de minas em Yorkshire calcula,
ele mesmo (Times, 26 de janeiro de 1867), que, fora as atividades puramente burocráticas e que absorvem todo o tempo deles, cada mina
só poderia ser inspecionada uma vez a cada 10 anos. Não admira que as catástrofes tenham aumentado progressivamente nos últimos anos
(notadamente em 1866 e 1867) em número e dimensões (às vezes com o sacrifício de 200 a 300 trabalhadores). Essas são as belezas da "livre"
produção capitalista! De qualquer modo, a Lei de 1872, por defeituosa que seja, é a
primeira a regular o horário de trabalho das crianças ocupadas em minas e torna, em certa medida, os exploradores e proprietários de
minas responsáveis pelos assim chamados acidentes. A comissão real de 1867 para investigar a ocupação de crianças,
adolescentes e mulheres na agricultura publicou alguns relatórios muito importantes. Foram feitas diversas tentativas de aplicar, sob forma
modificada, os princípios da legislação fabril à agricultura, mas até agora todas elas falharam totalmente. Mas tenho de chamar a atenção
quanto à existência de uma tendência irresistível para a aplicação geral desses princípios.
Se a generalização da legislação fabril tornou-se inevitável como meio de proteção física e espiritual da classe operária, ela, por outro
lado, generaliza e acelera, como já foi aventado, a metamorfose de processos de trabalho esparsos realizados em pequena escala em pro-cessos
de trabalho combinados e em larga escala social, portanto a concentração do capital e o domínio exclusivo do regime de fábrica.
Ela destrói todas as formas antiquadas e transitórias, atrás das quais a dominação do capital ainda se esconde em parte, e as substitui por
sua dominação direta, indisfarçada. Generaliza, com isso, também, a luta direta contra essa dominação. Enquanto impõe nas oficinas indi-viduais
uniformidade, regularidade, ordem e economia, aumenta, por meio do imenso estímulo que a limitação e a regulamentação da jornada


OS ECONOMISTAS


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de trabalho impõe à técnica, a anarquia e as catástrofes da produção capitalista em seu conjunto, a intensidade do trabalho e a concorrência
da maquinaria com o trabalhador. Com as esferas da pequena empre-sa e do trabalho domiciliar, aniquila os últimos refúgios dos "exceden-tes"
e conseqüentemente a válvula de segurança até agora existente de todo o mecanismo da sociedade. Com as condições materiais e a
combinação social do processo de produção, amadurece as contradições e os antagonismos de sua forma capitalista e portanto, ao mesmo tempo,
os elementos constitutivos de uma nova e os momentos revolucionadores da velha sociedade. 320


10. Grande indústria e agricultura
A revolução que a grande indústria provoca na agricultura e nas condições sociais de seus agentes de produção só poderá ser abordada
mais tarde. Basta, aqui, curta referência a alguns resultados anteci-pados. Se o uso da maquinaria na agricultura está em grande parte


MARX


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320 Robert Owen, o pai das fábricas e armazéns cooperativos, que, no entanto, como já foi observado antes, não compartilhava de modo algum das ilusões de seus epígonos
quanto
ao alcance desses elementos isolados de transformação, não só tomou de fato como o ponto de partida a de suas experiências o sistema fabril, mas considerou-o também
teoricamente
o ponto de partida da revolução social. O Sr. Vissering, catedrático de Economia Política na Universidade de Leyden, parece pressentir algo assim quando, em seu
livro Handboek
van Praktische Staathuishoudkunde, 1860/ 62, que expõe os lugares comuns da Economia vulgar na forma mais adequada, clama a favor do artesanato e contra a grande
indústria.
— {Adendo à 4ª edição: Os "novos casuísmos jurídicos" (t. 1, p. 236) que a legislação inglesa criou por meio das Factory Acts Extension Act e Workshops Acts, reciprocamente
contradi-tórias,
tornaram-se, finalmente, insuportáveis e, assim, surgiu a Factory and Workshop Act de 1878, uma codificação de toda a legislação pertinente. Naturalmente, uma crítica
deta-lhada
desse código industrial da Inglaterra vigente agora não pode ser feita aqui. Por isso têm de bastar as seguintes anotações. A lei abrange: 1) fábricas têxteis. Aqui
tudo fica
aproximadamente como antes: tempo de trabalho permitido para crianças com mais de 10 anos: 5 1/ 2 horas por dia, ou 6 horas e então o sábado é livre; pessoas jovens
e mulheres:
10 horas em 5 dias, no máximo 6 1/ 2 horas no sábado. — 2) Fábricas não-têxteis. Aqui as determinações legais foram mais aproximadas ao nº 1 que antes mas existem
ainda várias
exceções favoráveis aos capitalistas que, em diversos casos, ainda podem, por meio de licença especial do ministro do Interior, ser ampliadas. — 3) Workshops definidas
mais ou
menos como na lei anterior; no que tange a crianças, trabalhadores jovens ou mulheres aí empregados, as workshops são colocadas em pé aproximadamente igual às fábricas
não-têxteis,
mas novamente com atenuações no detalhe. — 4) Workshops em que não são em-pregados crianças ou trabalhadores jovens, mas só pessoas de ambos os sexos com mais
de 18 anos; para essa categoria, vigoram ainda outras atenuações. — 5) Domestic workshops onde só trabalham membros da família no domicílio familiar; determinações
ainda mais
elásticas e simultaneamente a limitação de que o inspetor, sem licença ministerial ou ju-diciária especial, só pode entrar nas peças da casa que não sejam usadas
ao mesmo tempo
como moradia; e, finalmente, a liberação incondicional do entrançamento de palha, da renda de bilros e da confecção de luvas dentro da família. Com todos os defeitos,
essa lei é ainda,
ao lado da lei fabril federal Suíça de 23 de março de 1877, de longe a melhor lei sobre a matéria. Uma comparação da mesma com a referida lei federal Suíça é de
especial interesse,
pois torna visíveis as vantagens bem como as desvantagens dos dois métodos de legislar — o inglês, "histórico", casuístico, e o continental, construído sobre as
tradições da Revolução
Francesa, um método mais generalizante. Infelizmente, o código inglês, em sua aplicação a workshops, é ainda em grande parte letra morta — por causa da carência
de pessoal de
inspeção. — F. E.}
129#
livre dos inconvenientes físicos, que acarreta ao trabalhador de fábri-ca, 321 ela atua aí ainda mais intensamente e sem contrapeso no sentido
de "tornar excedentes" os trabalhadores, como se verá mais tarde em detalhes. Nos condados de Cambridge e Suffolk, por exemplo, a área
de terras cultivadas ampliou-se muito nos últimos 20 anos, enquanto a população rural, no mesmo período, diminuiu não só relativa, mas
absolutamente. Nos Estados Unidos da América do Norte, máquinas agrícolas substituem, por enquanto, apenas virtualmente trabalhado-res,
ou seja, permitem ao produtor o cultivo de superfície maior, mas não expulsam trabalhadores efetivamente ocupados. Na Inglaterra e
no País de Gales, em 1861, o número de pessoas participantes na fabricação de máquinas agrícolas era 1 034, enquanto o número de
trabalhadores agrícolas ocupados no manejo de máquinas a vapor e máquinas de trabalho era apenas 1 205.
Na esfera da agricultura, a grande indústria atua de modo mais revolucionário à medida que aniquila o baluarte da velha sociedade, o
"camponês", substituindo-o pelo trabalhador assalariado. As necessidades de revolucionamento social e as antíteses do campo são, assim, niveladas
às da cidade. No lugar da produção mais rotineira e irracional, surge a aplicação consciente, tecnológica da ciência. A ruptura do laço familiar
original de agricultura e manufatura, que envolvia a configuração infan-tilmente não desenvolvida de ambas, é completada pelo modo de produção
capitalista. Mas ele cria, ao mesmo tempo, os pressupostos materiais de uma síntese nova, mais elevada, da união entre agricultura e indústria
com base em suas configurações antiteticamente elaboradas. Com a preponderância sempre crescente da população urbana que amontoa
em grandes centros, a produção capitalista acumula, por um lado, a força motriz histórica da sociedade, mas perturba, por outro lado, o
metabolismo entre homem e terra, isto é, o retorno dos componentes da terra consumidos pelo homem, sob forma de alimentos e vestuário,
à terra, portanto, a eterna condição natural de fertilidade permanente do solo. Com isso, ela destrói simultaneamente a saúde física dos
trabalhadores urbanos e a vida espiritual dos trabalhadores rurais. 322 Mas, ao destruir as condições desse metabolismo, desenvolvidas espon-taneamente,
obriga-o, simultaneamente, a restaurá-lo de maneira sis-


OS ECONOMISTAS


132
321 Exposição pormenorizada da maquinaria aplicada na agricultura inglesa encontra-se em Die landwirtschaftlichen Generäthe und Maschinen Englands, do Dr. W. Hamm,
2ª edição,
1856. Em seu esboço sobre o processo de desenvolvimento da agricultura inglesa, o Sr. Hamm segue demasiado acriticamente o Sr. Leonce de Lavergne. {Adendo à 4ª edição:
Agora, naturalmente, obsoleta. — F. E.} 322 "Vós dividis o povo em dois acampamentos hostis, de campônios ridículos e de anões emas-culados.
Ó, céus! Uma nação, dividida em interesses agrícolas e comerciais, se diz sã, sim, considera-se esclarecida e civilizada não só apesar de, mas exatamente por causa
dessa
separação monstruosa e antinatural." (URQUHART. David. Familiar Words. Londres, 1855, p. 119.) Essa passagem mostra ao mesmo tempo a força e a fraqueza de uma espécie
de
crítica, que sabe julgar e condenar o presente, mas não entendê-lo.
130#
temática, como lei reguladora da produção social e numa forma ade-quada ao pleno desenvolvimento humano. Tanto na agricultura quanto
na manufatura, a transformação capitalista do processo de produção
aparece, ao mesmo tempo, como martirológio dos produtores, o meio de trabalho como um meio de subjugação, exploração e pauperização do traba-lhador,


a combinação social dos processos de trabalho como opressão orga-nizada de sua vitalidade, liberdade e autonomia individuais. A dispersão dos
trabalhadores rurais em áreas cada vez maiores quebra, ao mesmo tempo, sua capacidade de resistência, enquanto a concentração aumenta a dos tra-balhadores
urbanos. Assim como na indústria citadina, na agricultura mo-derna o aumento da força produtiva e a maior mobilização do trabalho são
conseguidos mediante a devastação e o empestamento da própria força de
trabalho. E cada progresso da agricultura capitalista não é só um progresso na arte de saquear o trabalhador, mas ao mesmo tempo na arte de saquear


o solo, pois cada progresso no aumento da fertilidade por certo período é simultaneamente um progresso na ruína das fontes permanentes dessa fer-tilidade.
Quanto mais um país, como, por exemplo, os Estados Unidos da América do Norte, se inicia com a grande indústria como fundamento de
seu desenvolvimento, tanto mais rápido esse processo de destruição. 323 Por isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação
do processo de produção social ao minar simultaneamente as fontes de toda a riqueza: a terra e o trabalhador.


MARX


133
323 Cf. LIEBIG. Die Chemie in ihrer Anwendung auf Agrikultur und Phisiologie. 7 ª ed., 1862; também no primeiro volume de Einleitung in die Naturgesetze des Feldbaus.
O desenvol-vimento
do lado negativo da agricultura moderna de um ponto de vista científico é um dos méritos imortais de Liebig. Também seus esboços sobre a história da agricultura
contêm
ainda que com erros grosseiros, observações lúcidas. É de se lamentar que ouse observações gratuitas como: "Pulverizando mais e arando com maior freqüência o solo,
ativa-se a cir-culação
do ar no interior das partes porosas da terra, amplia-se e renova-se a superfície do solo sobre a qual o ar deve agir, sendo, porém, facilmente compreensível que
o aumento
da produção do campo não pode ser proporcional ao trabalho nele aplicado, mas que cresce em proporção bem menor". "Essa lei", acrescenta Liebig, "foi formulada primeiro
por J. St.
Mill em seu Princ. of Pol. Econ., v. I, p. 17, do seguinte modo: 'Ö produto da terra cresce caeteris paribus numa proporção decrescente ao aumento de trabalhadores
ocupados'." (O
Sr. Mill até repete a lei da escola ricardiana numa formulação falsa, pois lá the decrease of the labourers employed, o decréscimo dos trabalhadores empregados,
sempre marchou
na Inglaterra passo a passo com o progresso da agricultura; dessa maneira essa lei descoberta na e para a Inglaterra não encontraria aplicação ao menos na Inglaterra.)
"É a lei geral
da agricultura, sendo bastante notável pois seu motivo lhe era desconhecido." (LIEBIG. Op. cit., v. I, p. 143 e nota.) Além do sentido errôneo da palavra "trabalho",
pela qual
Liebig entende algo diferente do que entende a Economia Política, é, de qualquer modo, "bastante notável" que ele faça do sr. J. St. Mill o primeiro enunciador de
uma teoria que
James Anderson, à época de A. Smith, publicou pela primeira vez e repetiu em vários textos até o início do século XIX, e da qual Malthus, esse mestre do plágio (sua
teoria da
população é um plágio desavergonhado), se apropriou em 1815, a qual West, à mesma época e independentemente de Anderson, desenvolveu, que Ricardo, em 1817, formulou
no
contexto da teoria geral do valor e que, daí por diante, sob o nome de Ricardo, deu a volta ao mundo, que, em 1820, é vulgarizada por James Mill (o pai de J. St.
Mill) e, finalmente,
é repetida, entre outros, pelo sr. J. St. Mill, já como um dogma escolar transformado em lugar-comum. É incontestável que J. St. Mill deve sua, de qualquer modo,
"notável" auto-ridade
quase somente a semelhantes qüiproquós.
131#
SEÇÃO V
A PRODUÇÃO DA MAIS-VALIA ABSOLUTA E RELATIVA
132#
CAPÍTULO XIV
Mais-valia Absoluta e Relativa


O processo de trabalho foi considerado primeiramente em abs-trato (ver capítulo V), independente de suas formas históricas, como
processo entre homem e Natureza. Disse-se aí: "Considerando-se o pro-cesso inteiro de trabalho do ponto de vista de seu resultado, então
aparecem ambos, meio e objeto de trabalho, como meios de produção, e o trabalho mesmo como trabalho produtivo". E na nota 7 foi com-plementado:
"Essa determinação de trabalho produtivo, tal como resulta do ponto de vista do processo simples de trabalho, não basta, de modo
algum, para o processo de produção capitalista". Isso é para ser mais desenvolvido aqui.
Na medida em que o processo de trabalho é puramente individual, o mesmo trabalhador reúne todas as funções que mais tarde se separam.
Na apropriação individual de objetos naturais para seus fins de vida, ele controla a si mesmo. Mais tarde ele será controlado. O homem
isolado não pode atuar sobre a Natureza sem a atuação de seus próprios músculos, sob o controle de seu próprio cérebro. Como no sistema na-tural
cabeça e mão estão interligados, o processo de trabalho une o trabalho intelectual com o trabalho manual. Mais tarde separam-se
até se oporem como inimigos. O produto transforma-se, sobretudo, do produto direto do produtor individual em social, em produto comum
de um trabalhador coletivo, isto é, de um pessoal combinado de trabalho, cujos membros se encontram mais perto ou mais longe da manipulação
do objeto de trabalho. Com o caráter cooperativo do próprio processo de trabalho amplia-se, portanto, necessariamente o conceito de trabalho
produtivo e de seu portador, do trabalhador produtivo. Para trabalhar produtivamente, já não é necessário, agora, pôr pessoalmente a mão
na obra; basta ser órgão do trabalhador coletivo, executando qualquer uma de suas subfunções. A determinação original, acima, de trabalho
produtivo, derivada da própria natureza da produção material, perma-137
133#
nece sempre verdadeira para o trabalhador coletivo, considerado como coletividade. Mas ela já não é válida para cada um de seus membros,
tomados isoladamente. Por outro lado, porém, o conceito de trabalho produtivo se estreita.
A produção capitalista não é apenas produção de mercadoria, é essen-cialmente produção de mais-valia. O trabalhador produz não para si,
mas para o capital. Não basta, portanto, que produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que
produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do
capital. Se for permitido escolher um exemplo fora da esfera da pro-dução material, então um mestre-escola é um trabalhador produtivo


se ele não apenas trabalha as cabeças das crianças, mas extenua a si mesmo para enriquecer o empresário. O fato de que este último tenha
investido seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa fábrica de salsichas, não altera nada na relação. O conceito de trabalho pro-dutivo,
portanto, não encerra de modo algum apenas uma relação entre
a atividade e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação de produção especificamente social, formada his-toricamente,


a qual marca o trabalhador como meio direto de valori-zação do capital. Ser trabalhador produtivo não é, portanto, sorte, mas
azar. No Livro Quarto deste escrito, o qual trata da história da teoria, ver-se-á, com mais pormenores, que a Economia Política clássica sempre
fez da produção de mais-valia a característica decisiva do trabalhador produtivo. Com sua concepção da natureza da mais-valia muda, por-tanto,
sua definição de trabalhador produtivo. Desse modo, os fisiocra-tas declaram que somente o trabalho agrícola seria produtivo, pois só
ele forneceria mais-valia. Para os fisiocratas, porém, a mais-valia existe exclusivamente na forma da renda da terra.
O prolongamento da jornada de trabalho além do ponto em que o trabalhador teria produzido apenas um equivalente pelo valor de
sua força de trabalho, e a apropriação desse mais-trabalho pelo capital — isso é a produção da mais-valia absoluta. Ela constitui a base geral
do sistema capitalista e o ponto de partida para a produção da mais-valia
relativa. Com esta, a jornada de trabalho está desde o princípio dividida em duas partes: trabalho necessário e mais-trabalho. Para


prolongar o mais-trabalho reduz-se o trabalho necessário por meio de métodos pelos quais o equivalente do salário é produzido em menos
tempo. A produção da mais-valia absoluta gira apenas em torno da duração da jornada de trabalho; a produção da mais-valia relativa
revoluciona de alto a baixo os processos técnicos do trabalho e os agru-pamentos
sociais. Ela supõe portanto um modo de produção especificamente capi-talista,


que com seus métodos, meios e condições nasce e é formado naturalmente apenas sobre a base da subordinação formal do trabalho


OS ECONOMISTAS


138
134#
ao capital. No lugar da formal surge a subordinação real do trabalho ao capital.
Basta uma mera alusão a formas híbridas, em que a mais-valia não é extraída do produtor por coação direta nem sucedeu a subordi-nação
formal deste ao capital. O capital ainda não se apoderou aqui diretamente do processo de trabalho. Ao lado dos produtores autônomos
que exercem seus ofícios ou lavram a terra de modo tradicional, pa-triarcal, surge o usurário ou o comerciante, o capital usurário ou o
capital comercial, que os suga parasitariamente. A predominância dessa forma de exploração numa sociedade exclui o modo de produção capi-talista,
para o qual, por outro lado, como nos fins da Idade Média, pode constituir a transição. Finalmente, como mostra o exemplo do
moderno trabalho domiciliar, certas formas híbridas são reproduzidas aqui e acolá na retaguarda da grande indústria, ainda que com fisio-nomia
totalmente modificada. Se para a produção da mais-valia absoluta basta a subordinação
meramente formal do trabalho ao capital, por exemplo, que artesãos, que trabalhavam antes para si mesmos ou como oficiais de um mestre
de corporação, tornem-se agora trabalhadores assalariados sob controle direto do capitalista, mostrou-se, por outro lado, como os métodos para
a produção da mais-valia relativa são, ao mesmo tempo, métodos para a produção da mais-valia absoluta. Mais ainda, o desmedido prolon-gamento
da jornada de trabalho apresentava-se como produto mais característico da grande indústria. O modo de produção especificamente
capitalista deixa de ser ao todo um simples meio para a produção de mais-valia relativa, tão logo tenha-se apoderado de todo um ramo de
produção e, mais ainda, de todos os ramos decisivos de produção. Ele torna-se agora a forma geral, socialmente dominante, do processo de
produção. Como método particular para a produção da mais-valia re-lativa atua ainda somente, primeiro, na medida em que se apodera
de indústrias até então apenas formalmente subordinadas ao capital, portanto em sua propagação. Segundo, ao serem revolucionadas con-tinuamente
as indústrias que já se encontram em seu poder, mediante a mudança dos métodos de produção.
De certo ponto de vista, toda diferença entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa parece ilusória. A mais-valia relativa é absoluta,
pois condiciona um prolongamento absoluto da jornada de trabalho além do tempo de trabalho necessário à existência do próprio traba-lhador.
A mais-valia absoluta é relativa, pois condiciona um desenvol-vimento da produtividade do trabalho, o qual permite limitar o tempo
de trabalho necessário a parte da jornada de trabalho. Observando-se, porém, o movimento da mais-valia, desfaz-se essa aparência de iden-tidade.
Assim que o modo de produção capitalista esteja estabelecido e se tenha tornado modo geral de produção, a diferença entre mais-valia
absoluta e relativa torna-se sensível tão logo se trate de aumentar a


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139
135#
taxa de mais-valia em geral. Pressupondo-se que a força de trabalho seja paga por seu valor, encontramo-nos diante destas alternativas:
dada a força produtiva de trabalho e seu grau normal de intensidade, só é possível aumentar a taxa de mais-valia mediante prolongamento
absoluto da jornada de trabalho; por outro lado, dada a limitação da jornada de trabalho, só é possível aumentar a taxa de mais-valia me-diante
mudança da grandeza de suas partes integrantes, trabalho ne-cessário e mais-trabalho, o que, por sua vez, se o salário não deve cair
abaixo do valor da força de trabalho, pressupõe mudança na produti-vidade ou na intensidade do trabalho.
Se o trabalhador precisa de todo seu tempo para produzir os meios de subsistência necessários ao sustento de si mesmo e de sua
race, não lhe resta tempo algum para trabalhar gratuitamente para uma terceira pessoa. Sem certo grau de produtividade do trabalho não
há tal tempo disponível para o trabalhador, e sem tal tempo excedente, nenhum mais-trabalho e, portanto, nenhum capitalista, mas também
nenhum senhor de escravos, nenhum barão feudal, em uma palavra, nenhuma classe de grandes proprietários. 324
Pode-se, pois, falar de uma base natural da mais-valia, porém apenas no sentido muito geral de que nenhum obstáculo natural ab-soluto
impede a alguém eximir-se do trabalho necessário a sua própria existência e lançá-lo sobre outrem, tão pouco como, por exemplo, obs-táculos
naturais impedem a alguém utilizar a carne do outro como alimento. 325 Não se deve, de forma alguma, associar, como ocorreu
aqui e ali, concepções místicas a essa produtividade do trabalho na-turalmente desenvolvida. Só depois que a humanidade superou pelo
trabalho suas condições primitivas de animalidade e seu trabalho, por-tanto, já está até certo grau socializado, surgem condições em que o
mais-trabalho de um torna-se a condição de existência do outro. Nos primórdios da cultura, as forças produtivas de trabalho adquiridas são
mínimas, mas assim o são as necessidades, as quais se desenvolvem com os meios para satisfazê-las e em função deles. Além disso, naqueles
primórdios a proporção dos setores da sociedade que vivem do trabalho alheio é minúscula comparada com a massa dos produtores diretos.
Com o progresso da força produtiva social do trabalho essa proporção cresce de forma absoluta e relativa. 326 A relação capital, de resto, nasce
sobre um solo econômico que é produto de um longo processo de de-


OS ECONOMISTAS


140
324 "A mera existência dos patrões transformados em capitalistas, como classe especial, depende da produtividade do trabalho." (RAMSAY. An Essay on the Distribution
of Wealth. Edin-burgo.
1836. p 206.) "Se o trabalho de cada homem fosse suficiente apenas para produzir seu próprio alimento, não poderia haver propriedade." (RAVENSTONE, Op. cit., p.
14.)
325 Segundo um cálculo feito recentemente, apenas nas regiões da Terra já exploradas vivem ainda pelo menos 4 milhões de canibais.
326 "Entre os índios selvagens da América, quase tudo pertence ao trabalhador. Noventa e nove partes de 100 são postas na conta do trabalho. Na Inglaterra o trabalhador
não tem
talvez nem sequer 2/ 3." (The Advantages of the East India Trade etc., pp. 72, 73.)
136#
senvolvimento. A produtividade do trabalho preexistente, sobre a qual se fundamenta, não é um dom da Natureza, mas de uma história que
abrange milhares de séculos.
Abstraindo a forma mais ou menos desenvolvida da produção social, a produtividade do trabalho permanece ligada a condições na-turais.


Todas elas podem ser reduzidas à natureza do homem mesmo, como raça etc., e à Natureza que o rodeia. As condições naturais ex-ternas
dividem-se economicamente em duas grandes classes, riqueza natural de meios de subsistência, como fertilidade do solo, águas ricas
em peixe etc., e riqueza natural de meios de trabalho, como quedas de águas vivas, rios navegáveis, madeira, metais, carvão etc. Nos pri-mórdios
da cultura, a primeira espécie de riqueza natural é decisiva, em níveis mais altos de desenvolvimento, a segunda. Compare-se, por
exemplo, a Inglaterra com a Índia, ou, no mundo antigo, Atenas e Corinto com os países às margens do mar Negro.
Quanto menor o número das necessidades naturais a serem ab-solutamente satisfeitas e quanto maior a fertilidade natural do solo e
a excelência do clima, tanto menor o tempo de trabalho necessário para a manutenção e reprodução do produtor. Tanto maior, portanto,
pode ser o excedente de seu trabalho para outros, sobre aquele que realiza para si mesmo. Dessa forma, já observa Diodoro a respeito dos
antigos egípcios:
"É incrível quão pouco esforço e custos lhes impõe a criação de seus filhos. Cozinham-lhes a comida mais simples e mais fácil


de conseguir; dão-lhes também para comer a parte de baixo do caule do papiro, à medida que se possa tostá-la ao fogo, e as
raízes e talos de plantas dos pântanos, em parte crus, em parte cozidos e assados. A maioria das crianças anda sem sapatos e
sem roupas, já que o ar é muito ameno. Portanto, uma criança custa a seus pais, até que esteja adulta, ao todo não mais que
20 dracmas. Daí, pode-se explicar, principalmente, por que no Egito a população é tão numerosa e, em conseqüência, puderam-se
executar tantas grandes obras". 327
Contudo, as grandes obras dos antigos egípcios são devidas menos ao volume de sua população do que à grande proporção em


que estava disponível. Do mesmo modo como o trabalhador indivi-dual pode fornecer uma quantidade de mais-trabalho tanto maior
quanto menor for seu tempo de trabalho necessário, assim, quanto menor for a parte da população trabalhadora exigida para a produção
dos meios de subsistência necessários, tanto maior a parte dela dis-ponível para outras obras.


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141
327 SICULUS, Diodorus. Historische Bibliothek. Livro Primeiro. Cap. 80.
137#
Uma vez pressuposta a produção capitalista, com as demais cir-cunstâncias constantes e dada a duração da jornada de trabalho, variará
a grandeza do mais-trabalho com as condições naturais do trabalho, sobretudo também com a fertilidade do solo. Mas de modo algum se-gue-
se daí, inversamente, que o solo mais fértil é o mais apropriado para o crescimento do modo de produção capitalista. Este supõe o do-mínio
do homem sobre a Natureza. Uma Natureza demasiado pródiga "segura o homem pela mão como uma criança em andadeiras". Ela
não faz de seu próprio desenvolvimento uma necessidade natural. 328 Não é o clima tropical com sua exuberante vegetação, mas a zona
temperada, a pátria do capital. Não é a fertilidade absoluta do solo, mas sim sua diferenciação, a multiplicidade de seus produtos naturais,
que constitui a base natural da divisão social do trabalho e estimula o homem, pela mudança das condições naturais, dentro das quais ele
reside, à multiplicação de suas próprias necessidades, capacidades, meios de trabalho e modos de trabalho. A necessidade de controlar
socialmente uma força natural, de administrá-la, começando por apro-priá-la ou dominá-la mediante obras feitas pela mão do homem, de-sempenha
papel decisivo na história da indústria. Assim, por exemplo, a regulação das águas no Egito, 329 na Lombardia, Holanda etc. Ou na
Índia, Pérsia etc., onde a irrigação através de canais artificiais leva ao solo não apenas a água indispensável, mas, com a lama desta,
simultaneamente os adubos minerais das montanhas. O segredo do florescimento industrial da Espanha e da Sicília sob domínio árabe foi
a canalização. 330 A excelência das condições naturais fornece sempre apenas a


OS ECONOMISTAS


142
328 "Como a primeira" (a riqueza natural) "é muito nobre e vantajosa, torna o povo despreo-cupado, orgulhoso e dado a todos os excessos; a segunda, ao contrário,
desenvolve o cuidado,
a cultura, a perícia e a sabedoria política." (England's Treasure by Foreign Trade. Or the Balance of our Foreign Trade is the Rule of our Treasure. Written by Thomas
Mun of
London, Merchant, and now published for the common good by his son John Mun. Londres, 1669. pp. 181, 182.) "Também não posso imaginar nenhuma maldição pior, para
o conjunto
de um povo, do que ser posto sobre uma mancha de terra em que a produção dos meios de subsistência e alimentação ocorra em grande parte espontaneamente, e o clima
exija
ou permita pouco cuidado com vestimenta e moradia (...) é possível, certamente, também um extremo pelo outro lado. Um solo que apesar do trabalho não possa oferecer
nenhum
fruto é tão ruim como outro que sem trabalho produz ricamente." ([ FORSTER, N.] An Inquiry into the Present High Price of Provisions. Londres, 1767. p. 10.)
329 A necessidade de calcular os movimentos do Nilo gerou a astronomia egípcia e com ela o domínio da casta sacerdotal como dirigente da agricultura. "O solstício
é o momento do
ano em que começa a elevação do Nilo e que, portanto, os egípcios tinham de observar com maior cuidado. (...) Era o ano equinocial que eles precisavam fixar, para
orientarem-se
por ele em suas operações agrícolas. Eles tinham, portanto, de procurar no céu um sinal visível de sua volta." (CUVIER. Discours sur les Révolutions du Globe. Ed.
Hoefer, Paris,
1863. p. 141.) 330 Uma das bases materiais do poder do Estado sobre os pequenos e isolados organismos de
produção da Índia era a regulação do abastecimento de água. Os dominadores muçulmanos da Índia entendiam isso melhor que seus sucessores ingleses. Recordamo-nos
apenas da
fome de 1866, a qual custou a vida de mais de 1 milhão de indianos no distrito de Orissa, presidência de Bengala.
138#
possibilidade, jamais a realidade do mais-trabalho, portanto, da mais-valia ou do mais-produto. As diferentes condições naturais do trabalho
fazem com que a mesma quantidade de trabalho em países diferentes satisfaça a diferentes massas de necessidades, 331 de modo que, sob
circunstâncias em tudo mais análogas, o tempo de trabalho necessário é diferente. Sobre o mais-trabalho elas atuam somente como barreira
natural, isto é, mediante a determinação do ponto em que pode começar o trabalho para outros. Na mesma medida em que a indústria avança,
essa barreira natural recua. No seio da sociedade européia ocidental, onde o trabalhador adquire a permissão para trabalhar para seu próprio
sustento apenas em troca do mais-trabalho, imagina-se facilmente que seja uma qualidade inata do trabalho humano o fornecer um mais-produto.
332 Mas tome-se, por exemplo, o habitante das ilhas orientais
do arquipélago asiático, onde o sagu cresce naturalmente nas matas.


"Quando os habitantes, abrindo um buraco na árvore, se con-vencem de que a medula está madura, o tronco é derrubado e


dividido em vários pedaços, a medula é raspada, misturada com água e coada; obtém-se assim uma farinha de sagu, pronta para
ser utilizada. Uma árvore fornece geralmente 300 libras, e, em alguns casos, de 500 a 600 libras. Vai-se à floresta e corta-se
seu pão, como entre nós abate-se sua lenha." 333
Suponha-se que um desses cortadores de pão da Ásia oriental necessite de 12 horas de trabalho por semana para a satisfação de


todas as suas necessidades. O que a graça da Natureza lhe dá dire-tamente é muito tempo de ócio. Para que o utilize de forma produtiva
para si mesmo, toda uma série de circunstâncias históricas é requerida; para que o despenda como mais-trabalho para estranhos faz-se neces-sária
coação externa. Se fosse introduzida a produção capitalista, o pobre homem teria de trabalhar talvez 6 dias por semana para apro-priar-
se do produto de uma jornada de trabalho. A graça da Natureza não explica por que ele agora trabalha 6 dias por semana ou por que
ele fornece 5 dias de mais-trabalho. Ela explica apenas por que seu


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143
331 "Não existem dois países que forneçam o mesmo número de meios de subsistência necessários, na mesma abundância e com o mesmo dispêndio de trabalho. As necessidades
das pessoas
crescem ou diminuem com o rigor ou a suavidade do clima em que vivem, e, portanto, não pode ser igual a proporção da atividade produtiva que os habitantes dos diferentes
países
tenham de exercer necessariamente, e não se pode averiguar o grau de diferenciação a não ser pelo grau de calor e frio. Por isso, pode-se concluir, de modo geral,
que a quantidade
do trabalho exigido para a subsistência de certo número de pessoas é máximo em climas frios e mínimo nos quentes; naqueles as pessoas precisam não apenas de mais
roupas, mas
também o solo precisa ser mais bem cultivado do que nestes." (An Essay on the Governing Causes of the Natural Rate of Interest. Londres, 1750. p. 59.) O autor desse
escrito anônimo
que marcou época é J. Massie. Hume retirou daí sua teoria dos juros. 332 "Todo trabalho tem" (parece também pertencer aos droits e devoirs du citoyen) "de deixar
um excedente." (Proudhon.) 333 SCHOUW, F. Die Erde, die Pflanze und der Mensch. 2ª ed., Leipzig, 1854, p. 148.
139#
tempo de trabalho necessário é limitado a 1 dia por semana. Em ne-nhum caso porém seu mais-produto se origina de uma qualidade oculta,
inata, do trabalho humano. Da mesma forma que as forças produtivas do trabalho histori-camente
desenvolvidas, sociais, aparecem as condicionadas pela Natu-reza como forças produtivas do capital, ao qual o trabalho é incorporado.
Ricardo não se preocupa jamais com a origem da mais-valia. Ele a trata como algo inerente ao modo de produção capitalista, a seus
olhos a forma natural da produção social. Onde ele fala da produtividade do trabalho, não busca nela a causa da existência de mais-valia, mas
apenas a causa que determina sua grandeza. Em compensação, sua escola proclamou bem alto a força produtiva do trabalho como a causa
do surgimento do lucro (leia-se: mais-valia). Em todo caso, um progresso em relação aos mercantilistas, que por seu lado derivam o excedente
do preço dos produtos sobre seus custos de produção do intercâmbio, da venda acima de seu valor. Apesar disso, também a escola de Ricardo
apenas contornou o problema, não o solucionou. Na realidade, esses economistas burgueses intuíam corretamente que seria muito perigoso
penetrar a fundo na questão candente da origem da mais-valia. Que dizer porém quando, meio século depois de Ricardo, o Sr. John Stuart
Mill solenemente constata sua superioridade sobre os mercantilistas ao repetir mal os subterfúgios superados dos primeiros vulgarizadores
de Ricardo? Mill diz:
"A causa do lucro é que o trabalho produz mais do que é exigido para seu sustento".


Até aqui nada mais que a velha cantiga; Mill, porém, quer também acrescentar algo próprio:
"Ou para variar a forma da frase: a causa pela qual o capital fornece um lucro é que os alimentos, roupas, matérias-primas e
meios de trabalho duram um tempo mais longo do que o exigido para sua produção".


Mill confunde aqui a duração do tempo de trabalho com a duração de seus produtos. Segundo essa opinião, um padeiro, cujos produtos
duram apenas 1 dia, não poderia jamais retirar de seus trabalhadores assalariados o mesmo lucro que um construtor de máquinas, cujos
produtos duram 20 anos ou mais. Não obstante, se os ninhos dos pás-saros não resistissem mais tempo do que o necessário para sua cons-trução,
os pássaros teriam de se arranjar sem eles. Uma vez estabelecida essa verdade fundamental, Mill assinala
sua superioridade sobre os mercantilistas:
"Vemos, pois, que o lucro surge não do incidente das trocas, mas da força produtiva do trabalho: o lucro total de um país é


OS ECONOMISTAS


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140#
sempre determinado pela força produtiva do trabalho, haja in-tercâmbio ou não. Se não existisse a divisão das ocupações, não
haveria compras nem vendas, mas ainda assim lucro".
Intercâmbio, compra e venda, as condições gerais da produção capitalista, são aqui, pois, mero incidente e ainda assim existe o lucro,


sem compra e venda da força de trabalho! Prosseguindo:


"Se a totalidade dos trabalhadores de um país produz 20% acima da soma de seus salários, os lucros serão de 20%, qualquer
que seja o nível dos preços das mercadorias".
Por um lado, isso é uma tautologia extremamente bem lograda, pois, se os trabalhadores produzem mais-valia de 20% para seus ca-pitalistas,


os lucros, em relação ao salário total dos trabalhadores, estarão na razão de 20 : 100. Por outro lado, é absolutamente falso
que os lucros "serão de 20%". Os lucros têm de ser sempre menores, pois são calculados sobre a soma total do capital adiantado. O capita-lista,
por exemplo, adiantou 500 libras esterlinas, das quais 400 libras em meios de produção e 100 libras em salários. Se a taxa de mais-valia
for, como a admitida, de 20%, então a taxa de lucro será de 20 : 500, isto é, 4% e não 20%.
Segue uma brilhante prova de como Mill trata as diferentes for-mas históricas da produção social:


"Eu pressuponho, em toda parte, o atual estado de coisas que domina, com poucas exceções, por toda parte, ou seja, que o ca-pitalista
faz todos os adiantamentos, inclusive o pagamento do trabalhador".


Que rara ilusão óptica, a de ver por toda parte uma situação que até agora apenas excepcionalmente domina sobre a Terra! Conti-nuemos,
entretanto. Mill tem a bondade de admitir que "não é uma absoluta necessidade que assim o seja". 334 Ao contrário,


"o trabalhador poderia esperar o pagamento, mesmo de seu sa-lário inteiro, até que o trabalho esteja completamente pronto, se
ele tivesse os meios necessários para sua manutenção. Mas, nesse caso, ele seria em certa medida um capitalista, que põe capital


MARX


145
334 Em sua carta a N. F. Danielson de 28 de novembro de 1878, Marx propôs a seguinte versão deste texto: Segue uma brilhante prova de como Mill trata as diferentes
formas históricas
de produção social. "Eu pressuponho por toda parte", diz ele, "a situação atual das coisas, que com poucas exceções domina por toda parte, onde trabalhadores e capitalistas
opõem-se
uns aos outros como classes, isto é, que o capitalista faz todos os adiantamentos, inclusive o pagamento do trabalhador." O senhor Mill quer acreditar que não é
uma necessidade
absoluta que assim seja — mesmo no sistema econômico em que trabalhadores e capitalistas se contrapõem reciprocamente como classes. (N. da Ed. Alemã.)
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no negócio e que forneceria parte dos fundos necessários para sua continuação".
Da mesma forma, Mill poderia dizer que o trabalhador, o qual adianta para si mesmo não apenas os meios de subsistência, mas tam-bém
os meios de trabalho, seria em realidade seu próprio trabalhador assalariado. Ou que o camponês americano seria seu próprio escravo,
que labuta apenas para si próprio e não para um senhor alheio. Depois que Mill comprova claramente, dessa forma, que a pro-dução
capitalista, mesmo se não existisse, sempre existiria, é agora bastante conseqüente para provar que ela não existe, mesmo quando
existe:
"E mesmo no caso anterior" (quando o capitalista adianta ao trabalhador assalariado todos os meios de subsistência) "o tra-balhador


pode ser considerado sob o mesmo ponto de vista" (isto é, como um capitalista). "Pois, ao ceder seu trabalho abaixo do
preço de mercado (!) ele pode ser considerado como se adiantasse a diferença (?) a seu empresário etc". 335


Na realidade o trabalhador adianta, de fato, seu trabalho ao ca-pitalista durante uma semana etc. de graça, para no final da semana
etc. receber seu preço de mercado; isso faz dele, segundo Mill, um capitalista! Na planície, até montes de terra parecem colinas; que se
meça a trivialidade de nossa burguesia hodierna pelo calibre de seus "grandes espíritos".


OS ECONOMISTAS


146
335 MILL, J. St. Principles of Political Economy. Londres, 1868. pp. 252, 253, passim. — {As citações acima foram traduzidas segundo a edição francesa de O Capital
— F. E.}
142#
CAPÍTULO XV
Variação de Grandeza do Preço da Força de Trabalho e da Mais-Valia


O valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos meios de subsistência habitualmente necessários ao trabalhador mé-dio.
A massa desses meios de subsistência, ainda que sua forma possa variar, em determinada época de determinada sociedade, é
dada, podendo, portanto, ser tratada como uma grandeza constante. O que muda é o valor dessa massa. Dois outros fatores entram na
determinação do valor da força de trabalho. Por um lado, seus custos de desenvolvimento, que se modificam com o modo de produção; por
outro lado, sua diferença natural, se masculina ou feminina, se ma-dura ou imatura. A utilização dessas diferentes forças de trabalho,
por sua vez condicionada pelo modo de produção, acarreta grande diferença nos custos de reprodução da família trabalhadora e no
valor do trabalhador masculino adulto. Ambos os fatores, entretanto, ficam excluídos da investigação seguinte. 336
Suponhamos: 1) que as mercadorias sejam vendidas por seu valor, 2) que o preço da força de trabalho suba ocasionalmente acima de seu
valor, porém jamais caia abaixo dele. Uma vez suposto isso, verifica-se que as grandezas relativas do
preço da força de trabalho e da mais-valia são condicionadas por três circunstâncias: 1) a extensão da jornada de trabalho ou a grandeza
extensiva do trabalho; 2) a intensidade normal do trabalho ou sua grandeza intensiva, de modo que determinado quantum de trabalho é
despendido em determinado tempo; 3) finalmente, a força produtiva do trabalho, de tal forma que segundo o grau de desenvolvimento das


147
336 O caso tratado na p. 252 do v. I, t. 1 está naturalmente também excluído aqui. {Nota à 3ª edição. — F. E.}
143#
condições de produção o mesmo quantum de trabalho fornece no mesmo tempo um quantum maior ou menor de produto. Combinações muito
diferentes são evidentemente possíveis, conforme um dos três fatores seja constante e dois sejam variáveis, ou dois fatores constantes e um
variável, ou, por fim, os três sejam simultaneamente variáveis. Essas combinações são ainda multiplicadas pelo fato de que, com variação
simultânea de diferentes fatores, a grandeza e a direção da variação podem ser diferentes. A seguir são apresentadas apenas as combinações
principais.
I. Grandeza da jornada de trabalho e intensidade do trabalho constantes (dadas), força produtiva


do trabalho variável
Sob esse pressuposto, o valor da força de trabalho e a mais-valia são determinados por três leis.


Primeira: A jornada de trabalho de grandeza dada representa-se sempre no mesmo produto-valor, como quer que varie a produtividade
do trabalho, com ela a massa de produtos e, portanto, o preço da mer-cadoria individual.
O produto-valor de uma jornada de trabalho de 12 horas é, por exemplo, 6 xelins, embora a massa dos valores de uso produzidos varie
com a força produtiva do trabalho, distribuindo-se pois o valor de 6 xelins sobre mais ou menos mercadorias.
Segunda: O valor da força de trabalho e a mais-valia variam em sentido oposto. Variando a força produtiva do trabalho, seu acréscimo
ou decréscimo influi em razão inversa sobre o valor da força de trabalho e em razão direta sobre a mais-valia.
O produto-valor da jornada de trabalho de 12 horas é uma gran-deza constante, por exemplo, 6 xelins. Essa grandeza constante é igual
à soma da mais-valia mais o valor da força de trabalho, que o traba-lhador substitui por um equivalente. É evidente que, de duas partes
de uma grandeza constante, nenhuma pode crescer sem que a outra decresça. O valor da força de trabalho não pode subir de 3 para 4
xelins sem que a mais-valia caia de 3 para 2 xelins, e a mais-valia não pode subir de 3 para 4 xelins sem que o valor da força de trabalho
caia de 3 para 2 xelins. Sob essas circunstâncias, não é possível ne-nhuma mudança na grandeza absoluta, seja do valor da força de tra-balho,
seja da mais-valia, sem uma mudança simultânea de suas gran-dezas relativas ou proporcionais. É impossível que elas caiam ou subam
simultaneamente. Além disso, o valor da força de trabalho não pode cair, portanto
a mais-valia não pode subir, sem que a força produtiva do trabalho suba; por exemplo, no caso acima, o valor da força de trabalho não
pode cair de 3 xelins para 2 sem que a força produtiva aumentada permita produzir em 4 horas a mesma massa de meios de subsistência


OS ECONOMISTAS


148
144#
que antes exigia 6 horas para sua produção. Ao contrário, o valor da força de trabalho não pode subir de 3 para 4 xelins sem que a força
produtiva do trabalho caia, portanto, que sejam requeridas 8 horas para a produção da mesma massa de meios de subsistência para a
qual, antes, bastavam 6 horas. Segue-se daqui que o aumento na pro-dutividade do trabalho reduz o valor da força de trabalho e com isso
aumenta a mais-valia, enquanto, ao contrário, a diminuição da produ-tividade eleva o valor da força de trabalho e reduz a mais-valia.
Na formulação dessa lei, Ricardo deixou de ver uma circunstância:
apesar de uma mudança na grandeza da mais-valia ou do mais-trabalho
condicionar uma mudança contrária na grandeza do valor da força de
trabalho ou do trabalho necessário, não segue, de nenhuma forma, que
elas variem na mesma proporção. Seu aumento ou diminuição é da
mesma grandeza. A proporção porém em que aumenta ou diminui cada
uma das partes do produto-valor ou da jornada de trabalho depende
da divisão original, que havia antes da mudança na força produtiva
do trabalho. Se o valor da força de trabalho era de 4 xelins ou o tempo
de trabalho necessário de 8 horas, ou a mais-valia de 2 xelins ou o
mais-trabalho de 4 horas e em conseqüência do aumento da força pro-dutiva
do trabalho o valor da força de trabalho cai para 3 xelins ou o
trabalho necessário para 6 horas, então a mais-valia sobe para 3 xelins
ou o mais-trabalho para 6 horas. A mesma grandeza de 2 horas ou
de 1 xelim é acrescentada lá e retirada daqui. Mas a mudança pro-porcional
é diferente em ambos os lados. Enquanto o valor da força
de trabalho cai de 4 xelins para 3, portanto, em 1/ 4 ou 25%, a mais-valia
sobe de 2 xelins para 3, portanto em 1/ 2 ou 50%. Segue pois que o
aumento ou a diminuição proporcional da mais-valia, em virtude de
dada mudança na força produtiva do trabalho, é tanto maior quanto
menor e tanto menor quanto maior tiver sido originalmente a parte
da jornada de trabalho que se representa na mais-valia.
Terceira: O aumento ou a diminuição da mais-valia é sempre con-seqüência
e jamais causa do correspondente aumento ou diminuição do
valor da força de trabalho. 337
Como a jornada de trabalho é uma grandeza constante, se re-presenta
numa grandeza de valor constante, a cada variação da gran-


MARX


149
337 MacCulloch fez a esta terceira lei, entre outras, a insossa complementação de que a mais-valia pode aumentar, sem queda do valor da força de trabalho, pela supressão
dos impostos que
o capitalista tinha de pagar anteriormente. A supressão de tais impostos não altera abso-lutamente nada no quantum de mais-valia que o capitalista industrial extorque
diretamente
ao trabalhador. Ela modifica apenas a proporção em que o capitalista embolsa mais-valia ou precisa dividi-la com terceiros. Não altera, portanto, em nada a proporção
entre valor
da força de trabalho e mais-valia. A exceção de MacCulloch comprova, assim, apenas seu mau entendimento da regra, uma malheur que ocorre tão freqüentemente a ele
na vulga-rização
de Ricardo, como a J.-B. Say na vulgarização de A. Smith.
145#
deza da mais-valia corresponde uma variação de grandeza inversa do
valor da força de trabalho, e o valor da força de trabalho somente pode
variar variando a força produtiva do trabalho. Segue sob essas condi-ções,
evidentemente, que cada variação de grandeza da mais-valia surge
de uma variação de grandeza inversa no valor da força de trabalho.
Se portanto viu-se que não é possível nenhuma variação de grandeza
absoluta no valor da força de trabalho e da mais-valia sem uma variação
de suas grandezas relativas, então segue, agora, que nenhuma variação
de suas grandezas de valor relativas é possível sem uma variação na
grandeza de valor absoluta da força de trabalho.
Pela terceira lei, a variação da grandeza da mais-valia pressupõe
um movimento do valor da força de trabalho, causado pela variação
na força produtiva do trabalho. O limite daquela variação é dado pelo
novo limite do valor da força de trabalho. Podem, porém, mesmo se
as circunstâncias permitirem que a lei atue, realizar-se movimentos
intermediários. Se, por exemplo, em conseqüência do aumento da força
produtiva do trabalho, o valor da força de trabalho cai de 4 para 3
xelins ou o tempo de trabalho necessário de 8 para 6 horas, então o
preço da força de trabalho poderia cair apenas para 3 xelins e 8 pence,
3 xelins e 6 pence, 3 xelins e 2 pence etc., e a mais-valia portanto
poderia subir a apenas 3 xelins e 4 pence, 3 xelins e 6 pence, 3 xelins
e 10 pence etc. O grau da queda, cujo limite mínimo são 3 xelins,
depende do peso relativo que a pressão do capital, de um lado, e a
resistência do trabalhador, de outro, jogam no prato da balança.
O valor da força de trabalho é determinado pelo valor de deter-minado
quantum de meios de subsistência. O que muda com a força
produtiva do trabalho é o valor desses meios de subsistência, não sua
massa. A massa mesma, ao aumentar a força produtiva do trabalho,
pode crescer simultaneamente e na mesma proporção para capitalista
e trabalhador, sem nenhuma variação de grandeza entre preço da força
de trabalho e mais-valia. Sendo de 3 xelins o valor original da força
de trabalho e de 6 horas o tempo de trabalho necessário, sendo a
mais-valia também de 3 xelins ou o mais-trabalho de 6 horas, uma
duplicação na força produtiva do trabalho, com idêntica divisão da
jornada de trabalho, deixaria inalterados o preço da força de trabalho
e a mais-valia. Mas cada um deles representar-se-ia em duas vezes
tantos valores de uso relativamente barateados. Embora o preço da
força de trabalho permaneça o mesmo, ele teria subido acima de seu
valor. Se o preço da força de trabalho caísse não até o limite mínimo
de 1 1/ 2 xelim dado por seu novo valor, mas sim para 2 xelins e 10
pence, 2 xelins e 6 pence etc., esse preço decrescente representaria
ainda uma crescente massa de meios de subsistência. O preço da força
de trabalho poderia assim cair continuamente, ao crescer a força pro-


OS ECONOMISTAS


150
146#
dutiva do trabalho, com crescimento simultâneo contínuo da massa
dos meios de subsistência do trabalhador. Relativamente, porém, isto
é, comparado com a mais-valia, decresceria continuamente o valor da força de trabalho e ampliar-se-ia assim o abismo entre as condições


de vida do trabalhador e as do capitalista. 338
Ricardo foi o primeiro a formular, de modo estrito, as três leis
acima estabelecidas. Os defeitos de sua apresentação são: 1º, que ele
considera as condições particulares dentro das quais valem aquelas
leis como condições auto-evidentes, gerais e exclusivas da produção capitalista. Ele não conhece nenhuma variação nem da extensão da


jornada de trabalho nem da intensidade do trabalho, de modo que
para ele a produtividade do trabalho torna-se por si mesma o único
fator variável; 2º, mas — isto falsifica sua análise em grau muito mais
alto — ele investigou tão pouco quanto os demais economistas a mais-valia
como tal, isto é, independentemente de suas formas particulares,
como lucro, renda da terra etc. Ele confunde, portanto, as leis sobre a taxa da mais-valia com as leis sobre a taxa de lucro. Como já foi


dito, a taxa de lucro é a relação da mais-valia com o capital global
adiantado, enquanto a taxa de mais-valia é a relação da mais-valia
com a parte apenas variável desse capital. Suponhamos que um capital
de 500 libras esterlinas (C) se divide em matérias-primas, meios de
trabalho etc. (c), valendo em conjunto 400 libras esterlinas, e em 100 libras esterlinas, de salários (v); além disso a mais-valia = 100 libras


esterlinas (m).


Então, a taxa de mais valia m v = 100 libras esterlinas 100 libras esterlinas = 100%.


Mas a taxa de lucro m C = 100 libras esterlinas 500 libras esterlinas = 20%.
É óbvio além disso que a taxa de lucro pode depender de cir-cunstâncias, que de forma alguma afetam a taxa de mais-valia. Eu
provarei, mais tarde, no Livro Terceiro deste escrito, que a mesma
taxa de mais-valia pode expressar-se nas mais diferentes taxas de lucro,
e diferentes taxas de mais-valia, sob determinadas circunstâncias, na
mesma taxa de lucro.


MARX


151
338 "Se na produtividade da indústria tem lugar uma mudança, de modo que mediante uma quantidade dada de trabalho e capital produz-se mais ou menos, a proporção
dos salários
pode evidentemente variar, enquanto a quantidade que essa proporção representa permanece a mesma, ou a quantidade pode variar, enquanto a proporção permanece inalterada."
([ CA-ZENOVE,
J.] Outlines of Political Economy etc. p. 67.)
147#
II. Jornada de trabalho constante, força produtiva do trabalho constante, intensidade do trabalho variável
Intensidade crescente do trabalho supõe dispêndio ampliado de trabalho no mesmo espaço de tempo. A jornada de trabalho mais in-tensiva
corporifica-se, portanto, em mais produtos do que a menos intensiva, com igual número de horas. Com força produtiva aumentada,
em verdade a mesma jornada de trabalho fornece, também, mais pro-dutos. No último caso, porém, cai o valor do produto unitário, porque
custa menos trabalho que antes; no primeiro caso ele permanece inal-terado porque o produto, depois como antes, custa a mesma quantidade
de trabalho. O número de produtos, aqui, aumenta sem cair seu preço. Com seu número cresce a soma de seus preços, enquanto lá a mesma
soma de valor representa-se numa massa de produtos apenas aumen-tada. Para um número de horas constante, a jornada de trabalho mais
intensiva se corporifica pois em produto-valor mais alto, portanto, per-manecendo constante o valor do dinheiro, em mais dinheiro. Seu pro-duto-
valor varia com os desvios de sua intensidade do grau socialmente normal. A mesma jornada de trabalho não se representa, portanto,
num produto-valor constante, como antes, mas num produto-valor va-riável; a jornada de trabalho mais intensiva, de 12 horas, por exemplo,
em 7 xelins, 8 xelins etc., em vez de 6 xelins, como a jornada de trabalho de 12 horas de intensidade habitual. É claro: se varia o pro-duto-
valor da jornada de trabalho, digamos, de 6 para 8 xelins, ambas as partes desse produto-valor, preço da força de trabalho e a mais-valia,
podem crescer simultaneamente, seja em grau igual ou desigual. O preço da força de trabalho e a mais-valia podem ambos crescer ao
mesmo tempo de 3 para 4 xelins, se o produto-valor sobe de 6 para 8. Aumento do preço da força de trabalho não implica aqui, necessa-riamente,
elevação de seu preço acima de seu valor. Ele pode, pelo contrário, ser acompanhado por uma queda abaixo de seu valor. 339 Isso
ocorre sempre que o aumento do preço da força de trabalho não com-pensa seu desgaste acelerado.
Sabe-se que, com exceções transitórias, uma variação na produ-tividade do trabalho acarreta uma variação na grandeza do valor da
força de trabalho, e portanto na grandeza da mais-valia, somente se os produtos dos ramos industriais atingidos entram no consumo habi-tual
do trabalhador. Essa restrição desaparece aqui. Se a grandeza do trabalho muda extensiva ou intensivamente, sua mudança de grandeza
corresponde a uma mudança na grandeza de seu produto-valor, inde-pendente da natureza do artigo no qual esse valor se representa.
Se a intensidade do trabalho se elevasse em todos os ramos in-


OS ECONOMISTAS


152
339 Na 4ª edição: queda de seu valor. (N. da Ed. Alemã.)
148#
dustriais ao mesmo tempo e na mesma medida, o novo grau de inten-sidade mais alto tornar-se-ia o grau normal, socialmente habitual, e
cessaria com isso de ser contado como grandeza extensiva. Contudo mesmo então os graus médios de intensidade do trabalho das diversas
nações permaneceriam diferentes e modificariam, portanto, a aplicação da lei do valor às diversas jornadas nacionais de trabalho. A jornada
de trabalho mais intensiva de uma nação representa-se numa expressão monetária mais elevada que a da jornada menos intensiva das outras. 340


III. Força produtiva e intensidade do trabalho constantes. Jornada de trabalho variável


A jornada de trabalho pode variar em dois sentidos. Ela pode ser reduzida ou prolongada.


1) Redução da jornada de trabalho sob as condições dadas, isto é, força produtiva e intensidade do trabalho constantes, deixa inalterado
o valor da força de trabalho e portanto o tempo de trabalho necessário. Ela reduz o mais-trabalho e mais-valia. Com a grandeza absoluta desta
última cai também sua grandeza relativa, isto é, sua grandeza em relação à grandeza de valor constante da força de trabalho. Apenas
pelo rebaixamento de seu preço abaixo de seu valor poderia o capitalista evitar o prejuízo.
Todos os lugares-comuns contra a redução da jornada de trabalho supõem que o fenômeno ocorra sob as circunstâncias aqui pressupostas,
enquanto na realidade, ao contrário, variações na produtividade e in-tensidade do trabalho precedem a redução da jornada de trabalho ou
a sucedem imediatamente. 341
2) Prolongamento da jornada de trabalho: seja o tempo de trabalho necessário de 6 horas ou o valor da força de trabalho de 3 xelins,
assim como o mais-trabalho de 6 horas e a mais-valia de 3 xelins. A jornada de trabalho total perfaz, então, 12 horas e representa-se num
produto-valor de 6 xelins. Se a jornada de trabalho é prolongada em 2 horas e o preço da força de trabalho permanece inalterado, então
cresce com a grandeza absoluta da mais-valia sua grandeza relativa. Embora a grandeza de valor da força de trabalho permaneça absolu-tamente
inalterada, cairá relativamente. Sob as condições de I, a gran-


MARX


153
340 "Sendo as demais condições as mesmas, o fabricante inglês pode extrair em determinado tempo uma quantidade consideravelmente maior de trabalho que um fabricante
estrangeiro,
suficiente para compensar a diferença entre as jornadas de trabalho de 60 horas semanais aqui e de 72 até 80 horas alhures. (Reports of Insp. of Fact. for 31st Oct.
1855. p. 65.)
Maior redução legal da jornada de trabalho nas fábricas continentais seria o meio infalível para a redução dessa diferença entre a hora de trabalho continental e
a inglesa.
341 "Existem circunstâncias compensadoras (...) que, por meio da execução da lei das 10 horas, foram trazidas à luz." (Reports of Insp. of Fact. for 31st October
1848. p. 7.)
149#
deza de valor relativa da força de trabalho não podia variar sem uma variação em sua grandeza absoluta. Aqui, ao contrário, a variação re-lativa
de grandeza no valor da força de trabalho é o resultado de uma variação absoluta de grandeza da mais-valia.
Visto que o produto-valor, no qual a jornada de trabalho se representa, cresce com o próprio prolongamento desta, o preço da
força de trabalho e a mais-valia podem crescer simultaneamente com incremento igual ou desigual. Esse crescimento simultâneo é
portanto possível em dois casos, a saber, com prolongamento absoluto da jornada de trabalho e com intensidade crescente do trabalho,
sem tal prolongamento. Com a jornada de trabalho prolongada, o preço da força de tra-balho
pode cair abaixo de seu valor, embora nominalmente permaneça inalterado ou mesmo suba. É que o valor diário da força de trabalho,
como será lembrado, é calculado sobre sua duração média, ou seja, sobre a duração normal da vida de um trabalhador e sobre uma cor-respondente
transformação normal, ajustada à natureza humana, de substância vital em movimento. 342 Até certo ponto, o desgaste maior
de força de trabalho, inseparável do prolongamento da jornada de tra-balho, pode ser compensado por maior restauração. Além desse ponto,
o desgaste cresce em progressão geométrica e ao mesmo tempo todas as condições normais de reprodução e atuação da força de trabalho
são destruídas. O preço da força de trabalho e o grau de sua exploração deixam de ser grandezas comensuráveis.


IV. Variações simultâneas de duração, força produtiva e intensidade do trabalho


Aqui evidentemente é possível grande número de combinações. Cada dois fatores podem variar e um permanecer constante, ou os três
podem variar simultaneamente. Eles podem variar em grau igual ou desigual, em direção igual ou contrária, compensando-se, portanto, suas
variações em parte ou totalmente. Sem embargo, a análise de todos os casos, após os resultados obtidos em I, II e III, é fácil. Encontra-se
o resultado de cada combinação possível considerando-se, um a um, cada fator como variável e os outros inicialmente como constantes.
Tomamos aqui, portanto, conhecimento sumário de apenas dois casos importantes.


1) Força produtiva decrescente do trabalho com prolongamento simultâneo da jornada de trabalho:


OS ECONOMISTAS


154
342 "A quantidade de trabalho que um homem executou no decorrer de 24 horas pode ser determinada, aproximadamente, por meio de uma investigação das mudanças químicas
que tiveram lugar em seu corpo, pois formas mudadas na matéria indicam a tensão anterior da força motriz." (GROVE. On the Correlation of Phisical Forces [pp. 308-309].)
150#
Quando falamos aqui da força produtiva decrescente do trabalho, trata-se de ramos de trabalho cujos produtos determinam o valor da
força de trabalho, assim, por exemplo, de força produtiva decrescente do trabalho em conseqüência da crescente esterilidade do solo e o cor-respondente
encarecimento dos produtos do solo. Seja a jornada de trabalho de 12 horas, seu produto-valor de 6 xelins, dos quais metade
reponha o valor da força de trabalho e metade constitua a mais-valia. A jornada de trabalho decompõe-se, assim, em 6 horas de trabalho
necessário e 6 horas de mais-trabalho. Em conseqüência do encareci-mento dos produtos do solo suponhamos que suba o valor da força de
trabalho de 3 para 4 xelins, portanto o tempo de trabalho necessário de 6 para 8 horas. Se a jornada de trabalho permanecer inalterada,
o mais-trabalho cai, então, de 6 para 4 horas, a mais-valia, de 3 para 2 xelins. Se a jornada de trabalho for prolongada em 2 horas, isto é,
de 12 para 14 horas, o mais-trabalho continuará sendo de 6 horas, a mais-valia de 3 xelins, mas sua grandeza cai em comparação com o
valor da força de trabalho, medido pelo trabalho necessário. Se a jornada de trabalho for prolongada em 4 horas, de 12 para 16 horas, as gran-dezas
proporcionais da mais-valia e do valor da força de trabalho, do mais-trabalho e do trabalho necessário permanecerão inalteradas, mas
a grandeza absoluta da mais-valia crescerá de 3 para 4 xelins, a do mais-trabalho de 6 para 8 horas de trabalho, portanto de 1/ 3 ou 33
1/ 3%. Com força produtiva do trabalho em decréscimo e prolongamento simultâneo da jornada de trabalho, a grandeza absoluta da mais-valia
pode, portanto, permanecer inalterada, enquanto cai sua grandeza pro-porcional; sua grandeza proporcional pode permanecer inalterada, en-quanto
sua grandeza absoluta cresce e, conforme o grau do prolonga-mento, ambas podem crescer.
No período de 1799 até 1815, os crescentes preços dos meios de subsistência na Inglaterra acarretaram um aumento nominal dos sa-lários,
apesar de os salários reais, expressos em meios de subsistência, caírem. Disso concluíram West e Ricardo que a diminuição da produ-tividade
do trabalho agrícola teria causado uma queda da taxa de mais-valia e fizeram dessa suposição, válida somente em suas fantasias,
um ponto de partida para importantes análises sobre a proporção da grandeza relativa do salário, lucro e renda da terra. Mas, graças à
aumentada intensidade do trabalho e do prolongamento forçado do tempo de trabalho, a mais-valia então tinha crescido absoluta e
relativamente. Foi esse o período no qual o desmedido prolongamento da jornada de trabalho adquiriu direito de cidadania, 343 período ca-


MARX


155
343 "Trigo e trabalho raramente coincidem inteiramente; existe, entretanto, um limite evidente, além do qual não podem ser separados. Os esforços extraordinários
das classes trabalhadoras
em épocas de carestia, que acarretam o retrocesso dos salários, mencionado nos depoimentos" (a saber, perante as comissões parlamentares de inquérito de 1814/ 15)
"são muito meritórios
151#
racterizado especialmente pelo aumento acelerado aqui do capital, lá do pauperismo. 344
2) Intensidade e força produtiva do trabalho crescentes com si-multânea redução da jornada de trabalho:
A força produtiva do trabalho aumentada e sua crescente inten-sidade atuam uniformemente em um mesmo sentido. Ambas ampliam
a massa de produtos elaborada em cada período de tempo. Ambas reduzem, pois, a parte da jornada de trabalho de que o trabalhador
precisa para a produção de seus meios de subsistência ou seu equiva-lente. O limite mínimo absoluto da jornada de trabalho é constituído,
em geral, por esse seu componente necessário, porém contraível. Se toda a jornada de trabalho se atrofiasse até esse limite, desapareceria
o mais-trabalho, o que, sob o regime capitalista, é impossível. A su-pressão da forma de produção capitalista permite limitar a jornada de
trabalho ao trabalho necessário. Entretanto, permanecendo constantes as demais circunstâncias, este último ampliaria seu espaço. Por um
lado, porque as condições de vida do trabalhador tornar-se-iam mais ricas e suas exigências vitais maiores. Por outro, porque parte do atual
mais-trabalho contaria como trabalho necessário, a saber, o trabalho necessário para a criação de um fundo social de reserva e acumulação.
Quanto mais cresce a força produtiva do trabalho, tanto mais pode ser reduzida a jornada de trabalho, e, quanto mais é reduzida a
jornada de trabalho, tanto mais pode crescer a intensidade do trabalho. Socialmente considerada, a produtividade do trabalho cresce também
com sua economia. Esta inclui não apenas o economizar meios de pro-


OS ECONOMISTAS


156
para o indivíduo e favorecem seguramente o crescimento do capital. Mas ninguém com sentimentos humanos pode desejar que esses esforços continuem sem redução nem
inter-rupção.
Eles são altamente admiráveis como remédio temporário; porém, se se realizassem sempre teriam o mesmo efeito que uma população premida até os limites últimos em
relação à sua subsistência." (MALTHUS. Inquiry into the Nature and Progress of Rent. Londres, 1815. p. 48, nota.) Malthus merece aqui toda a honra por colocar ênfase
no
prolongamento da jornada de trabalho, também diretamente tratado em outro lugar de seu panfleto, enquanto Ricardo e outros, em face dos fatos mais gritantes, tomam
por base
de todas as suas investigações a grandeza constante da jornada de trabalho. Mas os inte-resses conservadores, aos quais servia Malthus, impediam-no de ver que o
desmesurado
prolongamento da jornada de trabalho, juntamente com um extraordinário desenvolvimento da maquinaria e a exploração do trabalho feminino e infantil, tornava "excedente"
grande
parte da classe trabalhadora, nomeadamente tão logo cessaram a demanda de guerra e o monopólio inglês do mercado mundial. Era, naturalmente, muito mais cômodo e
muito
mais adequado aos interesses das classes dominantes, que Malthus de modo autenticamente clerical idolatrava, explicar essa "superpopulação" a partir das eternas
leis da Natureza
do que a partir de leis naturais, apenas históricas, da produção capitalista. 344 "Uma das causas fundamentais do crescimento do capital durante a guerra estava
nos
maiores esforços e talvez também nas maiores privações das classes trabalhadoras, que em toda sociedade são as mais numerosas. Devido à indigência de sua situação,
mais
mulheres e mais crianças necessitavam aceitar trabalho; e aqueles que antes já eram trabalhadores foram obrigados pela mesma razão a consagrar maior parte de seu
tempo
ao aumento da produção." (Essays on Political Econ. in which are Illustrated the Principal Causes of the Present National Distress. Londres, 1830. p. 248.)
152#
dução, mas também evitar todo trabalho inútil. Enquanto o modo de produção capitalista impõe economia em todo negócio individual, seu
sistema anárquico da concorrência produz o mais desmesurado des-perdício dos meios de produção sociais e das forças de trabalho, ao
lado de inúmeras funções agora indispensáveis, mas em si e para si supérfluas.
Dadas a intensidade e a força produtiva do trabalho, a parte da jornada social de trabalho necessária para a produção material será
tanto mais curta e, portanto, tanto mais longa a parte do tempo con-quistado para a livre atividade espiritual e social dos indivíduos, quanto
mais eqüitativamente for distribuído o trabalho entre todos os membros capacitados da sociedade, e quanto menos uma camada social puder
eximir-se da necessidade natural do trabalho, lançando-a sobre outra camada. O limite absoluto para a redução da jornada de trabalho é,
por esse lado, a generalização do trabalho. Na sociedade capitalista, tempo livre é produzido para uma classe mediante a transformação
de todo o tempo de vida das massas em tempo de trabalho.


MARX


157
153#
CAPÍTULO XVI
Diferentes Fórmulas para a Taxa de Mais-Valia


Viu-se que a taxa de mais-valia representa-se nas fórmulas:
I.
Mais valia
Capital variável
m
v =
Mais valia
Valor da força de trabalho =
Mais trabalho
Trabalho necessário


As duas primeiras fórmulas apresentam como relação de va-lores o que a terceira apresenta como relação dos tempos durante
os quais esses valores são produzidos. Essas fórmulas intersubsti-tuíveis são conceitualmente estritas. Pode-se portanto encontrá-las,
quanto a seu conteúdo, na Economia Política clássica, porém não conscientemente elaboradas. Nesta, ao contrário, encontramos as
seguintes fórmulas derivadas:
II.
Mais trabalho
Jornada de trabalho =
Mais valia
Valor produto =
Mais produto
Produto global


Aqui a mesma proporção é expressa alternadamente sob a forma de uma relação entre tempos de trabalho, entre valores nos quais eles
se corporificam, ou entre produtos nos quais esses valores existem. É suposto, naturalmente, que por valor do produto entende-se apenas o
produto-valor da jornada de trabalho, a parte constante do valor-pro-duto porém sendo excluída.
Em todas essas fórmulas o grau real de exploração do trabalho ou a taxa de mais-valia é expresso de modo falso. Seja a jornada de
trabalho de 12 horas. Com os demais pressupostos de nosso exemplo
159
154#
anterior, o grau real de exploração do trabalho se apresenta, nesse
caso, nas proporções:


6 horas de mais trabalho
6 horas de trabalho necessário =
Mais valia de 3 xelins
Capital variável de 3 xelins = 100%


Segundo as fórmulas I e II, obtemos, ao contrário:
6 horas de mais trabalho
Jornada de trabalho de 12 horas =
Mais valia de 3 xelins
Produto valor de 6 xelins = 50%


Essas fórmulas derivadas expressam, na realidade, a proporção
na qual a jornada de trabalho ou seu produto-valor se divide entre
capitalista e trabalhador. Portanto, se elas fossem válidas como ex-pressões
diretas do grau de autovalorização do capital, valeria a falsa
lei: O mais-trabalho ou a mais-valia não pode jamais alcançar 100%. 345
Visto que o mais-trabalho constitui sempre uma parte alíquota da jor-nada
de trabalho ou a mais-valia sempre uma parte alíquota do pro-duto-
valor, o mais-trabalho é necessariamente sempre menor do que
a jornada de trabalho ou a mais-valia é sempre menor do que o pro-duto-


valor. Para relacionarem-se na proporção 100 100 , porém, teriam de
ser iguais. Para que o mais-trabalho absorvesse toda a jornada de
trabalho (trata-se aqui da jornada média da semana de trabalho, do
ano de trabalho etc.), o trabalho necessário teria de cair a zero. De-saparecendo,
porém, o trabalho necessário, desaparecerá também o
mais-trabalho, visto que este último é apenas uma função do primeiro.


A proporção Mais trabalho Jornada de trabalho = Mais valia Produto valor não pode jamais


OS ECONOMISTAS


160
345 Assim, por exemplo, em Dritter Brief an v. Kirchmann von Rodbertus. Widerlegung der Ricardo'schen Theorie von der Grundrente und Begruendungeiner neuen Rententheorie.
Ber-lim,
1851. Voltarei mais tarde a esse escrito, que apesar de sua falsa teoria da renda da terra revela a essência da produção capitalista. {Aditamento à 3ª edição. —
Vê-se aqui
com quanta boa vontade Marx julgava seus antecessores, tão logo ele encontrava neles um progresso real, um pensamento novo correto. No meio tempo a publicação das
cartas de
Rodbertus a Rud. Meyer em certa medida restringiu o reconhecimento acima. Lê-se aí: "Precisa-se salvar o capital não apenas perante o trabalho, mas também perante
si mesmo,
e isso se faz, de fato, da melhor forma quando se concebem as atividades do empresário-capitalista como funções econômicas sociais e estatais, que lhe são delegadas
mediante a
propriedade do capital, e seu lucro como uma forma de ordenado, pois nós não conhecemos ainda outra organização social. Ordenados, porém, podem ser regulados e também
reduzidos
quando tiram demais dos salários. Assim, a irrupção de Marx na sociedade — quero assim denominar seu livro — deve ser repelida. (...) Em geral, o livro de Marx não
é tanto uma
investigação sobre o capital como uma polêmica contra a forma hodierna do capital, que ele confunde com o próprio conceito de capital, de onde surgem portanto seus
erros". (Briefe
etc. von Dr. Rodbertus-Jagetzow. Editado por Dr. Rud. Meyer, Berlim, 1881. t. I, p. 111. 48ª Carta de Rodbertus.) Em tais lugares-comuns ideológicos afundaram os
primeiros im-pulsos,
de fato corajosos, das "cartas sociais" de Rodbertus. — F. E.}
155#
alcançar o limite de 100 100 e muito menos subir a 100 + x 100 . Mas sim a
taxa da mais-valia ou o grau real de exploração de trabalho. Tomemos, por exemplo, a estimativa do sr. L. de Lavergne, segundo a qual o


trabalhador agrícola inglês somente recebe 1/ 4, ao passo que o capi-talista (arrendatário) recebe 3/ 4 do produto 346 ou de seu valor, como
quer que o butim se divida depois entre capitalista e proprietário da terra etc. O mais-trabalho do trabalhador rural inglês se relaciona
portanto com seu trabalho necessário na proporção de 3 : 1, uma taxa percentual de exploração de 300%.
O método da escola de considerar a jornada de trabalho uma grandeza constante foi reforçado pela utilização das fórmulas II, porque
compara-se aqui o mais-trabalho sempre com uma jornada de trabalho de grandeza dada. O mesmo ocorre quando se enfoca exclusivamente
a divisão do produto-valor. A jornada de trabalho que já se objetivou num produto-valor é sempre uma jornada de trabalho cujos limites
são dados. A representação de mais-valia e valor da força de trabalho como
frações do produto-valor — um modo de representação que decorre, de resto, do próprio modo de produção capitalista e cujo significado
será explorado mais tarde — esconde o caráter específico da relação capital, a saber, o intercâmbio do capital variável com a força de tra-balho
viva e a correspondente exclusão do trabalhador do produto. Apresenta-se, em seu lugar, a falsa aparência de uma relação associa-tiva
na qual o trabalhador e o capitalista partilham o produto conforme a proporção de seus diferentes fatores constituintes. 347
De resto, as fórmulas II são sempre retransformáveis nas fór-mulas
I. Se temos, por exemplo, Mais trabalho de 6 horas Jornada de trabalho de 12 horas , então
o tempo de trabalho necessário = jornada de trabalho de 12 horas menos o mais-trabalho de 6 horas resulta, assim:


Mais trabalho de 6 horas
Trabalho necessário de 6 horas =
100
100


Uma terceira fórmula, que oportunamente já antecipei, é:


MARX


161
346 A parte do produto que apenas repõe o capital constante despendido é evidentemente sub-traída nesse cálculo. — O sr. L. de Lavergne, cego admirador da Inglaterra,
dá uma proporção
antes baixa que alta. 347 Como todas as formas desenvolvidas do processo de produção capitalista são formas de
cooperação, nada é mais fácil, naturalmente, que abstrair seu caráter especificamente an-tagônico e transformá-las assim quimericamente em formas livres de associação,
como o
faz o Conde A. de Laborde em De l'Esprit de l'Association dans tous les Intérêts de la Communauté. Paris. 1818. O ianque H. Carey consegue essa proeza com o mesmo
sucesso,
oportunamente, para as relações do sistema escravagista.
156#
Mais valia
Valor da força de trabalho =
Mais trabalho
Trabalho necessário =
Trabalho não pago
Trabalho pago


O mal-entendido, ao qual a fórmula Trabalho não pago Trabalho pago poderia
conduzir, de que o capitalista pagaria o trabalho e não a força de trabalho, é eliminado pelo que foi exposto anteriormente.


Trabalho não pago
Trabalho pago é apenas a expressão mais popular para Mais trabalho


Trabalho necessário . O capitalista paga o valor, respectivamente o pre-ço, que dele diverge, da força de trabalho, e recebe em troca a disposição
sobre a própria força de trabalho viva. Seu usufruto dessa força de trabalho decompõe-se em dois períodos. Durante um período, o traba-lhador
produz apenas um valor = valor de sua força de trabalho, por-tanto, apenas um equivalente. Pelo preço adiantado da força de trabalho
o capitalista recebe assim um produto de mesmo preço. É como se ele comprasse o produto já pronto no mercado. No período do mais-trabalho,
ao contrário, o usufruto da força de trabalho gera valor para o capi-talista, sem custar a ele nenhum substituto de valor. 348 Ele obtém essa
realização da força de trabalho de graça. Nesse sentido o mais-trabalho pode chamar-se de trabalho não-pago.
O capital é, portanto, não apenas comando sobre trabalho, como diz A. Smith. Ele é essencialmente comando sobre trabalho não-pago.
Toda mais-valia, qualquer que seja a forma particular de lucro, renda etc., em que ela mais tarde se cristalize, é, segundo sua substância,
materialização de tempo de trabalho não-pago. O segredo da autova-lorização do capital se resolve em sua disposição sobre determinado
quantum de trabalho alheio não-pago.


OS ECONOMISTAS


162
348 Embora os fisiocratas não tenham decifrado o segredo da mais-valia, era-lhes, entretanto, claro que ela "é uma riqueza independente e disponível que ele" (o
proprietário desta) "não
comprou e que vende", (TURGOT. Réflexions sur la Formation et la Distribution des Ri-chesses. p. 11.)
157#
SEÇÃO VI
O SALÁRIO
158#
CAPÍTULO XVII
Transformação do Valor, Respectivamente do Preço da Força de Trabalho, em Salário


Na superfície da sociedade burguesa, o salário do trabalhador aparece como preço do trabalho, como um quantum determinado de
dinheiro pago por um quantum determinado de trabalho. Fala-se aqui do valor do trabalho e chama-se sua expressão monetária de seu preço
necessário ou natural. Por outro lado, fala-se dos preços de mercado do trabalho, isto é, dos preços que oscilam abaixo ou acima de seu
preço necessário. Mas o que é o valor de uma mercadoria? Forma objetiva do tra-balho
social despendido em sua produção. E mediante o que medimos a grandeza de seu valor? Mediante a grandeza do trabalho contido
nela. Mediante o que seria, pois, determinado o valor, por exemplo, de uma jornada de trabalho de 12 horas? Mediante as 12 horas de
trabalho contidas numa jornada de trabalho de 12 horas, o que é uma insípida tautologia. 349
Para ser vendido no mercado como mercadoria, o trabalho, pelo menos, tem de existir antes de ser vendido. Mas, se o trabalhador


165
349 "Ricardo, bastante engenhoso, evita uma dificuldade, que à primeira vista parece opor-se à sua teoria, a saber, de que o valor depende da quantidade de trabalho
empregada na
produção. Atendo-se estritamente a esse princípio, segue que o valor do trabalho depende da quantidade de trabalho despendida em sua produção — o que é evidentemente
um
absurdo. Por isso Ricardo, mediante hábil manobra, faz o valor do trabalho depender da quantidade de trabalho exigida para a produção do salário: ou, para falarmos
com suas
próprias palavras, afirma que o valor do trabalho deve ser estimado pela quantidade de trabalho necessária para produzir o salário, referindo-se com isso à quantidade
de trabalho
necessária à produção do dinheiro ou da mercadoria que são dados ao trabalhador. Do mesmo modo, poder-se-ia dizer que o valor do pano não é estimado pela quantidade
de
trabalho empregada em sua produção, mas sim pela quantidade de trabalho empregada na produção da prata pela qual se troca o pano."([ BAILEY, S.] A Critical Dissertation
on
the Nature etc. of Value. pp. 50-51.)
159#
pudesse dar-lhe existência independente, então ele venderia mercadoria e não trabalho. 350
Abstraindo essas contradições, uma troca direta de dinheiro, isto é, de trabalho objetivado, por trabalho vivo, ou anularia a lei do valor,
que apenas com base na produção capitalista se desenvolve livremente, ou anularia a própria produção capitalista, que repousa precisamente
no trabalho assalariado. A jornada de trabalho de 12 horas, por exem-plo, se representa num valor monetário de 6 xelins. Se se trocam equi-valentes,
o trabalhador receberá 6 xelins por trabalho de 12 horas. O preço de seu trabalho seria igual ao preço de seu produto. Nesse caso,
não produziria nenhuma mais-valia para o comprador de seu trabalho, os 6 xelins não se transformariam em capital e desapareceria a base
da produção capitalista; é mais precisamente sobre essa base que ele vende seu trabalho e seu trabalho é trabalho assalariado. Ou ele recebe,
por 12 horas de trabalho, menos de 6 xelins, isto é, menos de 12 horas de trabalho. Doze horas de trabalho se trocam por 10 ou 6 horas de
trabalho etc. Essa equiparação de grandezas desiguais não anula ape-nas a determinação do valor. Tal contradição anula a si mesma e não
pode ser pronunciada nem formulada ao todo como lei. 351 De nada serve deduzir a troca de mais por menos trabalho a
partir da diferença de forma, do fato de que em um caso ele está objetivado, no outro, está vivo. 352 Isso é tanto mais absurdo pelo fato
de o valor de uma mercadoria não ser determinado pelo quantum de trabalho realmente objetivado nela, mas pelo quantum de trabalho
vivo necessário para produzi-la. Suponhamos que uma mercadoria re-presente 6 horas de trabalho. Se surgem invenções que permitem pro-duzi-
la em 3 horas, cairá também pela metade o valor da mercadoria já produzida. Ela representa agora 3 horas de trabalho social necessário,
em vez de 6 como antes. É portanto o quantum de trabalho exigido para sua produção e não sua forma objetivada que determina sua gran-deza
de valor.


OS ECONOMISTAS


166
350 "Embora chameis o trabalho de mercadoria, não é ele igual a uma mercadoria que é primeiro produzida com o objetivo da troca e depois levada ao mercado, onde
se troca por outras
mercadorias que nessa ocasião se encontram no mercado em proporção adequada; o trabalho é criado no momento em que é levado ao mercado, na verdade é levado ao mercado
antes
de ser criado." (Observations on Some Verbal Disputes etc, pp. 75-76.) 351 "Se se considera o trabalho uma mercadoria e o capital, produto do trabalho, outra, e
se os valores dessas duas mercadorias forem determinados por quantidades iguais de trabalho, então dada quantidade de trabalho (...) trocar-se-á por tal quantidade
de
capital, que tenha sido produzido pela mesma quantidade de trabalho; trabalho passado trocar-se-ia (...) pela mesma quantidade de trabalho presente. Mas o valor
do trabalho,
em relação a outras mercadorias (...) não é pois determinado por quantidades iguais de trabalho." (E. G. Wakefield em sua edição de A. Smith Wealth of Nations. Londres,
1835. v. I, pp. 230-231, nota.) 352 "Dever-se-ia acordar" (também uma versão do contrat social) "que sempre que se troque
trabalho realizado por trabalho a realizar, o último" (le capitaliste) "teria de receber um valor maior que o primeiro" (le travailleur). (SISMONDE (isto é, Sismondi).
De la Richesse
Commerciale. Genebra, 1803. t. I, p. 37.)
160#
O que se defronta diretamente ao possuidor de dinheiro, no mer-cado, não é, de fato, o trabalho, mas o trabalhador. O que este último
vende é sua força de trabalho. Tão logo seu trabalho realmente começa esta já deixou de pertencer-lhe e portanto não pode mais ser vendida
por ele. O trabalho é a substância e a medida imanente dos valores, mas ele mesmo não tem valor. 353
Na expressão "valor do trabalho", o conceito de valor não está apenas inteiramente apagado, mas convertido em seu contrário. É uma
expressão imaginária como, por exemplo, valor da terra. Essas expres-sões imaginárias surgem, entretanto, das próprias condições de pro-dução.
São categorias para formas em que se manifestam condições essenciais. Que na aparência as coisas se apresentam freqüentemente
invertidas, é conhecido em quase todas as ciências, exceto na Economia Política. 354
A Economia Política clássica tomou de empréstimo à vida coti-diana, sem maior crítica, a categoria "preço do trabalho", para pergun-tar-
se, depois, como se determina esse preço. Reconheceu logo que a variação da relação entre procura e oferta nada esclarece a respeito
do preço do trabalho, assim como do que qualquer outra mercadoria, além de sua variação, isto é, a oscilação dos preços de mercado abaixo
ou acima de certa grandeza. Se procura e oferta coincidem, cessa, per-manecendo as demais circunstâncias constantes, a oscilação de preço.
Mas, então, procura e oferta cessam também de explicar qualquer coisa. O preço do trabalho, quando procura e oferta coincidem, é seu preço
natural, determinado independentemente da relação entre procura e oferta, preço que, desse modo, se tornou o objeto que, na verdade,
deveria ser analisado. Ou se tomou um período mais longo de oscilações do preço de mercado, por exemplo, um ano, e verificou-se, então, que
suas altas e baixas se compensam, produzindo uma grandeza média, uma grandeza constante. Essa grandeza tinha, naturalmente, de ser


MARX


167
353 "O trabalho, medida exclusiva do valor (...) o criador de toda riqueza, não é mercadoria." (HODGSKIN, Th. Op. cit., p. 186.)
354 Explicar tais expressões como mera licentia poetica apenas revela a impotência da análise. Contra a frase de Proudhon: "Diz-se do trabalho que ele tem valor
não como mercadoria
propriamente dita, mas com vista aos valores que se supõem potencialmente nele contidos. O valor do trabalho é uma expressão figurada etc.", observo, por isso: "Na
mercadoria
trabalho, que é uma terrível realidade, ele vê apenas uma elipse gramatical. Em confor-midade com isso, toda a sociedade hodierna, baseada sobre o caráter mercantil
do trabalho,
é a partir de agora uma licença poética, baseada sobre uma expressão figurada. Se a sociedade quiser eliminar todos os 'inconvenientes' sob os quais tem de sofrer,
pois que
elimine as expressões malsonantes, que mude a linguagem, e para isso só precisa dirigir-se à Academia pedindo nova adição de seu dicionário". (MARX, K. Misère de
la Philosophie.
pp. 34-35.) Mais cômodo ainda, naturalmente, é não entender de valor coisa alguma. Pode-se então sem dificuldade incluir nessa categoria tudo. Assim, por exemplo,
J.-B. Say. O que
é Valeur? Resposta: "O valor de uma coisa expresso em dinheiro". E por que tem "o trabalho da terra (...) um valor? Porque se lhe reconhece um preço". Portanto,
valor é o que uma
coisa vale, e a terra tem "valor", porque se "expressa" seu valor "em dinheiro". Esse é, em todo caso, um método muito simples de se entender sobre o why e wherefore
das coisas.
161#
determinada de outro modo, e não pelas oscilações compensatórias ao redor dela mesma. Esse preço que predomina sobre os preços casuais
do trabalho no mercado e os regula, o "preço necessário" (fisiocratas) ou o "preço natural" do trabalho (Adam Smith), só pode ser, como o
das outras mercadorias, seu valor expresso em dinheiro. Desse modo, a Economia Política acreditava chegar, por meio dos preços casuais do
trabalho, a seu valor. Assim como com as outras mercadorias, esse valor era determinado, em seguida, pelos custos de produção. Mas o
que são os custos de produção — do trabalhador, isto é, os custos para produzir ou reproduzir o próprio trabalhador? Inconscientemente, essa
questão tomou, para a Economia Política, o lugar da original, já que, com os custos de produção do trabalho enquanto tal, ela ficou girando
em círculo e não conseguiu sair do lugar. Portanto, o que ela chama de valor do trabalho (value of labour) é na realidade o valor da força
de trabalho, que existe na personalidade do trabalhador e difere de sua função, o trabalho, tanto quanto uma máquina de suas operações.
Ocupada com a diferença entre os preços de mercado do trabalho e seu assim chamado valor, com a relação entre esse valor e a taxa de
lucro, ou entre ele e os valores-mercadoria produzidos por meio do trabalho etc., nunca descobriu que a marcha da análise não apenas
tinha evoluído dos preços de mercado do trabalho a seu suposto valor, mas, além disso, levara a dissolver esse mesmo valor do trabalho no-vamente
no valor da força de trabalho. A inconsciência sobre esse re-sultado de sua própria análise, a aceitação sem crítica das categorias
"valor do trabalho", "preço natural do trabalho" etc. como expressões últimas adequadas da relação de valor examinada, emaranhou a Eco-nomia
Política clássica, como se verá mais adiante, em confusões e contradições insolúveis, enquanto ofereceu à Economia vulgar uma base
segura de operações para sua superficialidade, dedicada principalmente ao culto das aparências.
Vejamos agora, em primeiro lugar, como o valor e os preços da força de trabalho apresentam-se em sua forma transformada, como salário.
Sabe-se que o valor diário da força de trabalho é calculado toman-do-se por base certa duração de vida do trabalhador, a qual corresponde
a certa duração da jornada de trabalho. Suponhamos que a jornada de trabalho habitual seja de 12 horas e o valor diário da força de trabalho
de 3 xelins, expressão monetária de um valor em que se representam 6 horas de trabalho. Se o trabalhador recebe 3 xelins, recebe o valor de sua
força de trabalho em funcionamento durante 12 horas. Se esse valor diário da força de trabalho é expresso, então, como valor do trabalho de uma
jornada, chega-se à fórmula: o trabalho de 12 horas tem um valor de 3 xelins. O valor da força de trabalho determina assim o valor do trabalho
ou, expresso em dinheiro, seu preço necessário. Se, no entanto, o preço da força de trabalho se desvia de seu valor, o mesmo se dá com o preço
do trabalho de seu assim chamado valor.


OS ECONOMISTAS


168
162#
Como o valor do trabalho é apenas uma expressão irracional para o valor da força de trabalho, segue por si mesmo que o valor do
trabalho tem de ser sempre menor que seu produto-valor, pois o ca-pitalista sempre faz a força de trabalho funcionar por mais tempo do
que o necessário para a reprodução de seu próprio valor. No exemplo acima, o valor da força de trabalho em funcionamento durante 12 horas
é de 3 xelins, valor para cuja reprodução ela precisa de 6 horas. Seu produto-valor, porém, é de 6 xelins, pois ela funciona na realidade
durante 12 horas, e seu produto-valor não depende de seu próprio valor, mas da duração de seu funcionamento. Chega-se assim ao re-sultado,
absurdo à primeira vista, de que trabalho que cria um valor de 6 xelins possui um valor de 3 xelins. 355
Vê-se, além disso: o valor de 3 xelins, em que se representa a parte paga da jornada de trabalho, isto é, um trabalho de 6 horas,
aparece como valor ou preço da jornada total de trabalho de 12 horas, que contém 6 horas não pagas. A forma salário extingue, portanto,
todo vestígio da divisão da jornada de trabalho em trabalho necessário e mais-trabalho, em trabalho pago e trabalho não pago. Todo trabalho
aparece como trabalho pago. Na corvéia distinguem-se espacial e tem-poralmente, de modo perceptível para os sentidos, o trabalho do servo
para si mesmo e seu trabalho forçado para o senhor da terra. No trabalho escravo, a parte da jornada de trabalho em que o escravo
apenas repõe o valor de seus próprios meios de subsistência, em que, portanto, realmente só trabalho para si mesmo, aparece como trabalho
para seu dono. Todo seu trabalho aparece como trabalho não pago. 356 No trabalho assalariado, ao contrário, mesmo o mais-trabalho ou tra-balho
não pago aparece como trabalho pago. Ali a relação de proprie-dade oculta o trabalho do escravo para si mesmo; aqui a relação de
dinheiro oculta o trabalho gratuito do assalariado. Compreende-se, assim, a importância decisiva da transformação
do valor e do preço da força de trabalho na forma salário ou em valor e preço do próprio trabalho. Sobre essa forma de manifestação, que
torna invisível a verdadeira relação e mostra justamente o contrário dela, repousam todas as concepções jurídicas tanto do trabalhador como
do capitalista, todas as mistificações do modo de produção capitalista, todas as suas ilusões de liberdade, todas as pequenas mentiras apo-logéticas
da Economia vulgar.


MARX


169
355 Cf. Zur Kritik der politischen Oekonomie, p. 40, onde anuncio que na análise do capital será resolvido o seguinte problema: "Como a produção sobre a base do
valor de troca de-terminado
pelo simples tempo de trabalho conduz ao resultado de que o valor de troca do trabalho é menor do que o valor de troca de seu produto?"
356 O Morning Star, órgão livre-cambista de Londres, ingênuo até a tolice, não cessava de reafirmar, durante a guerra civil americana, com a maior indignação moral
possível, que
os negros nos Confederate States trabalhavam completamente de graça. Poderia ter a ama-bilidade de comparar os custos diários de um desses negros com os de um trabalhador
livre
no East End de Londres, por exemplo.
163#
Ainda que a história mundial precise de muito tempo para des-cobrir o segredo do salário, em compensação nada é mais fácil de com-preender
do que a necessidade, as raisons d'être, 357 dessa forma de manifestação.
O intercâmbio entre capital e trabalho apresenta-se de início à percepção exatamente do mesmo modo como a compra e a venda das
demais mercadorias. O comprador dá determinada soma de dinheiro, o vendedor um artigo diferente do dinheiro. A consciência jurídica re-conhece
aí no máximo uma diferença material, que se expressa nas fórmulas juridicamente equivalentes: Do ut des, do ut facias, facio ut
des, e facio ut facias. 358
Além disso: como valor de troca e valor de uso são em si e para si grandezas incomensuráveis, a expressão "valor do trabalho", "preço


do trabalho", não parece ser mais irracional do que a expressão "valor do algodão", "preço do algodão". Acresce que o trabalhador é pago depois
de ter fornecido seu trabalho. Em sua função como meio de pagamento, o dinheiro realiza posteriormente o valor ou o preço do artigo fornecido,
portanto, no caso dado, o valor ou o preço do trabalho fornecido. Fi-nalmente, o "valor de uso" que o trabalhador fornece ao capitalista
não é, na verdade, sua força de trabalho, mas sim a função dela, de-terminado trabalho útil, trabalho do alfaiate, trabalho do sapateiro,
trabalho do fiandeiro etc. O fato de que esse mesmo trabalho, sob outro aspecto, é elemento geral criador de valor, o que o distingue das demais
mercadorias, não está ao alcance da consciência ordinária.
Coloquemo-nos sob o ponto de vista do trabalhador, que recebe por 12 horas de trabalho por exemplo o produto-valor de 6 horas de


trabalho, digamos 3 xelins; para ele seu trabalho de 12 horas é de fato o meio de compra de 3 xelins. O valor de sua força de trabalho
pode variar com o valor de seus meios de subsistência costumeiros de 3 para 4 xelins ou de 3 para 2 xelins ou, permanecendo igual o valor
de sua força de trabalho, seu preço, em virtude da relação variável entre demanda e oferta, pode subir a 4 xelins ou cair a 2 xelins, mas
ele sempre fornece 12 horas de trabalho. Cada variação na grandeza do equivalente que recebe aparece-lhe portanto necessariamente como
variação do valor ou preço de suas 12 horas de trabalho. Essa circuns-tância induziu, pelo contrário, Adam Smith, que considera a jornada
de trabalho grandeza constante, 359 a afirmar que o valor do trabalho é constante, ainda que varie o valor dos meios de subsistência e que
a mesma jornada de trabalho representa-se por isso em mais ou menos dinheiro para o trabalhador.
Tomemos, por outro lado, o capitalista: o que ele, na verdade,


OS ECONOMISTAS


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357 Razão de ser. (N. dos T.) 358 Dou para que dês, dou para que faças, faço para que dês, e faço para que faças. (N. dos T.)
359 A. Smith só casualmente alude à variação da jornada de trabalho, ao tratar do salário por peça.
164#
quer é obter o máximo possível de trabalho pelo mínimo possível de dinheiro. Praticamente interessa-lhe, portanto, apenas a diferença en-tre
o preço da força de trabalho e o valor que sua função cria. Mas ele procura comprar toda mercadoria o mais barato possível e sempre
explica a si mesmo seu lucro a partir do simples logro, a compra abaixo e a venda acima do valor. Por isso, não chega a compreender que, se
existisse realmente algo como valor do trabalho e se ele pagasse real-mente esse valor, não existiria nenhum capital e seu dinheiro não se
transformaria em capital. Além disso, o movimento real do salário apresenta fenômenos
que parecem demonstrar que não se paga o valor da força de trabalho, mas o valor de sua função, do próprio trabalho. Podemos reduzir esses
fenômenos a duas grandes classes. Primeiro: variação do salário ao variar a duração da jornada de trabalho. Poder-se-ia concluir, do mesmo
modo, que não se paga o valor da máquina, mas o de sua operação, pois custa mais alugar uma máquina por uma semana do que por um
dia. Segundo: a diferença individual nos salários de diversos trabalha-dores, que executam a mesma função. Essa diferença individual en-contra-
se também, mas sem motivo para ilusões, no sistema de escra-vatura, onde a própria força de trabalho é vendida franca e livremente,
sem arabescos. No entanto, a vantagem de uma força de trabalho su-perior à média ou a desvantagem de uma força de trabalho inferior à
média recai, no sistema da escravatura, sobre o proprietário do escravo, enquanto no sistema do trabalho assalariado sobre o próprio trabalha-dor,
pois em um caso sua força de trabalho é vendida por ele mesmo, no outro, por terceira pessoa.
De resto, vale para a forma de manifestação "valor e preço de trabalho" ou "salário", em contraste com a relação essencial, que apa-rece,
o valor e o preço da força de trabalho, o mesmo que para todas as formas de manifestação e seu fundo oculto. As primeiras reprodu-zem-
se direta e espontaneamente como formas comuns e correntes de pensamento; o segundo tem de ser antes descoberto pela ciência. A
Economia Política clássica aproxima-se da verdadeira relação das coi-sas, sem entretanto formulá-la conscientemente. Isso não lhe é possível
enquanto ficar metida em sua pele burguesa.


MARX


171
165#
CAPÍTULO XVIII
O Salário por Tempo


Por sua parte, o salário assume formas muito variadas, circuns-tância que não é possível perceber por meio dos compêndios de Eco-nomia,
os quais, em seu brutal interesse pela substância, negligenciam todas as diferenças das formas. Uma exposição de todas essas formas
pertence, entretanto, à teoria especial do trabalho assalariado, e não a esta obra. Não obstante, cabe aqui desenvolver resumidamente as
duas formas básicas predominantes. A venda da força de trabalho se dá, como será recordado, sempre
por determinados períodos de tempo. A forma transformada em que o valor diário, semanal etc. da força de trabalho se representa direta-mente
é, portanto, a do "salário por tempo", isto é, salário diário etc. De início, há de observar-se que as leis sobre a variação de gran-deza
do preço da força de trabalho e da mais-valia, expostas no capítulo XV, transformam-se, mediante simples mudança de forma, em leis do
salário. Do mesmo modo, a diferença entre o valor de troca da força de trabalho e a massa dos meios de subsistência, em que se converte
esse valor, apresenta-se agora como diferença entre salário nominal e salário real. Seria inútil repetir com respeito à forma de manifestação
o que já se expôs com respeito à forma essencial. Limitar-nos-emos, por isso, a alguns poucos pontos, característicos do salário por tempo.
A soma de dinheiro, 360 que o trabalhador recebe por seu trabalho diário, semanal etc., constitui o montante de seu salário nominal ou
estimado pelo valor. É claro, porém, que conforme a duração da jornada de trabalho, isto é, conforme a quantidade de trabalho por ele diaria-mente
fornecida, o mesmo salário diário, semanal etc. pode representar um preço do trabalho muito diferente, isto é, somas de dinheiro muito


173
360 O próprio valor monetário é aqui suposto como sempre constante.
166#
diferentes para o mesmo quantum de trabalho. 361 Ao considerar o sa-lário por tempo, por sua vez, há de distinguir-se, portanto, entre a
importância total do salário diário, semanal etc. e o preço do trabalho. Mas como encontrar esse preço, isto é, o valor monetário de dado quan-tum
de trabalho? Obtém-se o preço médio do trabalho ao dividir o valor diário médio da força de trabalho pelo número de horas da jornada
de trabalho média. Se, por exemplo, o valor diário da força de trabalho é de 3 xelins, produto-valor de 6 horas de trabalho, e a jornada de
trabalho é de 12 horas, o preço de 1 hora de trabalho será de 3 xelins/ 12 = 3 pence. O preço da hora de trabalho assim obtido serve de unidade
de medida para o preço do trabalho. Segue daí que o salário diário, semanal etc. pode permanecer o
mesmo, apesar de o preço do trabalho cair continuamente. Se, por exemplo, a jornada de trabalho costumeira era de 10 horas e o valor
diário da força de trabalho, de 3 xelins, o preço da hora de trabalho importava em 3 3/ 5 pence; ele cai para 3 pence tão logo a jornada de
trabalho aumente para 12 horas, e para 2 2/ 5 pence tão logo aumente para 15 horas. O salário diário ou semanal mesmo assim permanece
inalterado. Inversamente, o salário diário ou semanal pode subir, ainda que o preço do trabalho permaneça constante ou caia. Se, por exemplo,
a jornada de trabalho era de 10 horas e o valor diário da força de trabalho de 3 xelins, o preço de 1 hora de trabalho seria de 3 3/ 5
pence. Se o trabalhador, em virtude de crescente ocupação, trabalha 12 horas, com o preço de trabalho constante, então seu salário diário
sobe para 3 xelins e 7 1/ 5 pence, sem variação do preço do trabalho. Obter-se-ia o mesmo resultado se se aumentasse a grandeza intensiva
do trabalho em vez da grandeza extensiva. 362 A elevação do salário nominal diário ou semanal pode, portanto, ser acompanhada por um
preço de trabalho constante ou decrescente. O mesmo vale para a receita da família trabalhadora, tão logo o quantum de trabalho fornecido pelo
chefe da família seja aumentado pelo trabalho dos membros da família. Há, portanto, métodos para abaixar o preço do trabalho, independentes
da diminuição do salário nominal diário ou semanal. 363


OS ECONOMISTAS


174
361 "O preço do trabalho é a soma paga por dada quantidade de trabalho." (WEST, Sir Edward. Price of Corn and Wages of Labour. Londres, 1826. p. 67.) West é o autor
do escrito
anônimo que fez época na história da Economia Política: Essay on the Application of Capital to Land. by a Fellow of Univ. College of Oxford. Londres. 1815.
362 "Os salários dependem do preço do trabalho e da quantidade do trabalho realizado. (...) Um aumento dos salários não implica necessariamente elevação do preço
do trabalho. Com
ocupação mais prolongada e com maior esforço, os salários podem crescer consideralvemente, enquanto o preço do trabalho pode permanecer o mesmo." (WEST. Loc. cit.,
pp. 67, 68 e
112). A questão principal: como se determina o price of labour?, despacha West de resto com frases banais.
363 Isso foi sentido pelo mais fanático representante da burguesia industrial do século XVIII, o autor do freqüentemente citado por nós Essay on Trade and Commerce,
ainda que apre-sente
a coisa de maneira confusa: "É a quantidade de trabalho e não seu preço" (com-preendendo por isso o salário nominal diário ou semanal) "que se determina pelo preço
167#
Mas como lei geral segue: sendo a quantidade de trabalho diário,
semanal etc. dada, o salário diário ou semanal depende do preço do
trabalho, o qual varia, por sua vez, com o valor da força de trabalho
ou com os desvios de seu preço em relação a seu valor. Sendo, ao
contrário, dado o preço do trabalho, então o salário diário ou semanal
depende da quantidade de trabalho diário ou semanal.
A unidade de medida do salário por tempo, o preço da hora de
trabalho, é o quociente do valor diário da força de trabalho dividido
pelo número de horas da jornada de trabalho costumeira. Suponha-se
que esta última seja de 12 horas, o valor diário da força de trabalho
de 3 xelins, o produto-valor de 6 horas de trabalho. Nessas circuns-tâncias,
o preço da hora de trabalho é 3 pence e seu produto-valor 6
pence. Se o trabalhador é ocupado então menos de 12 horas por dia
(ou menos de 6 dias por semana), por exemplo apenas 6 ou 8 horas,
então ele recebe com esse preço do trabalho somente um salário diário
de 2 ou 1 1/ 2 xelim. 364 Como ele, segundo o pressuposto, tem de tra-balhar
em média 6 horas diárias para produzir apenas um salário
diário correspondente ao valor de sua força de trabalho, e com o tra-balho,
segundo ainda o mesmo pressuposto, de cada hora somente 1/ 2
para si mesmo, 1/ 2, porém, para o capitalista, é claro que não poderá
obter o produto-valor de 6 horas, se for ocupado por menos de 12.
Enquanto se viram anteriormente as conseqüências destruidoras do
trabalho excessivo, descobrem-se aqui as fontes dos sofrimentos que
decorrem para o trabalhador de sua subocupação.
Se o salário por hora é fixado de modo que o capitalista não se
comprometa a pagar um salário diário ou semanal, mas apenas as
horas de trabalho durante as quais lhe agrade ocupar o trabalhador,
então ele pode empregá-lo por um período inferior ao que originalmente
serviu de base para calcular o salário por hora ou a unidade de medida
do preço do trabalho. Como essa unidade de medida é determinada


MARX


175
dos alimentos e outras coisas necessárias à vida: se reduzirdes fortemente o preço das coisas necessárias à vida, naturalmente fazeis cair, na mesma proporção, a
quantidade de
trabalho. (...) Os donos de fábricas sabem que há diferentes maneiras de fazer subir ou cair o preço do trabalho, além de alterar seu montante nominal". (Op. cit.,
pp. 48 e 61).
Em Three Lectures on the Rate of Wages, Londres, 1830, em que N. W. Senior utiliza o escrito de West sem citá-lo, diz ele entre outras coisas: "O trabalhador está
principalmente
interessado no montante do salário" (p. 15). Portanto o trabalhador está principalmente interessado no que recebe, no montante nominal do salário, e não no que ele
dá, na quan-tidade
de trabalho! 364 O efeito de tal subemprego anormal é totalmente diferente do efeito de uma redução geral
da jornada de trabalho imposta por lei. O primeiro não tem nenhuma relação com a duração absoluta da jornada de trabalho e tanto pode suceder numa jornada de 15
horas como
numa de 6 horas. O preço normal do trabalho, no primeiro caso, é calculado sobre a base de que o trabalhador trabalhe 15 horas; no segundo, que ele trabalhe 6 horas
por dia em
média. O efeito, portanto, permanece o mesmo se ele for ocupado, no primeiro caso, apenas por 7 1/ 2 horas e no segundo apenas por 3 horas.
168#
pela proporção Valor diário da força de trabalho Jornada de trabalho de dado número de ho-ras,
ela perde naturalmente qualquer sentido tão logo a jornada de trabalho deixe de contar um número determinado de horas. A conexão


entre o trabalho pago e o não-pago se anula. O capitalista pode agora extrair determinado quantum de mais-trabalho do trabalhador, sem
conceder-lhe o tempo de trabalho necessário para seu próprio sustento. Pode destruir toda a regularidade da ocupação e fazer, apenas em
função de sua comodidade, arbítrio e interesse momentâneo, com que o mais monstruoso sobretrabalho se alterne com desemprego relativo
ou absoluto. Pode, sob o pretexto de pagar o "preço normal do trabalho", prolongar anormalmente a jornada de trabalho sem nenhuma compen-sação
correspondente para o trabalhador. Daí a revolta (1860) absolu-tamente racional dos trabalhadores, ocupados no ramo de construção
em Londres, contra a tentativa dos capitalistas de impor-lhes tal salário por hora. A limitação legal da jornada de trabalho põe fim a esse
abuso, porém, naturalmente, não à subocupação decorrente da concor-rência da maquinaria, das mudanças na qualidade dos trabalhadores
empregados e das crises parciais e gerais. Com o salário diário ou semanal crescente, o preço do trabalho
pode ficar nominalmente constante e, apesar disso, cair abaixo de seu nível normal. Isso acontece toda vez que, com o preço do trabalho
constante, respectivamente da hora de trabalho, a jornada de trabalho é prolongada além de sua duração costumeira. Quando na fração
Valor diário da força de trabalho
Jornada de trabalho aumenta o denominador, o numerador aumenta ainda mais rapidamente. O valor da força de trabalho, porque


isso se dá com seu desgaste, aumenta com a duração de seu funcio-namento e em proporção maior do que o incremento da duração de
seu funcionamento. Em muitos ramos industriais onde predomina o salário por tempo, sem limitações legais do tempo de trabalho, for-mou-
se naturalmente o costume de se considerar, somente até certo ponto, por exemplo até o decorrer da 10ª hora, normal a jornada de
trabalho (normal working day, the day's work, the regular hours of work.) 365 Além desse limite, o tempo de trabalho constitui tempo ex-traordinário
(overtime) e, tomando-se a hora como unidade de medida, é mais bem pago (extra pay), ainda que muitas vezes em proporção
ridiculamente pequena. 366 A jornada normal de trabalho existe aqui como fração da verdadeira jornada de trabalho, e esta última muitas


OS ECONOMISTAS


176
365 Dia normal de trabalho, o trabalho diário; as horas regulares de serviço. (N. dos T.) 366 "A taxa de pagamento por tempo extraordinário" (na manufatura de rendas)
"é tão baixa,
1/ 2 pêni etc. por hora, que contrasta de maneira penosa com os danos enormes que causa à saúde e à força vital dos trabalhadores. (...) Além disso, o pequeno excedente
assim obtido
tem freqüentemente de ser despendido em meios extras para repor as forças." (Child. Empl. Comm. II Rep., p. XVI, nº 117).
169#
vezes ocupa mais tempo durante o ano inteiro do que aquela. 367 O incremento do preço do trabalho com o prolongamento da jornada de
trabalho além de certo limite normal adquire, em diversos ramos in-dustriais
britânicos, tal forma que o baixo preço do trabalho durante o assim chamado tempo normal impõe ao trabalhador o tempo extraor-dinário


mais bem pago, se quiser alcançar ao todo um salário suficien-te. 368 A limitação legal da jornada de trabalho acaba com essa alegria. 369
É um fato geralmente conhecido que, quanto mais longa a jornada
de trabalho num ramo industrial, tanto mais baixo é o salário. 370 O inspetor de fábricas A. Redgrave ilustra isso mediante uma visão com-parativa


do período de 20 anos, de 1839 e 1859, segundo a qual o salário subiu nas fábricas submetidas à lei das 10 horas, e caiu nas
fábricas em que se trabalha de 14 a 15 horas por dia. 371 Segue de início da lei "com o preço do trabalho dado, o salário
diário ou semanal depende da quantidade de trabalho fornecida" que, quanto mais baixo o preço do trabalho, tanto maior precisa ser o quan-tum
de trabalho ou tanto mais longa a jornada de trabalho, a fim de que o trabalhador assegure ao menos um parco salário médio. A exi-


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177
367 Assim, por exemplo, na estamparia de papéis de parede, antes da recente introdução da lei fabril. "Trabalhamos sem intervalo para as refeições, de modo que o
trabalho diário de
10 1/ 2 horas termina às 4 1/ 2 horas da tarde, e tudo o que segue é tempo extraordinário, que raramente acaba antes das 6 horas da tarde. Assim, trabalhamos, de
fato, tempo
extraordinário durante o ano inteiro." (Mr. Smith's Evidence. In: Child. Empl. Comm., I Rep., p. 125.)
368 Assim, por exemplo, nas branquearias escocesas. "Em algumas partes da Escócia, essa indústria" (antes da introdução da lei fabril em 1862) "era tocada pelo sistema
do tempo
extraordinário, isto é, 10 horas eram consideradas uma jornada normal de trabalho. Por estas, o homem recebia 1 xelim e 2 pence. Mas acrescentava-se ainda um tempo
extraor-dinário
de 3 a 4 horas por dia, pelo qual eram pagos 3 pence por hora. Conseqüência desse sistema: um homem que trabalhava apenas o tempo normal só ganhava um salário semanal
de 8 xelins. Sem tempo extraordinário, o salário não era suficiente." (Reports of. Insp. of. Fact. 30th April 1863. p. 10) "O pagamento extra por tempo extraordinário
é uma tentação,
à qual os trabalhadores não podem resistir." (Rep. of. Insp. of. Fact., 30th April 1848. p. 5.) A encadernação de livros na City de Londres emprega muitas jovens
a partir de 14-15
anos, a saber sob contrato de aprendizagem, que prescreve determinado número de horas de trabalho. Não obstante, trabalham, na última semana de cada mês, até 10,
11, 12 e 1
hora da noite, juntamente com os trabalhadores mais velhos, em companhia muito duvidosa. "Os mestres tentam-nas (tempt) com salário extra e dinheiro para uma boa
ceia", que
comem em tabernas vizinhas. A grande devassidão assim produzida entre essas Youngim-mortals (Child. Empl. Comm., V Rep., p. 44, nº 191.) encontra sua compensação
no fato de
que elas encadernam, entre outras coisas, muitas bíblias e obras edificantes. 369 Ver Reports of Insp. of Fact., 30th April 1863. Op. cit. Apreciando acertadamente
a situação,
os trabalhadores de Londres empregados no ramo de construção declararam, durante a grande greve e lockout de 1860, que apenas aceitariam o salário por hora sob duas
condições:
1º, que juntamente com o preço da hora de trabalho fosse fixada uma jornada normal de trabalho de 9, respectivamente 10 horas, e que o preço por hora da jornada
de 10 horas
fosse maior que o da jornada de 9 horas; 2º, que para cada hora além do limite da jornada normal, como tempo extraordinário, fosse pago um preço proporcionalmente
mais elevado.
370 "Além disso, é um fato muito notável que ali, onde o tempo de trabalho em regra é longo, os salários sejam baixos." (Rep. of Insp. of Fact., 31st Oct. 1863.
p. 9.) "O trabalho que
proporciona um salário de fome tem em geral duração desmesuradamente longa." (Public Health, Sixth Rep. 1863. p. 15.)
371 Reports of Insp. of Fact., 30th April 1860. pp. 31-32.
170#
güidade do preço do trabalho atua aqui como acicate para prolongar o tempo de trabalho. 372
Inversamente, porém, o prolongamento do tempo de trabalho pro-duz, por sua vez, uma queda no preço do trabalho e, com isso, no
salário diário ou semanal.
Da determinação do preço do trabalho por


Valor diário da força de trabalho
Jornada de trabalho de dado número de horas


resulta que o simples prolongamento da jornada de trabalho rebaixa o preço do trabalho, se não houver uma compensação. Mas as mesmas
circunstâncias que capacitam o capitalista a prolongar a jornada de trabalho de maneira permanente, capacitam-no de início e obrigam-no
por fim a rebaixar também nominalmente o preço do trabalho, até que o preço total do número aumentado de horas caia e, portanto, também
o salário diário ou semanal. Basta referir aqui duas circunstâncias. Se um homem realiza o trabalho de 1 1/ 2 ou 2 homens, cresce a oferta
de trabalho, ainda que a oferta de forças de trabalho que se encontram no mercado permaneça constante. A concorrência assim provocada en-tre
os trabalhadores capacita o capitalista a comprimir o preço do tra-balho, enquanto o preço decrescente do trabalho, inversamente, o ca-pacita
a elevar ainda mais o tempo de trabalho. 373 Logo depois, porém, essa disposição sobre quantidades anormais,
isto é, que ultrapassam o nível social de trabalho não-pago torna-se meio de concorrência entre os próprios capitalistas. Parte do preço da
mercadoria consiste no preço do trabalho. A parte não-paga do preço do trabalho não precisa entrar no cálculo do preço da mercadoria. Pode
ser presenteada ao comprador da mercadoria. Esse é o primeiro passo a que compele a concorrência. O segundo passo a que a obriga é excluir
também o preço de venda da mercadoria pelo menos parte da mais-valia anormal, produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho. Desse
modo, se forma primeiro esporadicamente e pouco a pouco se fixa um preço de venda para a mercadoria anormalmente baixo, que daqui em


OS ECONOMISTAS


178
372 Os trabalhadores que fazem pregos a mão, na Inglaterra, por exemplo, em virtude do baixo preço do trabalho, têm de trabalhar 15 horas por dia para conseguir
um salário semanal
dos mais parcos. "São muitas, muitas horas por dia, e durante todo o tempo ele tem de labutar duramente para obter 11 pence ou 1 xelim, e dessa quantia 2 1/ 2 a
3 pence vão
para o desgaste das ferramentas, combustível e perdas de ferro." (Child. Empl. Comm., III Rep., p. 136, nº 671.) As mulheres ganham, com o mesmo tempo de trabalho,
apenas
um salário semanal de 5 xelins. (Op. cit., p. 137, nº 674.) 373 Se, por exemplo, um operário fabril se recusasse a trabalhar o grande número tradicional
de horas, "seria rapidamente substituído por alguém disposto a trabalhar por períodos tão longos quanto solicitado, e desse modo ficaria desempregado". (Reports
of Insp. of Fact.,
31st Oct. 1848. Evidence. p. 39, nº 58.) "Se um homem realiza o trabalho de dois (...) subirá em geral a taxa de lucro (...) pois essa oferta adicional de trabalho
terá comprimido seu
preço." (SENIOR, Op. cit., p. 15.)
171#
diante torna-se base constante de um salário mesquinho com tempo de trabalho desmesurado, que tinha sido originalmente produto dessas
circunstâncias. Limitamo-nos a aludir a esse movimento, pois a análise da concorrência não tem aqui lugar. Mas deixemos falar por um mo-mento
o próprio capitalista.
"Em Birmingham, a concorrência entre os patrões é tão grande, que alguns de nós são obrigados — enquanto empregadores —


a fazer o que se envergonhariam de fazer em outras circunstân-cias; e, apesar disso, não se faz mais dinheiro (and yet no more
money is made), mas somente o público leva vantagem." 374
Lembremo-nos das duas espécies de padeiros londrinos, uma das quais vendia o pão pelo preço integral (the "fullpriced" backers); a outra


o vendia abaixo de seu preço normal (the underpriced, the undersellers). Os fullpriced denunciam seus concorrentes perante a comissão parla-mentar
de inquérito:
"Eles existem apenas, primeiro, por enganarem o público" (fal-sificando a mercadoria) "e, segundo, por extorquirem de sua gente


18 horas de trabalho pelo salário de 12 horas de trabalho. (...) O trabalho não-pago (the unpaid labour) dos trabalhadores é o
meio pelo qual a luta da concorrência é conduzida. (...) É a con-corrência entre os mestres-padeiros que causa a dificuldade de
suprimir o trabalho noturno. Um vendedor por subpreço, que vende seu pão abaixo do preço de custo, variável conforme o
preço da farinha, se mantém sem prejuízo extraindo mais trabalho de sua gente. Se eu extrair apenas 12 horas de trabalho de minha
gente, meu vizinho, porém, 18 ou 20, ele não pode deixar de me derrotar no preço de venda. Se os trabalhadores pudessem insistir
no pagamento do tempo extraordinário, logo acabaria essa ma-nobra. (...) Grande número dos ocupados pelos vendedores por
subpreços são estrangeiros, jovens e outros, que são obrigados a aceitar qualquer salário que possam obter". 375


Essa jeremiada é interessante também porque mostra como so-mente a aparência das redações de produção se reflete no cérebro ca-pitalista.
O capitalista não sabe que o preço normal do trabalho também encerra determinado quantum de trabalho não-pago e que precisamente
esse trabalho não-pago é a fonte normal de seu lucro. A categoria de tempo de mais-trabalho não existe para ele, pois este está compreendido


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179
374 Child. Empl. Comm. III Rep. Evidence. p. 66, nº 22. 375 Report etc. Relative to the Grievances Complained of by the Journeymen Bakers. Londres,
1862. p. LII; e ibid, Evidence, nº 479, 359, 27. Mesmo assim, também os fullpriced, conforme mencionado antes e seu próprio porta-voz, Bennet, confessa, fazem sua
gente "começar o
trabalho às 11 horas da noite ou antes e prolongam-no freqüentemente até as 7 horas da noite seguinte". (Op. cit., p. 22.)
172#
na jornada normal de trabalho, que acredita pagar com o salário diário. Mas o que existe bem para ele é o tempo extra, o prolongamento da
jornada de trabalho além do limite correspondente ao preço costumeiro do trabalho. Em face de seu concorrente, que vende por subpreço, ele
insiste até em pagamento extra (extra pay) por esse tempo extra. Ele não sabe mais uma vez que esse pagamento extra inclui trabalho não-pago
do mesmo modo que o preço da hora ordinária de trabalho. Assim, por exemplo, o preço de 1 hora de jornada de trabalho de 12 horas é
de 3 pence, produto-valor de 1/ 2 hora de trabalho, enquanto o preço de 1 hora de trabalho extraordinário é de 4 pence, produto-valor de
2/ 3 da hora de trabalho. No primeiro caso, o capitalista se apropria, sem pagar, da metade de cada hora de trabalho, no segundo da
terça parte.


OS ECONOMISTAS


180
173#
CAPÍTULO XIX
O Salário por Peça


O salário por peça nada mais é que uma forma metamorfoseada do salário por tempo, do mesmo modo que o salário por tempo é a
forma metamorfoseada do valor ou preço da força de trabalho. O salário por peça parece, à primeira vista, como se o valor de
uso vendido pelo trabalhador não fosse função de sua força de trabalho, trabalho vivo, mas trabalho já objetivado no produto, como se o preço
desse trabalho não fosse determinado, como o do salário por tempo, pela fração


Valor diário da força de trabalho
Jornada de trabalho de dado número de horas ,


mas pela capacidade de produção do produtor. 376 Para começar, a confiança dos que acreditam nessa aparência
deverá ser fortemente abalada pelo fato de que ambas as formas de salário existem simultaneamente, lado a lado, nos mesmos ramos de
negócios. Por exemplo:
"Os tipógrafos de Londres ganham, em regra, por peça, en-quanto o salário por tempo representa exceção entre eles. O con-181


376 "O sistema de trabalho por peça caracteriza uma época na história do trabalhador; situa-se a meio entre a posição do simples jornaleiro, que é dependente da
vontade do capitalista,
e a do artesão cooperativista, que, em um futuro não muito distante, promete reunir em sua pessoa o artesão e o capitalista. Trabalhadores por peças são realmente
seus próprios
patrões, mesmo quando trabalham com o capital do empresário." (WATTS, John. Trade Societies and Strikes, Machinery and Cooperative Societies. Manchester, 1865. pp.
52-53).
Cito esse pequeno escrito pois trata-se de uma verdadeira cloaca de todos os lugares-comuns apologéticos, há muito apodrecida. O mesmo Sr. Watts participava antes
do owenismo e
publicou, em 1842, outro pequeno escrito: Facts and Fictions of Political Economy, no qual ele, entre outras coisas, declara property por robbery. Isso já foi há
muito tempo.
174#
trário ocorre com os tipógrafos nas províncias, onde o salário por tempo é a regra e o salário por peça a exceção. Os carpinteiros
de navios no porto de Londres são pagos por peça, e nos demais portos ingleses, por tempo". 377


Nas mesmas selarias de Londres, freqüentemente se paga, pelo
mesmo trabalho, aos franceses, salário por peça e aos ingleses salário
por tempo. Nas fábricas propriamente ditas, onde predomina em geral
o salário por peça, funções isoladas de trabalho são excluídas, por causas
técnicas, desse tipo de medida e pagas, por isso, por tempo. 378 Em si
e para si fica claro, porém, que a diferença de forma no pagamento
do salário em nada altera sua essência, ainda que uma forma possa
ser mais favorável que a outra para o desenvolvimento da produção
capitalista.
Suponhamos que a jornada de trabalho normal seja de 12 horas,
das quais 6 pagas e 6 não-pagas. Seja seu produto-valor de 6 xelins,
o de 1 hora de trabalho, portanto, de 6 pence. Suponhamos que se
verifique pela experiência que um trabalhador que trabalha com o
grau médio de intensidade e habilidade, que, de fato, emprega apenas
o tempo de trabalho socialmente necessário na produção de um artigo,
fornece em 12 horas 24 peças, sejam elas partes discretas ou mensu-ráveis
de um produto contínuo. Desse modo, o valor dessas 24 peças,
descontando a parte constante do capital contida nelas, é de 6 xelins
e o valor de cada peça, 3 pence. O trabalhador recebe 1 1/ 2 pêni por
peça, ganhando assim em 12 horas 3 xelins. Assim como, com salário
por tempo, é indiferente que se suponha que o trabalhador trabalhe
6 horas para si e 6 para o capitalista, ou que trabalhe de cada hora
metade para si mesmo e metade para o capitalista, aqui tanto faz
dizer que de cada peça individual metade é paga e metade não-paga,
ou que o preço de 12 peças repõe apenas o valor da força de trabalho,
enquanto nas outras 12 peças se corporifica a mais-valia. A forma de salário por peça é tão irracional quanto a do salário


por tempo. Enquanto, por exemplo, duas peças de mercadoria, depois


OS ECONOMISTAS


182
377 DUNNING, T. J. Trade's Unions and Strikes. Londres, 1860, p. 22. 378 Como a justaposição simultânea dessas duas formas do salário favorece fraudes praticadas
pelos fabricantes: "Uma fábrica ocupa 400 pessoas, metade das quais trabalha no regime de pagamento por peça e tem interesse direto em trabalhar mais tempo. As outras
200
são pagas por dia, trabalham tanto quanto as que recebem por peça, mas não recebem dinheiro pelas horas extras (...) O trabalho dessas 200 pessoas durante 1/ 2 hora
diariamente
equivale ao trabalho de uma pessoa durante 50 horas ou 5/ 6 do rendimento do trabalho semanal de uma pessoa e representa ganho apreciável para o empresário". (Reports
of
Insp. of Fact., 31st October 1860. p. 9.) "Horas em excesso prevalece ainda em extensão considerável; e na maioria dos casos com segurança contra descoberta e punição
que a
própria lei oferece. Tenho mostrado em muitos relatórios anteriores (...) que injustiça é feita a todos os trabalhadores que não recebem salários por peça, mas por
semana." (HOR-NER,
Leonard. In: Reports of Insp. of Fact., 30th April 1859. pp. 8-9).
175#
de descontado o valor dos meios de produção nelas gastos, como produto de 1 hora de trabalho valem 6 pence, o trabalho recebe por elas um
preço de 3 pence. O salário por peça não expressa diretamente na realidade nenhuma relação de valor. Não se trata de medir o valor da
peça pelo tempo de trabalho nela corporificado, mas, ao contrário, de medir o trabalho despendido pelo trabalhador pelo número de peças que
produziu. No salário por tempo, o trabalho se mede por sua duração direta; no salário por peça, pelo quantum de produtos em que o trabalho
se condensa durante determinado período de tempo. 379 O preço do próprio tempo de trabalho, finalmente, determina-se pela equação: valor do tra-balho
de um dia = valor diário da força de trabalho. O salário por peça é, portanto, apenas uma forma modificada do salário por tempo.
Observemos agora, mais de perto, as peculiaridades caracterís-ticas do salário por peça.
A qualidade do trabalho é aqui controlada mediante o próprio produto, que tem de possuir qualidade média se o preço por peça deve
ser pago integralmente. Desse modo, o salário por peça se torna fonte mais fecunda de descontos salariais e de fraudes capitalistas.
Ele proporciona ao capitalista uma medida inteiramente deter-minada para a intensidade do trabalho. Só o tempo de trabalho que
se corporifica num quantum de mercadorias previamente determinado e fixado pela experiência vale como tempo de trabalho socialmente
necessário e é pago como tal. Nas grandes alfaiatarias de Londres, chama-se, por isso, certa peça de trabalho, por exemplo, um colete etc.,
de hora, 1/ 2 hora etc., a 6 pence por hora. Sabe-se pela prática qual é o produto médio de 1 hora. Com novas modas, consertos etc., surgem
conflitos entre empregador e trabalhador, se determinada peça = 1 hora etc., até que também aqui a experiência decida. Algo semelhante
ocorre nas marcenarias londrinas etc. Se o trabalhador não possui a capacidade média de produção, não pode fornecer determinado mínimo
de trabalho diário, então se o despede. 380 Como qualidade e intensidade do trabalho são controladas aqui
pela própria forma do salário, esta torna grande parte da supervisão do trabalho supérflua. Ela constitui, por isso, a base tanto do moderno
trabalho domiciliar anteriormente descrito como de um sistema hie-rarquicamente organizado de exploração e opressão. Este último possui
duas formas fundamentais. O salário por peça facilita, por um lado,


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183
379 "O salário pode ser medido de dois modos: pela duração do trabalho ou por seu produto." (Abrégé Élémentaire des Principes de l'Écon. Pol. Paris, 1796. p. 32.)
Autor desse escrito
anônimo: G. Garnier. 380 "É dado a ele" (ao fiandeiro) "determinado peso de algodão e ele precisa em troca fornecer
determinado peso de trançado ou fio de certo grau de finura, recebendo tanto por libra produzida. Se o trabalho é de qualidade insuficiente, ele é punido; se o quantum
é menor
que o mínimo estabelecido para determinado tempo, ele é demitido e um trabalhador mais capaz é contratado". (URE. Op. cit., pp. 316-317.)
176#
a interposição de parasitas entre o capitalista e o trabalhador assala-riado,
o subarrendamento do trabalho (subletting of labour). O ganho
dos intermediários decorre exclusivamente da diferença entre o preço
do trabalho que o capitalista paga e a parte desse preço que eles real-mente
deixam chegar ao trabalhador. 381 Esse sistema chama-se na
Inglaterra caracteristicamente de swating-system (sistema de suador).
Por outro lado, o salário por peça permite ao capitalista concluir com
o trabalhador principalmente — na manufatura com o chefe de um
grupo, nas minas com o quebrador de carvão etc., na fábrica com o
operador de máquina propriamente dito — um contrato de tanto por
peça, a um preço pelo qual o próprio trabalhador principal se encarrega
da contratação e pagamento de seus trabalhadores auxiliares. A ex-ploração
dos trabalhadores pelo capital se realiza aqui mediada pela
exploração do trabalhador pelo trabalhador. 382 Dado o salário por peça, é naturalmente do interesse pessoal do


trabalhador aplicar sua força de trabalho o mais intensamente possível,
o que facilita ao capitalista elevar o grau normal de intensidade. 383
Do mesmo modo, é interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada
de trabalho, pois com isso sobe seu salário diário ou semanal. 384 Ocorre,
assim, a reação já descrita ao tratarmos do salário por tempo, abs-traindo
o fato de que o prolongamento da jornada de trabalho, mesmo


OS ECONOMISTAS


184
381 "Se o produto do trabalho passa por muitas mãos, a cada uma delas cabendo parte do lucro, enquanto apenas o último par de mãos executa o trabalho, então ocorre
que o pa-gamento
que finalmente alcança a trabalhadora é lamentavelmente inadequado." (Child. Empl. Comm. II Rep. p. LXX, nº 424.)
382 Mesmo o apologético Watts observa: "Seria uma grande melhoria do sistema de salários por peça se todos os ocupados em determinado trabalho fossem participantes
do contrato,
cada um conforme suas capacidades, ao invés de um só homem estar interessado em estafar seus camaradas em seu próprio proveito". (Op. cit., p. 53.) Sobre as infâmias
desse sistema,
cf. Child. Empl. Comm. Rep. III. p. 66, nº 22; p. 11, nº 124; p. XI, nº 13, 53, 59 etc. 383 Esse resultado desenvolvido naturalmente é muitas vezes artificialmente
aumentado. No
Engineering Trade de Londres, por exemplo, vale como truque tradicional "que o capitalista escolha um homem de força e destreza superiores para chefe de certo número
de traba-lhadores.
Ele lhe paga trimestralmente ou em outro prazo um salário adicional sob a combinação de que fará todo o possível para incentivar seus colaboradores, que apenas
recebem o salário ordinário, a uma extrema emulação. (...) Sem mais comentários, isso explica a queixa dos capitalistas sobre a paralisação da atividade ou da habilidade
e força
de trabalho superiores (stinting the action, superior skill and working power) pelas Trade's Unions". (DUNNING. Op. cit., pp. 22-23). Sendo o autor mesmo trabalhador
e secretário
de uma Trade's Union, isso poderia ser considerado exagero. Mas veja-se, por exemplo, a highly respectable enciclopédia agronômica de J. Ch. Morton, artigo "Labourer",
onde esse
método é recomendado aos arrendatários como eficaz. 384 "Todos os que são pagos por peça (...) obtêm vantagem numa transgressão dos limites
legais do trabalho. Essa disposição de fazer horas extras é de se observar particularmente nas mulheres, que são ocupadas como tecelãs ou dobradeiras." (Rep. of
Insp. of Fact., 30th
April 1858. p. 9.) "Esse sistema de salários por peça, tão vantajoso para o capitalista (...) tende diretamente a incentivar o jovem oleiro a realizar muito trabalho
excessivo durante
os 4 ou 5 anos em que é pago por peça, mas por preço baixo. Essa é uma das grandes causas às quais se deve atribuir a degeneração física dos oleiros." (Child. Empl.
Comm. I
Rep. p. XIII.)
177#
permanecendo constante o salário por peça, implica em si e para si uma baixa de preço do trabalho.
Com salário por tempo prevalece com poucas exceções salário igual para as mesmas funções, enquanto com salário por peça, ainda
que o preço do tempo de trabalho seja medido por determinado quantum de produtos, o salário diário ou semanal, ao contrário, varia com a
diferenciação individual dos trabalhadores, dos quais um fornece ape-nas o mínimo do produto num período dado, o outro a média e o terceiro
mais do que a média. Quanto à receita real aparecem aqui, portanto, grandes diferenças conforme a habilidade, força, energia, persistência
etc. dos trabalhadores individuais. 385 Isso naturalmente nada altera na relação geral entre capital e trabalho assalariado. Primeiro, as di-ferenças
individuais se compensam na oficina em seu conjunto, de modo que, em determinado tempo de trabalho, ela fornece o produto médio
e o salário global pago será o salário médio do ramo de atividade, segundo, a proporção entre salário e mais-valia permanece inalterada,
pois ao salário individual do trabalhador isolado corresponde a massa de mais-valia individualmente fornecida por ele. Mas a maior liberdade
que o salário por peça oferece à individualidade tende a desenvolver, por um lado, a individualidade, e com ela o sentimento de liberdade,
a independência e autocontrole dos trabalhadores; por outro lado, a concorrência entre eles e de uns contra os outros. Por isso, o salário
por peça tem a tendência, com a elevação de salários individuais acima do nível médio, de baixar esse mesmo nível. Mas onde determinado
salário por peça já havia se estabelecido tradicionalmente, oferecendo, portanto, sua rebaixa dificuldades extraordinárias, os patrões se refu-giavam
excepcionalmente até em sua transformação forçada em salário por tempo. Contra isso dirigiu-se, por exemplo, em 1860, 386 a grande


MARX


185
385 "Onde o trabalho, em qualquer ofício, é pago um tanto por peça (...) os salários podem, quanto ao montante, diferenciar-se substancialmente uns dos outros. (...)
Mas para o salário diário há
geralmente uma taxa unitária (...) que é reconhecida pelo empresário e pelo trabalhador como salário-padrão para o trabalhador médio do ofício." (DUNNING. Op. cit.,
p. 17.)
386 "O trabalho dos oficiais-artesãos se regula por dia ou por peças (à la journée or à la pièce). (...) Os mestres sabem mais ou menos quanto de serviço os trabalhadores
em cada métier
podem prestar diariamente e lhes pagam, por isso, muitas vezes proporcionalmente ao serviço que prestam; assim trabalham esses oficiais tanto quanto podem, em seu
próprio interesse,
sem supervisão." (CANTILLON. Essai sur la Nature du Commerce en Général. Amst. Ed. 1756. pp. 185 e 202. A primeira edição apareceu em 1755.) Cantillon, de quem Quesnay,
Sir James
Steuart e A. Smith muito se aproveitaram, já apresenta aqui, portanto, o salário por peça como forma meramente modificada do salário por tempo. A edição francesa
de Cantillon se
anuncia no título como tradução do inglês, mas a edição inglesa: The Analysis of Trade, Commerce etc., by Philip Cantillon, late of City of London, Merchant, não
apenas é de data posterior (de
1759), mas também demonstra por seu conteúdo que foi posteriormente elaborada. Assim, por exemplo, Hume ainda não é mencionado na edição francesa, enquanto na inglesa
quase não
figura Petty. A edição inglesa é teoricamente menos significativa, mas contém muita coisa específica relativa ao comércio inglês, ao comércio de bullion etc., que
faltam no texto francês.
As palavras no título da edição inglesa, segundo as quais esse escrito foi Taken chiefly from the Manuscript of a very ingenious Gentleman deceased, and adapted
etc., que faltam parecem,
portanto, mais que mera ficção, então muito costumeira.
178#
greve dos tecelões de fitas de Coventry. O salário por peça é, finalmente, um dos suportes principais do sistema de horas anteriormente descrito. 387
Do exposto resulta que o salário por peça é a forma de salário mais adequada ao modo de produção capitalista. Embora não seja, de
maneira alguma, novo — figura oficialmente ao lado do salário por tempo, entre outras coisas, nos estatutos dos trabalhadores ingleses e
franceses do século XIV — adquire no entanto maior margem de apli-cação durante o período da manufatura propriamente dito. No período
de crescimento tempestuoso da grande indústria, nomeadamente de 1797 a 1815, ele serve de alavanca ao prolongamento do tempo de
trabalho e rebaixamento do salário. Encontra-se material muito im-portante sobre o movimento do salário, durante aquele período, nos
Livros Azuis: Report and Evidence from the Select Committee on Peti-tions Respecting the Corn Laws (Sessão parlamentar de 1813/ 14) e
Reports from the Lord's Committee, on the State of the Growth, Com-merce, and Consumption of Grain, and all Laws Relating Thereto (Ses-são
de 1814/ 15). Encontra-se aqui a prova documental do rebaixamento contínuo do preço do trabalho a partir do começo da Guerra Antijaco-bina.
388 Na tecelagem, por exemplo, o salário por peça tinha caído
tanto que, apesar da jornada de trabalho muito prolongada, o salário diário era agora mais baixo que antes.


"A receita real do tecelão é muito menor que antes: sua superioridade sobre o trabalhador comum, que tinha sido muito
grande, desapareceu quase de todo. De fato, a diferença entre os salários por trabalho qualificado e trabalho ordinário é agora
muito menos significativa do que em qualquer outro período anterior." 389


Quão pouco a intensidade e extensão elevadas do trabalho em função do salário por peça, aproveitou o proletariado rural, demonstra
a seguinte passagem tomada de um escrito partidário dos landlords e arrendatários:


"A grande maioria das operações agrícolas é executada por pessoas contratadas por dia ou por peça. Seu salário semanal é
de aproximadamente 12 xelins; e ainda que se possa supor que


OS ECONOMISTAS


186
387 "Quão freqüentemente vemos que, em certas oficinas, empregam-se muito mais trabalha-dores do que os realmente necessários para o trabalho? Freqüentemente aceitam-se
tra-balhadores
na expectativa de um trabalho incerto, às vezes apenas imaginado; como se paga o salário por peça, diz-se que não se arrisca nada, já que todo tempo perdido está
a
cargo dos desocupados." (GREGOIR, H. Les Typographes devant le Tribunal Correctionnel de Bruxelles. Bruxelas, 1865, p. 9.)
388 Na versão francesa, Marx atribui a autoria dessa expressão ao escritor e líder radical e obreiro William Cobbet (1762-1835): "Antijacobin war, tal é o nome dado
por William
Cobbet à guerra contra a Revolução Francesa". (N. dos T.) 389 Remarks on the Commercial Policy of Great Britain. Londres, 1815, p. 48.
179#
um homem remunerado por peça, sob maior acicate para traba-lhar, ganhe 1 xelim ou talvez 2 xelins mais do que se fosse re-munerado
por semana, verifica-se contudo, ao se estimar sua receita total, que sua perda de ocupação no decurso do ano anula
essa receita adicional. (...) Ver-se-á ainda que, em regra, os sa-lários desses homens guardam certa proporção com o preço dos
meios de subsistência necessários, de modo que um homem com dois filhos é capaz de manter sua família sem recorrer à ajuda
paroquial". 390
Malthus observou, naquela ocasião, referindo-se aos fatos publi-cados pelo Parlamento:


"Confesso que vejo com desgosto a grande difusão da prática do pagamento por peça. Trabalho realmente duro, durante 12 ou
14 horas por dia, ou durante qualquer período mais longo, é demais para um ser humano". 391


Nas oficinas submetidas à lei fabril, o salário por peça se torna regra geral, pois lá o capital só pode ampliar a jornada de trabalho
intensivamente. 392 Com a produtividade variável do trabalho, o mesmo quantum de
produtos representa um tempo variável de trabalho. Portanto, varia também o salário por peça, pois expressa em preço determinado tempo
de trabalho. Em nosso exemplo acima, produziam-se 24 peças em 12 horas, sendo o produto-valor das 12 horas 6 xelins, o valor diário da
força de trabalho 3 xelins, o preço da hora de trabalho 3 pence e o salário por peça 1 1/ 2 pêni; numa peça estava contida 1/ 2 hora de
trabalho. Se a mesma jornada de trabalho fornecesse, por exemplo, 48 peças em vez de 24, em virtude de uma produtividade duplicada do
trabalho, permanecendo inalteradas as demais circunstâncias, então o salário por peças cairia de 1 1/ 2 pêni para 3/ 4 de pêni, pois cada peça
agora representaria apenas 1/ 4 de hora em vez de 1/ 2 hora de trabalho. 24 X 1 1/ 2 pêni = 3 xelins e do mesmo modo 48 X 3/ 4 de pêni = 3
xelins. Em outras palavras: o salário por peça é rebaixado na mesma proporção em que cresce o número das peças produzidas durante o
mesmo tempo, 393 isto é, em que diminui o tempo de trabalho empregado


MARX


187
390 A Defence of the Landowners and Farmers of Great Britain. Londres, 1814. pp. 4-5. 391 MALTHUS. Inquiry into the Nature etc. of Rent. Londres, 1815. [p. 49, nota.]
392 "Os trabalhadores pagos por peça constituem, provavelmente, 4/ 5 de todos os trabalhadores das fábricas." (Reports of Insp. of Fact., for 30th April 1858. p.
9.)
393 "A força produtiva de sua máquina de fiar é medida com precisão e o pagamento do trabalho realizado com ela diminui, ainda que não na mesma proporção, com o
aumento de sua
força produtiva." (URE. Op. cit., p. 317.) O próprio Ure anula essa última afirmação apo-logética. Admite que com um prolongamento do mule, por exemplo, surge um
trabalho
adicional. O trabalho, portanto, não diminui na mesma proporção em que sua produtividade cresce. Além disso: "Por meio desse prolongamento é aumentada a força produtiva
da má-quina
em 1/ 5. Em conseqüência, o fiandeiro já não é pago à mesma tarifa que antes pelo
180#
na mesma peça. Essa variação do salário por peça, enquanto puramente nominal, provoca lutas contínuas entre capitalista e trabalhador. Ou
porque o capitalista aproveita o pretexto para rebaixar realmente o preço do trabalho, ou porque o aumento da força produtiva do trabalho
é acompanhado de um aumento da intensidade do mesmo. Ou porque o trabalhador toma a sério a aparência do salário por peça, como se
lhe pagassem seu produto e não sua força de trabalho, e por isso se opõe a um rebaixamento do salário, que não corresponde ao rebaixa-mento
do preço de venda da mercadoria.
"Os trabalhadores vigiam cuidadosamente o preço da maté-ria-prima e o preço dos bens fabricados, podendo calcular com


exatidão os lucros de seus patrões." 394
O capital rejeita com razão tal pretensão como um erro grosseiro quanto à natureza do trabalho assalariado. 395 Ele clama contra a ou-sadia


de tributar o progresso da indústria e declara rotundamente que o trabalhador não tem absolutamente nada a ver com a produtividade
do trabalho. 396


OS ECONOMISTAS


188
trabalho realizado, mas não tendo sido essa tarifa reduzida na proporção de 1/ 5, a melhoria aumenta seu ganho em dinheiro para qualquer número dado de horas de
trabalho" — mas
— "a constatação anterior exige certa restrição (...) o fiandeiro tem de pagar algo de seu 1/ 2 xelim adicional por jovens auxiliares adicionais e, além disso, adultos
são deslocados"
(Op. cit., pp. 320-321) o que, de nenhum modo, constitui uma tendência de elevação do salário.
394 FAWCETT, H. The Economic Position of the British Labourer. Cambridge and London, 1865. p. 178.
395 No Standart de Londres de 26 de outubro de 1861, encontra-se um relato sobre um processo que a firma John Bright & Co. moveu perante os Rochdale Magistrates
"para que os
representantes da Trade Union dos Tecelões de tapetes fossem acusados judicialmente por intimidação. Os sócios de Bright tinham introduzido nova maquinaria que deveria
produzir
240 jardas de tapetes no tempo e com o trabalho (!) que antes eram necessários para a produção de 160 jardas. Os trabalhadores não tinham nenhum direito de participar
nos
lucros realizados mediante investimento de capital de seus empresários em melhorias me-cânicas. Por isso, os Srs. Bright propuseram rebaixar o salário de 1 1/ 2
pêni por jarda a
1 pêni, por meio do que as receitas dos trabalhadores pelo mesmo trabalho continuariam exatamente as mesmas que antes. Mas isso era um rebaixamento nominal, sobre
o qual
os trabalhadores, conforme foi sustentado, não foram honestamente informados antes". 396 "As Trades Unions, em sua mania de sustentar o salário, procuram participar
dos lucros
da maquinaria melhorada!" (Quelle horreur!) "(...) eles exigem salários mais altos, porque o trabalho foi reduzido. (...) Em outras palavras, eles empenham-se em
tributar a melhoria
industrial." (On Combination of Trades. Nova ed. Londres, 1834. p. 42.)
181#
CAPÍTULO XX
Diversidade Nacional dos Salários


No capítulo XV nos ocupamos das variadas combinações que podem produzir uma variação na grandeza de valor, absoluta ou re-lativa
(isto é, comparada com a mais-valia), da força de trabalho, en-quanto, por outro lado, o quantum de meios de subsistência, em que
o preço da força de trabalho se realiza, podia percorrer movimentos diferentes ou independentes 397 da variação desse preço. Conforme já
observado, transformam-se, mediante mera tradução do valor, respec-tivamente, do preço da força de trabalho na forma exotérica do salário,
todas aquelas leis em leis do movimento do salário. O que, dentro desse movimento, pode aparecer como combinação variável para países
diferentes pode aparecer como diferença simultânea dos salários na-cionais. Na comparação de salários nacionais devem ser pois conside-rados
todos os momentos determinantes da variação na grandeza de valor da força de trabalho, preço e volume das primeiras necessidades
vitais naturais e historicamente desenvolvidas, custos da educação do trabalhador, papel do trabalho feminino e infantil, produtividade do
trabalho, sua grandeza extensiva e intensiva. Mesmo a comparação mais superficial exige, antes de tudo, reduzir o salário médio diário
para os mesmos ofícios em diferentes países à igual grandeza da jornada de trabalho. Após tal equiparação dos salários diários, o salário por
tempo tem de ser de novo traduzido em salário por peça, pois apenas o último permite medir tanto o grau da produtividade como o da gran-deza
intensiva do trabalho. Em cada país vale certa intensidade média do trabalho, abaixo
da qual o trabalho para a produção de uma mercadoria consome mais


189
397 "Não é correto dizer que os salários" (trata-se aqui de seu preço) "aumentaram porque se pode comprar com eles maior quantidade de um artigo mais barato." (David
Buchanan em
sua edição de A. Smith, Wealth etc. 1814. v. I, p. 417, nota.)
182#
tempo que o socialmente necessário, e por isso não conta como trabalho de qualidade normal. Apenas um grau de intensidade que se eleva
acima da média nacional, num país dado, muda a medida do valor pela mera duração do tempo de trabalho. Não ocorre o mesmo no
mercado mundial, cujas partes integrantes são os vários países. A intensidade média do trabalho muda de país para país; é aqui maior,
lá menor. Essas médias nacionais constituem assim uma escala, cuja unidade de medida é a unidade média do trabalho universal.
Comparado com o menos intensivo, o trabalho nacional mais inten-sivo produz pois, em tempo igual, mais valor, que se expressa em
mais dinheiro. Porém a lei do valor é modificada ainda mais em sua aplicação
internacional pelo fato de que no mercado mundial o trabalho nacional mais produtivo conta também como mais intensivo, sempre que a nação
mais produtiva não seja obrigada pela concorrência a reduzir o preço de venda de sua mercadoria a seu valor.
Na medida em que a produção capitalista é desenvolvida num país, na mesma medida elevam-se aí também a intensidade e a pro-dutividade
nacional do trabalho acima do nível internacional. 398 As diferentes quantidades de mercadorias da mesma espécie, que são pro-duzidas
em tempo igual de trabalho em diferentes países, têm, portanto, valores internacionais desiguais, que se expressam em preços diferen-tes,
isto é, em somas diferentes de dinheiro conforme os valores inter-nacionais. O valor relativo do dinheiro será portanto menor na nação
em que o modo de produção capitalista é mais desenvolvido do que naquela em que é menos desenvolvido. Segue, portanto, que o salário
nominal, o equivalente da força do trabalho expresso em dinheiro, será também mais alto na primeira nação que na segunda; o que de forma
alguma significa que isso também é válido para o salário real, isto é, para os meios de subsistência colocados à disposição do trabalhador.
Porém, mesmo abstraindo essa diferença relativa do valor do dinheiro em diferentes países, será freqüentemente verificado que o
salário diário, semanal etc. na primeira nação é mais alto que na se-gunda, enquanto o preço relativo do trabalho, isto é, o preço do trabalho
em relação tanto à mais-valia como ao valor do produto, na segunda nação é mais alto que na primeira. 399


OS ECONOMISTAS


190
398 Em outro lugar examinaremos quais as circunstâncias que, em relação à produtividade, podem modificar essa lei para ramos isolados de produção.
399 James Anderson observa em polêmica contra A. Smith: "De igual modo merece ser observado que, apesar do preço do trabalho em países pobres, onde os frutos do
campo, e em particular
os cereais, são baratos, parecer ordinariamente ser mais baixo, ele na verdade é geralmente mais alto que em outros países. Pois não é o salário que um trabalhador
recebe por dia
que representa o preço real do trabalho, ainda que seja seu preço aparente. O preço real é o que determinado quantum de trabalho realizado custa realmente ao empresário;
e sob
esse ângulo, o trabalho em quase todos os casos é mais barato nos países ricos do que nos mais pobres, embora o preço dos cereais e de outros meios de subsistência
seja de longe
183#
J. W. Cowell, membro da Comissão Fabril de 1833, após cuidadosa
investigação da fiação, chegou ao resultado que,


"na Inglaterra, os salários são virtualmente mais baixos para o fabricante do que no continente, apesar de que para o trabalhador


possam ser mais altos". (URE, p. 314).
O inspetor de fábricas inglês Alexander Redgrave comprova, no
relatório fabril de 31 de outubro de 1866, mediante estatística compa-rativa com os Estados continentais, que apesar do salário mais baixo


e tempo de trabalho muito mais longo, o trabalho continental em relação
ao produto é mais caro que o inglês. Um diretor inglês (manager) de
uma fábrica de algodão em Oldenburg declara que lá o tempo de tra-balho
dura das 5 1/ 2 horas da manhã até as 8 horas da noite, inclusive
no sábado, e que os trabalhadores locais, quando sob supervisores in-gleses,
durante esse tempo produzem pouco menos que ingleses em 10 horas, porém, sob supervisores alemães, produzem ainda muito me-nos.


O salário seria muito mais baixo do que na Inglaterra, 50% em
muitos casos, mas o número de braços em relação à maquinaria seria
muito maior, em vários departamentos na proporção de 5 : 3. O sr.
Redgrave dá detalhes preciosos sobre as fábricas russas de algodão.
Os dados foram-lhe fornecidos por um manager inglês que ainda re-centemente esteve ali ocupado. Sobre esse solo russo, tão fértil em


todos as infâmias, também os velhos horrores do período da infância
das factories inglesas estão em pleno florescimento. Os dirigentes são
naturalmente ingleses, pois os capitalistas russos nativos não servem
para o negócio fabril. Apesar de todo excesso de trabalho, trabalho
diurno e noturno ininterrupto e o mais vergonhoso subpagamento dos
trabalhadores, o produto russo apenas vegeta devido à proibição do estrangeiro. — Finalmente, dou ainda um quadro comparativo do Sr.


Redgrave sobre o número médio de fusos por fábrica e por fiandeiro
em diferentes países da Europa. O próprio sr. Redgrave observa que
reuniu esses dados há alguns anos e que desde então o tamanho das
fábricas e o número de fusos por trabalhador na Inglaterra teriam
aumentado. Ele pressupõe, porém, progresso proporcionalmente igual nos países continentais enumerados, de modo que os dados numéricos


teriam mantido seu valor comparativo.


MARX


191
mais baixo nos últimos do que nos primeiros. (...) Trabalho por salário diário é muito mais baixo na Escócia do que na Inglaterra. (...) Trabalho por peça é, em
geral, mais barato na
Inglaterra". (ANDERSON, James. Observations on the means of Exciting a Spirit of National Industry etc. Edimburgo, 1777. pp. 350-351.) — Inversamente, o baixo nível
do salário
produz, por sua vez, um encarecimento do trabalho. "Trabalho é mais caro na Irlanda do que na Inglaterra (...) porque os salários são tão mais baixos." (Nº 2074
em Royal Commission
on Railwaye, Minutes. 1867.)
184#
Número médio de fusos por fábrica
Na Inglaterra número médio de fusos em cada fábrica 12 600 Na Suíça " " " " " " " 8 000


Na Áustria " " " " " " " 7 000 Na Saxônia " " " " " " " 4 500
Na Bélgica " " " " " " " 4 000 Na França " " " " " " " 1 500
Na Prússia " " " " " " " 1 500


Número médio de fusos per capita
Na França uma pessoa para 14 fusos Na Rússia " " " 28 "


Na Prússia " " " 37 " Na Baviera " " " 46 "
Na Áustria " " " 49 " Na Bélgica " " " 50 "
Na Saxônia " " " 50 " Nos pequenos Estados alemães " " " 55 "
Na Suíça " " " 55 " Na Inglaterra " " " 74 "


"Essa comparação", diz o Sr. Redgrave, "é, além de outras razões, particularmente desfavorável para a Inglaterra, porque lá existe grande
número de fábricas nas quais a tecelagem mecânica está combinada com a fiação, enquanto o cálculo não desconta nenhuma cabeça para
os teares. As fábricas estrangeiras, ao contrário, são na maioria simples fiações. Se pudéssemos comparar exatamente igual com igual, então
eu poderia enumerar muitas fiações de algodão em meu distrito, em que mules com 2 200 fusos são supervisionadas por um único homem
(minder) e duas auxiliares, produzindo diariamente 220 libras de fio com o comprimento de 400 milhas (inglesas)." (Reports of Insp. of Fact.,
31st Oct. 1866. p. 31-37 passim.)
Sabe-se que na Europa oriental, assim como na Ásia, companhias inglesas encarregaram-se da construção de estradas de ferro e ao lado
de trabalhadores nativos utilizaram também certo número de traba-lhadores ingleses. Forçadas pela necessidade prática de levar em conta
as diferenças nacionais na intensidade do trabalho, não tiveram com isso nenhum prejuízo. Sua experiência ensina que, ainda que o nível
do salário corresponda mais ou menos à intensidade média do trabalho, o preço relativo do trabalho (em relação ao produto) geralmente se
move em sentido contrário.


OS ECONOMISTAS


192
185#
Em Ensaio Sobre a Taxa de Salários, 400 um de seus primeiros estudos econômicos, H. Carey tenta provar que os diferentes salários
nacionais variam diretamente com os graus de produtividade das jor-nadas nacionais de trabalho, para extrair dessa proporção internacional
a conclusão de que o salário em geral sobe e desce de acordo com a produtividade do trabalho. Nossa análise da produção da mais-valia
comprova o absurdo dessa conclusão, mesmo que Carey tivesse de-monstrado sua premissa, em vez de, segundo seu costume, amontoar
e embaralhar superficialmente e sem nenhuma crítica o material es-tatístico recolhido ao acaso. O melhor é que ele não afirma que a coisa
se comporta realmente como segundo a teoria ela deveria se comportar. A intervenção do Estado na verdade falseou as relações econômicas
naturais. Têm-se, portanto, de calcular os salários nacionais de tal forma, como se a parte destes que vai para o Estado como imposto
coubesse ao próprio trabalhador. Não deveria o sr. Carey continuar a refletir se esses "custos do Estado" não são também "frutos naturais"
do desenvolvimento capitalista? O raciocínio é totalmente digno do homem que primeiro declarou as relações de produção capitalista como
leis eternas da Natureza e da razão, cujo jogo livre e harmônico somente seria perturbado pela intervenção do Estado, para depois descobrir
que a influência diabólica da Inglaterra no mercado mundial, uma influência que, ao que parece, não decorre das leis naturais da produção
capitalista, torna necessária a intervenção do Estado, a saber a proteção daquelas leis da Natureza e da razão pelo Estado, aliás o sistema
protecionista. Ele descobriu ainda que os teoremas de Ricardo etc., em que são formuladas as antíteses e contradições sociais existentes, não
constituem o produto ideal do movimento econômico real, mas que, ao contrário, as antíteses reais da produção capitalista na Inglaterra e
noutros países são o resultado das teorias de Ricardo etc.! Ele descobriu, finalmente, que em última instância é o comércio que destrói as belezas
e harmonias inatas do modo de produção capitalista. Com um passo a mais ele talvez descubra que o único mal da produção capitalista é
o próprio capital. Só um homem com tal espantosa falta de senso crítico e erudição de faux aloi 401 mereceria, apesar de sua heresia protecionista,
tornar-se a fonte secreta da sabedoria harmônica de um Bastiat e de todos os livre-cambistas otimistas da atualidade.


MARX


193
400 Essay on the Rate of Wages: with an Examination of the Causes of the Differences in the Conditions of the Labouring Population Throughout the World. Filadélfia,
1835.
401 De falsa substância. (N. dos T.)
186#
SEÇÃO VII
O PROCESSO DE ACUMULAÇÃO DO CAPITAL
187#
A transformação de uma soma de dinheiro em meios de produção e força de trabalho é o primeiro movimento pelo qual passa um quantum
de valor que deve funcionar como capital. Ela tem lugar no mercado, na esfera de circulação. A segunda fase do movimento, o processo de
produção, está encerrada tão logo os meios de produção estejam trans-formados em mercadorias cujo valor supera o valor de seus componen-tes,
portanto, que contenha o capital originalmente adiantado mais uma mais-valia. Essas mercadorias a seguir têm de ser lançadas de
novo à esfera da circulação. Trata-se de vendê-las, realizar seu valor em dinheiro, transformar esse dinheiro novamente em capital, e assim
sempre de novo. Esse ciclo, que percorre sempre as mesmas fases su-cessivas, constitui a circulação do capital.
A primeira condição da acumulação é que o capitalista tenha conseguido vender suas mercadorias e retransformar a maior parte do
dinheiro assim recebido em capital. É pressuposto, a seguir, que o capital percorra seu processo de circulação de modo normal. A análise
mais pormenorizada desse processo pertence ao Livro Segundo. O capitalista que produz a mais-valia, isto é, extrai trabalho não-pago
diretamente dos trabalhadores e o fixa em mercadorias, é, na verdade, o primeiro apropriador, mas, de modo algum, o último pro-prietário
dessa mais-valia. Tem de dividi-la, mais tarde, com capita-listas que realizam outras funções na produção social como um todo,
com o proprietário fundiário etc. A mais-valia divide-se, portanto, em diferentes partes. Suas frações cabem a categorias diferentes de pessoas
e recebem formas diferentes, independentes umas das outras, tais como lucro, juro, ganho comercial, renda da terra etc. Essas formas mudadas
da mais-valia somente podem ser tratadas no Livro Terceiro. Supomos aqui, portanto, por um lado, que o capitalista que produz
a mercadoria a vende por seu valor, sem nos determos mais com sua volta ao mercado, nem com as novas formas que o capital assume na
esfera de circulação, nem com as condições concretas da reprodução ocultas nessas formas. Por outro lado, consideramos o produtor capi-197
188#
talista como proprietário da mais-valia inteira ou, se se quiser, como representante de todos os participantes no butim. Encaramos, portanto,
de início a acumulação em abstrato, isto é, como mero momento do processo direto de produção.
De resto, na medida em que a acumulação se realiza, o capitalista consegue vender a mercadoria produzida e retransformar em capital
o dinheiro recebido por ela. Além disso: o fracionamento da mais-valia em diversas partes nada muda em sua natureza nem nas condições
necessárias em que ela se torna elemento da acumulação. Qualquer que seja a proporção da mais-valia que o produtor capitalista retém
para si mesmo ou cede a outros, ele sempre se apropria dela em primeira mão. O que, portanto, é pressuposto em nossa apresentação da acu-mulação,
é pressuposto de seu processo real. Por outro lado, o fracio-namento da mais-valia e o movimento mediador da circulação obscu-recem
a simples forma básica do processo de acumulação. Por isso, sua análise pura exige a abstração provisória de todos os fenômenos
que escondem o jogo interno de seu mecanismo.


OS ECONOMISTAS


198
189#
CAPÍTULO XXI
Reprodução Simples


Qualquer que seja a forma social do processo de produção, este tem de ser contínuo ou percorrer periodicamente, sempre de novo, as
mesmas fases. Uma sociedade não pode parar de consumir, tampouco
deixar de produzir. Considerado em sua permanente conexão e cons-tante
fluxo de sua renovação, todo processo social de produção é, por-tanto,
ao mesmo tempo, processo de reprodução.
As condições da produção são ao mesmo tempo as condições
da reprodução. Nenhuma sociedade pode produzir continuamente,
isto é, reproduzir, sem retransformar continuamente parte de seus
produtos em meios de produção ou em elementos da nova produção. Permanecendo constantes as demais circunstâncias, ela só pode re-produzir


ou manter sua riqueza na mesma escala substituindo os
meios de produção, isto é, meios de trabalho, matérias-primas e
matérias auxiliares, consumidos, por exemplo, durante o ano, in
natura, por um quantum igual de novos exemplares, separados da
massa anual de produtos e incorporados, de novo, ao processo de
produção. Determinado quantum do produto anual pertence, por-tanto, à produção. Destinado desde a origem ao consumo produtivo,


esse quantum existe, em grande parte, sob formas naturais que por
si mesmas excluem o consumo individual.
Se a produção tem forma capitalista, então a terá a reprodução.
Como no modo de produção capitalista o processo de trabalho só aparece
como um meio para o processo de valorização, assim a reprodução
aparece apenas como um meio para reproduzir o valor adiantado como
capital, isto é, como valor que se valoriza. Uma pessoa só encarna a
personagem econômica do capitalista porque seu dinheiro funciona con-tinuamente como capital. Se, por exemplo, a quantia adiantada de 100


199
190#
libras esterlinas se transformou, neste ano, em capital e produziu uma
mais-valia de 20 libras esterlinas, então terá de repetir a mesma ope-ração
no ano seguinte etc. Como incremento periódico do valor do ca-pital,
ou fruto periódico do capital em processamento, a mais-valia
recebe a forma de uma revenue 402 que provém do capital. 403
Se essa revenue serve ao capitalista apenas como fundo de con-sumo
ou é despendida com a mesma periodicidade com que é ganha,
então tem lugar, permanecendo constantes as demais circunstâncias,
reprodução simples. Embora esta seja mera repetição do processo de
produção na mesma escala, essa mera repetição ou continuidade im-prime
ao processo certas características novas ou, antes, dissolve as
características aparentes que possui como episódio isolado.
O processo de produção é iniciado com a compra da força de
trabalho por determinado tempo, e esse início se renova constante-mente,
tão logo o prazo de venda do trabalho esteja vencido, tendo
decorrido determinado período de produção, semana, mês etc. O tra-balhador,
porém, só é pago depois de sua força de trabalho ter se
efetivado e realizado tanto seu próprio valor como a mais-valia, em
mercadorias. Ele produziu, dessa forma, tanto a mais-valia, que con-sideramos
por enquanto apenas como fundo de consumo do capitalista,
quanto o fundo de seu próprio pagamento, o capital variável, antes
que este retorne a ele sob a forma de salário, e ele só fica ocupado
enquanto não deixa de reproduzi-lo. Daí provém a fórmula dos econo-mistas,
mencionada no capítulo XVI, II, que apresenta o salário como
participação no próprio produto. 404 É uma parte do produto reproduzido
continuamente pelo próprio trabalhador, que reflui constantemente
para ele na forma de salário. O capitalista paga-lhe, contudo, o valor
das mercadorias em dinheiro. Mas o dinheiro não é nada mais que a
forma transformada do produto do trabalho. Enquanto o trabalhador
transforma parte dos meios de produção em produto, retransforma-se
parte de seu produto anterior em dinheiro. É com seu trabalho da
semana anterior ou do último meio ano que seu trabalho de hoje ou
do próximo meio ano será pago. A ilusão, gerada pela forma monetária,


OS ECONOMISTAS


200
402 Renda. (N. dos T.) 403 "Os ricos, que consomem os produtos do trabalho dos outros, obtêm-nos apenas por atos
de troca (compras de mercadorias). Por isso, parecem expostos a um esgotamento iminente de seus fundos de reserva. (...) Mas na ordem social, a riqueza recebeu a
força de repro-duzir-
se por meio de trabalho alheio. (...) A riqueza, como o trabalho e por meio do trabalho, fornece um fruto anual, que pode ser destruído todo ano sem que o rico se
torne mais
pobre. Esse fruto é a revenue que provém do capital." (SISMONDI. Nouv. Princ. d'Écon. Pol. t. I, pp. 81-82.)
404 "Salários, como também lucros, devem ser considerados partes do produto acabado." (RAM-SAY. An Essay on the Distribution of Wealth. Edimburgo, 1836, p. 142).
"A participação
no produto, que cabe ao trabalhador sob a forma de salário." (MILL, J. Elements etc. — Tradução de Parisot, Paris, 1823, pp. 33-34.)
191#
desaparece imediatamente tão logo sejam consideradas a classe capi-talista
e a classe trabalhadora em vez do capitalista individual e do
trabalhador individual. A classe capitalista dá constantemente à classe
trabalhadora, sob forma monetária, títulos sobre parte do produto pro-duzido
por esta e apropriado por aquela. Esses títulos, o trabalhador
os restitui, do mesmo modo constante, à classe capitalista e retira-lhe,
com isso, aquela parte de seu próprio produto que é atribuída a ele.
A forma mercadoria do produto e a forma monetária da mercadoria
disfarçam a transação.
O capital variável, portanto, é apenas uma forma histórica par-ticular
em que aparece o fundo dos meios de subsistência ou fundo de
trabalho, de que o trabalhador necessita para sua própria manutenção
e reprodução e que em todos os sistemas de produção social ele mesmo
sempre tem de produzir e reproduzir. O fundo de trabalho só flui cons-tantemente
para ele sob a forma de meios de pagamento de seu tra-balho,
porque seu próprio produto afasta-se constantemente dele sob
a forma de capital. Mas essa forma de aparição do fundo de trabalho
em nada altera o fato de que o capitalista adianta ao trabalhador seu
próprio trabalho objetivado. 405 Tomemos, por exemplo, um camponês
submetido à corvéia. Ele trabalha com seus próprios meios de produção
em seu próprio campo, por exemplo, 3 dias por semana. Nos outros 3
dias da semana realiza a corvéia na propriedade senhorial. Ele reproduz
constantemente seu próprio fundo de trabalho e este, em relação a
ele, não assume nunca a forma de meios de pagamento adiantados
por um terceiro, por seu trabalho. Em compensação, seu trabalho for-çado
não-pago não assume nunca a forma de trabalho voluntário e
pago. Se amanhã o senhor feudal se apropriasse do campo, dos animais
de tiro, das sementes, numa só palavra, dos meios de produção do
camponês submetido à corvéia, este, daí em diante, teria de vender
sua força de trabalho ao senhor. Não se alterando as demais circuns-tâncias,
trabalharia, depois como antes, 6 dias por semana, 3 dias
para si mesmo e 3 dias para o ex-senhor feudal, transformado agora
em senhor do salário. Continuaria, depois como antes, desgastando os
meios de produção como meios de produção e transferindo seu valor
ao produto. Depois como antes, determinada parte do produto conti-nuaria
entrando na reprodução. Mas como a corvéia assume forma de
trabalho assalariado, o fundo de trabalho depois como antes produzido
e reproduzido pelo servo assume a forma de um capital adiantado a
este pelo senhor feudal. O economista burguês cujo cérebro limitado


MARX


201
405 "Quando se emprega capital para adiantar ao trabalhador seu salário, nada se adiciona ao fundo para a manutenção do trabalho." (CAZENOVE em nota à sua ed. de
Malthus, Defi-nitions
in Polit. Econ. Londres, 1853, p. 22.)
192#
não é capaz de distinguir a forma de manifestação do que nela se
manifesta, fecha os olhos ao fato de que até hoje o fundo de trabalho
aparece apenas excepcionalmente sobre o globo terrestre na forma
de capital. 406
O capital variável, porém, só perde o significado de um valor
adiantado a partir do fundo próprio do capitalista 407 se consideramos
o processo de produção capitalista no fluxo contínuo de sua renovação.
Mas ele tem de começar em algum lugar e em algum momento. A
partir de nosso ponto de vista, desenvolvido até agora, é provável por-tanto
que alguma vez o capitalista se tornou possuidor de dinheiro em
virtude de uma acumulação primitiva, independente de trabalho alheio
não-pago, e por isso pôde pisar no mercado como comprador de força
de trabalho. Entretanto, a mera continuação do processo de produção
capitalista ou a reprodução simples efetuam, contudo, outras mudanças
notáveis, que atingem não somente o capital variável, mas também o
capital global.
Se a mais-valia produzida periodicamente, por exemplo, anual-mente,
por um capital de 1 000 libras esterlinas, for de 200 libras
esterlinas e se essa mais-valia for consumida todos os anos, é claro
que, depois de repetir-se o mesmo processo durante 5 anos, a soma
da mais-valia consumida será = 5 x 200, ou igual ao valor do capital
originalmente adiantado de 1 000 libras esterlinas. Se a mesma mais-valia
fosse apenas parcialmente consumida, por exemplo só pela me-tade,
teríamos o mesmo resultado, após 10 anos de repetição do processo
de produção, pois 10 x 100 = 1 000. Em geral: o valor do capital adian-tado
dividido pela mais-valia consumida anualmente dá o número de
anos, ou de períodos de reprodução, ao cabo dos quais o capital adian-tado
originalmente foi consumido pelo capitalista e, portanto, desapa-receu.
A concepção do capitalista de que ele consome o produto do
trabalho alheio não-pago, a mais-valia, e mantém o capital original
não pode alterar absolutamente nada no fato. Ao final de certo número
de anos, o valor do capital que possui é igual à soma da mais-valia
apropriada durante o mesmo número de anos, sem equivalente, e a
soma do valor consumido por ele é igual ao valor do capital original.
Certamente ele mantém um capital nas mãos, cuja grandeza não se
alterou, do qual parte, edifícios, máquinas etc., já existia quando pôs


OS ECONOMISTAS


202
406 "Nem sequer num quarto da Terra os meios de subsistência dos trabalhadores são adiantados a eles pelos capitalistas." (JONES, Richard. Textbook of Lectures on
the Polit. Economy of
Nations. Hertford, 1852. p. 36.) 407 "Embora o manufacturer" (isto é, trabalhador da manufatura) "tenha seu salário adiantado
pelo patrão, ele não acarreta a este, na realidade, nenhum custo, pois o valor do salário junto com um lucro é reconstituído geralmente no valor enobrecido do objeto,
ao qual foi
aplicado seu trabalho." (SMITH, A. Op. cit., Livro Segundo. Cap. III, p. 355.)
193#
seu negócio em andamento. Trata-se, porém, aqui, do valor do capital
e não de seus componentes materiais. Se alguém consome sua pro-priedade
inteira assumindo dívidas que se igualam ao valor dessa pro-priedade,
então toda a propriedade representa apenas a soma total de
suas dívidas. E do mesmo modo, quando o capitalista consumiu o equi-valente
de seu capital adiantado, o valor desse capital representa ape-nas
a soma global da mais-valia de que se apropriou gratuitamente.
Não subsiste nenhum átomo de valor de seu antigo capital.
Abstraindo toda acumulação, a mera continuidade do processo
de produção, ou a reprodução simples, transforma após um período
mais ou menos longo necessariamente todo capital em capital acumu-lado
ou mais-valia capitalizada. Se, ao entrar no processo de produção,
ele tenha sido propriedade pessoal adquirida mediante trabalho de seu
aplicador, mais cedo ou mais tarde torna-se valor apropriado sem equi-valente
ou materialização, seja em forma monetária ou outra, de tra-balho
alheio não-pago.
Vimos no capítulo IV: para transformar dinheiro em capital não
bastava a existência de produção de mercadorias e circulação de mer-cadorias. 408
Antes tinham de defrontar-se, aqui, possuidores de valor
ou dinheiro, lá, possuidores da substância criadora de valor; aqui, pos-suidores
de meios de produção e de subsistência, lá, possuidores de
nada mais que a força de trabalho, desempenhando os papéis de com-pradores
e vendedores. A separação entre o produto do trabalho e o
próprio trabalho, entre as condições objetivas do trabalho e sua força
subjetiva de trabalho, era a base realmente dada, o ponto de partida
do processo de produção capitalista.
Mas o que era, no princípio, apenas ponto de partida, é produzido
e perpetuado sempre de novo, por meio da mera continuidade do pro-cesso,
da reprodução simples, como resultado próprio da produção ca-pitalista.
Por um lado, o processo de produção transforma continua-mente
a riqueza material em capital, em meios de valorização e de
satisfação para o capitalista. Por outro, o trabalhador sai do processo
sempre como nele entrou — fonte pessoal de riqueza, mas despojado
de todos os meios, para tornar essa riqueza realidade para si. Como,
ao entrar no processo, seu próprio trabalho já está alienado dele, apro-priado
pelo capitalista e incorporado ao capital, este se objetiva, durante
o processo, continuamente em produto alheio. Como o processo de pro-dução
é, ao mesmo tempo, o processo de consumo da força de trabalho
pelo capitalista, o produto do trabalhador transforma-se continuamente
não só em mercadoria, mas em capital, em valor que explora a força


MARX


203
408 4ª edição; produção de valor. (N. da Ed. Alemã.)
194#
criadora de valor, em meios de subsistência que compram pessoas, em
meios de produção que empregam o produtor. 409 O próprio trabalhador
produz, por isso, constantemente a riqueza objetiva como capital, como
poder estranho, que o domina e explora, e o capitalista produz de
forma igualmente contínua a força de trabalho como fonte subjetiva
de riqueza, separada de seus próprios meios de objetivação e realização,
abstrata, existente na mera corporalidade do trabalhador, numa só
palavra, o trabalhador como trabalhador assalariado. 410 Essa constante
reprodução ou perpetuação do trabalhador é a condição sine qua non 411
da produção capitalista.
O consumo do trabalhador é de dupla espécie. Na própria pro-dução,
ele consome meios de produção, mediante seu trabalho, e os
transforma em produtos de valor mais elevado que o do capital adian-tado.
Esse é seu consumo produtivo. Ele é simultaneamente consumo
de sua força de trabalho pelo capitalista que a comprou. Por outro
lado, o trabalhador utiliza o dinheiro pago pela compra da força de
trabalho em meios de subsistência: esse é seu consumo individual.
O consumo produtivo e o individual do trabalhador são, portanto,
inteiramente diferentes. No primeiro, atua como força motriz do
capital e pertence ao capitalista; no segundo, pertence a si mesmo
e executa funções vitais fora do processo de produção. O resultado
do primeiro é a vida do capitalista, o do outro é a vida do próprio
trabalhador.
Ao considerar a "jornada de trabalho" etc., mostrou-se oportuna-mente
que o trabalhador é com freqüência forçado a fazer de seu con-sumo
individual mero incidente do processo de produção. Nesse caso,
ele se abastece de meios de subsistência a fim de manter sua força de
trabalho em andamento, como se abastece de água e carvão a máquina
a vapor e de óleo a roda. Nesse caso, seus meios de consumo são
simples meios de um meio de produção; seu consumo individual, con-sumo
diretamente produtivo. Isso parece ser, entretanto, um abuso
não essencial ao processo de produção capitalista. 412
A coisa muda de figura tão logo consideramos não o capitalista


OS ECONOMISTAS


204
409 "Isso é uma propriedade particularmente notável do consumo produtivo. O que é consumido produtivamente é capital e torna-se capital mediante o consumo." (MILL,
J. Op. cit., p.
242). J. Mill, contudo, não descobriu a pista dessa "propriedade particularmente notável". 410 "É de fato verdade que a primeira introdução de uma manufatura ocupa
muitos pobres,
mas eles continuam pobres e a permanência da manufatura produz muitos mais deles." (Reasons for a Limited Exportation of Wool. Londres, 1677, p. 19.) "O arrendatário
afirma
agora, contra toda razão, que ele mantém os pobres. Na verdade são mantidos na miséria." (Reasons for the Late Increase of poor Rates: Or a Comparative View of the
Prices of
Labour and Provisions. Londres, 1777. p. 31.) 411 Indispensável. (N. dos T.)
412 Rossi não enfatizaria tanto esse ponto se houvesse realmente penetrado no segredo da productive consumption.
195#
individual e o trabalhador individual, mas a classe capitalista e a classe
trabalhadora, não o processo de produção da mercadoria isolado, mas
o processo de produção capitalista, em seu fluxo e em sua dimensão
social. Quando o capitalista converte parte de seu capital em força de
trabalho, valoriza com isso seu capital global. Mata dois coelhos com
uma só cajadada. Ele lucra não apenas daquilo que recebe do traba-lhador,
mas também daquilo que lhe dá. O capital alienado no inter-câmbio
por força de trabalho é transformado em meios de subsistência,
cujo consumo serve para reproduzir músculos, nervos, ossos, cérebro
dos trabalhadores existentes e para produzir novos trabalhadores. Den-tro
dos limites do absolutamente necessário, o consumo individual da
classe trabalhadora é portanto retransformação dos meios de subsis-tência,
alienados pelo capital por força de trabalho, em força de trabalho
de novo explorável pelo capital. Esse consumo é produção e reprodução
do meio de produção mais imprescindível ao capitalista, o próprio tra-balhador.
O consumo individual do trabalhador continua sendo, pois,
um momento da produção e reprodução do capital, quer ocorra dentro,
quer fora da oficina, da fábrica etc., quer dentro quer fora do processo
de trabalho, exatamente como a limpeza da máquina, se esta ocorre
durante o processo de trabalho ou durante determinadas pausas do
mesmo. Em nada altera a coisa se o trabalhador realiza seu consumo
individual por amor a si mesmo e não ao capitalista. Assim, o consumo
do animal de carga não deixa de ser um momento necessário do processo
de produção, porque o animal se satisfaz com o que come. A constante
manutenção e reprodução da classe trabalhadora permanece a condição
constante para a reprodução do capital. O capitalista pode deixar
tranqüilamente seu preenchimento a cargo do impulso de autopre-servação
e procriação dos trabalhadores. Ele apenas cuida de manter
o consumo individual deles o mais possível nos limites do necessário
e está muito longe daquela brutalidade sul-americana, que obriga
o trabalhador a ingerir alimentos mais substanciosos em vez de
menos substanciosos. 413
É por isso que o capitalista e seu ideólogo, o economista político,
consideram produtiva apenas a parte do consumo individual do tra-balhador,
que é exigida para a perpetuação da classe trabalhadora,
que portanto, de fato, tem de ser consumida para que o capital consuma


MARX


205
413 "Os trabalhadores das minas da América do Sul, cuja ocupação diária (talvez a mais pesada do mundo) consiste em levar sobre os ombros uma carga de 200 libras
de peso, de uma
profundidade de 450 pés à superfície, vivem apenas de pão e feijão; eles dariam preferência apenas ao pão como alimento, mas seus senhores, havendo descoberto que
somente com o
pão não podem trabalhar tanto, tratam-nos como cavalos e os obrigam a comer feijão; o feijão é relativamente mais rico em fosfato de cálcio que o pão." (LIEBIG.
Die Chemie in
ihrer Anwendung auf Agricultur und Physiologie. 1862. Parte Primeira, p. 194, nota.)
196#
a força de trabalho; o que, além disso, o trabalhador possa consumir
para seu próprio prazer, é consumo improdutivo. 414 Se a acumulação
do capital causasse uma elevação do salário e, portanto, um aumento
dos meios de consumo do trabalhador, sem consumo de mais força de
trabalho pelo capital, o capital adicional teria sido consumido impro-dutivamente. 415
De fato: o consumo individual do trabalhador é para
ele mesmo improdutivo, pois reproduz apenas o indivíduo necessitado;
ele é produtivo para o capitalista e para o Estado, posto que produz
a força produtora de riqueza alheia. 416
Do ponto de vista social, a classe trabalhadora é, portanto, mesmo
fora do processo direto de trabalho, um acessório do capital, do mesmo
modo que o instrumento morto de trabalho. Mesmo seu consumo in-dividual,
dentro de certos limites, é apenas um momento do processo
de reprodução do capital. O processo, porém, faz com que esses ins-trumentos
de produção autoconscientes não fujam ao remover cons-tantemente
seu produto do pólo deles para o pólo oposto do capital.
O consumo individual cuida, por um lado, de sua própria manutenção
e reprodução, por outro, mediante destruição dos meios de subsistência,
de seu constante reaparecimento no mercado de trabalho. O escravo
romano estava preso por correntes a seu proprietário, o trabalhador
assalariado o está por fios invisíveis. A aparência de que é independente
é mantida pela mudança contínua dos patrões individuais e pela fictio
juris 417 do contrato.
Antigamente, o capital fazia valer, onde lhe parecia necessário,
seu direito de propriedade sobre o trabalhador livre, por meio da
coação legal. Assim, por exemplo, a emigração de operadores de
máquinas estava proibida na Inglaterra, até 1815, sob pena de pe-sada
punição.
A reprodução da classe trabalhadora implica, ao mesmo tempo,
a transmissão e a acumulação da habilidade de uma geração para
outra. 418 A extensão em que o capitalista conta a existência de tal
classe trabalhadora hábil entre as condições de produção a ele perten-


OS ECONOMISTAS


206
414 MILL, James. Op. cit., p. 238 et seqs. 415 "Se o preço do trabalho subisse tanto, que apesar do acréscimo de capital não se pudesse
empregar mais trabalho, então eu diria que tal acréscimo de capital é consumido impro-dutivamente." (RICARDO. Op. cit., p. 163.)
416 "O único consumo produtivo em sentido próprio é o consumo ou a destruição de riqueza" (ele se refere ao consumo dos meios de produção) "por capitalistas para
fins de reprodução.
(...) O trabalhador (...) é um consumidor produtivo para a pessoa que o emprega, e para o Estado, mas, falando estritamente, não para si mesmo." (MALTHUS. Definitions
etc. p. 30.)
417 Ficção jurídica. (N. dos T.) 418 "A única coisa da qual se pode dizer que é armazenada e preparada com antecipação é a
habilidade do trabalhador. (...) A acumulação e o armazenamento de trabalho hábil, essa importantíssima operação realiza-se, no que se refere à grande massa dos
trabalhadores,
sem nenhum capital." (HODGSKIN. Labour Defended etc. pp. 12-13.)
197#
centes, considerando-a, de fato, a existência real de seu capital variável,
revela-se assim que uma crise ameaça causar sua perda. Em conse-qüência
da guerra civil americana e da crise do algodão que a acom-panhou, como se sabe, a maioria dos trabalhadores algodoeiros em


Lancashire foi jogada na rua. Do seio da própria classe trabalhadora,
como de outras camadas da sociedade, ergueu-se um clamor pelo apoio
do Estado ou por uma coleta nacional voluntária, a fim de possibilitar
a emigração dos "supérfluos" para as colônias inglesas ou para os Es-tados
Unidos. Naquela ocasião, o Times (de 24 de março de 1863) publicou uma carta de Edmund Potter, ex-presidente da Câmara de


Comércio de Manchester. Sua carta foi chamada, com razão, na Câmara
dos Comuns, de "manifesto dos fabricantes". 419 Damos aqui algumas
passagens características, em que se apresenta, sem rodeios, o título
de propriedade do capital sobre a força de trabalho.


"Aos trabalhadores algodoeiros se poderia dizer que sua oferta
é grande demais (...) ela teria de ser reduzida, talvez, de 1/ 3, e
então surgiria uma saudável demanda para os 2/ 3 restantes. (...) A opinião pública insiste na emigração. (...) O patrão" (isto é, o


fabricante de algodão) "não pode ver de boa vontade que sua
oferta de trabalho se afaste; ele pode pensar que isso é tão injusto
como equivocado. (...) Se a emigração for sustentada com fundos
públicos, ele tem direito de pedir que seja ouvido e talvez de
protestar."


O mesmo Potter prossegue explicando quão útil é a indústria de algodão e como "ela indubitavelmente drenou a população da


Irlanda e dos distritos agrícolas ingleses"; quão imensa é sua ex-tensão;
como ela, no ano de 1860, forneceu 5/ 13 de todo o comércio
inglês de exportação e como logo em poucos anos expandir-se-á de
novo mediante a ampliação do mercado, particularmente o da Índia,
e mediante a consecução de suficiente "oferta de algodão a 6 pence a libra". E continua então:


"O tempo — 1, 2, 3 anos talvez — produzirá a quantidade necessária. (...) Eu gostaria então de perguntar se não se deve
conservar essa indústria, se não vale a pena manter a maqui-naria"
(quer dizer, as máquinas vivas de trabalho) "em ordem e
se não é a maior loucura pensar em abandoná-la! Eu penso isso.
Admito que os trabalhadores não são propriedade (I allow that
the workers are not a property), que não são propriedade de Lan-


MARX


207
419 "Essa carta pode ser considerada o manifesto dos fabricantes." (FERRAND, Moção sobre o cotton famine, sessão da Câmara dos Comuns de 27 de abril de 1863.)
198#
cashire ou dos patrões; eles são, porém, a força de ambos; são a
força espiritual e instruída que numa geração não poderá ser
substituída; a outra maquinaria, com que trabalham (the mere machinery which they work), ao contrário, poderia, em grande


parte, ser substituída com vantagem e melhorada em 12 meses. 420
Encorajem ou permitam (!) a emigração da força de trabalho, e
que será do capitalista? (Encourage or allow the working power
to emigrate, and what of the capitalist?)"


Esse grito aflitivo lembra o marechal da corte Kalb. 421


"(...) Tirem a nata dos trabalhadores, e o capital fixo será
desvalorizado em alto grau e o capital circulante não se exporá
à luta com oferta restrita de uma espécie inferior de trabalho.
(...) Dizem-nos que os próprios trabalhadores desejam a emigra-ção.
É muito natural que façam isso. (...) Reduzam, comprimam
o negócio do algodão mediante a retirada de suas forças de tra-balho
(by taking away its working power) pela diminuição de seu dispêndio em salários, digamos em 1/ 3 ou 5 milhões, e que será


então da próxima classe acima deles, os pequenos merceeiros?
Que será da renda da terra, do aluguel das cottages? (...) Do
pequeno arrendatário, do proprietário de casas mais bem situado
e do proprietário fundiário? E digam agora se qualquer outro
plano pode ser mais suicida para todas as classes do país do que este, de enfraquecer a nação pela exportação de seu melhores


trabalhadores fabris e pela desvalorização de parte de seu capital
e de sua riqueza mais produtivos? Eu aconselho um empréstimo
de 5 a 6 milhões, distribuído em 2 ou 3 anos, administrado por
comissários especiais, agregados à administração dos pobres nos
distritos algodoeiros, sob regulações legislativas especiais, com


OS ECONOMISTAS


208
420 Recorda-se que o mesmo capital fala com outro tom, em circunstâncias ordinárias, quando se trata de rebaixar o salário. Então declaram "os patrões" em uníssono
(ver Seção IV,
nota 188): "Os trabalhadores de fábrica deviam manter em salutar memória que seu trabalho é, de fato, uma espécie muito baixa de trabalho qualificado, que não há
nenhum outro
mais fácil de ser assimilado e que em consideração à sua qualidade seja mais bem remu-nerado; que nenhum outro mediante breve instrução pode ser ensinado ao menos
experiente
em tão pouco tempo com tanta abundância. A maquinaria do patrão" (a qual, como ouvimos agora, pode ser substituída em 12 meses com vantagens e melhorada) "desempenha,
de
fato, papel muito mais importante no negócio da produção do que o trabalho e a habilidade do trabalhador" (que agora nem em 30 anos podem ser substituídos), "os
quais podem ser
ensinados em 6 meses de instrução e qualquer camponês pode aprender". 421 Marx faz alusão aqui ao comportamento do marechal da corte Von Kalb na tragédia de
Schiller Kabale und Liebe. Na cena II do ato III, Kalb se recusa, de início, a participar da intriga que é tramada pelo presidente da corte de um príncipe alemão.
Em conseqüência
disso, o presidente ameaça com sua renúncia, que significaria simultaneamente a queda do marechal da corte. Seriamente chocado brada Kalb: "E eu? — O senhor tem
um bom
discurso! O senhor é um homem estudado! Mas eu — mon Dieu! O que sou eu então, se sua alteza me demitir?" (N. da Ed. Alemã.)
199#
certo trabalho forçado para manter elevados os valores morais
dos que recebem esmolas. (...) Pode haver algo pior para proprie-tários
fundiários ou patrões (can anything be worse for landowners or masters) do que renunciar a seus melhores trabalhadores, des-moralizando


e desapontando os restantes, mediante emigração
extensa e esvaziante e esvaziamento de valor e capital de toda
uma província?"


Potter, o órgão escolhido dos fabricantes de algodão, distingue
duas espécies de "maquinaria", ambas pertencentes ao capitalista, das
quais uma permanece na fábrica, enquanto a outra reside à noite e
aos domingos externamente em cottages. Uma está morta, a outra viva.
A maquinaria morta não apenas piora e se desvaloriza cada dia, mas grande parte de sua massa existente, por causa do contínuo progresso


técnico, envelhece constantemente tanto que é vantajoso substituí-la,
em poucos meses, por maquinaria mais nova. A maquinaria viva me-lhora,
ao contrário, quanto mais ela dura, quanto mais acumula em
si a habilidade de gerações. O Times respondeu ao magnata fabril
entre outras coisas:


"O Sr. E. Potter está tão impressionado pela importância ex-traordinária
e absoluta dos industriais do algodão que, para man-ter
essa classe e perpetuar seu negócio, quer encarcerar meio
milhão da classe trabalhadora, contra sua vontade, numa grande Workhouse moral. Merece essa indústria ser mantida? — per-gunta


o Sr. Potter. Seguramente, por todos os meios honrados,
respondemos nós. Vale a pena manter a maquinaria em ordem?
— pergunta outra vez o Sr. Potter. Aqui ficamos perplexos. Por
maquinaria entende o Sr. Potter a maquinaria humana, pois ele
assegura que não pretende tratá-la como propriedade absoluta. Temos de confessar que não achamos que 'valha a pena' ou mesmo


que seja possível manter a maquinaria humana em ordem, isto
é, encarcerá-la e lubrificá-la até que dela se necessite. A maqui-naria
humana tem a propriedade de se enferrujar durante a ina-tividade,
por mais que se a lubrifique e esfregue. Além disso, a
maquinaria humana, como a experiência acaba de nos ensinar,
é capaz por si de aumentar a pressão do vapor e rebentar ou de perder as estribeiras, em nossas grandes cidades. Pode ser, como


diz o Sr. Potter, que um tempo mais longo seja necessário para
a reprodução dos trabalhadores, porém, com maquinistas e di-nheiro
à mão, encontraremos sempre homens ativos, duros e in-dustriosos
para deles fabricar mais mestres de fábrica do que
jamais poderíamos utilizar. (...) O Sr. Potter fala de uma reani-mação da indústria em 1, 2, 3 anos e reclama de nós que não


MARX


209
200#
se encoraje ou permita a emigração da força de trabalho! Ele diz
ser natural que os trabalhadores desejem emigrar, mas ele acha
que a nação deve encarcerar esse meio milhão de trabalhadores
juntamente com os 700 mil que dependem deles, a despeito de
seus desejos, nos distritos algodoeiros e, como conseqüência ne-cessária,
sufocar pela força seu descontentamento, sustentando-os
com esmolas, tudo pela possibilidade de que os patrões algodoeiros
venham a necessitar deles de novo algum dia. (...) É chegada a
hora em que a grande opinião pública dessas ilhas deve fazer
algo para salvar 'essa força de trabalho' daqueles que querem
tratá-la como tratam o carvão, o ferro e o algodão (to save this
working power from those who would deal with it as they deal
with iron, coal and cotton)". 422


O artigo do Times era apenas um jeu d'esprit. 423 A "grande opinião
pública" era, na verdade, a opinião do Sr. Potter, de que os trabalha-dores
fabris eram acessórios móveis das fábricas. Sua emigração foi
impedida. 424 Encarceraram-se os trabalhadores na "Workhouse moral"
dos distritos algodoeiros e continuaram sendo, depois como antes, "a
força (the strenght) dos industriais algodoeiros de Lancashire".
O processo de produção capitalista reproduz, portanto, mediante
seu próprio procedimento, a separação entre força de trabalho e con-dições
de trabalho. Ele reproduz e perpetua, com isso, as condições de
exploração do trabalhador. Obriga constantemente o trabalhador a ven-der
sua força de trabalho para viver e capacita constantemente o ca-pitalista
a comprá-la para se enriquecer. 425 Já não é a casualidade que
contrapõe capitalista e trabalhador como comprador e vendedor no
mercado. É a armadilha do próprio processo que lança o último cons-tantemente
de novo ao mercado como vendedor de sua força de trabalho
e sempre transforma seu próprio produto no meio de compra do pri-meiro.
Na realidade, o trabalhador pertence ao capital antes que se
venda ao capitalista. Sua servidão econômica 426 é, ao mesmo tempo,


OS ECONOMISTAS


210
422 Times. 24 de março de 1863. 423 Jogo de espírito. (N. dos T.)
424 O Parlamento não votou nenhum farthing para a emigração, mas apenas leis, que capa-citavam as municipalidades para manter os trabalhadores entre vida e morte
ou explorá-los,
sem pagamento de salários normais. Quando, ao contrário, 3 anos depois estalou a peste do gado, o Parlamento rompeu descontroladamente a própria etiqueta parlamentar
e votou,
num piscar de olhos, milhões para a indenização dos milionários senhores de terras, cujos arrendatários de toda maneira já se tinham compensado dos prejuízos aumentando
o preço
da carne. O mugido bestial dos proprietários fundiários, quando da abertura do Parlamento em 1866, comprovou que não se precisa ser hindu para adorar a vaca Sabala,
nem Júpiter
para transformar-se num boi. 425 "O trabalhador demandava meios de subsistência para viver, o chefe demandava trabalho
para ganhar." (SISMONDI. Op. cit., p. 91.) 426 Uma forma camponesa tosca dessa servidão existe no condado de Durham. É esse um dos
201#
mediada e escondida pela renovação periódica da venda de si mesmo,
pela troca de seus patrões individuais e pela oscilação do preço de
mercado do trabalho. 427 O processo de produção capitalista, considerado como um todo


articulado ou como processo de reprodução, produz por conseguinte
não apenas a mercadoria, não apenas a mais-valia, mas produz e re-produz
a própria relação capital, de um lado o capitalista, do outro o
trabalhador assalariado. 428


MARX


211
poucos condados em que as condições não asseguram ao arrendatário título irestrito de propriedade sobre os jornaleiros agrícolas. A indústria de mineração oferece
aos últimos
uma alternativa. O arrendatário, em oposição à regra, só aceita aqui, portanto, em arren-damento, terras nas quais encontram-se cottages para os trabalhadores. O
aluguel das
cottages constitui parte do salário. Essas cottages denominam-se hind's houses. ottages denominam-se hind's houses. Elas são alugadas aos trabalhadores sob determinadas
obri-gações
feudais, sob um contrato chamado bondage (servidão) e que obriga o trabalhador, por exemplo, a colocar em seu lugar sua filha etc., durante o tempo em que esteja
ocupado
em outra parte. O trabalhador mesmo chama-se bondsman. Essa relação mostra também o consumo individual do trabalhador como consumo para o capital ou consumo produtivo

de um lado totalmente novo: "É curioso observar como o próprio excremento desse bondsman conta como emolumento pago por ele a seu patrão calculista. (...) O arrendatário
não permite,
em toda a vizinhança, nenhuma latrina que não a sua e não tolera a esse respeito nenhuma diminuição de seu direito de suserano". (Public Health, VII. Rep. 1864,
p. 188.)
427 Recorda-se que, no trabalho das crianças etc., mesmo a formalidade da venda de si mesmo desaparece.
428 "O capital pressupõe o trabalho assalariado, o trabalho assalariado o capital. Condicionam-se reciprocamente e se criam reciprocamente. Um trabalhador, numa
fábrica de algodão, produz
apenas tecidos de algodão? Não, ele produz capital. Ele produz valores que servem de novo para comandar seu trabalho e para criar mediante o mesmo novos valores."
(MARX, Karl.
"Lohnarbeit und Kapital". In N[ eue] Rh[ einische] Z[ eitung]. nº 266, de 7 de abril de 1849.) Os artigos que, com esse título, foram publicados na N. Rh. Z. são
fragmentos das conferências
que dei em 1847 sobre aquele tema, na Associação dos Trabalhadores Alemães em Bruxelas, e cuja impressão foi interrompida pela revolução de fevereiro.
202#
CAPÍTULO XXII
Transformação de Mais-valia em Capital


1. Processo de produção capitalista em escala ampliada. Conversão das leis de propriedade da produção de mercadorias
em leis de apropriação capitalista
Anteriormente tivemos de considerar como a mais-valia se origina do capital, agora, como o capital se origina da mais-valia. Aplicação
de mais-valia como capital ou retransformação de mais-valia em capital chama-se acumulação de capital. 429
Consideremos, primeiro, esse processo do ponto de vista do ca-pitalista individual. Suponhamos que um fiandeiro, por exemplo, tenha
adiantado um capital de 10 mil libras esterlinas, 4/ 5 do qual em algodão, máquinas etc., o último quinto em salário. Que produza anualmente
240 mil libras de fio, no valor de 12 mil libras esterlinas. Com uma taxa de mais-valia de 100%, a mais-valia se encontra no mais-produto
ou produto líquido de 40 mil libras de fio, 1/ 6 do produto bruto, com um valor de 2 mil libras esterlinas, a ser realizado na venda. Uma
soma no valor de 2 mil libras esterlinas é uma soma no valor de 2 mil libras esterlinas. Esse dinheiro não revela pelo cheiro e aparência
que é mais-valia. O caráter de um valor enquanto mais-valia indica como ele chegou a seu possuidor, mas nada altera na natureza do
valor ou do dinheiro. Para transformar a soma recém-adicionada de 2 mil libras es-terlinas
em capital, o fiandeiro, permanecendo iguais as demais cir-cunstâncias, adiantará 4/ 5 dela em compra de algodão etc. e 1/ 5 em
compra de novos trabalhadores fiandeiros, que encontrarão no mercado


213
429 "Acumulação do capital: o emprego de parte da renda como capital." (MALTHUS. Definitions etc. Ed. Cazenove, p. 11.) "Transformação de renda em capital". (MALTHUS.
Princ. of Pol.
Econ. 2ª Ed., Londres, 1836, p. 320.)
203#
os meios de subsistência cujo valor ele lhes adiantou. Então, o novo capital de 2 mil libras esterlinas funciona na fiação e proporciona, por
seu lado, uma mais-valia de 400 libras esterlinas. O valor do capital foi originalmente adiantado sob a forma de
dinheiro; a mais-valia, ao contrário, existe, desde o princípio, como valor de determinada parte do produto bruto. Se este é vendido, trans-formado
em dinheiro, o valor do capital readquire sua forma primitiva, mas a mais-valia muda seu modo de existência original. A partir desse
momento, no entanto, valor do capital e mais-valia são ambos somas de dinheiro e sua retransformação em capital executa-se de modo in-teiramente
idêntico. O capitalista aplica tanto um como a outra na compra de mercadorias, que o capacitam a recomeçar a fabricação de
seu artigo, e na verdade desta vez em escala ampliada. Mas, para comprar essas mercadorias, precisa encontrá-las prontas no mercado.
Seus próprios fios só circulam porque ele leva ao mercado seu produto anual, como todos os demais capitalistas também fazem com
suas mercadorias. Mas, antes de essas mercadorias chegarem ao mer-cado, já faziam parte do fundo de produção anual, isto é, da massa
global de objetos de toda a espécie em que se transforma, no decorrer do ano, a soma total dos capitais individuais ou o capital social global,
do qual cada capitalista tem nas mãos apenas uma parte alíquota. As operações no mercado efetivam apenas a venda das partes componentes
individuais da produção anual, enviam-nas de uma mão à outra, mas não podem aumentar a produção anual conjunta nem modificar a na-tureza
dos objetos produzidos. Qual o uso que poderá ser feito do pro-duto anual total, isso depende de sua própria composição, de nenhum
modo, porém, da circulação. Primeiramente, a produção anual tem de fornecer todos os objetos
(valores de uso) com os quais têm de ser repostos os componentes materiais do capital consumidos no decorrer do ano. Deduzidos estes,
resta o produto líquido ou o mais-produto, no qual se encontra a mais-valia. E de que se compõe esse mais-produto? Talvez de coisas desti-nadas
a satisfazer às necessidades e aos apetites da classe capitalista, entrando, portanto, em seu fundo de consumo? Se isso fosse tudo, a
mais-valia seria dissipada até a última migalha e teria lugar mera-mente reprodução simples.
Para acumular, precisa-se transformar parte do mais-produto em capital. Mas, sem fazer milagres, só se podem transformar em capital
coisas que são utilizáveis no processo de trabalho, isto é, meios de produção e, além destas, coisas com as quais o trabalhador pode manter-se, isto é,
meios de subsistência. Por conseguinte, parte do mais-trabalho anual tem de ser empregada na fabricação de meios adicionais de produção e de
subsistência, em excesso sobre o quantum que foi necessário para a re-posição do capital adiantado. Em uma palavra: a mais-valia só é trans-


OS ECONOMISTAS


214
204#
formável em capital porque o mais-produto, do qual é o valor, já contém os componentes materiais de um novo capital. 430
Para fazer esses componentes funcionarem de fato como capital, a classe capitalista necessita de um acréscimo de trabalho. Caso a
exploração dos trabalhadores já ocupados não deva crescer extensiva ou intensivamente, precisam ser empregadas forças de trabalho adi-cionais.
Disso o mecanismo da produção capitalista também já cuidou, ao reproduzir a classe trabalhadora como classe dependente do salário,
cujo salário comum basta não apenas para assegurar sua manutenção, mas também sua multiplicação. O capital precisa apenas incorporar
essas forças de trabalho adicionais, anualmente fornecidas a ele em diferentes idades pela classe trabalhadora, aos meios de produção adi-cionais
já contidos na produção anual, e a transformação da mais-valia em capital está pronta. Considerada concretamente, a acumulação se
reduz à reprodução do capital em escala progressiva. O circuito da reprodução simples se altera e se transforma, na expressão de Sismondi,
em uma espiral. 431 Voltemos ao nosso exemplo. É a velha história: Abraão gerou
Isaac, Isaac gerou Jacó etc. 432 O capital original de 10 mil libras es-terlinas gera uma mais-valia de 2 mil libras esterlinas, que é capita-lizada.
O novo capital de 2 mil libras esterlinas gera uma mais-valia de 400 libras esterlinas; esta, por sua vez capitalizada, transformada
portanto num segundo capital adicional, gera uma nova mais-valia de 80 libras esterlinas etc.
Nós abstraímos aqui a parte da mais-valia consumida pelo ca-pitalista. Tampouco nos interessa, no momento, se os capitais adicionais
são juntados ao capital original ou são separados dele para uma va-lorização autônoma; se o mesmo capitalista que os acumulou os explora,
ou se ele os transfere a outros. Apenas não devemos esquecer que, ao lado dos novos capitais formados, o capital original continua a se re-produzir
e a produzir mais-valia e que o mesmo vale para cada capital acumulado em relação ao capital adicional por ele produzido.
O capital original formou-se pelo adiantamento de 10 mil libras esterlinas. De onde as obtém seu possuidor? Por seu próprio trabalho
e pelo de seus antepassados!, respondem-nos unanimemente os porta-


MARX


215
430 É abstraído aqui o comércio de exportação, por meio do qual uma nação pode converter artigos de luxo em meios de produção ou de subsistência e vice-versa. Para
apreender o
objeto da investigação em sua pureza, livre de circunstâncias secundárias perturbadoras, temos de considerar o mundo do comércio como uma nação e pressupor que a
produção
capitalista se estabeleceu por toda parte e apoderou-se de todos os ramos industriais. 431 A análise da acumulação de Sismondi tem o grande defeito de que ele se
contenta demais
com a frase "conversão de renda em capital", sem investigar as condições materiais dessa operação.
432 Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacó etc. — O evangelho de Mateus relata no capítulo 1 como a descendência de Abraão, o progenitor original do israelitas, cresceu
progressivamente
e finalmente surgiu dela todo o povo judeu. (N. da Ed. Alemã.)
205#
vozes da Economia Política, 433 e essa suposição parece ser realmente a única coerente com as leis da produção de mercadorias.
Mas a coisa é totalmente diversa com o capital adicional de 2 mil libras esterlinas. Conhecemos exatamente seu processo de sur-gimento.
É mais-valia capitalizada. Desde a origem, ele não contém nenhum átomo de valor que não derive de trabalho alheio não-pago.
Os meios de produção, aos quais a força de trabalho adicional é incor-porada, assim como os meios de subsistência, com os quais ela se man-tém,
não são mais do que componentes integrantes do mais-produto, o tributo que anualmente é extraído da classe trabalhadora pela classe
capitalista. Quando esta, com parte do tributo, compra força de trabalho adicional daquela, mesmo por seu preço integral, de modo que se troque
equivalente por equivalente — permanece sempre o velho procedimento do conquistador, que compra as mercadorias dos vencidos com seu
próprio dinheiro roubado. Quando o capital adicional ocupa seu próprio produtor, tem este,
primeiramente, de continuar a valorizar o capital original e, além disso, de comprar de volta o produto de seu trabalho anterior com mais tra-balho
do que o que esse produto custou. Considerada uma transação entre a classe capitalista e a classe trabalhadora, não muda nada na
coisa se com o trabalho não-pago dos trabalhadores até agora ocupados forem empregados trabalhadores adicionais. O capitalista talvez trans-forme
o capital adicional numa máquina que joga na rua o produtor do capital adicional e o substitui por algumas crianças. Em todos os
casos, a classe trabalhadora criou com o seu mais-trabalho deste ano o capital que no próximo ano ocupará trabalho adicional. 434 Isso é o
que se denomina produzir capital mediante capital. O pressuposto para a acumulação do primeiro capital adicional
de 2 mil libras esterlinas foi uma soma no valor de 10 mil libras esterlinas, adiantada pelo capitalista e pertencente a ele em virtude
de seu "trabalho original". O pressuposto do segundo capital adicional de 400 libras esterlinas, ao contrário, nada mais é que a acumulação
prévia do primeiro, das 2 mil libras esterlinas, cuja mais-valia capi-talizada ele é. Propriedade de trabalho passado não-pago aparece agora
como a única condição para a apropriação presente de trabalho vivo não-pago, em dimensão sempre crescente. Quanto mais o capitalista
houver acumulado, tanto mais poderá acumular. Na medida em que a mais-valia, na qual consiste o capital adi-cional
número I, foi o resultado da compra da força de trabalho por


OS ECONOMISTAS


216
433 "O trabalho original ao qual seu capital deveu seu nascimento." (SISMONDI. Op. cit., ed. Paris, t. I, p. 109.)
434 "O trabalho cria o capital antes de o capital empregar o trabalho." (Labour creates capital before capital employs labour.) (WAKEFIELD. E. G. England and América.
Londres, 1833.
v. II, p. 110.)
206#
uma parte do capital original, compra que correspondeu às leis do intercâmbio de mercadorias e, juridicamente considerada, não pressu-põe
mais do que a livre disposição por parte do trabalhador sobre suas próprias capacidades, por parte do possuidor de dinheiro ou mercado-rias
sobre os valores que lhe pertencem; na medida em que o capital adicional número II etc. é simples resultado do capital adicional número
I, conseqüência, portanto, daquela primeira relação; na medida em que cada transação isolada corresponde constantemente à lei do intercâmbio
de mercadorias, isto é, o capitalista sempre compra a força de trabalho e o trabalhador sempre a vende, e queremos mesmo admitir que por
seu valor real, a lei da apropriação ou lei da propriedade privada, baseada na produção de mercadorias e na circulação de mercadorias,
evidentemente se converte mediante sua própria dialética interna, ine-vitável, em seu contrário direto. O intercâmbio de equivalentes, que
apareceu como a operação original, se torceu de tal modo que se troca apenas na aparência, pois, primeiro, a parte do capital que se troca
por força de trabalho nada mais é que uma parte do produto de trabalho alheio, apropriado sem equivalente, e segundo, ela não somente é re-posta
por seu produtor, o trabalhador, como este tem de repô-la com novo excedente. A relação de intercâmbio entre capitalista e trabalhador
torna-se portanto apenas mera aparência pertencente ao processo de circulação, mera forma, que é alheia ao próprio conteúdo e apenas o
mistifica. A contínua compra e venda da força de trabalho é a forma. O conteúdo é que o capitalista sempre troque parte do trabalho alheio
já objetivado, do qual se apropria incessantemente sem equivalente, por um quantum maior de trabalho vivo alheio. Originalmente, o direito
de propriedade apareceu-nos fundado sobre o próprio trabalho. Pelo menos tinha de valer essa suposição, já que somente se defrontam
possuidores de mercadorias com iguais direitos, e o meio de apropriação de mercadoria alheia porém é apenas a alienação da própria mercadoria
e esta pode ser produzida apenas mediante trabalho. A propriedade aparece agora, do lado do capitalista, como direito de apropriar-se de
trabalho alheio não-pago ou de seu produto; do lado do trabalhador, como impossibilidade de apropriar-se de seu próprio produto. A sepa-ração
entre propriedade e trabalho torna-se conseqüência necessária de uma lei que, aparentemente, se originava em sua identidade. 435
Por mais que o modo de apropriação capitalista pareça ofender as leis originais da produção de mercadorias, ele não se origina de
maneira alguma da violação mas, ao contrário, da aplicação dessas


MARX


217
435 A propriedade do capitalista sobre o produto do trabalho alheio "é estrita conseqüência da lei da apropriação, cujo princípio fundamental era, ao contrário,
o título exclusivo de pro-priedade
de cada trabalhador sobre o produto de seu próprio trabalho". (CHERBULIEZ. Richesse ou Pauvreté. Paris, 1841. p. 58. Aí, entretanto, essa conversão dialética não
é
corretamente desenvolvida.)
207#
leis. Um breve retrospecto da seqüência das fases do movimento, cujo término é a acumulação capitalista, tornará isso mais uma vez claro.
Primeiro, vimos que a transformação original de uma soma de valor em capital se realizava inteiramente de acordo com as leis do
intercâmbio. Um dos contraentes vende sua força de trabalho, o outro a compra. O primeiro obtém o valor de sua mercadoria, cujo valor de
uso — o trabalho — é assim alienado ao segundo. Este transforma agora os meios de produção já pertencentes a ele, com ajuda de trabalho
do mesmo modo a ele pertencente, em novo produto, que por direito também lhe pertence.
O valor desse produto inclui: primeiro, o valor dos meios de pro-dução consumidos. O trabalho útil não pode consumir esses meios de
produção sem transferir seu valor ao novo produto; mas, para ser ven-dável, a força de trabalho tem de ser capaz de fornecer, no ramo in-dustrial
onde ela deve ser aplicada, trabalho útil.
O valor do novo produto inclui, de resto: o equivalente do valor da força de trabalho e uma mais-valia, precisamente porque o valor


da força de trabalho vendida por determinado período de tempo, dia, semana etc., é menor do que o valor que seu uso cria durante esse
tempo. O trabalhador, porém, recebeu em pagamento o valor de troca de sua força de trabalho e, com isso, alienou seu valor de uso — como
é o caso em toda compra e venda.
O fato de que essa mercadoria particular força de trabalho tenha o peculiar valor de uso de fornecer trabalho, portanto de criar valor,


em nada pode alterar a lei geral da produção de mercadorias. Se, portanto, a soma de valores adiantada em salário não reaparece sim-plesmente
no produto, mas reaparece aumentada de uma mais-valia, isso não provém de o vendedor ter sido logrado, pois ele recebeu o
valor de sua mercadoria, mas do consumo desta pelo comprador.
A lei do intercâmbio requer igualdade apenas para os valores de
troca das mercadorias reciprocamente alienadas. Ela até mesmo exige,
desde o princípio, a diversidade de seus valores de uso e não tem
absolutamente nada a ver com seu consumo, que somente começa depois de realizado o negócio.


A transformação original do dinheiro em capital realiza-se na
mais perfeita harmonia com as leis econômicas da produção de mer-cadorias
e com o direito de propriedade delas derivado. Não obstante, ela tem por resultado:


1. que o produto pertence ao capitalista e não ao trabalhador;
2. que o valor desse produto, além do valor do capital adiantado,
inclui uma mais-valia, a qual custou trabalho ao trabalhador, mas nada ao capitalista, e que todavia torna-se propriedade legítima deste;


OS ECONOMISTAS


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3. que o trabalhador continuou a manter sua força de trabalho e pode vendê-la de novo, caso encontre comprador.
A reprodução simples é apenas a repetição periódica dessa pri-meira operação; cada vez, sempre de novo, dinheiro é transformado
em capital. A lei não é, portanto, violada, ao contrário, ela obtém apenas a oportunidade de atuar permanentemente.


"Plusieurs échanges successifs n'ont fait du dernier que le re-présentant du premier." 436 (SISMONDI. Op. cit., p. 70.)
E, sem embargo, vimos que a reprodução simples basta para imprimir a essa primeira operação — na medida em que foi enfocada
como episódio isolado — um caráter totalmente modificado.
"Parmi ceux qui se partagent le revenu national, les uns" (os trabalhadores) "y acquièrent chaque année un nouveau droit par


un noveau travail, les autres" (os capitalistas) "y ont acquis an-térieurement un droit permanent par un travail primitif." 437 (SIS-MONDI.
Op. cit., pp. 110-111.)
Como se sabe, a área do trabalho não é a única onde a primo-genitura faz milagres.


Também não importa se a reprodução simples é substituída pela reprodução em escala ampliada, pela acumulação. Naquela, o capita-lista
esbanja toda a mais-valia; nesta, demonstra sua virtude burguesa pelo consumo de apenas uma parte e a transformação do resto em
dinheiro. A mais-valia é sua propriedade, ela jamais pertenceu a outro. Se
a adianta para a produção, ele faz, exatamente como no dia em que pela primeira vez pisou no mercado, adiantamentos de seu próprio fundo. Que,
dessa vez, esse fundo se origina do trabalho não-pago de seus trabalha-dores, não altera absolutamente nada na coisa. Se o trabalhador B é
ocupado com a mais-valia que o trabalhador A produziu, então, primeiro, A forneceu essa mais-valia sem que se tenha deduzido um real do justo
preço de sua mercadoria, e, segundo, B não tem absolutamente nada a ver com esse negócio. O que B exige e tem direito de exigir é que o
capitalista lhe pague o valor de sua força de trabalho.
"Tous deux gagnaient encore; l'ouvrier parce qu'on lui avançait les fruits de son travail" (deveria dizer: du travail gratuit d'autres


ouvriers) "avant qu'il fût fait" (deveria dizer: avant que le sien


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436 "Várias trocas sucessivas fazem do último apenas o representante do primeiro." (N. dos T.) 437 "Entre aqueles que repartem entre si a renda nacional, uns" (os
trabalhadores) "adquirem
cada ano um novo direito a esta por meio de novo trabalho, outros" (os capitalistas) "já adquiriram anteriormente um direito permanente por meio de um trabalho primitivo."
(N.
dos T.)
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ait porté de fruit); "le maître, parce que le travail de cet ouvrier valait plus que le salaire" (deveria dizer: produisait plus de valeur
que celle de son salaire). 438 (SISMONDI. Op. cit., p. 135.)
Todavia, a coisa assume figura inteiramente diferente se conside-ramos a produção capitalista no fluxo ininterrupto de sua renovação e


se, em vez de lançarmos o olhar sobre o capitalista individual e o traba-lhador individual, lançamos sobre a totalidade, a classe capitalista e, diante
delas, a classe trabalhadora. Mas com isso aplicaríamos um padrão de medida que é totalmente estranho à produção de mercadorias.
Na produção de mercadorias defrontam-se apenas, independentes um do outro, vendedor e comprador. Suas relações recíprocas chegam
ao fim no dia de vencimento do contrato concluído entre eles. Se a transação se repetir, será em conseqüência de novo contrato, que não
tem nada a ver com o anterior e no qual somente por acaso o mesmo comprador e o mesmo vendedor estarão de novo reunidos.
Se a produção de mercadorias ou um procedimento a ela pertencente deve ser julgado segundo suas próprias leis econômicas, temos de consi-derar
cada ato de intercâmbio por si mesmo, fora de qualquer conexão com o ato de intercâmbio que o precedeu e com o que o segue. E visto
que compras e vendas são efetuadas apenas entre indivíduos isolados, é inadmissível procurar nelas relações entre classes sociais inteiras.
Por mais longa que seja a seqüência das reproduções periódicas e acumulações precedentes pelas quais tenha passado o capital que
hoje funciona, este conserva sempre sua virgindade original. Enquanto em cada ato de troca — considerado isoladamente — são mantidas as
leis do intercâmbio, o modo de apropriação pode experimentar um re-volucionamento total sem que seja afetado, de forma alguma, o direito
de propriedade adequado à produção de mercadorias. Esse mesmo di-reito vigora tanto no início, quando o produto pertence ao produtor e
este, trocando equivalente por equivalente, pode enriquecer apenas mediante seu próprio trabalho, como também no período capitalista,
em que a riqueza social em proporção sempre crescente torna-se pro-priedade daqueles que estão em condições de apropriar-se sempre de
novo do trabalho não-pago de outros.
Esse resultado torna-se inevitável tão logo a força de trabalho é vendida livremente como mercadoria pelo próprio trabalhador. Mas


também só a partir de então generaliza-se a produção de mercadorias, que se torna a forma típica de produção; somente a partir de então
cada produto é, desde o início, produzido para a venda e toda a riqueza


OS ECONOMISTAS


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438 "Os dois ainda ganhavam; o trabalhador, porque lhe adiantaram os frutos de seu trabalho" (deveria dizer: do trabalho gratuito de outros trabalhadores) "antes
que ele o fizesse" (deveria
dizer: antes que o dele tenha dado fruto); "o empresário, porque o trabalho desse trabalhador valia mais que seu salário" (deveria dizer: produziu mais valor do
que o de seu salário).
(N. dos T.)
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produzida passa pela circulação. Somente então, quando o trabalho assalariado se torna sua base, a produção de mercadorias impõe-se a
toda a sociedade; mas também somente então ela desenvolve todas as suas potencialidades ocultas. Dizer que a interferência do trabalho
assalariado falseia a produção de mercadorias significa dizer que a produção de mercadorias, para permanecer autêntica, não deve se de-senvolver.
Na mesma medida em que ela evolui, segundo suas próprias leis imanentes, até se tornar produção capitalista, as leis de proprie-dades
inerentes à produção de mercadorias se convertem em leis de apropriação capitalista. 439
Viu-se que mesmo na reprodução simples todo o capital adiantado, como quer que tenha sido originalmente obtido, transforma-se em ca-pital
acumulado ou mais-valia capitalizada. Mas no fluxo da produção todo capital originalmente adiantado torna-se em geral uma grandeza
evanescente (magnitudo evanescens, em sentido matemático) compa-rado com o capital diretamente acumulado, isto é, a mais-valia ou o
mais-produto retransformado em capital, seja funcionando nas mãos de quem acumulou ou em mãos alheias. A Economia Política apresenta,
por isso, o capital em geral como "riqueza acumulada" (mais-valia ou renda transformada) "que é empregada de novo para a produção de
mais-valia", 440 ou também o capitalista como "possuidor do mais-pro-duto". 441 O mesmo ponto de vista aparece apenas sob outra forma na
expressão de que todo capital existente é juro acumulado ou capitali-zado, pois o juro é uma simples fração da mais-valia. 442


2. Concepção errônea da reprodução em escala ampliada por parte da Economia Política


Antes de tratarmos de algumas determinações mais pormenori-zadas da acumulação ou da retransformação da mais-valia em capital,
cumpre esclarecer uma ambigüidade criada pela Economia clássica. As mercadorias que o capitalista compra com parte da mais-valia
para seu próprio consumo não lhe servem como meios de produção e valorização; do mesmo modo, o trabalho que compra para satisfazer
às suas necessidades naturais e sociais não é trabalho produtivo. Em vez de transformar por meio da compra dessas mercadorias e desse


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439 Admire-se a astúcia de Proudhon, que quer eliminar a propriedade capitalista, fazendo valer em contraposição a ela as leis eternas da propriedade da produção
de mercadorias.
440 "Capital é riqueza acumulada, empregada para se obter lucro." (MALTHUS. Op. cit., [p. 262].) "Capital (...) consiste em riqueza economizada da renda e utilizada
para a obtenção
de lucro." (JONES, R. Textbook of Lectures on the Political Economy of Nations. Hertford, 1852. p. 16.)
441 "Os possuidores do mais-produto ou capital." (The Source and Remedy of the National Difficulties. A Letter to Lord John Russell. Londres, 1821. [p. 4.])
442 "Capital com os juros sobre cada parte do capital poupado, apodera-se de tudo a tal ponto, que toda a riqueza do mundo da qual renda é obtida já se transformou
há muito tempo
em juros de capital." (Londres, Economist de 19 de julho de 1851.)
211#
trabalho a mais-valia em capital, ele, ao contrário, a consome ou des-pende como renda. Em face da velha mentalidade aristocrática, que,
como Hegel corretamente diz, "consiste no consumo do existente" 443 e especificamente se expande também no luxo dos serviços pessoais, teve
importância decisiva para a Economia burguesa preconizar a acumu-lação de capital como primeiro dever do cidadão e pregar de forma
incansável: não se pode acumular, quando se come toda a renda, em vez de gastar-se boa parte dela na contratação de trabalhadores pro-dutivos
adicionais, que rendem mais do que custam. Por outro lado, a Economia burguesa teve de polemizar contra o preconceito popular,
que confunde produção capitalista com entesouramento 444 e, por isso, imagina que riqueza acumulada seja riqueza que foi preservada da
destruição em sua forma natural preexistente e, portanto, do consumo, ou seja, foi salva da circulação. Trancar o dinheiro para que não circule
seria exatamente o contrário de sua valorização como capital, e acu-mulação de mercadorias com sentido de entesouramento, mera loucu-ra.
445 Acumulação de mercadorias em grandes quantidades é o resultado
de uma paralisação da circulação ou de superprodução. 446 É certo que corre na imaginação popular, de um lado, o quadro dos bens acumulados


no fundo de consumo dos ricos e que lentamente vão sendo consumidos; de outro lado, a formação de reservas, um fenômeno que pertence a
todos os modos de produção e no qual nos deteremos por um momento, na análise do processo de circulação.


Até esse ponto, a Economia clássica está certa quando realça o consumo do mais-produto por trabalhadores produtivos, em vez de por
improdutivos, como momento característico do processo de acumulação. Entretanto, aqui começa também seu erro. A. Smith tornou moda re-presentar
a acumulação meramente como consumo do mais-produto por trabalhadores produtivos ou a capitalização da mais-valia com sua
mera conversão em força de trabalho. Ouçamos, por exemplo, Ricardo:
"Deve-se compreender que todos os produtos de um país são consumidos; porém, faz a maior diferença imaginável saber se


são consumidos por aqueles que reproduzem outro valor, ou por aqueles que não o reproduzem. Quando dizemos que a renda é
poupada e adicionada ao capital, isso significa que a parte da


OS ECONOMISTAS


222
443 HEGEL. Grundlinien der Philosophie des Rechts, oder Naturrecht und Staatswissenschaft im Grundrisse. Berlim, 1840. § 203, adendo. (N. da Ed. Alemã.)
444 "Nenhum economista político pode, hoje em dia, entender por poupar apenas entesourar: e abstraindo esse procedimento resumido e insuficiente, não se pode imaginar
nenhum
outro uso para essa expressão, em relação à riqueza nacional, que não aquele que deve provir dos diversos usos da poupança e que se baseia numa diferenciação real
entre as
diferentes espécies de trabalho que são mantidas por ela." (MALTHUS. Op. cit., pp. 38-39.) 445 Assim em Balzac, que estudou tão profundamente todos os matizes da
avareza, o velho
avarento Gobseck já se tornou infantilizado quando começa a formar para si um tesouro de mercadorias acumuladas.
446 "Acumulação de capitais (...) cessação do intercâmbio (...) superprodução." (CORBET, Th. Op. cit., p. 104.)
212#
renda da qual se diz ter sido adicionada ao capital é consumida por trabalhadores produtivos, em vez de por trabalhadores im-produtivos.
Não existe maior erro que o de supor que o capital é aumentado pelo não-consumo". 447


Não existe maior erro do que o de A. Smith, que Ricardo e todos os economistas subseqüentes repetem sem pensar, que:


"a parte da renda, da qual se diz ter sido adicionada ao capital, é consumida por trabalhadores produtivos".
Segundo essa concepção, toda mais-valia que é transformada em capital tornar-se-ia capital variável. Ela se reparte, ao contrário, como
valor original adiantado, em capital constante e capital variável, em meios de produção e força de trabalho. Força de trabalho é a forma
em que o capital variável existe dentro do processo de produção. Nesse processo, ela mesma é consumida pelo capitalista. Ela consome, por
intermédio de sua função — o trabalho — meios de produção. Ao mesmo tempo, o dinheiro pago na compra da força de trabalho transforma-se
em meios de subsistência, que são consumidos não pelo "trabalho pro-dutivo", mas pelo "trabalhador produtivo". A. Smith chega, por uma
análise basicamente equivocada, ao resultado absurdo de que, ainda que todo capital individual se decomponha em parte constante e parte
variável, o capital social se compõe somente de capital variável ou é gasto apenas em pagamento de salários. Um fabricante de panos, por
exemplo, transforma 2 mil libras esterlinas em capital. Ele aplica parte do dinheiro na compra de tecelões e parte na de fios de lã, maquinaria
para processar lã etc. As pessoas, porém, das quais ele compra os fios e a maquinaria, pagam de novo com parte do dinheiro obtido, trabalho
etc., até que todas as 2 mil libras esterlinas sejam gastas no pagamento de salários ou até que todo o produto representado pelas 2 mil libras
esterlinas seja consumido por trabalhadores produtivos. Vê-se: todo o peso desse argumento está na palavra "etc.", que nos remete de Pôncio
até Pilatos. Na realidade, A. Smith interrompe a investigação justa-mente onde começa sua dificuldade. 448
Enquanto nos fixamos apenas no fundo da produção anual, o processo de reprodução anual é fácil de compreender. Mas todos os
componentes da produção anual têm de ser levados ao mercado, e aí começa a dificuldade. Os movimentos dos capitais individuais e das


MARX


223
447 RICARDO. Op. cit., p. 163, nota. 448 Apesar de sua "lógica", o sr. J. St. Mill não atina nunca com a falha de tal análise errônea
de seus antecessores, a qual mesmo dentro do horizonte burguês, do ponto de vista puramente profissional, clama por correção. Por toda parte, registra com dogmatismo
de discípulo a
confusão de pensamento de seus mestres. Aqui também: "visto a longo prazo, o capital dissolve-se totalmente em salário, e quando é reposto pela venda do produto,
converte-se
de novo em salário."
213#
rendas pessoais cruzam-se, misturam-se, perdem-se numa troca geral de posição — a circulação da riqueza social — que confunde a visão
e propõe à investigação tarefas muito complicadas para resolver. Na Seção III do Livro Segundo farei a análise das verdadeiras conexões.
— O grande mérito dos fisiocratas é terem feito, em seu Tableau Eco-nomique, 449 pela primeira vez a tentativa de dar um quadro da produção
anual com a estrutura que tem ao sair da circulação. 450
De resto, entende-se por si mesmo que a Economia Política, no interesse da classe capitalista, não deixou de explorar a proposição de


A. Smith: que toda a parte do produto líquido transformada em capital é consumida pela classe trabalhadora.


3. Repartição da mais-valia em capital e renda. A teoria da abstinência


No capítulo anterior consideramos a mais-valia, respectivamente o mais-produto, apenas como fundo de consumo individual do capita-lista,
neste capítulo, até aqui, apenas como fundo de acumulação. En-tretanto, ela não é apenas um ou apenas o outro, mas sim ambos ao
mesmo tempo. Parte da mais-valia é consumida pelo capitalista como renda, 451 parte é aplicada como capital ou acumulada.


Com uma massa de mais-valia dada, uma dessas partes é tanto maior quanto menor for a outra. Permanecendo iguais as demais cir-cunstâncias,
é a proporção em que se realiza essa partilha que deter-mina a grandeza da acumulação. Mas quem procede a essa partilha
é o proprietário da mais-valia, o capitalista. Ela é, portanto, um ato de sua vontade. Da parte do tributo por ele recolhido, que ele acumula,


OS ECONOMISTAS


224
449 O fisiocrata Quesnay empreendeu em seu escrito Tableau Économique, em 1758, pela primeira vez, a tentativa de uma representação esquemática da reprodução e circulação
do capital social global. Marx utilizou a edição: QUESNAY, F. Analyse du Tableau Éco-nomique (1766) em Phisiocrates (...) par Eugène Daire, Parte Primeira, 1846.
Marx trata
minuciosamente do Tableau Économique em Theorien ueber den Mehrwert, Parte Primeira, cap. VI, no cap. X da Parte Segunda do livro de Engels Anti-Duehring, escrito
por ele, e
em O Capital, v. II, cap. XIX. 450 A. Smith, na representação do processo de reprodução e, portanto, também no da acumu-lação,
não só não fez, em vários sentidos, nenhum progresso, mas retrocessos decisivos em comparação com seus antecessores, ou seja, os fisiocratas. Relacionado com aquela
sua
função mencionada no texto está o dogma verdadeiramente fabuloso, por ele legado à Economia Política, de que o preço das mercadorias é formado por salário, lucro
(juros) e
renda da terra, assim, pois, exclusivamente por salário e mais-valia. Partindo dessa base, Storch, pelo menos, confessa ingenuamente: "É impossível decompor preço
necessário em
seus elementos mais simples". (STORCH. Op. cit., Petersburgo, ed. 1815. t. II, p. 141, nota.) Uma bela ciência econômica que declara ser impossível decompor o preço
das mer-cadorias
em seus elementos mais simples! Mais pormenores sobre isso encontrar-se-ão na Seção III do Livro Segundo e na Seção VII do Terceiro.
451 O leitor notará que a palavra revenue é usada em duplo sentido, primeiro, para designar a mais-valia como fruto que brota periodicamente do capital, e, segundo,
para designar a
parte desse fruto que o capitalista periodicamente consome ou que é adicionada a seu fundo de consumo. Eu mantenho esse duplo sentido, pois ele se harmoniza com
a termi-nologia
usada pelos economistas ingleses e franceses.
214#
diz-se que a poupa, porque não a consome, isto é, porque exerce sua função de capitalista, a saber, a função de se enriquecer.
Apenas na medida em que é capital personificado, tem o capita-lista valor histórico e aquele direito histórico à existência que, como
diz o espirituoso Lichnowski, nenhuma data tem. 452 Somente nessa medida sua própria necessidade transitória está embutida na neces-sidade
transitória do modo de produção capitalista. Mas, nessa medida, também não é o valor de uso a satisfação, mas o valor de troca e sua
multiplicação o móvel de sua ação. Como fanático da valorização do valor, ele força sem nenhum escrúpulo a humanidade à produção pela
produção e, portanto, a um desenvolvimento das forças produtivas so-ciais e à criação de condições materiais de produção, que são as únicas
que podem constituir a base real de uma forma de sociedade mais elevada, cujo princípio básico é o desenvolvimento livre e pleno de
cada indivíduo. Apenas como personificação do capital, o capitalista é respeitável. Como tal, ele partilha com o entesourador o instinto ab-soluto
do enriquecimento. O que neste, porém, aparece como mania individual, é no capitalista efeito do mecanismo social, do qual ele é
apenas uma engrenagem. Além disso, o desenvolvimento da produção capitalista faz do contínuo aumento do capital investido numa empresa
industrial uma necessidade e a concorrência impõe a todo capitalista individual as leis imanentes do modo de produção capitalista como leis
coercitivas externas. Obriga-o a ampliar seu capital continuamente para conservá-lo, e ampliá-lo ele só o pode mediante acumulação progressiva.
Na medida em que sua ação e omissão são apenas funções do capital que nele é dotado de vontade e consciência, seu próprio consumo
privado constitui para ele um roubo contra a acumulação de seu capital, da mesma forma que na contabilidade italiana os gastos privados fi-guram
na coluna de débito do capitalista contra o capital. A acumulação é conquista do mundo da riqueza social. Ela estende ao mesmo tempo
a massa de material humano explorado e o domínio direto e indireto do capitalista. 453


MARX


225
452 O latifundiário reacionário silesiano Lichnowski tomou a palavra em 31 de agosto de 1848, na Assembléia Nacional de Frankfurt, e pronunciou-se contra o direito
histórico da Polônia a uma
existência independente. Para isso, ele utilizou várias vezes as palavras citadas acima, às quais os presentes responderam todas as vezes com grandes gargalhadas.
Essa cena cômica foi em
sua época reproduzida por Marx e Engels no jornal Neue Rheinische Zeitung. 453 Na forma arcaica, embora sempre renovada, do capitalista, ou seja, o usuário, Lutero
ilustra
muito bem a busca do poder como elemento da sede por riqueza. "Os pagãos puderam deduzir, pela razão, que um usurário era um quádruplo ladrão e assassino. Mas nós
cristãos
os mantemos em tão honrosa conta que quase os adoramos por seu dinheiro. (...) Quem extrai, rouba e furta o alimento de outro, comete um assassinato tão grande (no
que lhe
toca) como aquele que deixa alguém morrer de fome e o arruína por completo. Isso faz, porém, o usurário, enquanto fica sentado tranqüilamente em sua cadeira, quando
deveria
estar pendurado de uma forca e comido por tantos corvos quantos fossem os florins por ele roubados, desde que tivessem carne suficiente que tantos corvos pudessem
fazê-la em pedaços
e reparti-la entre si. Em lugar disso, enforcam-se os pequenos ladrões. (...) Pequenos ladrões ficam presos no cepo, os ladrões grandes se pavoneiam em ouro e seda.
(...) Não há, assim,
215#
Mas o pecado original atua em toda parte. Com o desenvolvimento
do modo de produção capitalista, da acumulação e da riqueza, o capi-talista
deixa de ser mera encarnação do capital. Ele sente um "enter-necimento humano" 454 por seu próprio Adão e torna-se tão culto que


chega a ridicularizar a paixão pela ascese, como preconceito do ente-sourador
arcaico. Enquanto o capitalista clássico estigmatiza o consumo
individual como pecado contra sua função e "abstinência" da acumu-lação,
o capitalista moderno é capaz de conceber a acumulação como
"renúncia" a seu instinto do prazer.


"Duas almas moram, ah! em seu peito, e uma deseja separar-se da outra!" 455


Nos primórdios históricos do modo de produção capitalista — e cada parvenu capitalista percorre individualmente essa fase — predo-mina
a sede de riqueza e a avareza como paixões absolutas. Mas o progresso da produção capitalista não cria apenas um mundo de pra-zeres.
Ele abre com a especulação e o sistema de crédito milhares de fontes de súbito enriquecimento. Em certo nível de desenvolvimento,
um grau convencional de esbanjamento, que é ao mesmo tempo osten-tação de riqueza e, portanto, meio de obter crédito, torna-se até uma
necessidade do negócio para o "infeliz" capitalista. O luxo entra nos custos de representação do capital. Além do mais, o capitalista não se
enriquece, como o entesourador, em proporção a seu trabalho pessoal e seu não-consumo pessoal, mas na medida em que ele extrai força de
trabalho alheia e impõe ao trabalhador a renúncia a todos os prazeres da vida. Se bem que, por isso, o esbanjamento do capitalista não possuía


OS ECONOMISTAS


226
nenhum inimigo maior do homem sobre a Terra (depois do demônio) do que o avarento ou o usurário, pois ele quer ser Deus sobre todos os homens. Turcos, guerreiros,
tiranos
são também homens malignos, mas estes têm de deixar a gente viver e de confessar que são malignos e inimigos. E podem, até precisam, de vez em quando apiedar-se
de alguns.
Mas um usurário e avarento, este deseja que todo mundo pereça de fome e de sede, de tristeza e miséria, no que lhe concerne, pois ele quer tudo só para si e que
todos recorram
a ele como a um Deus e se tornem eternamente seus servos. Vestem mantos, correntes de ouro, anéis, limpam a boca e fazem-se glorificar e passar por homens bons e
virtuosos. (...)
A usura é um grande e terrível monstro, como um lobisomem que devasta tudo, mais do que Caco, Gerião ou Anteu. E se enfeita todo e quer passar por piedoso, para
que ninguém
descubra onde foram parar os bois que ele leva recuando para seu antro. Mas Hércules há de ouvir os gritos dos bois e dos prisioneiros e buscará a Caco entre as
rochas e
quebradas e libertará os bois do perverso. Pois chama-se de Caco um perverso, que é um usurário virtuoso, que rouba, furta e devora tudo. E deseja passar como se
não tivesse
feito nada, e pensa que ninguém o descobrirá, porque os bois puxados por trás para seu antro deixam sinais e pegadas como se tivessem sido soltos. Portanto o usurário
quer
enganar o mundo, como se fosse útil e desse bois ao mundo, enquanto os toma só para si e os devora. (...) E assim, como se submetem ao suplício da roda e se decapitam
os assaltantes
de estrada, os assassinos e ladrões, com muito mais razão todos os usurários deveriam passar pela roda e ser mortos (...) expulsos, amaldiçoados e decapitados. (LUTHET,
Martin.
An die Pfarrherrn wider den Wucher zu predigen. Vermanung. Wittenberg, 1540.) 454 SCHILLER. Die Buergschaft. (N. da Ed. Alemã.)
455 Citação modificada do Fausto de Goethe. Parte Primeira. "Em Frente da Porta da Cidade".
216#
nunca o caráter de bona fide 456 do esbanjamento do pródigo senhor feudal, pois no fundo, espreita sempre a mais suja avareza e o cálculo
mais angustioso, seu esbanjamento cresce, contudo, com sua acumu-lação, sem que um precise prejudicar a outra. Com isso desenvolve-se,
ao mesmo tempo, no coração do capitalista um conflito fáustico entre o impulso a acumular e o instinto do prazer.


"A indústria de Manchester", diz-se num escrito publicado pelo Dr. Aikin, em 1795, "pode ser dividida em quatro períodos. No
primeiro, os fabricantes eram forçados a trabalhar duro por seu sustento."


Eles enriqueceram-se particularmente furtando os pais que lhes mandavam os filhos como apprentices (aprendizes) e para isso tinham
de pagar pesadamente, enquanto os aprendizes eram esfaimados. Por outro lado, os lucros médios eram baixos e a acumulação exigia grande
economia. Eles viviam como entesouradores e não consumiam sequer os juros de seu capital.


"No segundo período, eles começaram a adquirir pequenas for-tunas, mas trabalhavam assim mesmo tão duramente como an-tes",
pois a exploração direta do trabalho custa trabalho, como todo feitor de escravos sabe, "e viviam, depois como antes, no
mesmo estilo frugal. (...) No terceiro período começou o luxo e o negócio foi ampliado mediante o envio de cavaleiros" (berittenen
Commis voyageurs) 457 "para receber ordens em cada cidade mer-cantil do reino. É provável que poucos capitais, ou mesmo ne-nhum,
de 3 mil até 4 mil libras esterlinas, adquiridos na indústria, existissem antes de 1690. Por esse tempo, porém, ou talvez um
pouco mais tarde, os industriais já tinham acumulado dinheiro e começaram a construir casas de pedra, em vez de madeira e
argamassa. (...) Ainda nos primeiros decênios do século XVIII, um fabricante de Manchester que servisse a seus hóspedes um
jarro de vinho estrangeiro expunha-se aos comentários e ao me-near de cabeça de todos os seus vizinhos."


Antes do aparecimento da maquinaria, o consumo noturno dos fabricantes nas tabernas, onde se reuniam, nunca excedia 6 pence para
um copo de ponche e 1 pêni para um rolo de tabaco. Somente em 1758, e isso fez época, viu-se


"uma pessoa realmente engajada no negócio com sua própria car-ruagem. O quarto período", o último terço do século XVIII, "é o de
grande luxo e esbanjamento, apoiados pela ampliação do negócio". 458


MARX


227
456 De boa fé. (N. dos T.) 457 Caixeiros-viajantes a cavalo. (N. dos T.)
458 AIKIN, Dr. Description of the Country from 30 to 40 Miles round Manchester. Londres, 1795, p. [181] 182 et seqs [188].
217#
Que diria o bom Dr. Aikin, se ressuscitasse hoje em Manchester!
Acumulai, acumulai! Isso é Moisés e os profetas! 459
"A indústria fornece o material que a poupança acumula." 460
Portanto, poupai, poupai, isto é, retransformai a maior parte pos-sível da mais-valia ou do mais-produto em capital! A acumulação pela


acumulação, produção pela produção, nessa fórmula a Economia clás-sica
expressou a vocação histórica do período burguês. Ela não se en-ganou
em nenhum momento sobre as dores do nascimento da riqueza, 461
mas para que serve a lamentação diante de uma necessidade histórica?
Se para a Economia clássica o proletário é apenas uma máquina para
a produção de mais-valia, o capitalista vale para ela também apenas como uma máquina para a transformação dessa mais-valia em mais-capital.


Ela toma sua função histórica amargamente a sério. Para exor-cizar
o desgraçado conflito entre o instinto do prazer e a sede de riqueza,
que lhe corta o coração, Malthus defendia, no começo dos anos 20 deste
século, uma divisão do trabalho que atribui ao capitalista realmente
engajado na produção o negócio de acumulação, aos outros participantes da mais-valia, a aristocracia rural, os prebendados do Estado, da Igreja


etc., o negócio do esbanjamento. É da maior importância, diz ele,
"manter-se separadas a paixão pelo gasto e a paixão pela acumulação" (the passion for expenditure and the passion


for accumulation). 462
Os senhores capitalistas, há muito transformados em gozadores e homens do mundo, protestaram. O quê!, exclamou um de seus por-ta-


vozes, um ricardiano, o sr. Malthus prega altas rendas da terra,
altos impostos etc., para que os industriais sejam continuamente es-poreados
pelos consumidores improdutivos! Por certo, produção, pro-dução
em escala sempre mais ampliada, é a palavra-de-ordem mas


"a produção mediante tal processo será mais obstruída do que incentivada. Nem é muito justo (nor is it quite fair) manter na


ociosidade certo número de pessoas, apenas para pressionar ou-


OS ECONOMISTAS


228
459 Segundo a antiga legenda cristã, os livros do Velho Testamento da Bíblia foram escritos por Moisés e grande número de profetas. Os cinco livros de Moisés, em
especial, constituem
a Lei, na religião judaica. Marx emprega aqui essa expressão no sentido: Isso é o principal! Isso é o mandamento mais importante!
460 SMITH, A. Op. cit., Livro Segundo. Cap. III, p. 367. 461 O próprio J.-B. Say diz: "As poupanças dos ricos são feitas à custa dos pobres". "O prole-tariado
romano vivia quase inteiramente à custa da sociedade. (...) Poder-se-ia dizer que a sociedade moderna vive à custa dos proletários, da parte que ela lhes tira da
remuneração
do trabalho". (SISMONDI. Études etc. t. I, p. 24.) 462 MALTHUS. Op. cit., pp. 319-320.
218#
tras, de cujo caráter pode-se concluir (who are likely, from their caracters) que se fosse possível forçá-las a funcionar, funcionariam
com sucesso". 463
Por mais injusto que ele ache aguilhoar o capitalista industrial à acumulação, tirando-lhe a manteiga do pão, tão necessário lhe parece


limitar o salário do trabalhador ao mínimo possível, "para mantê-lo
laborioso". Também não oculta, em nenhum momento, que a apropria-ção
de trabalho não-pago é o segredo da extração de mais-valia.


"A demanda ampliada por parte dos trabalhadores nada mais significa que sua disposição para tomar menos para si mesmos


de seu próprio produto e para deixar uma parte maior para seus empregadores; e quando se diz que isso, mediante a redução do
consumo" (por parte dos trabalhadores) "acarreta glut" (saturação do mercado, superprodução), "posso apenas responder que glut
é sinônimo de lucros altos." 464
A erudita controvérsia sobre o modo mais profícuo para a acu-mulação distribuir, entre o capitalista industrial e o ocioso proprietário


de terras etc., o butim extraído do trabalhador emudeceu em face da
Revolução de Julho. Logo após, o proletariado urbano tocou o sino de
alarme em Lyon e o proletariado rural começou na Inglaterra a atear
fogo em fazendas. Desse lado do canal, grassava o owenismo, do outro
lado, o saint-simonismo e o fourierismo. A hora da Economia vulgar tinha soado. Justamente um ano antes de descobrir, em Manchester,


que o lucro do capital (inclusive juros) é produto da "última décima
segunda hora de trabalho" não-paga, Nassau W. Senior anunciou ao
mundo outra descoberta.


"Eu", disse ele solenemente, "substituo a palavra capital, considerado como instrumento de produção, pela palavra


abstinência." 465


MARX


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463 An Inquiry into those Principles Respecting the Nature of Demand etc. p. 67. 464 Op. cit., p. 59.
465 SENIOR. Principles Fondamentaux de l'Écon. Pol. Trad. Arrivabene, Paris, 1836. p. 309. Para os partidários da antiga escola clássica isso passou da medida. "O
sr. Senior substitui
as expressões trabalho e capital pelas expressões trabalho e abstinência. (...) Abstinência é mera negação. Não é a abstinência, mas o uso do capital produtivamente
empregado que
constitui a fonte do lucro." (CAZENOVE, John. Op. cit., p. 130, nota.) O sr. J. St. Mill, ao contrário, reproduz, por um lado, a teoria do lucro de Ricardo e anexa,
por outro, a remu-neration
of abstinence de Senior. Por alheia que lhe seja a "contradição" hegeliana, a fonte geradora de toda a dialética, tanto mais versado ele é em contradições triviais.
Adendo à 2ª edição. Ao economista vulgar não ocorreu jamais a simples reflexão de que toda ação humana pode ser concebida como "abstinência" de seu contrário. Comer
é absti-nência
de jejuar, andar é abstinência de estar parado, trabalhar é abstinência de folgar, folgar abstinência de trabalhar etc. Os senhores fariam bem se meditassem uma
vez sobre
essa proposição de Espinosa: Determinatio est negatio.
219#
Uma insuperável amostra essa das "descobertas" da Economia vulgar. Ela substitui uma categoria econômica por uma frase sicofanta.
Voilá tout.
"Quando o selvagem", pontifica Senior, "fabrica arcos, exerce uma indústria, mas não pratica a abstinência."


Isso nos explica como e por que nas condições sociais pretéritas,
"sem a abstinência" do capitalista, foram fabricados instrumentos de
trabalho.


"Quanto mais a sociedade progride, tanto mais abstinência ela exige", 466


a saber, por parte daqueles que exercem a indústria de se apropriar
da indústria alheia e do produto desta. Todas as condições do processo
de trabalho transformam-se de agora em diante em outras tantas prá-ticas de abstinência do capitalista. Que o trigo não seja apenas comido,


mas também semeado, abstinência do capitalista! Que o vinho obtenha
o tempo para terminar de fermentar, abstinência do capitalista! 467 O
capitalista rouba a seu próprio Adão, quando "empresta ao trabalhador
os instrumentos de produção" (!), aliás, mediante incorporação de força
de trabalho, os valoriza como capital, em vez de comer máquinas a vapor, algodão, estradas de ferro, esterco, animais de tração etc. ou,


como o economista vulgar infantilmente imagina, de dissipar "seu valor"
em luxos e outros meios de consumo." 468 Como a classe capitalista
deva cometer isso é até aqui um segredo teimosamente guardado pela
Economia vulgar. Basta, o mundo vive somente da automortificação
desse moderno penitente de Vixnu, o capitalista. Não apenas a acu-mulação,
também a simples


"manutenção de um capital exige um esforço constante para re-sistir à tentação de comê-lo". 469


É preciso pois, por simples humanidade, libertar o capitalista


OS ECONOMISTAS


230
466 SENIOR. Op. cit., pp. 342-343. 467 "Nenhum ser humano (...) por exemplo, semeará seu trigo e o deixará ficar um ano embaixo
da terra ou guardará seu vinho por anos na adega, em vez de consumir imediatamente essas coisas ou seus equivalentes (...) se não espera obter um valor adicional
etc." (SCROPE.
Polit. Econom. Ed. de A. Potter, Nova York, 1841, p. 133.) 468 "A privação que o capitalista se impõe, ao emprestar seus meios de produção ao trabalhador"
(esse eufemismo é utilizado para, de acordo com a provada mania da Economia vulgar, identificar o trabalhador assalariado, explorado pelo capitalista industrial,
com o mesmo
capitalista industrial, que toma dinheiro emprestado ao capitalista prestamista) "em vez de dedicar seu valor ao seu próprio uso, transformando-os em objetos úteis
ou agradáveis."
(MOLINARI. G. de, Op. cit., p. 36.) 469 "La conservation d'un capital exige (...) un effort (...) constant pour résister à la tentation
de le consommer." (COURCELLE-SENEUIL. Traité Théorique et Pratique des Entreprises Industrielles. Paris, 1857. p. 20.)
220#
desse martírio e tentação, do mesmo modo que foi recentemente liber-tado,
pela abolição da escravatura, o senhor de escravos georgiano do
doloroso dilema de dissipar em champanha todo o mais-produto ex-traído a chicote dos escravos negros ou de retransformá-lo parcialmente


em mais negros e mais terras.
Nas mais diversas formações sócio-econômicas não apenas tem lugar reprodução simples, mas, embora em diferente medida, repro-dução


em escala ampliada. Produz-se progressivamente mais e se con-some
mais e, portanto, mais produto é transformado em meios de pro-dução.
Esse processo, contudo, não se apresenta como acumulação de
capital e, por conseguinte, também não como função do capitalista,
enquanto os meios de produção do trabalhador e portanto também seu produto e seus meios de subsistência não se confrontam com ele sob


a forma de capital. 470 Richard Jones, falecido há alguns anos, sucessor
de Malthus na cadeira de Economia Política na Universidade de Hai-leybury,
nas Índias Orientais, discute isso bem a partir de dois im-portantes
fatos. Como a maior parte do povo da Índia é composta por
camponeses que produzem autonomamente seu produto, seus meios
de trabalho e de subsistência nunca existem


"sob a forma (in the shape) de um fundo que é poupado de renda alheia (saved from Revenue), e que portanto percorreu um processo
prévio de acumulação (a previous process of acumulation)". 471
Por outro lado, os trabalhadores não-agrícolas nas províncias onde
o domínio inglês dissolveu em menor grau o velho sistema são ocupados
diretamente pelos grandes, para os quais flui, como tributo ou renda
da terra, uma porção do mais-produto rural. Parte desse produto é
consumida in natura pelos grandes, parte é transformada para eles
em artigos de luxo e demais meios de consumo pelos trabalhadores,
enquanto o restante constitui o salário dos trabalhadores, que são pro-prietários de seus instrumentos de trabalho. Produção e reprodução


em escala ampliada seguem aqui seu curso, sem nenhuma interferência
desse santo milagroso, desse cavaleiro da triste figura, o capitalista
"abstinente".


MARX


231
470 "As classes de renda particulares que mais contribuem ao progresso do capital nacional variam segundo os diferentes níveis de seu desenvolvimento e são, por
conseguinte, total-mente
diferentes em nações que ocupam diferentes posições nesse desenvolvimento. (...) Lucros (...) fonte de acumulação sem importância, em comparação aos salários e rendas,
nas fases anteriores da sociedade. (...) Quando tem lugar, de fato, um considerável incremento nas forças da indústria nacional, os lucros adquirem importância comparativamente
maior
como fonte de acumulação." (JONES, Richard. Textbook etc. pp. 16, 21.) 471 Op. cit., p. 36 et. seqs. {à 4ª edição. — Aqui se trata possivelmente de um equívoco,
pois o
trecho não foi encontrado. — F. E.}
221#
4. Circunstâncias que, independentemente da divisão proporcional da mais-valia em capital e renda, determinam
o volume da acumulação: grau de exploração da força de trabalho — força produtiva do trabalho — diferença
crescente entre capital aplicado e capital consumido — grandeza do capital adiantado


Pressuposta como dada a proporção em que a mais-valia se divide em capital e renda, a grandeza do capital acumulado reger-se-á evi-dentemente
pela grandeza absoluta da mais-valia. Supondo-se que 80% sejam capitalizados e 20% consumidos, o capital acumulado será de
2 400 libras esterlinas ou de 1 200 libras esterlinas, conforme a mais-valia total tenha sido de 3 mil ou 1 500 libras esterlinas. Por conse-guinte,
todas as circunstâncias que determinam a massa da mais-valia participam na determinação da grandeza da acumulação. Resumimo-las
aqui de novo, mas somente na medida em que nos ofereçam novos pontos de vista em relação à acumulação.
Recordar-se-á que a taxa de mais-valia, em primeira instância, depende do grau de exploração da força de trabalho. A Economia Po-lítica
atribui tanta importância a esse papel, que ocasionalmente iden-tifica a aceleração da acumulação pela elevação da força produtiva do
trabalho com sua aceleração mediante elevação da exploração do tra-balhador. 472 Nas seções sobre a produção de mais-valia, foi suposto
constantemente que o salário era pelo menos igual ao valor da força de trabalho. A redução forçada do salário abaixo desse valor desem-penha,
contudo, no movimento prático, papel demasiadamente impor-tante para que não nos detenhamos nela por um momento. Essa redução
transforma, de fato, dentro de certos limites, o fundo necessário de consumo do trabalhador em um fundo de acumulação de capital.


"Salários", diz J. St. Mill. "não têm força produtiva; eles são o preço de uma força produtiva; salários não contribuem, ao lado
do próprio trabalho, para a produção de mercadorias, tampouco o preço da própria maquinaria. Se trabalho pudesse ser obtido
sem compra, os salários seriam supérfluos." 473


OS ECONOMISTAS


232
472 "Ricardo diz: 'Em diferentes estágios da sociedade, a acumulação do capital ou dos meios de trabalho'" (isto é, de explorá-lo) " 'é mais ou menos rápida e tem,
em todos os casos,
de depender das forças produtivas do trabalho. As forças produtivas do trabalho são, em geral, maiores onde existe abundância de terras férteis'. Se nessa frase
as forças produtivas
do trabalho significarem a pequenez da parte alíquota de cada produto que cabe àqueles cujo trabalho manual o produz, a frase é tautológica, pois a parte restante
é o fundo do
qual, se seu proprietário o quiser (if the owner pleases), pode ser acumulado capital. Mas, em geral, esse não é o caso onde a terra é mais fértil." (Observation
on Certain Verbal
Disputes etc. p. 74.) 473 MILLS, J. St. Essays on some Unsettled Questions of Polit. Economy. Londres, 1844, pp.
90-91.
222#
Se os trabalhadores, porém, pudessem viver do ar, não seria pos-sível comprá-los por nenhum preço. O seu não-custo é portanto um
limite em sentido matemático, sempre inalcançável, ainda que sempre aproximável. É constante tendência do capital rebaixar os trabalhado-res
a esse nível niilista. Um escritor do século XVIII, freqüentemente citado por mim, o autor do Essay on Trade and Commerce, trai o
segredo mais íntimo da alma do capital inglês, quando declara como missão vital histórica da Inglaterra rebaixar o salário inglês ao nível
do francês e do holandês. 474 Ele diz ingenuamente, entre outras coisas:
"Mas se nossos pobres" (expressão artística para trabalhadores) "desejam viver luxuosamente (...), seu trabalho tem naturalmente


de ser caro. (...) Basta considerar a horripilante massa de coisas supérfluas (heap of superfluities) que nossos trabalhadores manu-fatureiros
consomem, como aguardente, gin, chá, açúcar, frutas es-trangeiras, cerveja forte, linhos estampados, rapé e fumo etc". 475


Ele cita o escrito de um fabricante de Northamptonshire que, com os olhos em direção aos céus, lamenta:
"O trabalho na França é todo 1/ 3 mais barato que na Inglaterra: pois os franceses pobres trabalham duramente e se tratam com
dureza quanto à alimentação e vestuário, e seus consumos prin-cipais são pão, frutas, ervas, raízes e peixe seco; pois comem
muito raramente carne e quando o trigo é caro, muito pouco pão". 476 "Acresce ainda", prossegue o ensaísta, "que a bebida deles
consiste em água ou licores fracos, de modo que, na realidade, gastam surpreendentemente pouco dinheiro. (...) Um estado se-melhante
de coisas é seguramente difícil de implantar, mas não é inalcançável, como demonstra sua existência tanto na França
como na Holanda". 477


MARX


233
474 An Essay on Trade and Commerce. Londres, 1770. p. 44. Analogamente, o Times de dezembro de 1866 e janeiro de 1867 publicou os desabafos dos proprietários ingleses
de minas, nos
quais era descrita a situação feliz dos mineiros belgas, que não demandavam mais e nem recebiam mais do que o estritamente necessário para viverem para seus masters.
Os tra-balhadores
belgas toleram muita coisa, mas figuram no Times como trabalhadores modelos! No início de fevereiro de 1867, a resposta foi dada pela greve, reprimida a pólvora
e chumbo,
dos mineiros belgas (perto de Marchienne). 475 Op. cit., p. 44, 46.
476 O fabricante de Northamptonshire comete, levado pelo ímpeto do coração, uma imperdoável pia fraus [mentira piedosa]. Ele compara pretensamente a vida dos trabalhadores
manu-fatureiros
ingleses e franceses, mas, como ele mesmo depois em seu atordoamento confessa, com as palavras acima citadas ele descreve os trabalhadores agrícolas franceses!
477 Op. cit., pp. 70-71. — Nota à 3ª edição. Hoje graças à concorrência do mercado mundial, desde então estabelecida, nós estamos um bom pedaço adiante. "Se a China",
declara o
parlamentar Stapleton a seus eleitores, "se tornar um grande país industrial, não vejo como a população trabalhadora européia poderia sustentar a luta, sem descer
ao nível de seus
concorrentes." (Times. 3 de setembro de 1873.) — Não mais salários continentais, não, salários chineses, este é agora o objetivo almejado pelo capital inglês.
223#
Duas décadas mais tarde, um humbug 478 americano, o baronizado ianque Benjamin Thompson (aliás conde Rumford) perseguiu a mesma
linha filantrópica, com muito agrado perante Deus e a humanidade. Seus Essays são um livro de cozinha com receitas de toda espécie,
para substituir por sucedâneos os caros alimentos normais do traba-lhador. Uma receita particularmente bem lograda desse prodigioso "fi-lósofo"
é a seguinte:
"Cinco libras de cevada, 5 libras de milho, 3 pence de arenque, 1 pêni de sal, 1 pêni de vinagre, 2 pence de pimenta e ervas —


a soma de 20 3/ 4 pence dá uma sopa para 64 pessoas; com os preços médios dos cereais, o custo pode ser rebaixado a 1/ 4 de
pêni" (menos ainda que 3 Pfennig) "por cabeça". 479
Com o progresso da produção capitalista, a falsificação de mer-cadorias tornou os ideais de Thompson desnecessários. 480


Nos fins do século XVIII e durante as primeiras décadas do século XIX, os arrendatários e senhores de terra ingleses impuseram o salário
absolutamente mínimo, pagando aos jornaleiros agrícolas menos que o mínimo sob a forma de salário, o resto, porém, sob a forma de ajuda
paroquial. Um exemplo da farsa encenada pelos Dogberries ingleses na fixação "legal" da tarifa salarial:


"Quando os squires, 481 em 1795, fixaram os salários para Speenhamland, já tinham almoçado, mas evidentemente pen-saram
que os trabalhadores não tinham necessidade disso. (...) Eles decidiram que o salário semanal por homem deveria ser
de 3 xelins, se o pão com peso de 8 libras e 11 onças custasse 1 xelim, e que o salário deveria crescer regularmente até que


OS ECONOMISTAS


234
478 Farsante. (N. dos T.) 479 THOMPSON, Benjamin. Essays, Political, Economical, and Philosophical etc. 3 v., Londres,
1796. — 1802, v. I, p. 294. Em seu The State of the Poor, or an History of the Labouring Classes in England etc., Sir. F. M. Eden recomenda com fervor a sopa rumfordiana
de
mendigos aos dirigentes das workhouses e adverte os trabalhadores ingleses em tom de censura que "entre os escoceses existem muitas famílias que, em vez de consumirem
trigo,
centeio e carne, vivem por meses alimentando-se apenas com farinha de aveia e cevada misturadas com água e sal e ainda muito confortavelmente (and that very confortably
too)".
(Op. cit., v. I, Livro Segundo. Cap. II, p. 503.) "Conselhos" semelhantes no século XIX. "Os trabalhadores agrícolas ingleses", lê-se, por exemplo, "não querem comer
nenhuma mistura
de cereais de espécies inferiores. Na Escócia, onde a educação é melhor, esse preconceito é provavelmente desconhecido." (PARRY, Charles H. The Question of the Necessity
of the
Existing Cornlaws Considered. Londres, 1816. p. 69.) O mesmo Parry se queixa no entanto de que o trabalhador inglês teria decaído muito agora (1815) em comparação
com a época
de Eden (1797). 480 Dos relatórios da última comissão parlamentar de inquérito sobre falsificação de alimentos
vê-se que mesmo a falsificação dos medicamentos, na Inglaterra, constitui a regra e não a exceção. Por exemplo, o exame de 34 amostras de ópio, compradas em outras
tantas
farmácias de Londres, mostrou que 31 eram falsificadas com cápsula de papoula, farinha de trigo, pasta de borracha, argila, areia etc. Muitas não continham nenhum
átomo de
morfina. 481 Senhores rurais. (N. dos T.)
224#
o pão custasse 1 xelim e 5 pence. Tão logo ele subisse acima desse preço, o salário deveria diminuir proporcionalmente até
que o preço do pão alcançasse 2 xelins; e então a alimentação do homem deveria ser 1/ 5 menos que antes". 482


Perante o comitê de inquérito da Câmara dos Lordes, em 1814, foi perguntado a um certo A. Bennett, grande arrendatário, magistrado,
administrador da casa de pobres e regulador de salários:
"É observada alguma proporção entre o valor do trabalho diário e a ajuda paroquial aos trabalhadores?" Resposta: "Sim. A receita


semanal de cada família é completada acima de seu salário no-minal até o pão de 1 galão (8 libras e 11 onças) e 3 pence por
cabeça. (...) Supomos que o pão de um galão seja suficiente para manter cada pessoa da família durante a semana; e os 3 pence
são para roupas; e se a paróquia prefere ela mesma fornecer as roupas, os 3 pence são descontados. Essa prática predomina não
apenas em toda a região a oeste de Wiltshire, mas, como acredito, em todo o país". 483 "Assim", exclama um escritor burguês daquela
época, "os arrendatários degradaram, por anos, uma classe res-peitável de seus conterrâneos, ao forçá-los a buscar refúgio na
workhouse. (...) O arrendatário multiplicou seus próprios ganhos, ao impedir a acumulação do fundo de consumo mais indispensável
do lado dos trabalhadores." 484
Que papel desempenha, hoje, o roubo direto ao fundo de consumo necessário do trabalhador para a formação da mais-valia e, portanto,
do fundo de acumulação do capital, foi mostrado por exemplo pelo chamado trabalho em domicílio (ver cap. XIII 8, c.). Novos fatos no
decorrer desta Seção.
Embora em todos os ramos industriais a parte do capital cons-tante constituída de meios de trabalho tenha de ser suficiente para


certo número de trabalhadores, determinado pelo tamanho do empreen-dimento, não é, entretanto, de forma alguma necessário que essa parte
cresça sempre na mesma proporção que a quantidade de trabalho ocu-pada. Suponhamos que numa fábrica 100 trabalhadores com 8 horas
de trabalho forneçam 800 horas de trabalho. Se o capitalista deseja aumentar essa soma em metade, ele pode empregar 50 novos traba-lhadores:
então, porém, ele terá de adiantar também novo capital, não


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235
482 NEWNHAM, G. L. (barrister at law): A Review of the Evidence before the Committees of the two Houses of Parliament on the Cornlaws. Londres, 1815. p. 20, nota.
483 Op. cit., pp. 19-20. 484 PARRY, Ch. H. Op. cit., p. 77, 69. Os senhores landlords, por sua vez, não só "se indenizaram"
pela Guerra Antijacobina, que conduziram em nome da Inglaterra, mas também enrique-ceram enormemente. "Suas rendas duplicaram, triplicaram, quadruplicaram e, em
casos
excepcionais, sextuplicaram em 18 anos." (Op. cit., pp. 100-101.)
225#
somente para salários, mas também para meios de trabalho. Mas ele pode ainda fazer os 100 trabalhadores antigos trabalhar 12 horas
em vez de 8, e então os instrumentos de trabalho existentes serão suficientes, apenas se depreciarão mais rapidamente. Desse modo,
o trabalho adicional, produzido por um atrelamento mais elevado da força de trabalho, pode aumentar o mais-produto e a mais-valia,
a substância da acumulação, sem aumento proporcional da parte constante do capital.
Na indústria extrativa, nas minas, por exemplo, as matérias-pri-mas não fazem parte do adiantamento de capital. O objeto de trabalho
não é aqui produto de trabalho prévio, mas presenteado gratuitamente pela Natureza. São os minérios metálicos, minerais, carvão de pedra,
pedras etc. O capital constante aqui consiste quase exclusivamente em meios de trabalho que podem suportar muito bem uma ampliação do
quantum de trabalho (turnos diários e noturnos de trabalhadores, por exemplo). Porém, permanecendo constantes as demais circunstâncias,
a massa e o valor do produto sobem em razão direta ao trabalho em-pregado. Como no primeiro dia da produção, aqui os formadores ori-ginais
do produto, portanto também os formadores dos elementos ma-teriais do capital, homem e Natureza vão juntos. Graças à elasticidade
da força de trabalho, ampliou-se a área de acumulação sem aumento prévio do capital constante.
Na agricultura, não se pode ampliar a terra cultivada sem adian-tamento de sementes e adubos adicionais. Mas, uma vez feito esse
adiantamento, mesmo o cultivo puramente mecânico do solo exerce efeito milagroso sobre a quantidade do produto. A maior quantidade
de trabalho, executada pelo número de trabalhadores até aqui em ati-vidade, eleva assim a fertilidade, sem exigir novo adiantamento de
meios de trabalho. É novamente a ação direta do homem sobre a Na-tureza que se torna fonte direta de acumulação acrescida, sem inter-ferência
de novo capital. Por fim, na indústria propriamente dita, cada dispêndio adicional
de trabalho pressupõe um dispêndio adicional correspondente de ma-térias-primas, mas não necessariamente de meios de trabalho. E, uma
vez que a indústria extrativa e a agricultura fornecem à indústria fabril suas próprias matérias-primas e a de seus meios de trabalho,
beneficia-se esta também pelo acréscimo de produção que aquelas rea-lizaram sem aumento de capital adicional.
Resultado geral: ao incorporar as duas formadoras originais da riqueza, a força de trabalho e a terra, o capital adquire uma força
expansiva que lhe permite estender os elementos de sua acumulação além dos limites aparentemente fixados por sua própria grandeza, fi-xados
pelo valor e pela massa dos meios de produção já produzidos, nos quais tem sua existência.


OS ECONOMISTAS


236
226#
Outro importante fator na acumulação do capital é o grau de produtividade do trabalho social.
Com a força produtiva do trabalho cresce a massa de produtos na qual se representa determinado valor e, por conseguinte, também
mais-valia de dada grandeza. Com taxa de mais-valia constante e mes-mo decrescente, na medida em que ela decresça mais lentamente do
que aumenta a força produtiva do trabalho, a massa do mais-produto cresce. Permanecendo constante a divisão da mesma em renda e capital
adicional, pode, portanto, o consumo do capitalista crescer sem dimi-nuição do fundo de acumulação. A grandeza proporcional do fundo de
acumulação pode mesmo crescer à custa do fundo de consumo, enquanto o barateamento das mercadorias coloca à disposição do capitalista quan-tidade
igual ou maior do que antes de meios de satisfação. Mas, com a crescente produtividade do trabalho, segue, como vimos, passo a pas-so,
o barateamento do trabalhador, portanto crescente taxa de mais-valia, mesmo se o salário real aumenta. Ele nunca sobe proporcional-mente
com a produtividade do trabalho. O mesmo valor em capital variável coloca, pois, mais força de trabalho e, portanto, também mais
trabalho em movimento. O mesmo valor em capital constante repre-senta-se em mais meios de produção, isto é, mais meios de trabalho,
material de trabalho e matérias auxiliares, fornecendo assim tanto mais formadores de produto como formadores de valor ou absorvedores
de trabalho. Com valor constante ou mesmo decrescente do capital adicional tem lugar, portanto, acumulação acelerada. Não apenas am-plia-
se materialmente a escala da reprodução, mas a produção da mais-valia cresce mais rapidamente que o valor do capital adicional.
O desenvolvimento da força produtiva do trabalho reage também sobre o capital original ou sobre o capital que já se encontra no processo
de produção. Parte do capital constante em funcionamento consiste em meios de trabalho, como maquinaria etc., que apenas em períodos
mais longos são consumidos e, portanto, reproduzidos ou substituídos por novos exemplares da mesma espécie. Cada ano, porém, parte desses
meios de trabalho perece ou atinge o objetivo final de sua função pro-dutiva. Essa parte encontra-se, portanto, cada ano, no estágio de sua
reprodução periódica ou de sua reposição por novos exemplares da mesma espécie. Se a força produtiva do trabalho ampliou-se no nas-cedouro
desses meios de trabalho — e ela se desenvolve continuamente com o fluxo ininterrupto da ciência e da técnica — então máquinas,
ferramentas, aparelhos etc. mais eficazes e, considerando o volume de seu rendimento, mais baratos, tomam o lugar dos antigos. O capital
antigo é reproduzido de forma mais produtiva, abstraindo as contínuas mudanças de detalhes nos meios de trabalho existentes. A outra parte
do capital constante, matérias-primas e matérias auxiliares, é repro-duzida constantemente no decorrer do ano, e as originárias da agri-cultura,
em sua maior parte, anualmente. Toda introdução de melhores


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227#
métodos etc. tem efeito, aqui, portanto, quase simultâneo sobre o capital adicional e sobre o capital que já se encontra em funcionamento. Cada
progresso da Química multiplica o número das matérias úteis e as aplicações úteis das já conhecidas, e amplia assim, com o crescimento
do capital, sua esfera de aplicação. Ele ensina, ao mesmo tempo, como lançar os excrementos dos processos de produção e de consumo de
volta ao ciclo do processo de reprodução e cria, portanto, sem prévio dispêndio de capital, nova matéria para o capital. Assim como a ex-ploração
aumentada das riquezas naturais mediante mera tensão mais alta da força de trabalho, ciência e técnica constituem uma potência
independente da grandeza dada do capital em funcionamento para sua expansão. Ela reage, ao mesmo tempo, sobre a parte do capital original
que entrou em seu estágio de renovação. Em sua nova forma o capital incorpora gratuitamente o progresso social realizado atrás do pano de
sua forma antiga. É certo que esse desenvolvimento da força produtiva é, ao mesmo tempo, acompanhado por uma depreciação parcial de ca-pitais
em funcionamento. Na medida em que essa depreciação se faz sentir agudamente por meio da concorrência, o peso principal recai
sobre o trabalhador, com cuja exploração mais elevada o capitalista procura se indenizar.
O trabalho transfere ao produto o valor dos meios de produção por ele consumidos. Por outro lado, o valor e a massa dos meios de
produção postos em movimento por dada quantidade de trabalho cres-cem na proporção em que o trabalho torna-se mais produtivo. Assim,
ainda que a mesma quantidade de trabalho agregue sempre a seus produtos a mesma soma de valor novo, cresce todavia o antigo valor-capital,
que ela ao mesmo tempo lhes transfere, com produtividade crescente do trabalho.
Um fiandeiro inglês e um chinês, por exemplo, podem trabalhar o mesmo número de horas com a mesma intensidade, de modo que
ambos, em uma semana, produzem valores iguais. Apesar dessa igual-dade, há enorme diferença entre o valor do produto semanal do inglês,
que trabalha com uma poderosa máquina automática, e o do chinês, que possui apenas uma roca de fiar. No mesmo tempo em que o chinês
fia 1 libra de algodão, o inglês fia várias centenas de libras. Uma soma várias centenas de vezes maior de valores antigos incha o valor de
seu produto, no qual são conservados sob nova forma mais útil e assim podem funcionar de novo como capital.


"Em 1782", nos ensina F. Engels, "toda a safra de lã dos três anos precedentes permanecia ainda não processada, por falta de
trabalhadores, e teria permanecido assim se a maquinaria re-cém-inventada não viesse em seu auxílio e não a tivesse fiado." 485


OS ECONOMISTAS


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485 ENGELS, Friedrich. Lage der arbeitenden Klasse in England. p. 20.
228#
O trabalho objetivado sob a forma de maquinaria não produziu diretamente nenhum novo trabalhador, mas permitiu a um reduzido
número de trabalhadores, mediante a agregação de relativamente pouco trabalho vivo, não apenas consumir de maneira produtiva a lã e adi-cionar-
lhe valor novo, mas também sob a forma de fios etc. conservar seu valor antigo. Forneceu com isso, simultaneamente, os meios e o
estímulo para a reprodução ampliada de lã. É dom natural do trabalho vivo conservar valores antigos enquanto cria valor novo. Com o cres-cimento
da eficiência, do volume e do valor de seus meios de produ-ção, portanto com a acumulação que acompanha o desenvolvimento de
sua força produtiva, o trabalho mantém e perpetua, sob forma sempre nova, um valor-capital constantemente crescente. 486 Essa força natural


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239
486 A Economia clássica, devido à análise deficiente do processo de trabalho de valorização, nunca compreendeu adequadamente esse importante momento da reprodução,
como se pode
ver em Ricardo. Ele diz, por exemplo: Qualquer que seja a variação da força produtiva, "1 milhão de pessoas produz nas fábricas sempre o mesmo valor". Isso é correto,
quando a
extensão e o grau de intensidade de seu trabalho são dados. Isso não impede porém — e Ricardo não o vê em certas conclusões — que 1 milhão de pessoas transforme
em produtos
massas muito diferentes de meios de produção, com diferente força produtiva de seu trabalho, e por conseguinte conserve em seus produtos massas de valor muito diferentes,
sendo,
assim, consideravelmente diferentes os valores dos produtos que fornece. Ricardo, seja dito de passagem, procurou inutilmente, com aquele exemplo, esclarecer a J.-B.
Say a diferença
entre valor de uso (que ele aqui denomina wealth, riqueza material) e valor de troca. Say responde: "Quanto à dificuldade que Ricardo levanta, quando diz que com
melhores métodos
1 milhão de pessoas pode produzir duas ou três vezes mais riquezas, sem produzir mais valor, essa dificuldade desaparece quando, como se deve, considerar-se a produção
um
intercâmbio, em que se dão os serviços produtivos de seu trabalho, de sua terra e seu capital para obter produtos. Por meio desses serviços produtivos é que obtemos
todos os
produtos que existem no mundo. (...) Portanto (...) somos tanto mais ricos, os nossos serviços produtivos têm mais valor, quanto maior é a quantidade de coisas úteis
que obtêm no
intercâmbio chamado de produção. (SAY, J.-B. Lettres à Malthus. Paris, 1820. pp. 168-169.) A difficulté — ela existe para ele, não para Ricardo — que Say precisa
explicar é a seguinte:
Por que não aumenta o valor dos valores de uso, quando sua quantidade cresce em conse-qüência de uma elevação da força produtiva do trabalho? Resposta: A dificuldade
é resolvida
dando-se ao valor de uso por gentileza o nome de valor de troca. Valor de troca é uma coisa que por one way or another relaciona-se com intercâmbio. Portanto, chame-se
a pro-dução
de "intercâmbio" de trabalho e de meios de produção por produto, e é claro como água que se recebe tanto mais valor de troca quanto mais valor de uso fornece a produção.
Em outras palavras: Quanto mais valores de uso, por exemplo meias, uma jornada de trabalho fornece ao fabricante de meias, tanto mais rico ele é em meias. De repente
ocorre,
entretanto, a Say que "com a maior quantidade" de meias seu "preço" (que naturalmente não tem nenhuma relação com o valor de troca) cai "porque a concorrência os
obriga" (os
produtores) "a dar os produtos pelo que lhes custam". Mas, de onde vem o lucro, se o capitalista vende as mercadorias pelo preço que lhe custam? Entretanto, never
mind. Say
explica que, em conseqüência da elevação da produtividade, cada um recebe agora, em troca do mesmo equivalente, dois pares de meias em lugar de um etc. O resultado
a que
chega é precisamente a proposição de Ricardo, que queria refutar. Depois desse violento esforço mental, Say apostrofa, triunfantemente, Malthus, com as palavras:
"Esta é, meu
senhor, a bem fundamentada doutrina, sem a qual, assim declaro, não é possível resolver as mais difíceis questões da Economia Política, notadamente como uma nação
pode tornar-se
mais rica quando seus produtos diminuem em valor, apesar de que a riqueza representa valor". (Op. cit., p. 170.) Um economista inglês observa sobre semelhantes proezas
nas
Lettres de Say: "Essas maneiras afetadas de tagarelar (those affected ways of talking) cons-tituem ao todo aquilo que o Sr. Say gosta de denominar sua doutrina e
que recomenda
calorosamente a Malthus que a ensine em Hertford, o que ocorreria já dans plusieurs parties de l'Europe. Ele diz: 'Se encontrardes em todas essas afirmações um caráter
para-
229#
do trabalho aparece como força de autoconservação do capital, ao qual é incorporada, do mesmo modo que suas forças produtivas sociais apa-recem
como propriedades dele e a constante apropriação do mais-tra-balho pelo capitalista aparece como contínua autovalorização do capital.
Todas as forças do trabalho projetam-se como forças do capital, do mesmo modo que todas as formas de valor projetam-se como formas
de dinheiro.
Com o crescimento do capital cresce a diferença entre o capital empregado e o consumido. Em outras palavras: crescem a massa de


valor e a massa material dos meios de trabalho, como edifícios, ma-quinaria, canos de drenagem, animais de trabalho, aparelhos de toda
espécie, que durante períodos mais longos ou mais curtos, em processos de produção constantemente repetidos, funcionam em toda sua extensão
ou servem para a obtenção de determinados efeitos úteis, enquanto só se depreciam gradativamente, portanto perdendo seu valor por partes,
transferindo-o pois também ao produto apenas por partes. Na proporção em que esses meios de trabalho servem como formadores de produtos,
sem lhes agregar valor, em que, portanto, são aplicados em sua tota-lidade, mas apenas parcialmente consumidos, prestam, conforme men-cionado
antes, o mesmo serviço. Esse serviço gratuito do trabalho pas-sado, quando apanhado e animado pelo trabalho vivo, acumula com a
escala crescente da acumulação.
Como o trabalho passado se disfarça sempre em capital, isto é, o passivo do trabalho de A, B, C etc. torna-se o ativo do não-trabalhador


X, burgueses e economistas políticos se excedem em louvar os méritos do trabalho passado que, segundo o gênio escocês MacCulloch, deve
até mesmo receber um soldo próprio (juros, lucro etc.). 487 O peso sempre crescente do trabalho passado, que colabora no processo vivo de trabalho
sob a forma de meios de produção, é atribuído, portanto, à figura em que o trabalho passado é alienado pelo próprio trabalhador, como tra-balho
não-pago, isto é, à sua figura de capital. Os agentes práticos da produção capitalista e seus rábulas ideológicos são incapazes de con-ceber
o meio de produção separadamente da máscara social antagônica, que hoje adere nele, assim como um possuidor de escravos não concebe
o próprio trabalhador separado de seu caráter de escravo. Com o grau de exploração da força de trabalho dado, a massa
de mais-valia é determinada pelo número de trabalhadores simulta-neamente explorados, e este corresponde, embora em proporção variá-vel,
à grandeza do capital. Assim, quanto mais o capital, mediante


OS ECONOMISTAS


240
doxal, observai as coisas que elas exprimem, e eu ouso acreditar que elas vos parecerão muito simples e muito razoáveis'. Sem dúvida, e ao mesmo tempo em conseqüência
do
mesmo processo, elas parecerão tudo, menos originais ou importantes". (An Inquiry into those Principles Respecting the Nature of Demand etc. p. 110.)
487 MacCulloch tirou a patente de wages of past labour muito antes de Senior ter patenteado o wages of abstinence.
230#
acumulações sucessivas, cresce, tanto mais também cresce a soma de valor que se cinde em fundo de consumo e fundo de acumulação. O
capitalista pode, por isso, viver mais prodigamente e, ao mesmo tempo, "renunciar" mais. E, por fim, todas as molas da produção atuam com
tanto mais energia quanto mais se amplia sua escala com a massa do capital adiantado.


5. O assim chamado fundo de trabalho
Verificou-se no decorrer desta investigação que o capital não é uma grandeza fixa, mas uma parte elástica e, com a divisão da mais-valia


em renda e capital adicional, constantemente flutuante da riqueza social. Viu-se ainda que, mesmo com a grandeza dada do capital em
funcionamento, a força de trabalho, a ciência e a terra (pela qual se deve entender, economicamente, todos os objetos de trabalho preexis-tentes
na Natureza, sem interferência do homem) nele incorporadas constituem potências elásticas do mesmo que, dentro de certos limites,
lhe permitem uma margem de ação independente de sua própria gran-deza. Chegou-se a isso abstraindo todas as circunstâncias do processo
de circulação que proporcionam graus muito diferentes de eficiência à mesma massa de capital. Uma vez que pressupomos os limites da
produção capitalista, portanto uma figura puramente natural do pro-cesso social de produção, foi abstraída qualquer combinação mais ra-cional,
realizável de maneira direta e planejada, com os meios de pro-dução e as forças de trabalho existentes. A Economia clássica sempre
gostou de conceber o capital social como grandeza fixa com grau fixo de eficiência. Mas o preconceito só foi solidificado em dogma pelo ar-quifilisteu
Jeremias Bentham, o oráculo insípido, pedante e tagarela do senso comum burguês do século XIX. 488 Bentham é, entre os filósofos,
o que Martin Tupper é entre os poetas. Ambos só poderiam ter sido fabricados na Inglaterra. 489 Com seu dogma os fenômenos mais comuns


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488 Compare, entre outros: BENTHAM, J. Théorie des Peines et des Récompenses. Trad. Et. Dumont, 3ª ed. Paris, 1826. v. II, Livro Quarto. Cap. II.
489 Jeremias Bentham é um fenômeno puramente inglês. Mesmo sem excetuar nosso filósofo, Christian Wolf, em nenhum tempo e em nenhum país o lugar-comum mais comezinho
jamais se instalou com tanta auto-satisfação. O principio da utilidade não foi invenção de Bentham. Ele só reproduziu, sem espírito, o que Helvetius e outros franceses
do século
XVIII tinham dito espirituosamente. Se por exemplo se quer saber o que é útil a um cachorro, precisa-se pesquisar a natureza canina. Essa natureza não se pode construir
a
partir do "princípio de utilidade". Aplicado ao homem, isso significa que se se quer julgar toda a ação, movimento, condições etc. humanos segundo o princípio da
utilidade, trata-se
primeiramente da natureza humana em geral e depois da natureza humana historicamente modificada em cada época. Bentham não perde tempo com isso. Com a mais ingênua
secura
ele supõe o filisteu moderno, especialmente o filisteu inglês, como o ser humano normal. O que é útil para esse original homem normal e seu mundo é em si e para
si útil. E por
esse padrão ele julga então passado, presente e futuro. Assim, por exemplo, a religião cristã é "útil" porque reprova religiosamente os mesmos delitos que o código
penal condena juri-dicamente.
A crítica da arte é nociva porque perturba o prazer que as pessoas honestas encontram em Martin Tupper etc. Com lixo dessa espécie, o bom homem, cuja divisa é
231#
do processo de produção, como, por exemplo, as súbitas expansões e contrações deste, e até a acumulação, se tornam inteiramente incom-preensíveis.
490 O dogma foi mal usado tanto pelo próprio Bentham
como por Malthus, James Mill, MacCulloch etc., para fins apologéticos, notadamente para representar parte do capital, a variável ou conver-sível


em força de trabalho, como grandeza fixa. A existência material do capital variável, isto é, a massa dos meios de subsistência que ele
representa para o trabalhador, ou o assim chamado fundo de trabalho, foi imaginariamente transformada numa parcela particular da riqueza
social, cercada por barreiras naturais intransponíveis. Para colocar em movimento a parte da riqueza social que deve funcionar como capital
constante ou, expresso materialmente, como meios de produção, re-quer-se determinada massa de trabalho vivo. Esta é tecnologicamente
dada. Mas não é dado nem o número de trabalhadores necessário para realizar essa massa de trabalho, pois isso varia com o grau de exploração
da força de trabalho individual, nem o preço dessa força de trabalho, mas apenas seu limite mínimo, que, além do mais, é muito elástico.
Os fatos que estão na base do dogma são estes: por um lado o traba-lhador não tem voz na partilha da riqueza social em meios de satisfação
dos não-trabalhadores e em meios de produção; por outro lado, apenas em casos excepcionais favoráveis ele pode ampliar o assim chamado
"fundo de trabalho" à custa da "renda" dos ricos. 491
A que absurda tautologia leva o imaginar que a barreira capi-talista do fundo de trabalho é sua barreira natural social, mostra o


Prof. Fawcett, entre outros:
"O capital circulante 492 de um país", diz ele, "é seu fundo de


OS ECONOMISTAS


242
nulla dies sine linea, encheu montanhas de livros. Se eu tivesse a coragem de meu amigo H. Heine, eu chamaria o sr. Jeremias de um gênio da estupidez burguesa.
490 "Economistas políticos são demasiadamente inclinados a considerar determinada quantidade de capital e determinado número de trabalhadores como instrumentos de
produção de força
uniforme e que operam com certa intensidade uniforme. (...) Aqueles que afirmam que as mercadorias são os únicos agentes da produção, provam que a produção não pode
de modo
algum ser ampliada, pois para tal ampliação teriam de ser aumentados antes os meios de subsistência, as matérias-primas e as ferramentas, o que de fato equivale
a dizer que nenhum
crescimento da produção sem seu crescimento anterior pode ter lugar, ou, em outras palavras, que todo crescimento é impossível." (BAILEY, S. Money and its Vicissitudes.
pp. 58 e 70.)
Bailey critica o dogma principalmente do ponto de vista do processo de circulação. 491 J. St. Mill diz em seus Principles of Polit. Economy, [Livro Segundo. Cap.
I, § 3]: "O produto
do trabalho, hoje, é repartido em proporção inversa ao trabalho — a maior parte se destina àqueles que nunca trabalham, a segunda maior parte àqueles cujo trabalho
é quase só
nominal, e assim, em escala decrescente, a remuneração encolhe na medida em que o trabalho se torna mais duro e mais desagradável, até que o trabalho fisicamente
mais
cansativo e mais esgotante nem pode contar com a certeza da satisfação das necessidades vitais". Para evitar mal-entendido, quero deixar claro que, se homens como
J. St. Mill etc.
devem ser censurados pela contradição entre seus velhos dogmas econômicos e suas ten-dências modernas, seria absolutamente injusto confundi-los com o séquito dos
apologistas
da Economia vulgar. 492 FAWCETT, H. (Prof. de Economia Política em Cambridge.) The Economic Position of the
British Labourer. Londres, 1865. p. 120.
232#
trabalho. E, portanto, para calcular o salário médio que cada trabalhador recebe, temos simplesmente de dividir esse capital
pelo número de membros da população trabalhadora". 493
Isso quer dizer que primeiro reunimos em uma soma os salários individuais pagos, e então afirmamos que essa adição constitui a soma


de valor do "fundo de trabalho", outorgado por Deus e pela Natureza. Finalmente dividimos a soma obtida pelo número de trabalhadores
para voltar a descobrir quanto pode caber em média a cada trabalhador. Um procedimento singularmente astucioso. Ele não impede o sr. Faw-cett
de dizer, no mesmo fôlego:
"A riqueza global acumulada anualmente na Inglaterra é di-vidida em duas partes. Uma parte é aplicada na Inglaterra para


a manutenção de nossa própria indústria. Outra parte é exportada para outros países. (...) A parte que é empregada em nossa in-dústria
não constitui porção significativa da riqueza acumulada anualmente neste país". 494


A maior parte do mais-produto que acresce anualmente, extraído ao trabalhador inglês sem equivalente, não é portanto capitalizada na
Inglaterra, mas em países estrangeiros. Mas com o capital adicional assim exportado é também exportada parte do "fundo de trabalho"
inventado por Deus e Bentham. 495


MARX


243
493 Lembro ao leitor que fui o primeiro a usar as características: capital variável e capital constante. A Economia Política desde A. Smith mistura confusamente
as determinações
contidas nessas categorias com as diferenças de forma oriunda do processo de circulação, de capital fixo e circulante. Pormenores sobre isso no Livro Segundo, Seção
II.
494 FAWCETT. Op. cit., pp. 123, 122. 495 Poder-se-ia dizer que não apenas capital, mas também trabalhadores, sob a forma de emi-gração,
são exportados anualmente pela Inglaterra. Entretanto, no texto, não se fala ab-solutamente nada do peculium dos emigrantes, que em grande parte não são trabalhadores.
Os filhos dos arrendatários constituem uma grande porção. O capital adicional inglês que se coloca anualmente no exterior a juros está em proporção desigualmente
maior para a
acumulação anual do que a que existe entre emigração anual e crescimento anual da po-pulação.
233#
CAPÍTULO XXIII
A Lei Geral da Acumulação Capitalista


1. Demanda crescente de força de trabalho com a acumu-lação, com composição constante do capital
Neste capítulo, tratamos da influência que o crescimento do ca-pital exerce sobre o destino da classe trabalhadora. Os fatores mais
importantes nessa investigação são a composição do capital e as mo-dificações que ela sofre no transcurso do processo de acumulação.
A composição do capital tem de ser compreendida em duplo sen-tido. Da perspectiva do valor, ela é determinada pela proporção em
que se reparte em capital constante ou valor dos meios de produção e capital variável ou valor da força de trabalho, soma global dos salários.
Da perspectiva da matéria, como ela funciona no processo de produção, cada capital se reparte em meios de produção e força de trabalho viva;
essa composição é determinada pela proporção entre, por um lado, a massa dos meios de produção utilizados e, por outro lado, o montante
de trabalho exigido para seu emprego. Chamo a primeira de composi-ção-valor e a segunda de composição técnica do capital. Entre ambas
há estreita correlação. Para expressá-la, chamo a composição-valor do capital, à medida que é determinada por sua composição técnica e
espelha suas modificações, de: composição orgânica do capital. Onde se fala simplesmente de composição do capital, deve-se entender sempre
sua composição orgânica. Os numerosos capitais individuais aplicados em determinado
ramo da produção têm entre si composição mais ou menos diferenciada. A média de suas composições individuais dá-nos a composição do capital
global desse ramo da produção. Por fim, a média global das composições médias de todos os ramos da produção dá-nos a composição do capital
social de um país, e apenas dessa é que, em última instância, há de se falar em seguida.


245
234#
Crescimento do capital implica crescimento de sua parcela va-riável ou convertida em força de trabalho. Uma parcela da mais-valia
transformada em capital adicional precisa ser sempre retransformada em capital variável ou fundo adicional de trabalho. Suponhamos que,
além de mantidas constantes as demais circunstâncias, a composição do capital permaneça inalterada, ou seja, que determinada massa de
meios de produção ou de capital constante requeira sempre a mesma massa de força de trabalho para ser posta em movimento, então cresce
evidentemente a demanda de trabalho e o fundo de subsistência dos trabalhadores proporcionalmente ao capital, e tanto mais rapidamente
quanto mais rapidamente cresce o capital. Como o capital produz anual-mente uma mais-valia, da qual parte é adicionada anualmente ao ca-pital
original, como esse incremento mesmo cresce anualmente com o tamanho crescente do capital já em função e como, finalmente, sob o
aguilhão particular do impulso ao enriquecimento, por exemplo a aber-tura de novos mercados, de novas esferas dos investimentos de capital
em decorrência de necessidades sociais recém-desenvolvidas etc., a es-cala da acumulação é subitamente ampliável mediante mera repartição
modificada da mais-valia ou do mais-produto em capital e renda, as necessidades da acumulação do capital podem superar o crescimento
da força de trabalho ou do número de trabalhadores, a demanda de trabalhadores pode se tornar maior que a sua oferta e por isso os
salários se elevam. Esse tem de ser, afinal de contas, o caso, perma-necendo inalterados os pressupostos acima. Como a cada ano mais
trabalhadores são ocupados do que no anterior, mais cedo ou mais tarde tem de se chegar ao ponto em que as necessidades da acumulação
começam a crescer além da oferta habitual de trabalho, em que, por-tanto, começa o aumento salarial. Queixas quanto a isso ressoam na
Inglaterra durante todo o século XV e primeira metade do século XVIII. As circunstâncias mais ou menos favoráveis em que os assalariados
se mantêm e se multiplicam em nada modificam, no entanto, o caráter básico da produção capitalista. Assim como a reprodução simples re-produz
continuamente a própria relação capital, capitalistas de um lado, assalariados do outro, também a reprodução em escala ampliada
ou a acumulação reproduz a relação capital em escala ampliada, mais capitalistas ou capitalistas maiores neste pólo, mais assalariados na-quele.
A reprodução da força de trabalho, que incessantemente precisa incorporar-se ao capital como meio de valorização, não podendo livrar-se
dele e cuja subordinação ao capital só é velada pela mudança dos capitalistas individuais a que se vende, constitui de fato um momento
da própria reprodução do capital. Acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado. 496


OS ECONOMISTAS


246
496 MARX, KARL. Op. cit. "Com igual opressão das massas, um país é tanto mais rico quanto mais proletários ele tiver", (COLINS. L'Economie Politique, Source des
Révolutions et des
235#
A Economia clássica entendeu tão bem essa proposição que A. Smith, Ricardo etc., como anteriormente aventado, até identificam fal-samente
a acumulação com consumo de toda a parte capitalizada do mais-produto por trabalhadores produtivos ou com sua transformação
em assalariados adicionais. Já em 1696 dizia John Bellers:
"Se alguém tivesse 100 mil acres de terra e igual número de libras em dinheiro e em gado, o que seria esse homem rico sem


o trabalhador, senão um trabalhador? E como os trabalhadores tornam pessoas ricas, então quanto mais trabalhadores houver,
tanto mais ricos. (...) O trabalho dos pobres é a mina dos ricos". 497
Assim, Bernard de Mandeville no começo do século XVIII:
"Onde a propriedade esteja suficientemente protegida, seria mais fácil viver sem dinheiro do que sem pobres, pois quem faria


o trabalho? (...) Assim como os trabalhadores 498 devem ser pre-servados de morrer de fome, também não deveriam receber nada
que valha a pena ser poupado. Se aqui e ali alguém da classe mais baixa, por incomum esforço e apertando o cinto, eleva-se
acima das condições em que foi criado, ninguém deve impedi-lo: sim, é inegavelmente o plano mais sábio para cada pessoa na
sociedade, para cada família, ser frugal; mas é do interesse de todas as nações ricas que a maior parte dos pobres nunca esteja
inativa e, ainda assim, continuamente gaste o que ganha. (...) Aqueles que ganham a vida com seu labor diário (...) não têm
nada que os aguilhoe para serem serviçais senão suas necessi-dades, que é prudente aliviar, mas loucura curar. A única coisa
que pode tornar o homem trabalhador esforçado é um salário moderado. Um pequeno demais torna-o conforme seu tempera-mento,
desalentado ou desesperado; um grande demais torna-o insolente e preguiçoso. (...) Do desenvolvimento até aqui segue
que, numa nação livre em que não sejam permitidos escravos, a riqueza mais segura consiste numa porção de pobres laboriosos.
Além de serem a inesgotável fonte fornecedora da marinha e do


MARX


247
Utopies Prétendues Socialistes. Paris, 1857. t. III, p. 331.) Por "proletário" só se deve entender economicamente o assalariado que produz e valoriza "capital" e
é jogado na rua
assim que se torna supérfluo para as necessidades de valorização de "Monsieur Capital", como Pecqueur chama a esse personagem. "O proletário enfermiço da mata virgem"
é um
gentil fantasma roscheriano. O silvícola é proprietário da selva e trata a selva tão sem cerimônias quanto o orangotango, ou seja, como sua propriedade. Ele, portanto,
não é pro-letário.
Este só seria o caso se a mata virgem o explorasse e não ele à mata virgem. Quanto ao seu estado de saúde, resistiria bem não só a uma comparação com o do proletário
moderno, mas também com "honrados" sifilíticos e escrofulosos. Provavelmente Herr Wilhelm Roscher entende por mata virgem a pastagem de Lüneburg, sua terra natal.
497 "As the Laboures make men rich, so the more Labourers, there will be the more rich men... the Labour of the Poor being the Mines of the Rich." (BELLERS, John.
Op. cit., p. 2.)
498 Em inglês: os pobres. (N. dos T.)
236#
exército, não poderia haver sem eles satisfação e nenhum produto de qualquer país seria valorizável. Para fazer a sociedade" (que,
obviamente, consiste em não-trabalhadores) "feliz e o povo con-tente, mesmo nas piores circunstâncias, é necessário que a grande
maioria permaneça tanto ignorante quanto pobre. O aconteci-mento amplia e multiplica nossos desejos, e quanto menos um
homem deseja, tanto mais facilmente suas necessidades podem ser atendidas". 499


O que Mandeville, um homem honesto e lúcido, ainda não entende é que o próprio mecanismo do processo de acumulação multiplica, com
o capital, a massa dos "pobres laboriosos", isto é, dos assalariados, que transformam sua força de trabalho em crescente força de valorização
do capital crescente e, por isso mesmo, precisam perpetuar sua relação de dependência para com seu próprio produto, personificado no capi-talista.
Quanto a essa relação de dependência, observa Sir F. M. Eden, em seu A Situação dos Pobres ou História da Classe Trabalhadora na
Inglaterra: 500
"Nossa zona exige trabalho para satisfazer às necessidades e, por isso, ao menos parte da sociedade precisa trabalhar infati-gavelmente.
(...) Alguns que não trabalham têm, porém, os pro-dutos do esforço a sua disposição. Esses proprietários devem isso,
no entanto, somente à civilização e à ordem; são meras criaturas das instituições burguesas. 501 Pois estas reconheceram que tam-bém
é possível apropriar-se dos frutos do trabalho de outro modo


OS ECONOMISTAS


248
499 MANDEVILLE, B. de. (The Fable of the Bees. 5ª ed., Londres, 1728. pp. 212, 213. 328). — "Vida Moderada e trabalho constante são, para o pobre, o caminho para
a felicidade
material" (que ele entende como sendo a jornada de trabalho mais longa possível e o mínimo possível de meios de subsistência) "e para a riqueza do Estado" (ou seja,
de pro-prietários
fundiários, capitalistas e seus dignitários políticos e agentes). (An Essay on Trade and Commerce. Londres, 1770. p. 54.)
500 O texto inglês original é o seguinte: "The natural produce of our soil is certainly not fully adequate to our subsistence; we can neither be clothed, lodged
nor fed but in consequence
of some previous labour. A portion at least of the societ must be indefatigably employed. (...) There are others who, though they 'neither toil nor spin', can yet
command the produce
of industry, but who owe their exemption from labour solely to civilizaton and order (...) They are peculiarly the creatures of civil institutions, which have recognised
that individuals
may acquire property various other means besides the exertion of labour. (...) Persons of independent fortune (...) owe their superior advantages by no means to
any superior abilities
of their own, but almost entirely (...) to the industry of others. It is not the possession of land, or of money, but the command of labour which distinguishes the
opulent from the
labouring part of the community. (...) This (scheme approved by Eden) would give the people of property sufficient (but by no means too much) influence and authority
over
those who (...) work for them; and it would place such labourers, not in an abject or servile condition, but in such a state of easy and liberal dependence as all
who know human
nature, and its history, will allow to be necessary for their own comfort". (N. dos T.) 501 Eden devia ter perguntado por quem foram, afinal, criadas "as instituições
burguesas"?
Da perspectiva da ilusão jurídica, ele não considera a lei como produto das relações materiais de produção, mas, pelo contrário, as relações de produção, como produto
da lei. Linguet
demoliu o ilusório Esprit des Lois com uma frase: L'esprit des lois, c'est la propriété.
237#
que não seja trabalhando. Pessoas, de fortuna independente (...) devem sua fortuna quase inteiramente ao trabalho dos outros e
não à habilidade deles mesmos, que não é, de modo algum, maior do que a dos outros; não é a propriedade de terras ou de dinheiro,
mas o comando sobre o trabalho (the command of labour) que distingue os ricos dos pobres. (...) O que convém ao pobre não é
uma situação abjeta ou servil, mas uma condição cômoda e liberal de dependência (a state of easy and liberal dependence), e o que
convém às pessoas de posses é ter influência e autoridade sufi-ciente sobre aqueles que trabalham para elas. (...) Tal condição
de dependência é, como o sabe todo conhecedor da natureza hu-mana, necessária para o conforto do próprio trabalhador". 502


Sir F. M. Eden, diga-se de passagem, é o único discípulo de Adam Smith que, durante o século XVIII, realizou algo significativo. 503


MARX


249
502 EDEN. Op. cit., v. I, 1 I, cap. I, p. 1,-2 e prefácio, p. XX. 503 Caso o leitor lembre Malthus, cujo Essay on Population apareceu em 1798, lembro então
que esse texto, em sua primeira formulação, nada mais é que um plágio, escolar, superficial e clericalmente declamatório de Defoe, Sir James Steuart, Townsend, Franklin,
Wallace
etc. e que não contém uma única frase original. A grande sensação despertada por esse panfleto decorreu apenas de interesses partidários. A Revolução Francesa tinha
encontrado
no Reino Unido apaixonados defensores; o "princípio da população", lentamente elaborado durante o século XVIII, depois, em meio a uma grande crise social, anunciado
com tambores
e fanfarras como o infalível antídoto contra as doutrinas de Condorcet e de outros, foi saudado com júbilo pela oligarquia inglesa como o grande exterminador de
todas as aspi-rações
pelo progresso da humanidade. Malthus, fortemente surpreendido com seu êxito, dedicou-se então a enxertar material superficialmente compilado no velho esquema e
adi-cionar
material novo, não descoberto por ele, mas tão-somente anexado. Observe-se de passagem. Embora Malthus fosse clérigo da Igreja Anglicana, havia feito o voto monástico
do celibato. Pois essa é uma das condições da fellowship na universidade protestante de Cambridge. "Não permitimos que os membros do colégio sejam casados; assim
que alguém
toma uma mulher deixa de ser membro do colégio." (Reports of Cambridge University Com-mission. p. 172.) Essa circunstância diferencia Malthus vantajosamente dos
outros ministros
protestantes, que rejeitaram o mandamento católico do celibato sacerdotal e que reivindi-caram para si o "crescei e multiplicai-vos" como sua missão bíblica específica
em tal medida
que contribuem, por toda parte, num grau em verdade indecente, para o aumento popula-cional, enquanto, ao mesmo tempo, pregam aos trabalhadores o "princípio da população".
É característico que o pecado original transvestido economicamente, o pomo de Adão, o urgent appetite, the checks which tend to blunt the shafts of Cupid, como diz
alegremente
o Reverendo Townsend, que esse ponto tão delicado tenha sido e seja monopolizado pelos senhores da teologia ou, muito mais, da igreja protestante. Com exceção do
monge veneziano
Orte, um escritor original e espirituoso, a maioria dos doutrinadores da população são ministros protestantes. Assim Bruckner, Théorie du Système Animal, Leyde,
1767, em que
toda a moderna teoria da população está exaustivamente exposta e para a qual contribuiu com idéias a querela passageira entre Quesnay e seu discípulo Mirabeau père
sobre o
mesmo tema e depois o Reverendo Wallace, o Reverendo Townsend, o Reverendo Malthus e seus discípulos, o Arqui-reverendo Th. Chalmers, e isso sem falar dos escribas
clericais
menores in this line. Inicialmente a Economia Política foi exercida por filósofos como Hobbes, Locke, Hume, por homens de negócios e estadistas, como Thomas Morus,
Temple, Sully,
de Witt, North, Law, Vanderlint, Cantillon, Franklin; e particularmente no plano teórico, com o maior êxito, por médicos como Petty, Barbon, Mandeville, Quesnay.
Ainda em meados
do século XVIII, o Reverendo Mr. Tucker, um economista significativo à sua época, descul-pava-se por ocupar-se com Mammon. Mais tarde, a saber, com o "princípio
da população",
soou a hora dos ministros protestantes. Como que pressentindo essa charlatanice, Petty, que considera a população a base da riqueza e, como Adam Smith, anticlerical
declarado,
238#
Sob as condições de acumulação até agora supostas, favoráveis aos trabalhadores, sua relação de dependência do capital reveste-se
de formas suportáveis ou, como diz Eden, "cômodas e liberais". Ao invés de tornar-se mais intensiva com o crescimento do capital, torna-se
apenas mais extensiva, isto é, a esfera de exploração e de dominação do capital apenas se expande com suas próprias dimensões e o número
de seus subordinados. De seu próprio mais-produto, em expansão e expandindo a parte transformada em capital adicional, flui de volta
para eles uma parcela maior sob a forma de meios de pagamento, de maneira que podem ampliar o âmbito de suas satisfações, podem prover
melhor seu fundo de consumo de vestuário, móveis etc., e constituir um pequeno fundo de reserva em dinheiro. Mas assim como melhor


OS ECONOMISTAS


250
afirma: "A religião floresce melhor quando os sacerdotes são mais mortificados, assim como o Direito onde os advogados passam fome". Por isso, ele aconselha aos
cléricos protestantes,
já que não querem seguir o apóstolo Paulo e se "mortificar" pelo celibato, "a não gerarem mais clérigos (not to breed more Churchmen) do que as prebendas (benefices)
existentes
possam absorver: ou seja, se só existem 12 mil prebendas na Inglaterra e no País de Gales, não será prudente gerar 24 mil ministros (it will not be safe to breed
24 000 ministers),
pois os 12 mil desprovidos de recursos sempre haverão de procurar um sustento, e como poderiam fazer isso de modo mais fácil do que se dirigindo ao povo para convencê-lo
de
que os 12 mil prebendados envenenariam as almas e as esfomeariam, desviando-as do caminho do céu?" (PETTY. A Treatise on Taxes and Contributions. Londres, 1667.
p. 57.)
A posição de Adam Smith em face do clero protestante é caracterizada pelo seguinte. Em A Letter to A. Smith. L. L. D. On the Life, Death and Philosophy of his Friend
David
Hume. By One the People called Christians, 4ª ed., Oxford, 1784, o Dr. Horne, bispo anglicano de Norwish, censura A. Smith pelo fato de este, numa carta aberta ao
Sr. Straham, "ter
embalsamado" o seu "amigo David" (isto é, Hume) por contar ao mundo "como Hume, em seu leito de morte, divertia-se lendo Luciano e jogando Whist" e teria até mesmo
a impu-dicícia
de escrever. "Sempre considerei Hume, tanto durante sua vida quanto após sua morte, tão próximo do ideal de um homem perfeitamente sábio e virtuoso quanto o permite
a fragilidade da natureza humana". O bispo exclama, indignado: "Será que é justo de sua parte, meu senhor, descrever-nos como perfeitamente sábio e virtuoso por
seu caráter e
por sua vida um homem que foi possuído por uma incurável antipatia contra tudo o que é chamado de religião e empregava cada fibra de seu ser (...) a fim de até mesmo
apagar
seu nome da memória dos homens?" (Loc. cit., p. 8.) "Mas não vos deixeis desencorajar, ó amantes da verdade, pois o ateísmo tem vida curta". (p. 17) Adam Smith "tem
a atroz
perversidade (the atrocious wickedness) de propagar o ateísmo pelo país" (por meio de sua Theory of Moral Sentiments). " Conhecemos vossa artimanha, sr. Doutor!
Tendes boa in-tenção,
mas não tereis êxito desta vez! Quereis persuadir-nos, por meio do exemplo do sr. David Hume, de que o ateísmo é o único revigorante (cordial) para um espírito deprimido
e o único antídoto adequado contra o medo à morte. (...) Ride sobre Babilônia em ruínas e congratulai o malvado empedernido faraó!" (Loc. cit., pp. 21-22.) Um ortodoxo
entre os
que freqüentavam as aulas de A, Smith escreve após a morte dele: "A amizade de Smith por Hume impediu-o de ser cristão. (...) Ele acreditava literalmente em Hume.
* Se Hume
lhe dissesse que a Lua é um queijo verde, ele teria acreditado nisso. Aceitou, portanto, dele que nem Deus nem milagres existem. (...) Em seus princípios políticos,
ele tangenciava
o republicanismo". (The Bee, por James Anderson, 18 v., Edinburgo, 1791-1793.) O Reverendo Th. Chalmers suspeita que A. Smith, por pura malícia, tivesse inventado
a categoria dos
"trabalhadores improdutivos" especialmente para os ministros protestantes, apesar de seu santo trabalho nas vinhas do Senhor.
* Em inglês: When he met with honest men whom he liked (...) he would believe almost
anything thei said: "Quando encontrava homens honestos dos quais gostava (...), ele era capaz de acreditar em quase tudo o que dissessem". Em seguida: "Tivesse ele
sido amigo


do valorosamente engenhoso Horrox, teria acreditado que a Lua às vezes desaparece no céu azul sem a interposição de uma nuvem. (...) Em seus princípios políticos,
ele se apro-ximava
do republicanismo". (N. dos T.)
239#
vestuário, alimentação, tratamento e um pecúlio maior não superam a relação de dependência e a exploração do escravo, tampouco superam
as do assalariado. Preço crescente do trabalho em decorrência da acu-mulação do capital significa, de fato, apenas que o tamanho e o peso
da cadeia de ouro, que o próprio trabalhador forjou para si, permitem reduzir seu aperto. Nas controvérsias em torno desse objeto, geralmente
deixou-se de ver o principal, ou seja, a differentia specifica 504 da pro-dução capitalista. Força de trabalho é aí comprada não para satisfazer,
mediante seu serviço ou seu produto, às necessidades pessoais do com-prador. Sua finalidade é a valorização de seu capital, produção de
mercadorias que contenham mais trabalho do que ele paga, portanto, que contenham uma parcela de valor que nada lhe custa e que, ainda
assim, é realizada pela venda de mercadorias. Produção de mais-valia ou geração de excedente é a lei absoluta desse modo de produção. Só
à medida que mantém os meios de produção como capital, que reproduz seu próprio valor como capital e que fornece em trabalho não-pago
uma fonte de capital adicional é que a força de trabalho é vendável. 505 As condições de sua venda, quer sejam mais quer sejam menos favo-ráveis
para o trabalhador, incluem, portanto, a necessidade de sua contínua revenda e a contínua reprodução ampliada da riqueza como
capital. O salário, como se viu, condiciona sempre, por sua natureza, o fornecimento de determinado quantum de trabalho não-pago por parte
do trabalhador.
Abstraindo inteiramente a elevação do salário com preço decres-cente do trabalho etc., seu aumento significa, no melhor dos casos,


apenas diminuição quantitativa do trabalho não-pago que o trabalhador tem de prestar. Essa diminuição nunca pode ir até o ponto em que
ela ameace o próprio sistema. Abstraindo conflitos violentos sobre a taxa do salário — e Adam Smith já mostrou que, de modo geral, em
tal conflito o patrão sempre permanece patrão — uma elevação do preço do trabalho decorrente da acumulação de capital pressupõe a
seguinte alternativa.
Ou o preço do trabalho continua a se elevar, porque sua elevação não perturba o progresso da acumulação; nisso não há nada de sur-preendente,


pois como diz A. Smith:
"Mesmo com lucros diminuídos os capitais continuam a au-mentar: crescem até mesmo mais depressa do que antes. (...) Um
grande capital, mesmo com lucros menores, geralmente cresce


MARX


251
504 Diferença específica. (N. dos T.) 505 Nota à 2ª edição: "O limite, no entanto, para a ocupação de trabalhadores fabris e agrícolas
é o mesmo: ou seja, a possibilidade de o proprietário obter um lucro do produto de seu trabalho. Se a taxa de salário sobe tanto que o lucro do patrão cai abaixo
do lucro médio,
ele pára de ocupá-los ou só os ocupa sob a condição de se submeterem a uma redução salarial". (WADE, John. Op. cit., p. 240.)
240#
mais depressa do que um capital pequeno com lucros grandes". (Op. cit., I, p. 189.)
Nesse caso, é evidente que uma diminuição do trabalho não-pago de modo algum entrava a expansão do domínio do capital. — Ou, este
é o outro lado da alternativa, a acumulação afrouxa devido ao preço crescente do trabalho, pois o aguilhão do lucro embota. A acumulação
decresce. Mas, com seu decréscimo, desaparece a causa de seu decrés-cimo, ou seja, a desproporção entre capital e força de trabalho explo-rável.
O próprio mecanismo do processo de produção capitalista elimina, portanto, os empecilhos que ele temporariamente cria. O preço do tra-balho
cai novamente para um nível correspondente às necessidades de valorização do capital, quer esse nível esteja abaixo, acima ou igual
ao que antes de surgir o crescimento adicional de salário era conside-rado como normal. Vê-se que: no primeiro caso, não é a diminuição
no crescimento absoluto ou proporcional da força de trabalho ou da população operária que torna o capital redundante, mas, ao contrário,
é o aumento do capital que torna insuficiente a força de trabalho ex-plorável. No segundo caso, não é o aumento no crescimento absoluto
ou proporcional da força de trabalho ou da população trabalhadora que torna o capital insuficiente, mas, ao contrário, é a diminuição de
capital que torna excessiva a força de trabalho explorável ou, antes, seu preço. São esses movimentos absolutos na acumulação do capital que
se refletem como movimentos relativos na massa da força de trabalho explorável e, por isso, parecem dever-se ao movimento próprio desta última.
Para usar uma expressão matemática: a grandeza da acumulação é a variável independente; a grandeza do salário, a dependente, e não o con-trário.
Assim, na fase de crise do ciclo industrial a queda geral dos preços das mercadorias se expressa como elevação do valor relativo do dinheiro
e, na fase de prosperidade, a elevação geral dos preços das mercadorias, como queda do valor relativo do dinheiro. A assim chamada Currency
School conclui daí que, com preços altos, circula dinheiro demais e, com preços baixos, dinheiro de menos. 506 Sua ignorância e desconhecimento
total dos fatos 507 encontram paralelos à altura nos economistas que in-terpretam esses fenômenos da acumulação como se ora existissem assa-lariados
demais e ora de menos.
A lei da produção capitalista, que subjaz à pretensa "lei natural
da população", redunda simplesmente nisso: a relação entre capital,
acumulação e taxa de salário não é nada mais que a relação entre o
trabalho não-pago, transformado em capital, e o trabalho adicional
necessário à movimentação do capital adicional. Não é, portanto, de


OS ECONOMISTAS


252
506 Na 3ª e 4ª edição: com preços altos circula dinheiro demais; com preços baixos, dinheiro de menos.
507 Cf. MARX, Karl. Zur Kritik der Politischen Oekonomie. p. 165 et seqs.
241#
modo algum uma relação de duas grandezas independentes entre si,
por um lado a grandeza do capital, por outro o tamanho da população
trabalhadora, mas é, em última instância, muito mais a relação entre o trabalho não-pago e o trabalho pago, da mesma população trabalha-dora.


Se cresce a quantidade de trabalho não-pago fornecido pela classe
trabalhadora e acumulada pela classe capitalista de modo suficiente-mente
rápido para só com um acréscimo extraordinário de trabalho
pago poder transformar-se em capital, então o salário sobe e, perma-necendo
tudo mais constante, o trabalho não-pago diminui proporcio-nalmente. Mas, assim que essa diminuição atinge o ponto em que o


mais-trabalho, que alimenta o capital, já não é oferecido na quantidade
normal, então ocorre uma reação: uma parte menor da renda é capi-talizada,
a acumulação se desacelera e o movimento ascendente do
salário sofre um contragolpe. A elevação do preço do trabalho perma-nece,
portanto, confinada em limites que não só deixam intocados os
fundamentos do sistema capitalista, mas também asseguram sua re-produção em escala crescente. A lei da acumulação capitalista, misti-ficada


em lei da Natureza, expressa, portanto, de fato apenas que sua
natureza exclui todo decréscimo no grau de exploração do trabalho ou
toda elevação do preço do trabalho que poderia ameaçar seriamente
a reprodução continuada da relação capital e sua reprodução em escala
sempre ampliada. Nem poderia ser diferente num modo de produção em que o trabalhador existe para as necessidades de valorização de


valores existentes, ao invés de a riqueza objetiva existir para as ne-cessidades
de desenvolvimento do trabalhador. Assim como na religião
o ser humano é dominado pela obra de sua própria cabeça, assim, na
produção capitalista, ele o é pela obra de sua própria mão. 508


2. Decréscimo relativo da parte variável do capital com o progresso da acumulação e da


concentração que a acompanha
De acordo com os próprios economistas, não é o volume existente da riqueza social nem a grandeza do capital já adquirido que acarretam


uma elevação salarial, mas unicamente o crescimento contínuo da acu-mulação e a velocidade desse crescimento. (A. Smith, Livro Primeiro.
Cap. 8.) Até agora examinamos apenas uma fase particular desse pro-


MARX


253
508 "Voltemos agora, porém, à nossa primeira investigação, onde se comprova (...) que o próprio capital é apenas criação de trabalho humano (...) de modo que parece
completamente in-compreensível
que o homem pudesse cair sob o domínio de seu próprio produto — o capital — e pudesse ficar subordinado a ele, e como esse na realidade é inegavelmente o caso,
impõe-se involuntariamente a pergunta: como pôde o trabalhador, de dominador do capital — enquanto seu criador — tornar-se escravo do capital? (VON THÜNEN. Der isolirte
Staat.
Rostock, 1863. Parte Segunda, Seção II, pp. 5-6). É mérito de Thünen ter perguntado. Sua resposta é simplesmente infantil.
242#
cesso, aquela em que o crescimento adicional de capital ocorre com composição técnica do capital constante. Mas o processo ultrapassa
essa fase. Uma vez dados os fundamentos gerais do sistema capitalista, no
transcurso da acumulação surge sempre um ponto em que o desenvol-vimento da produtividade do trabalho social se torna a mais poderosa
alavanca da acumulação.
"A mesma causa", diz A. Smith, "que eleva os salários, ou seja, o aumento de capital, impele o incremento das capacidades


produtivas do trabalho e habilita uma quantidade menor de tra-balho a produzir uma quantidade maior de produtos." 509


Abstraindo as condições naturais, como fertilidade do solo etc., e a habilidade dos produtores, os quais trabalham independente e iso-ladamente,
que, no entanto, se patenteia mais qualitativamente na perfeição do que quantitativamente na massa do produto, o grau de
produtividade social do trabalho se expressa no volume relativo dos meios de produção que um trabalhador, durante um tempo dado, com
o mesmo dispêndio de força de trabalho, transforma em produto. A massa dos meios de produção com que ele funciona cresce com a pro-dutividade
de seu trabalho. Esses meios de produção desempenham duplo papel. O crescimento de uns é conseqüência; o de outros, condição
da crescente produtividade do trabalho. Por exemplo, com a divisão manufatureira do trabalho e a utilização da maquinaria, no mesmo
espaço de tempo mais matéria-prima é processada, portanto uma massa maior de matéria-prima e de materiais auxiliares entra no processo
de trabalho. Essa é a conseqüência da crescente produtividade do tra-balho. Por outro lado, a massa da maquinaria utilizada, dos animais
de trabalho, dos adubos minerais, das tubulações de drenagem etc., é condição da crescente produtividade do trabalho. Assim também a mas-sa
dos meios de produção concentrados em prédios, altos-fornos, dos meios de transporte etc. Mas, condição ou conseqüência, o volume cres-cente
dos meios de produção em comparação com a força de trabalho neles incorporada expressa a crescente produtividade do trabalho. O
acréscimo desta última aparece, portanto, no decréscimo da massa de trabalho proporcionalmente à massa de meios de produção movimen-tados
por ela ou no decréscimo da grandeza do fator subjetivo do pro-cesso de trabalho, em comparação com seus fatores objetivos.
Essa mudança na composição técnica do capital, o crescimento da massa dos meios de produção, comparada à massa da força de
trabalho que os vivifica, reflete-se em sua composição em valor, no acréscimo da componente constante do valor do capital à custa de sua


OS ECONOMISTAS


254
509 SMITH, A. An Inquiry into the Nature and Causes of the Nations. Edimburgo, 1814. v. I, p. 142. (N. da Ed. Alemã.)
243#
componente variável. De um capital, por exemplo, calculados em per-centagem, originalmente são investidos 50% em meios de produção e
50% em força de trabalho; mais tarde, com o desenvolvimento da pro-dutividade do trabalho, são investidos 80% em meios de produção e
20% em força de trabalho etc. Essa lei do crescente aumento da parte constante do capital em relação à parte variável é confirmada a cada
passo (como já desenvolvido acima) pela análise comparativa dos preços das mercadorias, quer comparemos diferentes épocas econômicas de
uma única nação ou nações diferentes na mesma época. A grandeza relativa do elemento do preço, que representa apenas o valor dos meios
de produção consumidos ou a parte constante do capital, estará na razão direta; a grandeza relativa do outro elemento do preço, que re-presenta
a parte que paga o trabalho ou a parte variável do capital, estará geralmente na razão inversa do progresso da acumulação.
O decréscimo da parte variável do capital em confronto com a constante ou a composição modificada do valor do capital indica, no
entanto, de modo apenas aproximado, a mudança na composição de seus componentes materiais. Se, por exemplo, hoje, o valor do capital
investido na fiação é 7/ 8 constante e 1/ 8 variável, enquanto no começo do século XVIII era 1/ 2 constante e 1/ 2 variável, a massa de matéria-prima,
meios de trabalho etc. que determinado quantum de trabalho de fiação consome hoje produtivamente é quatrocentas vezes maior do
que no começo do século XVIII. A razão disso é simplesmente que, com a crescente produtividade do trabalho, não apenas se eleva o vo-lume
dos meios de produção por ele utilizados, mas cai o valor deles em comparação com seu volume. Seu valor se eleva pois de modo ab-soluto,
mas não proporcionalmente a seu volume. O crescimento da diferença entre capital constante e capital variável é, por isso, muito
menor do que o da diferença entre a massa dos meios de produção em que o capital constante é convertido e a massa da força de trabalho
em que se converte o capital variável. A primeira diferença cresce com a última, mas em grau menor.
Além disso, se o progresso da acumulação diminui a grandeza relativa da parte variável do capital, não exclui, com isso, de modo
algum, o crescimento de sua grandeza absoluta. Suponhamos que um valor de capital se divida inicialmente em 50% de capital constante e
50% de variável, mais tarde em 80% de constante e 20% de variável. Se, entrementes, o capital original, digamos 6 mil libras esterlinas,
aumentou para 18 mil libras esterlinas, sua componente variável cres-ceu também em 1/ 5. Era de 3 mil libras esterlinas e monta agora
a 3 600 libras esterlinas. Mas se, antes, um crescimento de 20% de capital teria bastado para elevar a demanda de mão-de-obra em
20%, isso agora exige triplicação do capital original. Na Seção IV foi mostrado como o desenvolvimento da força pro-dutiva
social do trabalho pressupõe cooperação em larga escala, como


MARX


255
244#
só com esse pressuposto é que podem ser: organizadas a divisão e a combinação do trabalho; poupados meios de produção mediante con-centração
maciça; criados materialmente meios de trabalho apenas uti-lizáveis em conjunto, por exemplo, sistema de maquinaria etc.; postas
a serviço da produção colossais forças da Natureza; e pode ser com-pletada a transformação do processo de produção em aplicação tecno-lógica
da ciência. À base da produção de mercadorias, na qual os meios de produção são propriedade de pessoas privadas, em que o trabalhador
manual produz mercadorias portanto de modo isolado e autônomo ou vende sua força de trabalho como mercadoria porque lhe faltam os
meios para produzir autonomamente, aquele pressuposto só se realiza pelo crescimento dos capitais individuais ou à medida que os meios
sociais de produção e subsistência são transformados em propriedade privada de capitalistas. O terreno da produção de mercadorias só pode
sustentar a produção em larga escala na forma capitalista. Certa acu-mulação de capital nas mãos de produtores individuais de mercadorias
constitui, por isso, o pressuposto do modo específico de produção ca-pitalista. Tínhamos, por isso, de pressupô-la na passagem do artesanato
para a empresa capitalista. Pode ser chamada de acumulação primitiva, pois ela, ao invés de resultado histórico, é fundamento histórico da
produção especificamente capitalista. Como ela própria surge, ainda não precisamos examinar aqui. Basta dizer que ela constitui o ponto
de partida. Mas todos os métodos de elevar a força produtiva social do trabalho, surgidos sobre esse fundamento, são, ao mesmo tempo,
métodos de elevar a produção de mais-valia ou mais-produto, que, por sua vez, é o elemento constitutivo da acumulação. São, por conseguinte,
métodos para produzir capital mediante capital ou métodos de sua acumulação acelerada. A contínua retransformação de mais-valia em
capital apresenta-se como grandeza crescente do capital que entra no processo de produção. Este se torna, por sua vez, fundamento para
uma escala ampliada de produção, dos métodos que o acompanham para a elevação da força produtiva do trabalho e produção acelerada
de mais-valia. Se, portanto, certo grau de acumulação de capital aparece como condição do modo de produção especificamente capitalista, este
último ocasiona em reação uma acumulação acelerada do capital. Com a acumulação do capital desenvolve-se, portanto, o modo de produção
especificamente capitalista e, com modo de produção especificamente ca-pitalista, a acumulação do capital. Esses dois fatores econômicos criam,
de acordo com a relação conjugada dos impulsos que eles se dão mutua-mente, a mudança na composição técnica do capital pela qual a componente
variável se torna cada vez menor comparada à constante. Todo capital individual é uma concentração maior ou menor de
meios de produção com comando correspondente sobre um exército maior ou menor de trabalhadores. Toda acumulação torna-se meio de
nova acumulação. Ela amplia, com a massa multiplicada da riqueza,


OS ECONOMISTAS


256
245#
que funciona como capital, sua concentração nas mãos de capitalistas individuais e, portanto, a base da produção em larga escala e dos
métodos de produção especificamente capitalistas. O crescimento do capital social realiza-se no crescimento de muitos capitais individuais.
Pressupondo-se as demais circunstâncias constantes, os capitais indi-viduais crescem e, com eles, a concentração dos meios de produção,
na proporção em que constituem partes alíquotas do capital global da sociedade. Ao mesmo tempo, parcelas se destacam dos capitais originais
e passam a funcionar como novos capitais autônomos. Nisso desempe-nha um grande papel, entre outros fatores, a partilha da fortuna das
famílias capitalistas. Com a acumulação do capital, cresce portanto, em maior ou menor proporção, o número dos capitalistas. Dois pontos
caracterizam essa espécie de concentração, que repousa diretamente na acumulação, ou melhor, que é idêntica a ela. Primeiro: a crescente
concentração dos meios de produção social nas mãos de capitalistas individuais é, permanecendo constantes as demais circunstâncias, li-mitada
pelo grau de crescimento da riqueza social. Segundo: a parte do capital social, localizada em cada esfera específica da produção,
está repartida entre muitos capitalistas, que se confrontam como pro-dutores de mercadorias independentes e reciprocamente concorrentes.
A acumulação e a concentração que a acompanha não apenas estão dispersas em muitos pontos, mas o crescimento dos capitais em fun-cionamento
é entrecruzado pela constituição de novos capitais e pela fragmentação de capitais antigos. Assim, se a acumulação se apresenta,
por um lado, como concentração crescente dos meios de produção e do comando sobre o trabalho, por outro lado ela aparece como repulsão
recíproca entre muitos capitais individuais. Essa dispersão do capital global da sociedade em muitos capitais
individuais ou a repulsão recíproca entre suas frações é oposta por sua atração. Esta já não é concentração simples, idêntica à acumulação,
de meios de produção e de comando sobre o trabalho. É concentração de capitais já constituídos, supressão de sua autonomia individual,
expropriação de capitalista por capitalista, transformação de muitos capitais menores em poucos capitais maiores. Esse processo se distingue
do primeiro porque pressupõe apenas divisão alterada dos capitais já existentes e em funcionamento, seu campo de ação não estando, por-tanto,
limitado pelo crescimento absoluto da riqueza social ou pelos limites absolutos da acumulação. O capital se expande aqui numa mão,
até atingir grandes massas, porque acolá ele é perdido por muitas mãos. É a centralização propriamente dita, distinguindo-se da acumu-lação
e da concentração. As leis dessa centralização dos capitais ou da atração de capital


por capital não podem ser desenvolvidas aqui. Basta uma indicação sumária dos fatos. A luta da concorrência é conduzida por meio do
barateamento das mercadorias. A barateza das mercadorias depende, coeteris paribus, da produtividade do trabalho, esta porém da escala


MARX


257
246#
da produção. Os capitais maiores derrotam portanto os menores. Re-corde-se ainda que com o desenvolvimento do modo de produção capi-talista
cresce o tamanho mínimo do capital individual que é requerido para conduzir um negócio sob suas condições normais. Os capitais me-nores
disputam, por isso, esferas da produção das quais a grande in-dústria se apoderou apenas de modo esporádico ou incompleto. A con-corrência
se desencadeia aí com fúria diretamente proporcional ao nú-mero e em proporção inversa à grandeza dos capitais rivais. Termina
sempre com a ruína de muitos capitalistas menores, cujos capitais em parte se transferem para a mão do vencedor, em parte soçobram. Sem
levar isso em conta, com a produção capitalista constitui-se uma po-tência inteiramente nova, o sistema de crédito, que, em seus primórdios,
se insinua furtivamente como modesto auxiliar da acumulação, levando por fios invisíveis recursos monetários, dispersos em massas maiores
ou menores pela superfície da sociedade, às mãos de capitalistas in-dividuais ou associados, mas logo se torna uma nova e temível arma
na luta da concorrência e finalmente se transforma em enorme meca-nismo social para a centralização dos capitais.
À medida que se desenvolve a produção e acumulação capitalista, na mesma medida desenvolvem-se concorrência e crédito, as duas mais
poderosas alavancas da centralização. Paralelamente, o progresso da acumulação multiplica a matéria centralizável, isto é, os capitais in-dividuais,
enquanto a expansão da produção capitalista cria aqui a necessidade social, acolá os meios técnicos, para aquelas poderosas
empresas industriais cuja realização se liga a uma centralização prévia do capital. Hoje, portanto, a força de atração recíproca dos capitais
individuais e a tendência à centralização são mais fortes do que em qualquer ocasião anterior. Mas, embora a expansão relativa e o ímpeto
do movimento centralizador sejam determinados até certo ponto pela grandeza já atingida da riqueza capitalista e pela superioridade do
mecanismo econômico, o progresso da centralização não depende, de nenhum modo, do crescimento positivo da grandeza do capital social.
E especialmente isso diferencia a centralização da concentração, que é apenas outra expressão para a reprodução em escala ampliada. A
centralização pode ocorrer por meio de mera mudança da distribuição de capitais já existentes, mediante mudança simples do agrupamento
quantitativo dos componentes do capital social. O capital pode crescer aqui numa mão até formar massas grandiosas, porque acolá ele é re-tirado
de muitas mãos individuais. Em dado ramo de negócios, a cen-tralização teria alcançado seu limite último se todos os capitais aí
investidos fossem fundidos num só capital individual. 510 Em dada so-


OS ECONOMISTAS


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510 {Nota à 4ª edição: Os mais recentes trusts ingleses e americanos já se voltam para esse objetivo, procurando reunir ao menos todas as grandes empresas de um
ramo de negócios
em uma grande sociedade por ações, tendo, na prática, o monopólio. — F. E.}
247#
ciedade, esse limite seria alcançado no instante em que o capital global da sociedade estivesse reunido na mão seja de um único capitalista,
seja de uma única sociedade de capitalistas.
A centralização complementa a obra da acumulação, ao colocar os capitalistas industriais em condições de expandir a escala de suas


operações. Seja esse último resultado agora conseqüente da acumulação ou da centralização; ocorra a centralização pelo caminho violento da
anexação — onde certos capitais se tornam centros de gravitação tão superiores para outros que lhes rompem a coesão individual e, então,
atraem para si os fragmentos isolados — ou ocorra a fusão de uma porção de capitais já constituídos ou em vias de constituição mediante
o procedimento mais tranqüilo da formação de sociedades por ações — o efeito econômico permanece o mesmo. A expansão acrescida dos
estabelecimentos industriais constitui por toda parte o ponto de partida para uma organização mais abrangente do trabalho coletivo de muitos,
para um desenvolvimento mais amplo de suas forças motrizes mate-riais, isto é, para a conversão progressiva de processos de produção
isolados e rotineiros em processos de produção socialmente combinados e cientificamente dispostos.
Mas é claro que a acumulação, o aumento paulatino do capital pela reprodução que passa da forma circular para a espiral, é um
processo bastante lento, se comparado com a centralização, que só pre-cisa alterar o agrupamento quantitativo das partes integrantes do ca-pital
social. O mundo ainda estaria sem estradas de ferro, caso ficasse esperando até que a acumulação de alguns capitais individuais alcan-çasse
o tamanho requerido para a construção de uma estrada de ferro. No entanto, a centralização mediante as sociedades por ações chegou
a esse resultado num piscar de olhos. E enquanto a centralização assim reforça e acelera os efeitos da acumulação, amplia e acelera simulta-neamente
as revoluções na composição técnica do capital, que aumen-tam sua parte constante à custa de sua parte variável e, com isso,
diminuem a demanda relativa de trabalho.
As massas de capital soldadas entre si da noite para o dia pela centralização se reproduzem e multiplicam como as outras, só que mais


rapidamente e, com isso, tornam-se novas e poderosas alavancas da acumulação social. Ao falar, portanto, do progresso da acumulação so-cial
— hoje —, os efeitos da centralização estão implícitos.
Os capitais adicionais (ver cap. XXII, 1) constituídos no transcurso da acumulação normal servem preferencialmente como veículo para a


exploração de novas invenções e descobertas, sobretudo de aperfeiçoa-mentos industriais. Mas também o velho capital alcança com o tempo
o momento de sua renovação da cabeça aos pés, quando ele muda de pele e igualmente renasce na configuração técnica aperfeiçoada, em
que uma massa menor de trabalho basta para pôr em movimento uma massa maior de maquinaria e matérias-primas.


MARX


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A diminuição absoluta da demanda de trabalho, que necessaria-mente segue daí, torna-se, como é óbvio, tanto maior quanto mais os
capitais, que passam por esse processo de renovação, estejam acumu-lados em massas, graças ao movimento centralizador.
Por um lado, o capital adicional constituído no decurso da acu-mulação atrai, portanto, em proporção a seu tamanho, menos e menos
trabalhadores. Por outro lado, o velho capital, reproduzido periodica-mente em nova composição, repele mais e mais trabalhadores ante-riormente
ocupados por ele.
3. Produção progressiva de uma superpopulação relativa ou exército industrial de reserva


A acumulação de capital, que apareceu originalmente só como sua ampliação quantitativa, realiza-se, como vimos, numa alteração
qualitativa contínua de sua composição, com acréscimo permanente de seu componente constante à custa do variável. 511
O modo de produção especificamente capitalista, o desenvolvi-mento da força produtiva do trabalho a ele correspondente e a alteração
assim causada na composição orgânica do capital não avançam somente passo a passo com o progresso da acumulação ou o crescimento da
riqueza social. Avançam com rapidez incomparavelmente maior, porque tanto a acumulação simples ou a expansão absoluta do capital global
é acompanhada pela centralização de seus elementos individuais como a revolução técnica do capital adicional é acompanhada pela revolução
técnica do capital original. Com o avanço da acumulação modifica-se, portanto, a proporção entre a parte constante e a parte variável do
capital, originalmente de 1 : 1, para 2 : 1, 3 : 1, 4 : 1, 5 : 1, 7 : 1 etc., de modo que, ao crescer o capital, ao invés de 1/ 2 de seu valor global,
progressivamente apenas 1/ 3, 1/ 4, 1/ 5, 1/ 6, 1/ 8 etc. se convertem em força de trabalho, ao passo que 2/ 3, 3/ 4, 4/ 5, 5/ 6, 7/ 8 etc., em meios
de produção. Como a demanda de trabalho não é determinada pelo volume do capital global, mas por seu componente variável, ela cai
progressivamente com o crescimento do capital global, ao invés de, como antes se pressupôs, crescer de modo proporcional com ele. Ela
cai em relação à grandeza do capital global e em progressão acelerada com o crescimento dessa grandeza. Com o crescimento do capital global
na verdade também cresce seu componente variável, ou a força de trabalho nele incorporada, mas em proporção continuamente decres-cente.
Os períodos em que a acumulação atua como mera expansão


OS ECONOMISTAS


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511 {Nota à 3ª edição alemã: No exemplar de uso pessoal de Marx, consta aqui a seguinte anotação à margem: "Observar aqui, para elaboração posterior: Se a expansão
é apenas quantitativa,
os lucros variam com capitais maiores e menores, no mesmo ramo de atividade, em proporção com as grandezas dos capitais adiantados. Se a expansão quantitativa tem
efeitos qualitativos,
então a taxa de lucro sobe simultaneamente para o capital maior". — F. E.}
249#
da produção sobre uma base técnica dada tornam-se cada vez mais curtos. Requer-se uma acumulação acelerada do capital global em pro-gressão
crescente para absorver um número adicional de trabalhadores de certa grandeza, ou mesmo, por causa da constante metamorfose do
capital antigo, para ocupar os já em funcionamento. Por sua vez, essa acumulação crescente e a centralização se convertem numa fonte de
nova mudança da composição do capital ou reiterado decréscimo ace-lerado de sua componente variável se comparada com a constante.
Esse decréscimo relativo de sua componente variável, acelerado pelo crescimento do capital global, e que é mais acelerado que seu próprio
crescimento, aparece, por outro lado, inversamente, como crescimento absoluto da população trabalhadora sempre mais rápido do que do
capital variável ou de seus meios de ocupação. No entanto, a acumu-lação capitalista produz constantemente — e isso em proporção à sua
energia e às suas dimensões — uma população trabalhadora adicional relativamente supérflua ou subsidiária, ao menos no concernente às
necessidades de aproveitamento por parte do capital. Considerando o capital global da sociedade, o movimento de sua
acumulação ora provoca variações periódicas, ora seus momentos se repartem, simultaneamente, nas diferentes esferas da produção. Em
algumas esferas ocorre mudança na composição do capital sem cres-cimento de sua grandeza absoluta, em decorrência de mera concentra-ção;
512 em outras, o crescimento absoluto do capital está ligado ao de-créscimo
absoluto de seu componente variável ou da força de trabalho absorvida por ele; em outras, ora o capital continua a crescer sobre


sua base técnica dada e atrai força de trabalho adicional em proporção a seu crescimento, ora ocorre mudança orgânica e se contrai sua com-ponente
variável; em todas as esferas, o crescimento da parte variável do capital, e portanto do número de trabalhadores ocupados, está sem-pre
ligado a fortes flutuações e à produção transitória de superpopu-lação, quer assuma esta agora a forma mais notável de repulsão de
trabalhadores já ocupados, quer a menos aparente, mas não menos efetiva, de absorção dificultada da população trabalhadora adicional
pelos canais costumeiros. 513


MARX


261
512 Na 3ª edição: centralização. 513 O censo da Inglaterra e País de Gales mostra, entre outras coisas:
Total de pessoas ocupadas na agricultura (inclusive proprietários, arrendatários, jardineiros, pastores etc.): em 1851, 2 011447; em 1861, 1 924 110, decréscimo
de 87 337. Indústria
worsted: em 1851, 102 714 pessoas; em 1861, 79 242. Fábricas de seda: em 1851, 111 940; em 1861, 101 670. Estamparias: em 1851, 12 098; em 1861: 12 556 — cujo pequeno
acréscimo,
apesar da enorme ampliação da atividade, implica grande decréscimo proporcional do número de trabalhadores ocupados. Confecção de chapéus: em 1851, 15 957; em 1861,
13 814.
Confecção de chapéus de palha e de bonés: em 1851, 20 393; em 1861, 18 176. Produção de malte: em 1851, 10 566; em 1861, 10 677. Confecção de velas: em 1851, 4 949;
em 1861,
4 686. Esse decréscimo é, entre outras coisas, devido ao aumento de iluminação a gás. Confecção de pentes: em 1851, 2 038; em 1861, 1 478. Serrarias: em 1851, 30
552; em
1861, 31 647, pequeno aumento devido à expansão de máquinas de serrar. Produção de
250#
Com a grandeza do capital social já em funcionamento e com o grau de seu crescimento, com a expansão da escala de produção e da
massa dos trabalhadores postos em movimento, com o desenvolvimento da força produtiva de seu trabalho, com o fluxo mais amplo e mais completo
de todos os mananciais da riqueza, expande-se também a escala em que uma maior atração de trabalhadores pelo capital está ligada à maior
repulsão dos mesmos, cresce a rapidez da mudança da composição orgânica do capital e de sua forma técnica e aumenta o âmbito das esferas da
produção que são atingidas ora simultânea ora alternadamente por ela. Com a acumulação do capital produzida por ela mesma, a população tra-balhadora
produz, portanto, em volume crescente, os meios de sua própria redundância relativa. 514 Essa é uma lei populacional peculiar ao modo
de produção capitalista, assim como, de fato, cada modo de produção his-tórico tem suas leis populacionais particulares, historicamente válidas.
Uma lei populacional abstrata só existe para planta e animal, à medida que o ser humano não interfere historicamente.
Mas, se uma população trabalhadora excedente é produto neces-sário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no
capitalismo, essa superpopulação torna-se, por sua vez, a alavanca da


OS ECONOMISTAS


262
pregos: em 1851, 26 940; em 1861, 26 130, decréscimo devido à concorrência das máquinas. Trabalhadores em minas de zinco e cobre: em 1851, 31 360; em 1861, 32 041.
No entanto:
fiações e tecelagens de algodão: em 1851, 371 777; em 1861, 456 646. Minas de carvão: em 1851, 183 389; em 1861, 246 613. "O aumento de trabalhadores é, desde 1851,
geralmente
maior nos ramos em que a maquinaria não foi empregada até agora com sucesso." (Census of England and Wales for 1861. Londres, 1863. v. III, pp. 35-39.)
514 A lei do decréscimo progressivo da grandeza relativa do capital variável, bem como de seus efeitos sobre a situação da classe de trabalhadores assalariados,
foi mais pressentida do
que entendida por alguns destacados economistas da escola clássica. Nisso, o maior mérito cabe a John Barton, embora, como todos os outros, confunda capital constante
com capital
fixo, variável com circulante. Diz ele: "A demanda de trabalho depende do aumento do capital circulante e não do capital fixo. Caso fosse verdade que a relação entre
essas duas
espécies de capital é a mesma em todos os tempos e em todas as circunstâncias, então, efetivamente, a conseqüência seria que o número de trabalhadores ocupados seria
propor-cional
à riqueza do Estado. Mas tal proposição não tem a aparência da probabilidade. À medida que as ciências naturais são cultivadas e a civilização se difunde, o capital
fixo
cresce em relação ao capital circulante mais e mais. A soma de capital fixo utilizado na produção de um pedaço de musselina britânica é ao menos cem vezes maior,
mas prova-velmente
mil vezes maior do que aquele que é utilizado na confecção de uma peça semelhante de musselina indiana. E a participação do capital circulante é cem ou mil vezes
menor.
(...) Se o conjunto das poupanças anuais fosse adicionado ao capital fixo, isso não teria como efeito uma demanda mais elevada de trabalho". (BARTON, John. Observations
on
the Circumstances which Influence the Condition of the Labouring Classes of Society. Lon-dres, 1817. pp. 16-17.) "A mesma causa que pode aumentar a renda líquida
do país pode,
ao mesmo tempo, produzir um excedente de população e piorar a situação do trabalhador." (RICARDO. Op. cit., p. 469.) Com o aumento do capital, "A demanda" (de trabalho)
"dimi-nuirá
proporcionalmente". (Op. cit., p. 480, nota.) "O montante de capital destinado a manter o trabalho pode variar, independentemente de quaisquer modificações no montante
global do capital. (...) Grandes flutuações no volume da ocupação e grande sofrimento podem tornar-se mais freqüentes à medida que o capital se torna mais abundante."
(JONES, Richard.
An Introductory Lecture on Political Economy. Londres, 1833. p. 12.) "A demanda" (de trabalho) "elevar-se-á (...) não em proporção à acumulação do capital global.
(...) Todo aumento do capital
nacional destinado à reprodução terá, por isso, no decorrer do progresso social, influência cada vez menor sobre a situação do trabalhador." (RAMSAY. Op. cit., pp.
90-91.)
251#
acumulação capitalista, até uma condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva
disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado à sua própria custa. Ela proporciona às suas mu-táveis
necessidades de valorização o material humano sempre pronto para ser explorado, independente dos limites do verdadeiro acréscimo
populacional. Com a acumulação e o desenvolvimento da força produtiva do trabalho que a acompanha, cresce a súbita força de expansão do
capital, não só porque cresce a elasticidade do capital em funcionamento e a riqueza absoluta, da qual o capital só constitui uma parte elástica,
mas também porque o crédito, sob qualquer estímulo particular, põe, num instante, à disposição da produção, como capital adicional, parte
incomum dessa riqueza. As condições técnicas do próprio processo de produção, maquinaria, meios de transporte etc., possibilitam em maior
escala, a transformação mais rápida de mais-produto em meios de produção adicionais. A massa da riqueza social, superabundante com
o progresso da acumulação e transformável em capital adicional, lan-ça-se freneticamente em ramos da produção antigos, cujo mercado se
amplia subitamente, ou em ramos recém-abertos, como estradas de ferro etc., cuja necessidade decorre do desenvolvimento dos antigos.
Em todos esses casos, grandes massas humanas precisam estar dis-poníveis para serem subitamente lançadas nos pontos decisivos, sem
quebra da escala de produção em outras esferas. A superpopulação as provê. O curso de vida característico da indústria moderna, sob a forma
de um ciclo decenal, interrompido por oscilações menores, de vitalidade média, produção a todo vapor, crise e estagnação, repousa na contínua
constituição, na maior ou menor absorção e na reconstituição do exército industrial de reserva ou superpopulação. Por sua vez, as oscilações do
ciclo industrial recrutam a superpopulação e tornam-se os mais enér-gicos agentes de sua reprodução.
Esse curso de vida peculiar da indústria moderna, que não en-contramos em nenhuma época anterior da humanidade, também era
impossível no período de infância da produção capitalista. A composição do capital só se alterava paulatinamente. À sua acumulação corres-pondia,
portanto, no todo, um crescimento proporcional da demanda de trabalho. Lento como o progresso de sua acumulação, se comparado
com o da época moderna, ele se chocava com barreiras naturais da população trabalhadora explorável, que só foram removidas por meios
violentos a serem mencionados mais tarde. A expansão súbita e inter-mitente da escala de produção é o pressuposto de sua contração súbita;
a contração provoca novamente a expansão, mas esta é impossível sem material humano disponível, sem multiplicação dos trabalhadores in-dependente
do crescimento absoluto da população. Ela é criada pelo simples processo de "liberar" constantemente parte dos trabalhadores,
por métodos que diminuem o número de trabalhadores ocupados em relação à produção aumentada. Toda a forma de movimento da indús-


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263
252#
tria moderna decorre, portanto, da constante transformação de parte da população trabalhadora em braços desempregados ou semi-empre-gados.
A superficialidade da Economia Política evidencia-se, entre ou-tras coisas, quando ela faz da expansão e contração do crédito mero
sintoma dos períodos de variação do ciclo industrial, a causa do mesmo. Como corpos celestes que uma vez lançados em determinado movimento
sempre o repetem, assim a produção social tão logo tenha sido posta naquele movimento de expansão e contração alternadas. Efeitos tor-nam-
se por sua vez causas, e as alternâncias de todo o processo, que reproduz continuamente suas próprias condições, assumem a forma de
periodicidades. 515 Uma vez esta consolidada, então até mesmo a Eco-nomia Política entende a produção de uma população excedente rela-tiva,
isto é, em relação à necessidade média de valorização do capital, como condição de vida da indústria moderna.


"Suponha-se", diz H. Merivale, antigamente professor de Eco-nomia Política em Oxford, depois funcionário do Ministério das
Colônias da Inglaterra, "que, por ocasião de algumas dessas crises, a nação se arrebate no esforço de se livrar, por emigração, de
algumas centenas de milhares de braços supérfluos, qual seria a conseqüência? Que com o primeiro retorno da demanda de tra-balho,
haveria uma carência. Por rápida que seja a reprodução humana, em todos os casos ela precisa do espaço de uma geração
para a reposição de trabalhadores adultos. Ora, os lucros de nos-sos fabricantes dependem principalmente do poder de explorar
o momento favorável de demanda intensa, compensando-se assim pelo período de paralisia. Este poder é-lhes apenas assegurado
pelo comando sobre maquinaria e trabalho manual. Eles precisam encontrar braços disponíveis, precisam estar em condições de in-crementar
e afrouxar a atividade de suas operações, de acordo com a situação do mercado, ou então possivelmente não poderão
afirmar a superioridade na corrida da concorrência, sobre a qual se funda a riqueza desse país." 516


Até mesmo Malthus reconhece na superpopulação — que ele em


OS ECONOMISTAS


264
515 Na edição francesa autorizada, encontra-se nesta passagem a seguinte inserção: "Mas só a partir do momento em que a indústria mecanizada, tendo lançado raízes
tão profundas,
exerce influência preponderante sobre toda a produção nacional; em que, por meio dela, o comércio exterior começa a ter o primado sobre o comércio interno; em que
o mercado
universal se apodera sucessivamente de vastos territórios no Novo Mundo, na Ásia e na Austrália; em que, enfim, as nações industrializadas, que entraram na liça,
tenham se
tornado bastante numerosas — é apenas dessa época que datam aqueles ciclos que sempre se reproduzem, cujas fases consecutivas se estendem por anos e que desembocam
sempre
numa crise geral, a qual é o fim de um ciclo e ponto de partida de outro. Até agora a duração periódica desses ciclos tem sido de 10 ou 11 anos, mas não há nenhuma
razão
para considerar essa cifra constante. Pelo contrário, deve-se concluir das leis de produção capitalista que acabamos de desenvolver que ela é variável e que o período
dos ciclos
tornar-se-á gradualmente mais curto". 516 MERIVALE, H. Lectures on Colonization and Colonies. Londres, 1841 e 1842, v. I, p. 146.
253#
sua visão estreita interpreta como conseqüência do excessivo cresci-mento absoluto da população trabalhadora, e não de esta ter sido tor-nada
relativamente redundante — uma necessidade da indústria mo-derna. Diz ele:


"Hábitos prudentes quanto ao casamento, se levados a certa al-tura entre a classe trabalhadora de um país que dependa princi-palmente
de manufaturas e comércio, ser-lhe-iam prejudiciais. (...) De acordo com a natureza da população, um acréscimo de traba-lhadores
não pode ser fornecido ao mercado, em conseqüência de demanda especial, antes do lapso de 16 ou 18 anos, e a conversão
de renda em capital mediante poupança pode ter lugar muito mais rapidamente; um país está sempre sujeito a um crescimento de seu
fundo de trabalho mais rápido do que o da população". 517
Depois de a Economia Política ter, assim, explicado a produção constante de uma superpopulação relativa de trabalhadores como uma


necessidade da acumulação capitalista, ela bem adequadamente na figura de uma velha solteirona, põe na boca do beau idéal 518 de seu
capitalista as seguintes palavras, dirigidas aos "supérfluos", postos na rua por sua própria criação de capital adicional:


"Nós, fabricantes, fazemos o que podemos por vós, à medida que multiplicamos o capital, do qual vós precisais para subsistir;
e vós tendes de fazer o restante, ajustando vosso número aos meios de subsistência". 519


Não basta à produção capitalista de modo algum o quantum de força de trabalho disponível que o crescimento natural da população
fornece. Ela precisa, para ter liberdade de ação, de um exército indus-trial de reserva independente dessa barreira natural.
Até agora pressupôs-se que o acréscimo ou decréscimo do capital variável corresponde exatamente ao acréscimo ou decréscimo do nú-mero
de trabalhadores ocupados. Com número igual ou até decrescente de trabalhadores coman-dados
por ele, o capital variável cresce, no entanto, se o trabalhador


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265
517 "Prudential habits with regard to marriege, carried to a considerable extent among the labouring class of a country mainly depending upon manufactures and commerce,
might
injure it. (...) From the nature of a population, an increase of labourers cannot be brought into market, in consequence of a particular demand, till after the lapse
of 16 or 18 year,
and the conversion of revenue into capital, by saving, may take place much more rapidly; a country is always liable to an increase in the quantity of the funds for
the maintenance
of labour faster than the increase of population." (MALTHUS. Princ. of. Pol. Econ. pp. 215, 319, 320.) Nessa obra Malthus finalmente descobre, por intermédio de
Sismondi, a bela
trindade da produção capitalista: superprodução — superprodução — superconsumo, three very delicate monsters indeed! Cf. ENGELS, F. Umrisse zu einer Kritik der nationaloeko-nomie.
Op, cit., p. 107 et seqs. 518 Belo ideal. (N. dos T.)
519 MARTINEAU, Harriet. The Manchester Strike. 1832. p. 101.
254#
individual fornece mais trabalho, aumentando assim seu salário, mes-mo que o preço do trabalho permaneça igual ou até caia, só que mais
devagar do que aumenta a massa de trabalho. O acréscimo do capital variável torna-se então índice de mais trabalho, mas não de mais tra-balhadores
ocupados. Todo capitalista tem interesse absoluto em extrair determinado quantum de trabalho de um número menor de trabalha-dores,
ao invés de extraí-lo de modo tão barato ou até mesmo mais barato de um número maior de trabalhadores. No último caso cresce
o dispêndio de capital constante proporcionalmente à massa de trabalho posto em ação, no primeiro caso ele cresce mais devagar. Quanto maior
a escala da produção, tanto mais decisivo é esse motivo. Seu peso cresce com a acumulação do capital.
Viu-se que o desenvolvimento do modo de produção capitalista e da força produtiva do trabalho — simultaneamente causa e efeito
da acumulação — capacita o capitalista a pôr em ação, com o mesmo dispêndio de capital variável, mais trabalho mediante exploração ex-tensiva
ou intensiva das forças de trabalho individuais. Viu-se, além disso, que com capital do mesmo valor ele compra mais forças de tra-balho
ao deslocar progressivamente força de trabalho mais qualificada por menos qualificada, madura por imatura, masculina por feminina,
adulta por adolescente ou infantil. Por um lado, portanto, com o avanço da acumulação, maior capital
variável põe mais trabalho em ação, sem recrutar mais trabalhadores; por outro, capital variável da mesma grandeza põe mais trabalho em
ação com a mesma massa de força de trabalho e, finalmente, mais forças de trabalho inferiores mediante o deslocamento de forças de
trabalho superiores. A produção de superpopulação relativa ou a liberação de traba-lhadores
avança ainda mais rapidamente do que a revolução técnica do processo de produção de qualquer maneira já acelerada com o pro-gresso
da acumulação e o correspondente decréscimo proporcional da parte variável do capital em relação à constante. Se os meios de pro-dução,
ao crescer em volume e eficiência, se tornam meios de ocupação dos trabalhadores em menor grau, essa mesma relação é modificada
de novo pelo fato de que, à medida que cresce a força produtiva do trabalho, o capital eleva mais rapidamente sua oferta de trabalho do
que sua demanda de trabalhadores. O sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de sua reserva, enquanto,
inversamente, a maior pressão que a última exerce sobre a primeira obriga-a ao sobretrabalho e à submissão aos ditames do capital. A
condenação de uma parcela da classe trabalhadora à ociosidade forçada em virtude do sobretrabalho da outra parte e vice-versa torna-se um
meio de enriquecimento do capitalista individual 520 e acelera, simul-


OS ECONOMISTAS


266
520 Mesmo durante a penúria algodoeira de 1863, encontra-se num panfleto dos operários de fiação de algodão de Blackburn violenta denúncia do sobretrabalho que,
por força da lei
fabril, atingia, naturalmente, apenas trabalhadores masculinos adultos. "Exigia-se dos ope-
255#
taneamente, a produção do exército industrial de reserva numa escala adequada ao progresso da acumulação social. O quanto esse momento é
importante na constituição da superpopulação relativa prova-o, por exem-plo, a Inglaterra. Seus meios técnicos de "poupar" trabalho são colossais.
Ainda assim, se amanhã o trabalho fosse limitado e uma medida racional e adequadamente escalonado, conforme idade e sexo, para as diferentes
camadas da classe trabalhadora, então a população trabalhadora dispo-nível seria absolutamente insuficiente para levar avante a produção na-cional
em sua atual escala. A grande maioria dos trabalhadores ora "im-produtivos" teria de ser transformada em "produtivos".
Grosso modo, os movimentos gerais do salário são exclusivamente regulados pela expansão e contração do exército industrial de reserva,
que correspondem à mudança periódica do ciclo industrial. Não são, portanto, determinados pelo movimento do número absoluto da popu-lação
trabalhadora, mas pela proporção variável em que a classe tra-balhadora se divide em exército ativo e exército de reserva, pelo acrés-cimo
e decréscimo da dimensão relativa da superpopulação, pelo grau em que ela é ora absorvida, ora liberada. Para a indústria moderna,
com seu ciclo decenal e suas fases periódicas, que, além disso, no de-correr da acumulação, são entrecruzadas por oscilações irregulares em
sucessão cada vez mais rápida, seria, de fato, uma linda lei a que regulasse a demanda e a oferta de trabalho não pela expansão e con-tração
do capital — portanto, de acordo com suas necessidades mo-mentâneas de valorização, de modo que o mercado ora parece relati-vamente
subsaturado porque o capital se expande, ora novamente su-persaturado porque ele se contrai — mas, inversamente, fazendo a
dinâmica do capital dependente do movimento do tamanho da popu-lação. Este é, no entanto, o dogma econômico. De acordo com o mesmo,
em virtude da acumulação do capital, o salário sobe. O salário mais


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267
rários adultos que trabalhassem diariamente de 12 a 13 horas, embora haja centenas que estão forçados à ociosidade e que gostariam de poder trabalhar durante parte
do tempo
para poder sustentar suas famílias e preservar seus irmãos de labuta de uma morte pre-matura em conseqüência do sobretrabalho. "Nós", é dito mais adiante, "gostaríamos
de
perguntar se a prática de trabalhar hora extra torna possível relações de algum modo suportável entre patrões e 'servos'. As vítimas do sobretrabalho sentem a injustiça
tanto
quanto os condenados por ele à ociosidade forçada (condemned to forced idleness). Neste distrito, o trabalho a ser realizado é suficiente para, caso distribuído
com eqüidade, ocupar
parcialmente a todos. Nós só estamos pedindo o que é direito, ao pleitearmos dos patrões que trabalhem, de modo geral, apenas em períodos curtos, ao menos enquanto
perdurar o
atual estado de coisas, ao invés de fazer uma parte dos operários trabalhar em excesso, enquanto a outra, por falta de serviço, é obrigada a viver de caridade."
(Reports of Insp.
of Fact., 31st Oct. 1863. p. 8.) O efeito de uma superpopulação relativa sobre os trabalhadores empregados é entendido pelo autor do Essay on Trade and Commerce,
com seu costumeiro
e infalível instinto burguês. "Outra causa da ociosidade (idleness) neste Reino é a carência de um número suficiente de trabalhadores. (...) Sempre que, devido a
uma demanda ex-traordinária
de produtos fabris, a massa de trabalho se torna escassa, os trabalhadores sentem sua própria importância e querem fazer com que os patrões a sintam também; é
espantoso; mas é tão depravado o caráter dessa gente que, em tais casos, grupos de tra-balhadores se combinam para embaraçarem o patrão, ficando de folga um dia
inteiro."
(Essay. etc. pp. 27-28.) Na verdade essa gente pleiteava aumento de salários.
256#
elevado estimula a multiplicação mais rápida da população trabalha-dora, o que continua até que o mercado de trabalho esteja supersatu-rado,
portanto tendo o capital se tornado insuficiente em relação à oferta de trabalho. O salário cai, e agora vem o reverso da medalha.
Com o salário em baixa, a população trabalhadora é mais e mais di-zimada, de modo que em relação a ela o capital volta a ficar excessivo,
ou, também como outros o explicam, o salário em baixa e a correspondente exploração mais elevada do trabalhador novamente acelera a acumulação,
enquanto, ao mesmo tempo, o salário baixo mantém o crescimento da classe trabalhadora em xeque. Assim, reaparece a condição em que a
oferta de trabalho é mais baixa do que a demanda de trabalho, o salário sobe etc. Belo método de movimento, este, da produção capitalista desen-volvida!
Antes que, em decorrência da elevação salarial, pudesse ocorrer algum crescimento positivo da população efetivamente capaz de trabalhar,
várias vezes teria vencido o prazo em que a campanha industrial teria de ser conduzida, a batalha travada e decidida.
Entre 1849 e 1859 ocorreu, simultaneamente com os preços do trigo em queda, uma elevação salarial que, considerada na prática, foi
apenas nominal, nos distritos agrícolas ingleses. Em Wiltshire, por exemplo, o salário semanal subiu de 7 para 8 xelins, em Dorsetshire
de 7 ou 8 para 9 xelins etc. Isso foi conseqüência do êxodo extraordinário da superpopulação agrícola, causado por demanda bélica, 521 expansão
maciça das construções de estradas de ferro, fábricas, minas etc. Quanto mais baixo o salário, tanto mais elevada a expressão em porcentagem
de cada elevação dele, por mais insignificante que seja. Se o salário semanal é, por exemplo, de 20 xelins e sobe para 22, então se eleva
em 10%; se, no entanto, é só de 7 xelins e sobe para 9, então se eleva em 28 4/ 7% o que soa como considerável. De qualquer modo, os ar-rendatários
chiaram e até o London Economist 522 palavra mui seria-mente de a general and substancial advance 523 em relação a esses
salários de fome. O que fizeram, então, os arrendatários? Esperaram até que os trabalhadores rurais, em decorrência desse pagamento bri-lhante,
tivessem se multiplicado tanto que seu salário novamente teria de cair, como a coisa acontece no cérebro do economista dogmático?
Eles introduziram mais maquinaria e, num instante, os trabalhadores se tornaram novamente "redundantes" numa proporção conveniente
até mesmo aos arrendatários. Havia, agora, "mais capital" investido na agricultura do que antes e de forma mais produtiva. Com isso caiu
a demanda de trabalho não só de modo relativo, mas absoluto. Aquela ficção econômica confunde as leis que regulam o movi-mento


geral do salário ou a relação entre classe trabalhadora, isto é,


OS ECONOMISTAS


268
521 Entre 1849 e 1859, a Inglaterra participou de várias guerras: na Guerra da Criméia (de 1853 a 1856), na guerra contra a China (1856/ 58 e 1859/ 60) e contra
a Pérsia (1856/ 57).
Além disso, a Inglaterra completou em 1849 a conquista da Índia e em 1857/ 59 suas tropas foram usadas para a repressão ao levante indiano pela libertação nacional.
(N. dos T.)
522 Economist. 21 de janeiro de 1860. 523 Um aumento geral e substancial. (N. dos T.)
257#
força global de trabalho e capital global da sociedade, com as leis que distribuem a população trabalhadora entre as esferas específicas da
produção. Se, por exemplo, em decorrência de uma conjuntura favorá-vel, a acumulação ocorre de modo especialmente intenso em determi-nada
esfera da produção, sendo aí os lucros maiores do que os lucros médios, capital adicional acorre para lá, e assim naturalmente demanda
de trabalho e salário sobem. O salário mais elevado atrai uma parte maior da população trabalhadora para a esfera favorecida, até que ela
esteja saturada de força de trabalho e o salário novamente caia para o nível médio anterior ou abaixo do mesmo, caso o afluxo tenha sido
demasiado grande. Então não só cessa a imigração de trabalhadores para o ramo de atividades em questão, mas ela inclusive dá lugar à
sua emigração. Aí o economista político crê avistar "onde e como", com o acréscimo do salário, ocorre acréscimo absoluto de trabalhadores e,
com o acréscimo absoluto de trabalhadores, um decréscimo do salário, mas de fato ele só enxerga a oscilação local do mercado de trabalho
de uma esfera específica da produção, só enxerga fenômenos da dis-tribuição da população trabalhadora nas diferentes esferas de inves-timento
do capital, de acordo com suas mutáveis necessidades. O exército industrial de reserva pressiona durante os períodos
de estagnação e prosperidade média o exército ativo de trabalhadores e contém suas pretensões durante o período de superprodução e paro-xismo.
A superpopulação relativa é, portanto, o pano de fundo sobre o qual a lei da oferta e da procura de mão-de-obra se movimenta. Ela
reduz o raio de ação dessa lei a limites absolutamente condizentes com a avidez de explorar e a paixão por dominar do capital. Aqui é
oportuno voltar a uma das façanhas da apologética econômica. Recor-de-se que, quando em virtude da introdução de maquinaria nova ou
da ampliação de maquinaria antiga, uma parcela do capital variável é transformada em capital constante, o apologista econômico interpreta
essa operação, que "imobiliza" capital e por isso mesmo "libera" tra-balhadores, às avessas como se ela liberasse capital para o trabalhador.
Só agora é que se pode apreciar plenamente o descaramento do apo-logeta. O que é "liberado" não são apenas os trabalhadores diretamente
deslocados pela máquina, mas igualmente sua equipe de reserva e — com a expansão costumeira do negócio sobre sua velha base — o con-tingente
adicional regularmente absorvido. Estão agora todos "libera-dos" e todo novo capital com desejo de funcionar pode dispor deles. Se
atrair estes ou outros, o efeito sobre a demanda geral de trabalho será nulo, enquanto esse capital for exatamente suficiente para livrar o
mercado de tantos trabalhadores quantos a máquina nele lançou. Caso ele empregue um número menor, cresce a quantidade dos excedentes:
caso ocupe número maior, então a demanda geral de trabalho cresce só na medida em que os ocupados excedem os "liberados". O impulso
que capitais adicionais em busca de aplicação teriam dado, em outras


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269
258#
circunstâncias, à demanda geral de trabalho é, portanto, em cada caso, neutralizado até o limite em que bastam os trabalhadores postos na
rua pela máquina. Isso quer dizer, portanto, que o mecanismo da pro-dução capitalista cuida para que o acréscimo absoluto de capital não
seja acompanhado por nenhuma elevação correspondente da demanda geral de trabalho. E a isso o apologeta chama de uma compensação
para miséria, sofrimentos e possível aniquilamento dos trabalhadores deslocados, durante o período de transição, que os desterra para o
exército industrial de reserva! A demanda de trabalho não é idêntica ao crescimento do capital, a oferta de trabalho não é idêntica ao cres-cimento
da classe trabalhadora, como se duas potências mutuamente independentes interagissem. Les dés sont bipés. 524 O capital age sobre
ambos os lados ao mesmo tempo. Se, por um lado, sua acumulação multiplica a demanda de trabalho, por outro multiplica a oferta de
trabalhadores mediante sua "liberação", enquanto, ao mesmo tempo, a pressão dos desocupados força os ocupados a porem mais trabalho
em ação, portanto, até certo ponto, torna a oferta de trabalho inde-pendente da oferta de trabalhadores. O movimento da lei da demanda
e oferta de trabalho completa, nessa base, o despotismo do capital. Assim que, portanto, os trabalhadores desvendam o segredo de como
pode acontecer que, na mesma medida em que trabalham mais, pro-duzem mais riqueza alheia, e que na medida em que a força produtiva
de seu trabalho cresce, até mesmo sua função de meio de valorização do capital se torna cada vez mais precária para eles; assim que descobrem
que o grau de intensidade da concorrência entre eles depende inteiramente da pressão da superpopulação relativa; assim que eles, então mediante
Trade's Unions etc., procuram organizar uma atuação conjunta planejada dos empregados com os desempregados para eliminar ou enfraquecer as
ruinosas conseqüências daquela lei natural da produção capitalista sobre sua classe, o capital e seu sicofanta, o economista político, clamam contra
a violação da "eterna" e, por assim dizer, "sagrada" lei da demanda e oferta. É que toda solidariedade entre os empregados e desempregados
perturba a ação "livre" daquela lei. Por outro lado, assim que, nas colônias, por exemplo, circunstâncias adversas perturbem a criação do exército in-dustrial
de reserva e, com ele, a dependência absoluta da classe trabalha-dora em relação à classe capitalista, o capital, inclusive seu Sancho Pança
dos lugares-comuns, rebela-se contra a "sagrada" lei da demanda e oferta e trata de promover aquela criação por meios coercitivos.


4. Diferentes formas de existência da superpopulação relativa. A lei geral da acumulação capitalista


A superpopulação relativa existe em todos os matizes possíveis.


OS ECONOMISTAS


270
524 Os dados estão falsificados. (N. dos T.)
259#
Todo trabalhador faz parte dela durante o tempo em que está deso-cupado parcial ou inteiramente. Abstraindo as grandes formas, perio-dicamente
repetidas, que a mudança das fases do ciclo industrial lhe imprime, de modo que ora aparece agudamente nas crises, ora croni-camente
nas épocas de negócios fracos, ela possui continuamente três formas: líquida, latente e estagnada.
Nos centros da indústria moderna — fábricas, manufaturas, si-derúrgicas, minas etc. — trabalhadores são ora repelidos, ora atraídos
em maior proporção, de modo que, ao todo, o número de ocupados cresce, ainda que em proporção sempre decrescente em relação à escala
da produção. A superpopulação existe aqui, em forma fluente. Tanto nas fábricas propriamente ditas como em todas as grandes
oficinas, em que a maquinaria entra como fator ou em que ao menos a moderna divisão do trabalho é aplicada, precisa-se maciçamente de
trabalhadores masculinos até ultrapassarem a juventude. Uma vez atingido esse termo, só um número muito reduzido continua sendo
empregado no mesmo ramo de atividade, enquanto a maioria é regu-larmente demitida. Esta constitui um elemento da superpopulação
fluente, que cresce com o tamanho da indústria. Parte emigra e, de fato, apenas segue atrás o capital emigrante. Uma das conseqüências
é que a população feminina cresce mais rapidamente do que a mas-culina, teste 525 a Inglaterra. Que o acréscimo natural da massa traba-lhadora
não satisfaça às necessidades de acumulação do capital e, ainda assim, simultaneamente as ultrapasse, é uma contradição de seu pró-prio
movimento. Ele precisa de massas maiores de trabalhadores em idade jovem, de massas menores em idade adulta. A contradição não
é mais gritante do que a outra, a de que haja queixas quando à carência de braços ao mesmo tempo que muitos milhares estão na rua, porque
a divisão de trabalho os acorrenta a determinado ramo de atividades. 526 O consumo da força de trabalho pelo capital é, além disso, tão rápido
que o trabalhador de mediana idade, na maioria dos casos, já está mais ou menos esgotado. Ele cai nas fileiras dos excedentes ou passa
de um escalão mais alto para um mais baixo. Justamente entre os trabalhadores da grande indústria é que deparamos com a duração
mais curta de vida.
"O Dr. Lee, funcionário da Saúde Pública de Manchester, ve-rificou que naquela cidade a duração média de vida da classe
abastada é de 38 anos e a da classe operária é de apenas 17 anos. Em Liverpool, é de 35 anos para a primeira e de 15 para


MARX


271
525 Testemunha-o. (N. dos T.) 526 Enquanto no último semestre de 1866, 80 mil a 90 mil trabalhadores em Londres perdiam
seus empregos, é dito no relatório fabril sobre o mesmo semestre: "Não parece absolutamente correto quando se diz que a demanda induz a oferta justamente no exato
momento em que
é necessária. Assim, não sucedeu com o trabalho, pois muita maquinaria teve que ficar ociosa no último ano por falta de forças de trabalho". (Reports of Insp. of
Fact. for 31st
Oct. 1866. p. 81.)
260#
a segunda. Segue, portanto, que a classe privilegiada tem uma expectativa de vida (have a lease of life) mais de duas vezes
maior do que a de seus concidadãos menos favorecidos." 527
Nessas circunstâncias, o crescimento absoluto dessa fração do proletariado exige uma forma que aumente o número de seus elementos,


ainda que estes se desgastem rapidamente. Portanto, rápida renovação das gerações de trabalhadores. (A mesma lei não vale para as demais
classes da população.) Essa necessidade social é satisfeita mediante casamentos precoces, conseqüência necessária das condições em que
vivem os trabalhadores da grande indústria, e mediante o prêmio que a exploração dos filhos dos trabalhadores acrescenta à sua produção.
Assim que a produção capitalista se apodera da agricultura, ou à medida que se apoderou dela, decresce, com a acumulação do capital
que aí funciona, a demanda de população trabalhadora rural de modo absoluto, sem que sua repulsão, como na indústria não-agrícola, seja
complementada por maior atração. Parte da população rural encontra-se, por isso, continuamente na iminência de transferir-se para o pro-letariado
urbano ou manufatureiro, e à espreita de circunstâncias fa-voráveis a essa transferência. (Manufatureiro aqui no sentido de toda
a indústria não-agrícola.) 528 Essa fonte da superprodução relativa flui, portanto, continuamente. Mas seu fluxo constante para as cidades pres-supõe
uma contínua superpopulação latente no próprio campo, cujo volume só se torna visível assim que os canais de escoamento se abram
excepcionalmente de modo amplo. O trabalhador rural é, por isso, re-baixado para o mínimo do salário e está sempre com um pé no pântano
do pauperismo. A terceira categoria da superpopulação relativa, a estagnada,
constitui parte do exército ativo de trabalhadores, mas com ocupação completamente irregular. Ela proporciona, assim, ao capital, um re-servatório
inesgotável de força de trabalho disponível. Sua condição de vida cai abaixo do nível normal médio da classe trabalhadora, e
exatamente isso faz dela uma base ampla para certos ramos de explo-ração do capital. É caracterizada pelo máximo do tempo de serviço e
mínimo de salário. Sob a rubrica de trabalho domiciliar, já tomamos conhecimento de sua principal configuração. Ela absorve continuamente
os redundantes da grande indústria e da agricultura e notadamente


OS ECONOMISTAS


272
527 Discurso de abertura da Conferência Sanitária, Birmingham, a 14 de janeiro de 1875, proferido por J. Chamberlain, então prefeito da cidade, agora (1883) ministro
do Comércio.
528 "781 cidades" são enumeradas no censo de 1861 para Inglaterra e País de Gales "com 10 960 988 habitantes, enquanto nas aldeias e paróquias rurais só foram enumeradas
9 105 226. (...) Em 1851, figuravam no censo 580 cidades, cuja população era aproxima-damente igual à população dos distritos rurais circunvizinhos. Mas, enquanto
nos últimos a
população, durante os 10 anos seguintes, só cresceu meio milhão, nas 580 cidades ela cresceu 1 554 067. O aumento populacional nas paróquias rurais é de 6, 5%, nas
cidades de 17, 3%. A
diferença na taxa de crescimento é devida à migração do campo para a cidade. Três quartos do crescimento global da população pertencem às cidades." (Census etc.
v. III, pp. 11-12.)
261#
também de ramos industriais decadentes, em que o artesanato é vencido pela manufatura e esta última pela produção mecanizada. Seu volume
se expande na medida em que, com o volume e a energia da acumulação, avança a "produção da redundância". Mas ela constitui ao mesmo tempo
um elemento auto-reprodutor e auto-perpetuador da classe operária, que tem participação proporcionalmente maior em seu crescimento glo-bal
do que os demais elementos. De fato, não só a massa dos nasci-mentos e óbitos, mas também a grandeza absoluta das famílias está
em proporção inversa ao nível do salário, portanto, à massa dos meios de subsistência de que as diferentes categorias de trabalhadores dis-põem.
Essa lei da sociedade capitalista soaria absurda entre selvagens ou mesmo entre colonos civilizados. Ela lembra a reprodução maciça
de espécies animais individualmente fracas e muito perseguidas. 529 Finalmente, o mais profundo sedimento da superpopulação rela-tiva
habita a esfera do pauperismo. Abstraindo vagabundos, delinqüen-tes, prostitutas, em suma, o lumpemproletariado propriamente dito,
essa camada social consiste em três categorias. Primeiro, os aptos para o trabalho. Basta apenas observar superficialmente a estatística do
pauperismo inglês e se constata que sua massa se expande a cada crise e decresce a toda retomada dos negócios. Segundo, órfãos e crian-ças
indigentes. Eles são candidatos ao exército industrial de reserva e, em tempos de grande prosperidade, como, por exemplo, em 1960,
são rápida e maciçamente incorporados ao exército ativo de trabalha-dores. Terceiro, degradados, maltrapilhos, incapacitados para o traba-lho.
São notadamente indivíduos que sucumbem devido a sua imobi-lidade, causada pela divisão do trabalho, aqueles que ultrapassam a
idade normal de um trabalhador e finalmente as vítimas da indústria, cujo número cresce com a maquinaria perigosa, minas, fábricas quí-micas
etc., isto é, aleijados, doentes, viúvas etc. O pauperismo constitui o asilo para inválidos do exército ativo de trabalhadores e o peso morto
do exército industrial de reserva. Sua produção está incluída na pro-dução da superpopulação relativa, sua necessidade na necessidade dela,
e ambos constituem uma condição de existência da produção capitalista e do desenvolvimento da riqueza. Ele pertence ao faux frais 530 da pro-dução
capitalista que, no entanto, o capital sabe transferir em grande parte de si mesmo para os ombros da classe trabalhadora e da pequena
classe média.


MARX


273
529 "A pobreza parece favorecer a reprodução" (A. Smith). Esse é até um arranjo especialmente sábio de Deus, segundo o galante e espirituoso Abbé Galiani: "Deus
dispôs que os homens
que exercem as atividades mais úteis nasçam abundantemente". (GALIANI. Della Moneta. p. 78.) "A miséria, levada até seu ponto extremo da fome e da pestilência, antes
aumenta
o crescimento da população do que o inibe." (LING, S. National Distress. 1844. p. 69.) Depois de Laing ilustrar isso estatisticamente, ele continua: "Se todo mundo
estivesse em
condições cômodas, o mundo estaria logo despovoado". (If the people were all in easy cir-cumstances, the world would soon be depopulated.)
530 Falsos custos. (N. dos T.)
262#
Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e a energia de seu crescimento, portanto também a grandeza
absoluta do proletariado e a força produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível
é desenvolvida pelas mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército industrial de reserva cresce, por-tanto,
com as potências da riqueza. Mas quanto maior esse exército de reserva em relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto mais
maciça a superpopulação consolidada, cuja miséria está em razão in-versa do suplício de seu trabalho. Quanto maior, finalmente, a camada
lazarenta da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior o pauperismo oficial. Essa é a lei absoluta geral, da acu-mulação
capitalista. Como todas as outras leis, é modificada em sua realização por variegadas circunstâncias, cuja análise não cabe aqui.
Compreende-se a insanidade da sabedoria econômica, que prega aos trabalhadores que ajustem seu número às necessidades de valori-zação
do capital. O mecanismo da produção e acumulação capitalista ajusta constantemente esse número a essas necessidades de valoriza-ção.
A primeira palavra desse ajustamento é a criação de uma super-população relativa, ou exército industrial de reserva; a última palavra,
a miséria de camadas sempre crescente do exército ativo de trabalha-dores e o peso morto do pauperismo.
A lei segundo a qual uma massa sempre crescente de meios de produção, graças ao progresso da produtividade do trabalho social, pode
ser colocada em movimento com um dispêndio progressivamente de-crescente de força humana — essa lei se expressa sobre a base capi-talista,
onde não é o trabalhador quem emprega os meios de trabalho, mas os meios de trabalho o trabalhador, de forma que, quanto mais
elevada a força produtiva do trabalho, tanto maior a pressão do tra-balhador sobre seus meios de ocupação e tanto mais precária, portanto,
sua condição de existência: venda da própria força para multiplicar a riqueza alheia ou para a autovalorização do capital. Crescimento dos
meios de produção e da produtividade do trabalho mais rápido do que da população produtiva expressa-se, capitalisticamente, portanto, às
avessas no fato de que a população trabalhadora sempre cresce mais rapidamente do que a necessidade de valorização do capital.
Vimos na Seção IV, na análise da produção de mais-valia relativa: dentro do sistema capitalista, todos os métodos para a elevação da
força produtiva social do trabalho se aplicam à custa do trabalhador individual; todos os meios para o desenvolvimento da produção se con-vertem
em meios de dominação e exploração do produtor, mutilam o trabalhador, transformando-o num ser parcial, degradam-no, tornan-do-
o um apêndice da máquina; aniquilam, com o tormento de seu tra-balho, seu conteúdo, alienam-lhe as potências espirituais do processo
de trabalho na mesma medida em que a ciência é incorporada a este


OS ECONOMISTAS


274
263#
último como potência autônoma: desfiguram as condições dentro das quais ele trabalha, submetem-no, durante o processo de trabalho, ao
mais mesquinho e odiento despotismo, transformam seu tempo de vida em tempo de trabalho, jogam sua mulher e seu filho sob a roda de
Juggernaut do capital. Mas todos os métodos de produção da mais-valia são, simultaneamente, métodos da acumulação, e toda expansão da
acumulação torna-se, reciprocamente, meio de desenvolver aqueles mé-todos. Segue portanto que, à medida que se acumula capital, a situação
do trabalhador, qualquer que seja seu pagamento, alto ou baixo, tem de piorar. Finalmente, a lei que mantém a superpopulação relativa ou
exército industrial de reserva sempre em equilíbrio com o volume e a energia da acumulação prende o trabalhador mais firmemente ao ca-pital
do que as correntes de Hefaísto agrilhoaram Prometeu ao rochedo. Ela ocasiona uma acumulação de miséria correspondente à acumulação
de capital. A acumulação da riqueza num pólo é, portanto, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, tormento de trabalho, escravidão,
ignorância, brutalização e degradação moral no pólo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio produto como capital.
Esse caráter antagônico da acumulação capitalista 531 foi expresso sob diversas formas pelos economistas políticos, embora o confundam
com fenômenos em parte efetivamente análogos, mas ainda assim es-sencialmente diferentes de modos de produção pré-capitalistas.
O monge veneziano Ortes, um dos grandes escritores econômicos do século XVIII, apreende o antagonismo da produção capitalista como
lei natural genérica da riqueza social.
"O bem econômico e o mal econômico numa ação sempre se mantêm em equilíbrio (il bene ed il male economico in una nazione


sempre all'istessa misura), a abundância dos bens para uns é sempre igual à penúria dos mesmos para outros (la copia dei
beni in alcuni sempre eguale alla mancanza di essi in altri). Gran-de riqueza de alguns é sempre acompanhada de privação absoluta
do necessário para muitos outros. A riqueza de uma nação cor-responde a sua população e sua miséria corresponde a sua ri-queza.
A diligência de uns impõe a ociosidade a outros. Os pobres e ociosos são fruto necessário dos ricos e ativos" etc. 532


MARX


275
531 "Dia após dia, torna-se, portanto, mais claro que as relações de produção, em que a burguesia se move, não têm caráter unitário, simples, mas dúplice; que nas
mesmas relações em que
se produz a riqueza também se produz a miséria; que nas mesmas relações em que avança o desenvolvimento das forças produtivas, desenvolve-se também uma força repressiva;
que
essas relações só produzem a riqueza burguesa, isto é, a riqueza da classe burguesa, sob aniquilamento contínuo da riqueza dos membros individuais dessa classe e
criação de um
proletariado sempre crescente." (MARX, Karl. Misère de la Philosophie. p. 116.) 532 ORTES, G. Della Economia Nazionale libri sei 1774. In: CUSTODI. Parte Moderna,
t. XXI,
pp. 6, 9, 22, 25 etc. Ortes afirma (loc. cit., p. 32): "Ao invés de montar sistemas inúteis para a felicidade dos povos, limitar-me-ei a investigar a razão de sua
infelicidade".
264#
De modo bem brutal, cerca de 10 anos depois de Ortes, o mi-nistro anglicano Townsend celebrava a pobreza como condição ne-cessária
da riqueza.
"A coação legal para trabalhar está ligada a excessiva encrenca, violência e barulho (...) enquanto a fome não só constitui uma


pressão mais pacífica, silenciosa, incessante, mas, como motivo mais natural para a indústria e o trabalho, provoca os esforços
mais poderosos."
Portanto, tudo o que importa é tornar a fome permanente entre os que pertencem à classe trabalhadora e disso cuida, segundo Townsend,


o princípio populacional, que é especialmente ativo entre os pobres.
"Parece ser uma lei da Natureza que os pobres sejam até certo ponto imprevidentes (improvident)" (isto é, tão imprevidentes


quanto vir ao mundo sem uma colher de ouro na boca), "que sempre há alguns (that there may always be some) para a rea-lização
das tarefas mais servis, mais sórdidas e mais ignóbeis da comunidade. O fundo de felicidade humana (the fund of human
happiness) é muito incrementado com isso, enquanto os mais delicados (the more delicate) estão livres do trabalho penoso e
podem seguir, sem serem perturbados, uma vocação mais alta etc. (...) A Lei dos Pobres tem a tendência de destruir a harmonia
e a beleza, a simetria e a ordem desse sistema, que Deus e a Natureza estabeleceram no mundo." 533


Se o monge veneziano via na fatalidade que perpetua a miséria a razão de ser da caridade cristã, do celibato, dos conventos e das
fundações pias, o prebendário protestante acha, pelo contrário, nisso um pretexto para condenar as leis por força das quais era assegurada
ao pobre uma escassa assistência pública.
"O progresso da riqueza social", diz Storch, "gera aquela classe útil da sociedade (...) que exerce as ocupações mais enfadonhas,


sórdidas e repugnantes, numa palavra, que põe tudo o que a vida tem de desagradável e servil sobre os ombros e, por meio


OS ECONOMISTAS


276
533 A Dissertation on the Poor Laws. By a Wellwisher of Mankind (The Rev. Mr. J. Townsend), 1786. Reeditado em Londres, 1817. pp. 15, 39, 41. Esse "delicado" ministro
de cujo texto
agora citado, bem como de sua Journey Through Spain, Malthus copia muitas vezes até páginas inteiras, tomou de Sir J. Steuart a maior parte de sua doutrina, a qual
ele, no
entanto, deforma. Por exemplo, quando Steuart diz: "Aqui na escravatura havia um método violento de tornar os seres humanos laboriosos" (para os não-trabalhadores).
"(...) Outrora
os homens eram forçados a trabalhar" (isto é, a trabalhar de graça para os outros) "porque eram escravos; agora os homens são forçados a trabalhar" (isto é, a trabalhar
de graça
para não-trabalhadores) "porque são escravos de suas próprias necessidades". Ele não conclui daí, como o gordo prebendário — que os assalariados sempre devam viver
à beira da fome.
Ele quer, pelo contrário, multiplicar suas necessidades e fazer do número crescente de suas necessidades um acicate para trabalharem para "os mais delicados".
265#
disso, proporciona às demais classes o tempo, a serenidade de espírito e a convencional (c'est bon!) 534 dignidade de caráter etc." 535
Storch se pergunta qual seria, então, propriamente a vantagem dessa civilização capitalista, com sua miséria e sua degradação das
massas em comparação com a barbárie? Ele só encontra uma resposta — a segurança!


"Graças ao progresso da indústria e da ciência", diz Sismondi, "cada trabalhador pode produzir a cada dia muito mais do que
precisa para seu consumo. Mas, ao mesmo tempo, embora seu trabalho produza a riqueza, caso ele fosse chamado a consumi-la,
torná-lo-ia pouco apto para o trabalho." Segundo ele, "os homens" (isto é, os não-trabalhadores) "renunciariam provavelmente a todo
aperfeiçoamento das artes e também a todas as satisfações que a indústria nos proporciona caso tivessem de adquiri-los por meio
de contínuo trabalho como o do trabalhador. (...) Os esforços serão hoje dissociados de sua recompensa; não é o mesmo homem que
primeiro trabalha e depois descansa: pelo contrário, exatamente porque um trabalha é que o outro tem de descansar. (...) A infinita
multiplicação das forças produtivas do trabalho não pode, por-tanto, ter outro resultado que não o aumento do luxo e das sa-tisfações
dos ricos ociosos". 536
Finalmente, Destutt de Tracy, o fleumático doutrinador burguês, o proclama brutalmente:


"As nações pobres são aquelas em que o povo está bem, e as nações ricas são aquelas em que ele é comumente pobre". 537
5. Ilustração da lei geral da acumulação capitalista
a) A Inglaterra de 1846 a 1866


Nenhum período da sociedade moderna é tão adequado ao estudo
da acumulação capitalista quanto o dos últimos 20 anos. É como se
esse período tivesse achado a sacola de Fortunato. De todos os países
é, porém, novamente a Inglaterra que oferece o exemplo clássico, porque ocupa o primeiro lugar no mercado mundial, porque só aqui o modo


de produção capitalista está plenamente desenvolvido, e finalmente
porque o estabelecimento do reino milenar no livre-câmbio a partir de 1846
eliminou o último refúgio da Economia vulgar. O titânico progresso da


MARX


277
534 É bom! (N. dos T.) 535 STORTCH. Op. cit., t. III, p. 223.
536 SISMONDI. Op. cit., t. I, pp. 79, 80, 85. 537 DESTUTT DE TRACY. Op. cit., p. 231. "Les nations pauvres, c'est là où le peuple est à
son aise: et les nations riches, c'est là où il est ordinairement pauvre."
266#
produção, que faz com que a última metade do período de 20 anos
novamente supere de longe a primeira, já foi suficientemente descrito
na Seção IV.
Embora o crescimento absoluto da população inglesa no último
meio século tenha sido muito grande, o crescimento relativo ou a taxa
de acréscimo caiu continuamente, como o mostra a seguinte tabela,
tomada do censo oficial:


Acréscimo Percentual Anual da População da Inglaterra e do País de Gales em Números Decimais


Consideremos, agora, por outro lado, o crescimento da riqueza. O ponto de referência mais seguro oferece aí o movimento dos lucros,
das rendas das terras etc., sujeito ao imposto de renda. O acréscimo dos lucros tributáveis (arrendatários e algumas outras rubricas não-incluídas)
foi, em média, para a Inglaterra de 1853 até 1864, de 50,47% (ou 4,58% em média anual), 538 enquanto o da população durante o
mesmo período foi de cerca de 12%. O aumento das rendas tributáveis da terra (inclusive casas, estradas de ferro, minas, pesqueiras etc.)
atingiu, de 1853 até 1864, 38% ou 3 5/ 12% ao ano, em que as seguintes rubricas tiveram a maior participação:


Comparando os quadriênios do período de 1853 a 1864, então o grau de acréscimo dos rendimentos cresce continuamente. Ele é, por
exemplo, para os provenientes dos lucros de 1853/ 57 anualmente de


OS ECONOMISTAS


278
538 Tenth Report of the Commissioners of H. M's Inland Revenue. Londres, 1866. p. 38.
267#
1,73%; de 1857/ 61, anualmente de 2,74%, e de 9,30% anualmente para 1861/ 64. A soma global dos rendimentos sujeitos ao imposto de renda
no Reino Unido foi, em 1856, de 307 068 898 libras esterlinas; em 1859, de 328 127 416 libras esterlinas; em 1862, de 351 745 241 libras
esterlinas; em 1863, de 359 142 897 libras esterlinas; em 1864, de 362 462 279 libras esterlinas; em 1865, de 385 530 020 libras esterlinas. 539
A acumulação de capital foi simultaneamente acompanhada por sua concentração e centralização. Embora não haja estatística agrícola
oficial para a Inglaterra (porém existe para a Irlanda), ela foi fornecida voluntariamente por 10 condados. Segundo essa estatística, de 1851
a 1861, os arrendamentos abaixo de 100 acres diminuíram de 31 583 para 26 567, portanto 5 016 foram fundidos com arrendamentos maio-res.
540 De 1815 até 1825, nenhuma fortuna mobiliária acima de 1 milhão
de libras esterlinas foi gravada pelo imposto de herança; de 1825 a 1855, no entanto, 8; de 1855 até junho de 1859, isto é, em 4 1/ 2, 4. 541


A centralização há de se perceber melhor, no entanto, a partir de curta análise do imposto de renda da rubrica D (lucros com exclusão de
arrendatários etc.) nos anos de 1864 e 1865. Observo preliminarmente que rendimentos oriundos dessa fonte, a partir de 60 libras esterlinas,
pagamento income tax. 542 Esses rendimentos tributáveis atingiam na Inglaterra, País de Gales e Escócia, em 1864: 95 844 222 libras ester-linas
e em 1865: 105 435 787 libras esterlinas 543 o número dos tri-butados em 1804: 308 416 pessoas numa população global de 23 891 009;
em 1865: 332 431 pessoas numa população global de 24 127 003. Sobre a repartição desses rendimentos nesses dois anos, a seguinte tabela:


MARX


279
539 Esses números são suficientes para fins de comparação, mas, considerados de modo absoluto, são falsos, já que talvez rendimentos no valor de 100 milhões de libras
esterlinas são
"escamoteados" a cada ano. A queixa dos comissários of Inland Revenue quanto a fraudes sistemáticas, por parte de comerciantes e industriais, repete-se em cada um
de seus rela-tórios.
Assim é dito, por exemplo: "Uma sociedade anônima declarou lucros tributáveis de 6 mil libras esterlinas, mas o fiscal os elevou para 88 mil libras esterlinas e
sobre essa
soma é que, por fim, foi pago o imposto. Outra companhia declarou 190 mil libras esterlinas e foi, afinal, compelida a admitir que a verdadeira importância deveria
ser de 250 mil
libras esterlinas". (Ibid., p. 42.) 540 Census etc., loc. cit., p. 29. A assertiva de John Bright, de que 150 proprietários de terras
possuem metade do solo inglês e que 12 possuem metade do solo escocês, não foi refutada. 541 Fourth Report etc. on Inland Revenue. Londres, 1860. p. 17.
542 Imposto de renda. (N. dos T.) 543 Estes são os rendimentos líquidos, portanto, depois de certas deduções válidas por lei.
268#
No Reino Unido, foram produzidas, em 1855, 61 453 079 toneladas de carvão, no valor de 16 113 267 libras esterlinas; em 1864: 92 787 873
toneladas, no valor de 23 197 968 libras esterlinas: em 1855: 3 218 154 toneladas de ferro gusa, no valor de 8 045 385 libras esterlinas; em
1864, 4 767 951 toneladas, no valor de 11 919 877 libras esterlinas. Em 1854, a extensão das estradas de ferro em funcionamento no Reino
Unido atingia 8 054 milhas, com capital realizado de 286 068 794 libras esterlinas; em 1864, a extensão chegava a 12 789 milhas, com
capital realizado de 425 719 613 libras esterlinas. Em 1854, a expor-tação e importação globais do Reino Unido atingiam 268 210 613 libras
esterlinas; em 1865: 489 923 285. A seguinte tabela mostra o movimento da exportação:


Por esses poucos dados compreende-se o grito de triunfo do res-ponsável pelo Registro Geral do povo britânico:
"Por mais rápido que tenha crescido a população, ela não acom-panhou o progresso da indústria e da riqueza". 544
Voltemo-nos agora para o agente imediato dessa indústria, para a classe operária.
"É uma das características mais melancólicas da situação social do país", diz Gladstone, "que com um decréscimo na capacidade
de consumo do povo e um acréscimo nas privações e na miséria da classe trabalhadora, 545 há ao mesmo tempo acumulação cons-tante
de riqueza nas classes altas e crescimento constante de capital." 546


Assim falou esse untuoso ministro na Câmara dos Comuns a 13 de fevereiro de 1843. A 16 de abril de 1863, 20 anos mais tarde, no
discurso em que ele apresenta seu orçamento:


OS ECONOMISTAS


280
544 Census etc. Loc. cit., p. 11. 545 Em inglês: the labouring class and operatives. (N. dos T.)
546 Gladstone, na Câmara dos Comuns, a 13 de fevereiro de 1843: "It is one of the most melancholy features in the social state of this country that we see, beyond
the possibility
of denial, that while there is at this moment a decrease in the consuming powers of the people, an increase of the pressure of privations and distress; there is
at the same time
a constant accumulation of wealth in the upper classes, an increase in the luxuriousness of their habits, and of their means of enjoyment". (Times, 14 de fevereiro
de 1843. —
Hansard, 13 de fevereiro.)
269#
"De 1842 a 1852, o rendimento tributável deste país cresceu 6%. (...) Nos 8 anos de 1853 a 1861, se partirmos da base de
1853, ele cresceu cerca de 20%. O fato é tão espantoso que chega a ser quase inacreditável. (..) Esse aumento embriagador de ri-queza
e poder (...) está totalmente limitado às classes possuidoras (...) mas deve ser indiretamente vantajoso para a população tra-balhadora,
porque barateia os artigos de consumo geral; enquanto os ricos se tornaram mais ricos, os pobres, em todo caso, se tor-naram
menos pobres. Que os extremos da pobreza tenham di-minuído, 547 não ouso afirmar". 548, 549


Que anticlímax capenga! Se a classe trabalhadora continuou "pobre", apenas proporcionalmente "menos pobre", ao produzir um
"aumento embriagador de riqueza e poder" para a classe proprietá-ria, ela continua sendo, em termos relativos, igualmente pobre. Se
os extremos da pobreza não diminuíram, eles aumentaram, pois aumentaram os extremos da riqueza. Quanto ao barateamento dos
meios de subsistência, a estatística oficial, por exemplo os dados do London Orpham Asylum, 550 mostra encarecimento de 20% na média
dos 3 anos de 1860 a 1862, comparados com 1851/ 53. Nos 3 anos se-guintes, 1863/ 65, encarecimento progressivo de carne, manteiga, leite,
açúcar, sal, carvão e outros meios de subsistência necessários. 551 O discurso seguinte de Gladstone sobre o orçamento, a 7 de abril de
1864, é um ditirambo pindárico sobre o progresso da extração de mais-valia e da felicidade do povo moderada pela "pobreza". Ele fala de
massas "à beira do pauperismo", dos ramos de atividades "em que o salário não subiu" e, finalmente, sintetiza a felicidade da classe tra-balhadora
nas palavras:
"A vida humana, em nove de cada dez casos, é mera luta pela existência". 552


MARX


281
547 Na 4ª edição: modificado. 548 "From 1842 to 1852 the taxable income of the country increased by 6 per cent (...) in the
8 years from 1853 to 1861, it had increased from the basis taken in 1853, 20 per cent! The fact is so astonishing as to be almost incredible (...) this intoxicating
augmentation of
wealth and power (...) entirely confined to classes of property (...) must be of indirect benefit to the labouring population, because it cheapens the commodities
of general consumption
— while the rich have been growing richer, the poor have been growing less poor! at any rate, wheter the extremes of poverty are less, I do not presume to say."
(GLADSTONE.
In: H. o. C., 16 de abril de 1863, Morning Star, 17 de abril.) 549 Essa é a nota a que Engels se refere no Prefácio à 4ª Edição. (N. dos T.)
550 Orfanato londrino. (N. dos T.) 551 Ver os dados oficiais no Livro Azul: "Miscellaneous Statistics of the Un. Kingdom, Part
VI". Londres, 1866. pp. 260-273 passim. Em vez da estatística dos asilos de órfãos etc., poderiam servir como prova as declamações dos jornais governistas em prol
do aumento
das dotações dos infantes da Casa Real. Aí o encarecimento dos meios de subsistência jamais é esquecido.
552 "Think of those who are on the border of that region" (pauperism) "wages (...) in others not increased (...) human life is but, in nine cases out of ten, a struggle
for existence."
270#
O Prof. Fawcett, não estando preso como Gladstone a cautelas oficiais, declara redondamente:
"Não nego, naturalmente, que o salário monetário com esse aumento do capital" (nos últimos decênios) "tenha se elevado,
mas essa vantagem aderente é novamente perdida em larga es-cala porque muitas necessidade vitais tornam-se constantemente
mais caras" (ele crê que seja por causa da queda de valor dos metais nobres). "(...) Os ricos tornam-se rapidamente mais ricos
(the rich grow rapidly richer), enquanto não há nenhum acréscimo perceptível no conforto das classes trabalhadoras. (...) Os traba-lhadores
se tornam quase escravos dos comerciantes, dos quais são devedores". 553


Nas seções sobre a jornada de trabalho e a maquinaria desven-daram-se as circunstâncias sob as quais a classe trabalhadora britânica
criou um "aumento embriagador de riqueza e poder" para as classes proprietárias. Naquela ocasião, no entanto, preocupava-nos sobretudo
o trabalhador no exercício de sua função social. A fim de esclarecer plenamente as leis da acumulação, é preciso ter em vista também sua
situação fora da oficina, suas condições de nutrição e moradia. Os li-mites deste livro levam-nos a cuidar aqui, antes de tudo, da parte
mais mal paga do proletariado industrial e dos trabalhadores agrícolas, isto é, da maioria da classe trabalhadora.
Antes, uma palavra sobre o pauperismo oficial ou a parte da classe trabalhadora que perdeu sua condição de existência, a venda
da força de trabalho, e que vegeta graças à caridade pública. A lista oficial de indigentes somava na Inglaterra, 554 em 1855: 851 369 pessoas;
em 1856: 877 767; em 1865: 971 433. Em decorrência da crise do algodão, aumentou nos anos de 1863 e 1864 para 1 079 382 e 1 014
978. A crise de 1866, que atingiu Londres mais severamente, gerou, nessa sede do mercado mundial, mais populosa do que o reino da
Escócia, em 1866, um acréscimo de 19,5% de indigentes em relação a


OS ECONOMISTAS


282
(Gladstone, H. C., 7 de abril de 1864.) A versão de Hansard reza: "Again; and yet more at large, what is human life but, in the majority of cases, a struggle for
existence". As
repetidas e gritantes contradições nos discursos de Gladstone sobre o orçamento de 1863 e 1864 são caracterizados por um escritor inglês mediante a seguinte citação
de Boileau:
"Eis o homem: passa do pranto ao preito, Rejeita pela manhã o que à noite aceita.
A todos importuna, a si mesmo incomoda, Muda de conceito como se muda de moda".
(Tradução livre de Flávio R. Kothe) ([ Citado por ROY, H.] The Theory of Exchanges etc. Londres, 1864. p. 135.)
553 FAWCETT, H. Op. cit., p. 67, 82. Quanto à crescente dependência dos trabalhadores em relação ao comerciante, ela é conseqüência das flutuações e interrupções
crescentes de sua
ocupação. 554 A Inglaterra também abrange o País de Gales; a Grã-Bretanha abrange a Inglaterra, o
País de Gales e a Escócia; o Reino Unido, esses três países mais a Irlanda.
271#
1865 e de 24,4% em relação a 1864, e um acréscimo ainda maior nos primeiros meses de 1867 em relação a 1866. Na análise da estatística
dos indigentes, é preciso destacar dois pontos. Por um lado, o movimento de decréscimo e acréscimo da massa de indigentes reflete as oscilações
periódicas do ciclo industrial. Por outro, a estatística oficial engana cada vez mais quanto à verdadeira extensão do pauperismo, à medida
que, com a acumulação do capital, desenvolve-se a luta de classe e, portanto, a consciência dos trabalhadores. Por exemplo, a barbárie no
tratamento do indigente, sobre a qual a imprensa inglesa (Times, Pall Mall Gazette etc.) berrou tão alto durante os dois últimos anos, vem
de velha data. Em 1844, F. Engels constata horrores totalmente idên-ticos e idêntica vociferação, passageira e hipócrita, pertencente à "li-teratura
sensacionista". 555 Mas o terrível aumento das mortes por fome (deaths by starvation) em Londres, durante o último decênio, demonstra
incontestavelmente o crescente horror dos trabalhadores ante a escra-vidão da Workhouse, 556 esse cárcere da miséria.


b) As camadas mal pagas da classe trabalhadora industrial inglesa
Voltemo-nos agora para as camadas mal pagas da classe traba-lhadora industrial. Durante a crise algodoeira, em 1862, o dr. Smith
foi encarregado pelo Privy Council de fazer uma investigação sobre o estado de nutrição dos desgraçados trabalhadores do algodão em Lan-cashire
e Cheshire. Longos anos de observação tinham-no levado à conclusão de que, "para evitar doenças causadas pela fome" (starvation
diseases), a alimentação diária de uma mulher média deveria conter ao menos 3 900 grãos de carbono e 180 grãos de nitrogênio; a alimen-tação
diária de um homem médio necessitaria ao menos de 4 300 grãos de carbono e 200 grãos de nitrogênio, para as mulheres aproximada-mente
tanto material nutriente quanto está contido em 2 libras de bom pão de trigo, para os homens 1/ 9 a mais, para a média semanal
de mulheres e de homens adultos ao menos 28 600 grãos de carbono e 1 330 grãos de nitrogênio. Seu cálculo foi confirmado na prática de
modo surpreendente pela coincidência com a lastimável porção de ali-mento a que a situação de calamidade tinha reduzido o consumo dos
trabalhadores do algodão. Eles obtinham semanalmente, em dezembro de 1862, 29 211 grãos de carbono e 1 295 de nitrogênio.
No ano de 1863, o Privy Council ordenou que fosse feita uma investigação sobre a situação de miséria da parte mais mal alimentada


MARX


283
555 Referência à obra de Engels. Die Lage der arbeitenden Klasse in England. Nach eigner Anschauung und authentischen Quellen. Leipzig, 1845.
556 Lança uma luz própria sobre o progresso havido desde A. Smith que a palavra Workhouse ainda seja ocasionalmente para ele sinônimo de manufactory. Por exemplo,
no início de
seu capítulo sobre a divisão do trabalho: "Aqueles que se ocupam de diferentes ramos de atividade podem ser freqüentemente reunidos na mesma casa de trabalho (workhouse)".
272#
da classe trabalhadora inglesa. O Dr. Simon, funcionário médico do Privy Council, escolheu para essa tarefa o acima mencionado dr. Smith.
Sua investigação estende-se, por um lado, aos trabalhadores agrícolas; por outro, aos tecelões de seda, costureiras, luveiros em couro, tecelões
de meias, tecelões de luvas e sapateiros. As últimas categorias, com exceção dos tecelões de meias, são exclusivamente urbanas. Foi esta-belecido
como norma de investigação selecionar, em cada categoria, as famílias mais saudáveis e relativamente mais bem situadas.
Como resultado geral adveio que:
"em somente uma das classes examinadas de trabalhadores ur-banos 557 o suprimento médio de nitrogênio superou um pouco a


medida absolutamente mínima, abaixo da qual ocorrem doenças causadas por fome, enquanto em duas classes observou-se carên-cia,
em uma das quais a deficiência de alimentação contendo nitrogênio e carbono era muito grande; das famílias de trabalha-dores
agrícolas investigadas, mais de 1/ 5 obtinha menos de 1/ 5 da quantidade indispensável de alimentação contendo carbono,
mais de 1/ 3 menos do que a quantidade indispensável de ali-mentação contendo nitrogênio; e que em três condados (Berkshire,
Oxfordshire e Somersetshire) prevalecia em média uma deficiên-cia quanto ao mínimo de alimentação contendo nitrogênio". 558


Entre os trabalhadores agrícolas, eram os da Inglaterra, a parte mais rica do Reino Unido, os mais mal alimentados. 559 A subnutrição
entre os trabalhadores agrícolas recaía principalmente sobre mulheres e crianças, pois "o homem precisa comer para fazer o serviço". Penúria
ainda maior grassava entre as categorias de trabalhadores urbanos investigadas.


"Estão tão mal nutridos que seguramente tem de ocorrer mui-tos casos de privação cruel e nociva à saúde"
(" renúncia" do capitalismo tudo isso! ou seja, renúncia ao paga-mento dos meios de subsistência indispensáveis para que seus
braços apenas possam vegetar!) 560
A tabela seguinte mostra a relação entre a situação alimentar das categorias de trabalhadores puramente citadinos mencionados aci-ma


e a medida mínima adotada pelo dr. Smith e, por outro lado, a alimentação dos trabalhadores algodoeiros durante a época de sua mi-séria
mais extrema:


OS ECONOMISTAS


284
557 Em Marx: städtische Arbeiter (trabalhadores urbanos); em inglês: in-door operatives. (N. dos T.)
558 Public Health. Sixth Report etc. for 1863. Londres, 1864. p. 13. 559 Op. cit., p. 17.
560 Op. cit., p. 13.
273#
Metade, 60/ 125, das categorias de trabalhadores industriais in-vestigadas não consumia absolutamente cerveja, 28% não obtinha leite.
A média semanal dos alimentos líquidos nas famílias oscilava de 7 onças entre as costureiras até 24 3/ 4 onças entre os tecelões de meias.
A maioria das que jamais consumiam leite era constituída pelas cos-tureiras de Londres. A quantidade de pão consumida semanalmente


variava de 7 3/ 4 libras entre as costureiras até 11 1/ 4 libras entre os sapateiros, resultando uma média global de 9,9 libras por semana por
adulto. Açúcar (melaço etc.) variava de 4 onças semanais entre os lu-veiros em couro até 11 onças entre os tecelões de meias; a média global
por semana para todas as categorias era de 8 onças por adulto. O consumo médio global por semana de manteiga (gordura etc.), 5 onças
por adulto. A média semanal de carne (toucinho etc.) oscilava, por adulto, de 7 1/ 4 onças entre os tecelões de seda até 18 1/ 4 onças entre
os luveiros em couro; média global para as diversas categorias, 13,6 onças. O custo semanal para alimentação por adulto importava nas
seguintes cifras médias gerais: tecelões de seda, 2 xelins e 2 1/ 2 pence; costureiras, 2 xelins e 7 pence, luveiros em couro, 2 xelins e 9 1/ 2
pence; sapateiros, 2 xelins e 7 3/ 4 pence; tecelões de meias, 2 xelins e 6 1/ 4 pence, para os tecelões de seda em Macclesfield, a média semana
era apenas de 1 xelim e 8 1/ 2 pence. As categorias mais mal nutridas eram as costureiras, os tecelões de seda e os luveiros em couro. 561
Em seu relatório geral sobre a situação de saúde, o Dr. Simon diz a respeito dessa situação alimentar:


"Que são inúmeros os casos em que a deficiência alimentar causa ou agrava doenças há de confirmá-lo qualquer um que
esteja familiarizado com a prática médica com indigentes ou com pacientes dos hospitais, sejam eles internados ou morem fora.
(...) No entanto, do ponto de vista sanitário, se acrescenta outra


MARX


285
561 Op. cit., pp. 232-233.
274#
circunstância decisiva. (...) É preciso lembrar que a privação de alimentos é suportada com muita relutância e que, em regra,
dietas muito deficientes só ocorrem quando outras privações as precederam. Muito antes de a insuficiência alimentar ter passado
a gravitar no plano da higiene, muito antes de o fisiólogo pensar em contar os grãos de nitrogênio e carbono, entre os quais oscila
a vida e a morte por inanição, a economia doméstica já terá sido despojada de todo conforto material. O vestuário e o aquecimento
ter-se-ão tornado ainda mais escassos do que a comida. Nenhuma proteção suficiente contra o rigor do inverno; redução do espaço
de moradia a um grau que gera enfermidades ou as agrava; au-sência quase total de utensílios domésticos ou de móveis; a própria
limpeza ter-se-á tornado custosa ou difícil. Se, por dignidade pes-soal, ainda se tenta mantê-la, cada uma dessas tentativas repre-senta
suplícios adicionais de fome. O lar há de ser onde o teto for mais barato; em áreas onde a polícia sanitária dá menos
fruto, é mais lamentável o sistema de esgoto, menor o tráfego, máxima a imundície pública, mais miserável ou pior o suprimento
de água e, em cidades, maior a falta de luz e ar. Tais são os perigos sanitários a que a pobreza inevitavelmente está sujeita,
quando essa pobreza inclui carência alimentar. Se a soma desses males constitui perigo de terrível magnitude para a vida, a mera
carência alimentar já é em si mesma horrível. (...) Essas são reflexões penosas, especialmente quando se recorda que a pobreza
que as motiva não é a merecida pobreza da preguiça. É a pobreza de trabalhadores. Sim, no que concerne aos trabalhadores urba-nos,
o trabalho mediante o qual é comprado o escasso bocado de comida geralmente é prolongado além de toda medida. E, ainda
assim, só em sentido muito restrito é que se pode dizer que esse trabalho permite o auto-sustento. (...) E, em escala muito ampla,
o auto-sustento nominal só pode ser o maior ou menor percurso na direção do pauperismo". 562


A conexão interna entre o tormento da fome das camadas mais laboriosas de trabalhadores e o consumo esbanjador, grosseiro ou re-finado,
dos ricos, baseado na acumulação capitalista, só se desvela com o conhecimento das leis econômicas. É diferente a situação habitacional.
Qualquer observador isento percebe que, quanto mais maciça a cen-tralização dos meios de produção, tanto maior a conseqüente aglome-ração
de trabalhadores no mesmo espaço; que, portanto, quanto mais rápida a acumulação capitalista, tanto mais miserável a situação ha-bitacional
dos trabalhadores. As "melhorias" (improvements) das cida-des, que acompanham o progresso da riqueza, mediante demolição de


OS ECONOMISTAS


286
562 Op. cit., pp. 14-15.
275#
quarteirões mal construídos, construção de palácios para bancos, casas comerciais etc., ampliação das ruas para o tráfego comercial e de car-ruagens
de luxo, introdução de linhas de bondes puxados por cavalos etc., expulsam evidentemente os pobres para refúgios cada vez piores
e mais densamente preenchidos. Por outro lado, todos sabem que o preço alto das moradias está na razão inversa de sua qualidade e que
as minas da miséria são exploradas por especuladores imobiliários com mais lucros e menos custos do que jamais o foram as minas de Potosí.
O caráter antagônico da acumulação capitalista, e portanto das próprias relações capitalistas de propriedade, 563 torna-se aqui tão palpável que
mesmo os relatórios ingleses oficiais sobre esse assunto pululam de invectivas nada ortodoxas contra a "propriedade e seus direitos". O
mal acompanhou de tal modo o ritmo do desenvolvimento da indústria, da acumulação do capital, do crescimento e "embelezamento" das
cidades, que o mero temor de doenças infecciosas, que tampouco poupam as classes respeitáveis, gerou não menos que 10 leis par-lamentares
sobre controle sanitário e, em algumas cidades, como Liverpool, Glasgow etc., a burguesia assustada chegou a investir
por meio de sua municipalidade. Não obstante, o Dr. Simon, em seu relatório de 1865, exclama:


"Falando de modo geral, as situações maléficas estão fora de controle na Inglaterra".
Por ordem do Privy Council, teve lugar, em 1864, uma pesquisa sobre as condições de moradia entre os trabalhadores rurais e, em
1865, sobre as das classes mais pobres nas cidades. Os magistrais trabalhos do Dr. Julian Hunter encontram-se no sétimo e oitavo rela-tórios
sobre Public Health. Aos trabalhadores rurais voltarei mais tarde. Quanto à situação habitacional urbana, cito preliminarmente uma ob-servação
geral do dr. Simon:
"Embora minha perspectiva oficial", diz ele, "seja exclusiva-mente médica, os sentimentos humanitários mais comuns não


permitem ignorar o outro lado desse mal. Em seus graus mais altos, envolve quase necessariamente tal negação de toda deli-cadeza,
uma confusão tão suja de corpos e funções corpóreas, tal exposição de nudez animal, e sexual, que é mais bestial do que
humana. Estar sujeito a essas influências é uma degradação que se aprofunda à medida que perdura. Para as crianças que nas-ceram
sob essa maldição constitui um batismo para a infâmia (baptism into infamy): E não se pode de modo algum esperar


MARX


287
563 "Em nenhuma parte se sacrificaram tão aberta e descaradamente os direitos da pessoa ao direito de propriedade do que nas condições de habitação da classe trabalhadora.
Cada
grande cidade é um local de sacrifícios humanos, um altar sobre o qual milhares são sa-crificados cada ano ao Moloch da avareza. (LAING, S. Op. cit., p. 150.)
276#
que pessoas expostas a tais circunstâncias devam, em outros as-pectos, procurar ascender àquela atmosfera de civilização que
consiste na limpeza física e moral". 564
O primeiro lugar em habitações superlotadas ou absolutamente impróprias para abrigar seres humanos é ocupado por Londres.


"Dois pontos", diz o Dr. Hunter, "estão claros: primeiro, que há cerca de 20 grandes colônias em Londres, cada uma com cerca
de 10 mil pessoas, cuja mísera condição excede tudo que já tenha sido visto em algum outro lugar da Inglaterra e é quase intei-ramente
resultante de suas más condições de moradia; em se-gundo lugar, as condições de superlotação e decadência das casas
dessas colônias são muito piores que há 20 anos." 565 "Não é demais dizer que a vida em certas partes de Londres e Newcastle é
infernal." 566
Também a parcela mais bem situada da classe trabalhadora, juntamente com pequenos vendeiros e outros elementos da classe média


baixa, cai em Londres cada vez mais sob a maldição dessas condições indignas de moradia, à medida que avançam os "melhoramentos" e,
com eles, a demolição de velhas ruas e casas, que aumentam as fábricas e o afluxo humano para a metrópole e, finalmente, os aluguéis se elevam
com a renda fundiária urbana.
"Os aluguéis se tornaram tão exorbitantes que poucos traba-lhadores podem pagar mais do que um quarto." 567


Quase não há propriedade londrina que não esteja sobrecarregada por inúmeros middlement. 568 É que o preço do terreno em Londres
está sempre muito alto em relação a seus rendimentos anuais, pois todo comprador especula com a possibilidade de, mais cedo ou mais
tarde, desfazer-se dele de novo por um Jury Price (valor fixado por juramentados no caso de expropriações), ou de lograr uma valorização
extraordinária pela proximidade de algum grande empreendimento. Conseqüência disso é um comércio regular de compras de contratos
de locação prestes a expirar.


OS ECONOMISTAS


288
564 Public Health. Eighth Report. Londres, 1866. p. 14, nota. 565 Em relação às crianças nessas colônias, diz o Dr. Hunter: "Não sabemos como as crianças
eram criadas antes de ter começado essa era de densa aglomeração de pobres, e seria um profeta audaz quem quisesse predizer que comportamento seria de se esperar
da
atual geração de crianças que, sob circunstâncias sem paralelo neste país, estão com-pletando agora a sua educação para a futura práxis como 'classes perigosas',
ao passarem
metade das noites com pessoas de todas as idades, bêbadas, obscenas e briguentas". (Op. cit., p. 56.)
566 Op. cit., p. 62. 567 Report of the Officer of Health of St. Martin's in the Fields, 1865.
568 Intermediários. (N. dos T.)
277#
"Dos gentlemen 569 que estão nesse negócio pode-se esperar que ajam como agem, arrancar tudo o que podem dos moradores e deixar
a casa em máxima petição de miséria para seus sucessores." 570
Os aluguéis são semanais, e os senhorios não correm riscos. Em decorrência da construção de estradas de ferro dentro da cidade


"viu-se recentemente na parte leste de Londres certa quantidade de famílias, expulsas de suas antigas moradias, perambulando
num sábado à noite, com seus parcos bens terrenos às costas, sem outro paradeiro que a Workhouse". 571


As Workhouses já estão superlotadas e os "melhoramentos" já aprovados pelo Parlamento estão apenas no começo de sua execução.
Se os trabalhadores são expulsos pela demolição de suas velhas casas não abandonam sua paróquia ou, no máximo, instalam-se em seus
limites ou na mais próxima.
"Eles, naturalmente, tentam permanecer tão perto quanto pos-sível de seus locais de trabalho. A conseqüência é que, em vez


de dois quartos, apenas um tem de abrigar a família. Mesmo com aluguel mais alto, a moradia se torna pior do que aquela já
ruim da qual foram expulsos. Metade dos trabalhadores do Strand precisa agora viajar 2 milhas até o local de trabalho."


Esse Strand, cuja rua principal causa ao estrangeiro uma im-pressão imponente da riqueza de Londres, pode servir de exemplo do
empacotamento humano de Londres. Numa paróquia de lá, o funcio-nário sanitário contou 581 pessoas por acre, embora inclusive na área
a metade do Tâmisa. É evidente que toda medida regulamentar da polícia sanitária que, como tem sido o caso até agora em Londres,
expulsa pela demolição de casas inutilizáveis os trabalhadores de um bairro, só serve para aglomerá-los ainda mais densamente noutro.


"Ou", diz o Dr. Hunter, "todo esse procedimento tem de parar necessariamente como sendo um absurdo, ou a simpatia (!) pública
precisa acordar para o que agora pode, sem exagero, ser chamado de dever nacional, ou seja, de proporcionar teto para aqueles que,
por falta de capital, não podem arranjá-lo por si mesmos, mas que mediante pagamento periódico podem indenizar os locadores." 572


Como é admirável a justiça capitalista! O proprietário fundiário, o dono de casas, o homem de negócio, quando expropriados por im-


MARX


289
569 Cavalheiros. (N. dos T.) 570 Public Health, Eighth Report. Londres, 1866, p. 91.
571 Op. cit., p. 88. 572 Op. cit., p. 89.
278#
provements, como estradas de ferro, abertura de ruas etc., não recebem apenas indenização total. Por sua "renúncia" forçada, devem, por Deus
e pela Justiça, ser ainda consolados com um lucro considerável. O trabalhador é jogado com mulher e filhos e haveres na rua e — se
acorre em demasia para bairros onde a multiplicidade zela pelo decoro — é processado pela polícia sanitária!
Exceto Londres, no começo do século XIX não havia uma única cidade na Inglaterra com mais de 100 mil habitantes. Apenas 5 cidades
tinham mais de 50 mil. Agora existem 28 cidades com mais de 50 mil habitantes.


"O resultado dessa mudança não foi apenas o enorme acréscimo da população urbana, mas as velhas cidadezinhas de grande den-sidade
são agora centros cercados de construções por todos os lados, sem nenhum lugar para a penetração de ar. Como já não
são agradáveis para os ricos, eles as abandonaram por subúrbios mais aprazíveis. Os sucessores desses ricos ocupam as casas maio-res,
uma família, freqüentemente ainda com sublocatários, para cada quarto. Assim, uma população foi comprimida em casas que
não lhe eram destinadas e para o que são totalmente inadequadas, num ambiente que é verdadeiramente degradante para os adultos
e ruinoso para as crianças." 573
Quanto mais rápido se acumula o capital numa cidade industrial ou comercial, tanto mais rápido o afluxo do material humano explorável


e tanto mais miseráveis as moradias improvisadas dos trabalhadores. Newcastle-upon-Tyne, como centro de um distrito carbonífero e de mi-neração
cada vez mais produtivo, ocupa, depois de Londres, o segundo lugar no inferno da moradia. Nada menos que 34 mil pessoas vivem
lá em moradias de uma só peça. Por serem extremamente prejudiciais à comunidade, a polícia fez há pouco demolir um número significativo
de casas em Newcastle e Gateshead. O avanço da construção das novas casas é muito vagaroso, o dos negócios muito rápido. Por isso, em 1865
a cidade estava mais superlotada do que em qualquer momento ante-rior. Quase não havia um único quarto para alugar. O Sr. Embleton,
do Hospital de Febres de Newcastle, afirma:
"Não se pode duvidar de que a causa da persistência e pro-pagação do tifo é a excessiva aglomeração de seres humanos e


a falta de higiene em suas moradias. As casas em que os traba-lhadores freqüentemente vivem situam-se em becos cercados e
pátios. Quanto a luz, ar, espaço e limpeza, são verdadeiros mo-delos de insuficiência e insalubridade, uma desgraça para qual-quer
nação civilizada. Ali, à noite, homens, mulheres e crianças


OS ECONOMISTAS


290
573 Op. cit., p. 56.
279#
deitam-se misturadamente. No que tange aos homens, o turno da noite segue ao turno do dia em fluxo ininterrupto, de modo
que as camas quase não têm tempo de esfriar. As casas são mal supridas de água e, pior ainda, de privadas; são sujas, mal ven-tiladas
e pestilentas". 574
O aluguel semanal de tais buracos varia de 8 pences a 3 xelins.
"A cidade de Newcastle-upon-Tyne", diz o Dr. Hunter, "oferece o exemplo de uma das mais belas estirpes de nossos comparti-mentos


que, devido às circunstâncias externas de moradia e rua, submergiu em degradação quase selvagem." 575


Devido ao fluxo e refluxo de capital e trabalho, a situação habi-tacional de uma cidade industrial pode ser hoje suportável para se
tornar repugnante amanhã. Ou a vereança urbana pode, finalmente, ter-se erguido para a eliminação dos piores malefícios. Amanhã penetra
nela um enxame de gafanhotos de irlandeses maltrapilhos ou de tra-balhadores agrícolas ingleses decaídos. Eles são enfurnados em porões
e celeiros, ou a casa do trabalhador, outrora respeitável, é, transformada num alojamento, em que o pessoal muda tão rapidamente como as
guarnições durante a Guerra dos Trinta Anos. Exemplo: Bradford. Lá, o filisteu municipal estava então ocupado com reforma urbana. Além
disso, em 1861 havia lá ainda 1 751 casas desabitadas. Mas eis que surge agora a época dos bons negócios, sobre a qual recentemente o
suave literal Mr. Forster, o amigo dos negros, cacarejou tão graciosa-mente. Com os bons negócios, chega naturalmente a inundação pro-vocada
pelas ondas do sempre flutuante "exército de reserva" ou "su-perpopulação relativa". As repugnantes moradias em porões e quarti-nhos,
registradas na lista que o Dr. Hunter recebeu de um agente de uma companhia de seguros, eram geralmente habitadas por trabalha-dores
bem pagos. Explicaram que gostariam de pagar por moradias melhores, se elas estivessem disponíveis. Entrementes, se degradam
e adoecem uns após os outros, enquanto o suave liberal Forster, M. P., derrama lágrimas sobre as bênçãos do livre-câmbio e os lucros das
eminentes cabeças de Bradford obtidos no worsted. No relatório de 5 de setembro de 1865, o Dr. Bell, um dos médicos dos indigentes de
Bradford, explica a terrível mortalidade dos enfermos por febre em conseqüência de suas condições de moradia.


"Num porão de 1 500 pés cúbicos moram 10 pessoas. (...) A rua Vincent, Green Air Place e the Leys abrigam 223 casas com
1 450 habitantes, 435 camas e 36 privadas. (...) As camas — e por esse termo entendo qualquer amontoado de trapos sujos ou


MARX


291
574 Op. cit., p. 149. 575 Op. cit., p. 50.
280#
uma mancheia de cavacos — abrigam uma média de 3,3 pessoas, muitas de 4 a 6. Muitos dormem sem cama, sobre o assoalho
nu, com suas roupas, homens e mulheres jovens, casados e não-casados, todos misturados. Será que é preciso acrescentar que
muitas dessas habitações são em geral buracos fedorentos, escu-ros, úmidos, sujos, completamente inadequados para servir de
moradias humanas? São os centros de onde se irradiam doença e morte e que colhem suas vítimas também entre as pessoas


Lista do Agente de uma Companhia de Seguros de Trabalhadores em Bradford


em boa situação (of good circumstances), que permitem que esses tu-mores pestilentos supurem em nosso meio". 576


OS ECONOMISTAS


292
576 Loc. cit., p. 114.
281#
Bristol ocupa o terceiro lugar depois de Londres em miséria habitacional:
"Aqui, numa das cidades mais ricas da Europa, a maior abun-dância na mais pura pobreza (blank poverty) e miséria doméstica". 577
c) A população nômade
Agora nós nos voltamos para uma camada da população cuja origem é rural e cuja ocupação é em grande parte industrial. Ela cons-titui
a infantaria ligeira do capital, que, de acordo com sua necessidade, ora a lança neste ponto, ora naquele. Quando não em marcha, "acampa".
O trabalho nômade é empregado em várias operações de construção e drenagem, na fabricação de tijolos, queima de cal, construção de fer-rovias
etc. Coluna ambulante da pestilência, ela traz aos lugares em cujas cercanias instala seu acampamento: varíola, tifo, cólera, escar-latina
etc. 578 Em empreendimentos com aplicação significativa de ca-pital, como construção de ferrovias etc., geralmente o próprio empre-sário
fornece seu exército de barracos de madeira ou similares, aldeias improvisadas sem nenhuma instalação sanitária, além do controle das
autoridades locais, muito lucrativo para o sr. Contratista, que explora duplamente os trabalhadores: como soldados da indústria e como inqui-linos.
Conforme o barraco de madeira tenha 1, 2 ou 3 buracos, seu ocupante, terraplenador etc., tem de pagar semanalmente 2, 3, 4 xelins. 579 Um exem-plo
bastaria. Em setembro de 1864, relata Dr. Simon, ministro do Interior, Sir George Grey recebeu, por parte do presidente do Comitê de Polícia
Sanitária da paróquia de Sevenoaks, a seguinte denúncia:
"A varíola era totalmente desconhecida nesta paróquia até cerca de 12 meses atrás. Pouco antes dessa época, iniciaram-se


aqui os trabalhos para construir uma estrada de ferro de Lewis-ham a Tunbridge. Além das principais obras terem sido execu-tadas
na vizinhança imediata dessa cidade, aqui também foi ins-talado o depósito principal de toda a obra. Grande número de
pessoas portanto foi aqui empregado. Como foi impossível aco-modar todos em cottages, o contratante, dr. Jay, mandou erguer
barracos em diversos lugares ao longo da linha do trem, para abrigo dos trabalhadores. Esses barracos não tinham ventilação
nem esgoto e, além disso, estavam necessariamente superlotados, pois cada morador tinha de acomodar outros moradores, por mais
numerosa que fosse sua família e ainda que cada cabana só tivesse 2 quartos. Segundo o relatório médico que recebemos, a conse-


MARX


293
577 Loc. cit., p. 50. 578 Public Health. Seventh Report. Londres, 1865, p. 18.
579 Loc. cit., p. 165.
282#
qüência foi que essa pobre gente tinha de suportar, à noite, todas as torturas da asfixia para evitar as emanações pestilentas da
água suja e estagnada e das privadas logo abaixo das janelas. Por fim, foram encaminhadas queixas a nosso comitê por um
médico que teve a oportunidade de visitar esses barracos. Ele falou sobre a situação dessas assim chamadas moradias com ex-pressões
das mais amargas e temia muito conseqüências bastante sérias, caso não fossem adotadas algumas medidas sanitárias.
Aproximadamente há um ano, p. p., 580 Jay se comprometeu a cons-truir uma casa, para a qual, havendo irrupção de enfermidades
contagiosas, pessoas por ele empregadas pudessem ser imedia-tamente removidas. Ele reafirmou essa promessa ao final de julho
último, mas nunca deu o menor passo para seu cumprimento, embora desde essa data diversos casos de varíola aparecessem,
tendo por conseqüência 2 óbitos. A 9 de setembro, o médico Kelson relatou-me outros casos de varíola nos mesmos barracos e des-creveu
sua situação como horrível. "Para sua" (do ministro) "in-formação, devo acrescentar que nossa paróquia possui uma casa
isolada, a assim chamada casa da peste, e que os paroquianos que sofrem de doenças infecciosas são tratados. Essa casa tem
sido continuamente superlotada por pacientes. Numa família, 5 crianças morreram de varíola e febre. De 1º de abril a 1º de
setembro deste ano, ocorreram não menos que 10 óbitos por va-ríola, 4 deles nos já referidos barracos, os focos da peste. É im-possível
calcular o número de casos de enfermidade, pelo fato de as famílias atingidas manterem-nos tão secretos quanto possível". 581


Os trabalhadores de minas de carvão e de outras minas pertencem às categorias mais bem pagas do proletariado britânico. A que preço
eles compram seu salário já foi mostrado numa passagem anterior. 582 Lanço aqui um rápido olhar sobre suas condições de moradia. Em
regra, o explorador da mina, seja proprietário ou arrendatário da mes-ma, constrói certo número de cottages para seus braços. Eles recebem
o cottage, bem como carvão para queimar, "de graça", isto é, estes constituem parte do salário pago in natura. Os que não podem ser
alojados dessa forma recebem 4 libras esterlinas por ano como com-


OS ECONOMISTAS


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580 Proemissis proemittendis — antepondo os títulos que lhe correspondam. (N. dos T.) 581 Loc. cit., p. 18, nota. O encarregado da assistência aos indigentes de
Chapel-en-le-Frith-Union
relata ao diretor geral do Registrar General: "Em Doveholes, certo número de pe-quenas escavações foi feito numa grande colina formada por cinzas de cal. Essas cavernas
servem de moradia para os trabalhadores ocupados na terraplenagem e na construção de ferrovias. As cavernas são estreitas, úmidas, sem escoamento para imundícies
e sem pri-vadas.
Faltam-lhes todos os meios de ventilação, exceto um buraco no teto e que serve simultaneamente como chaminé. A varíola grassa e já causou vários óbitos" (entre os
trogloditas). (Loc. cit., nota 2.) 582 Quanto à situação ainda pior nas minas de metais, confronte-se o consciencioso relatório
da Royal Commission de 1864.
283#
pensação. Os distritos mineiros atraem rapidamente grande população, composta pela própria população mineira e pelos artesãos, vendeiros
etc., que se agrupam ao redor deles. Como em todo lugar onde a po-pulação é densa, a renda fundiária é elevada. O empresário de minas
procura, por isso, erguer num local de construção tão estreito quanto possível na boca das minas tantos cottages quantos forem estritamente
necessários para acondicionar seus braços e suas famílias. Se novas minas são abertas nas proximidades ou velhas minas são reativadas,
aumenta o aperto. Na construção dos cottages vigora apenas um ponto de vista: a "renúncia" do capitalista a toda despesa não absolutamente
inevitável de dinheiro.
"As moradias dos mineiros e de outros trabalhadores que estão ligadas às minas de Northumberland e Durham", diz o Dr. Julian
Hunter, "são talvez, em média, as piores e mais caras daquilo que a Inglaterra oferece em larga escala nesse gênero, excetuados,
no entanto, distritos similares em Monmouthshire. (...) A extrema ruindade reside no elevado número de pessoas que lotam um
quarto, na estreiteza do espaço de construção, sobre o qual é lançada grande massa de casas, na falta de água e na ausência
de privadas, no método freqüentemente adotado de colocar uma casa sobre a outra ou de distribuí-Ias em flats" (de modo que os
diferentes cottages constituam andares verticalmente superpos-tos). (...) "O empreiteiro trata toda a colônia como se ela apenas
acampasse, não residisse". 583 "Em obediência a minhas instru-ções", diz o Dr. Stevens, "visitei a maioria das grandes aldeias
mineiras da Durham Union. (...) Com pouquíssimas exceções, é válido para todas que toda providência para assegurar a saúde
dos moradores foi negligenciada. (...) Todos os mineiros de carvão estão ligados" (bound — expressão que, como bondage, 584 data
da época da servidão da gleba) "ao arrendatário (lessee) ou pro-prietário da mina por 12 meses. Se mineiros dão vazão a seu
descontentamento ou, de algum modo, irritam o supervisor (vie-wer), então ele coloca uma marca ou um memorando ao lado de
seu nome no livro de supervisão e os demite quando da nova ligação anual. (...) Parece-me que em nenhuma parte o sistema
de pagamento com bônus pode ser pior do que o que predomina nesses distritos densamente povoados. O trabalhador está obri-gado
a receber como parte de seu salário uma casa cercada de influências pestilenciais. Ele não pode ajudar a si mesmo. Para
todos os efeitos, ele é um servo (he is to oll intents and purposes a serf). Parece duvidoso que mais alguém possa ajudá-lo além


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583 Loc. cit., pp. 180, 182. 584 Servidão.
284#
de seu proprietário, e esse proprietário leva em conta, antes de tudo, seu balanço, e o resultado é geralmente infalível. O traba-lhador
recebe também do proprietário o suprimento de água. Seja ela boa ou má, fornecida ou retida, ele precisa pagar por ela ou,
antes, tolerar um desconto do salário." 585
Quando em conflito com a "opinião pública" ou mesmo com a polícia sanitária, o capital não se embaraça ao todo em "justificar" as


condições, em parte perigosas, em parte degradantes, a que submete a função e o lar do trabalhador, que são necessárias para explorá-lo
de modo mais lucrativo. Assim é quando renuncia a instalações para a proteção contra maquinaria perigosa na fábrica, a meios de ventilação
e segurança nas minas etc. E assim aqui com a moradia dos traba-lhadores de minas.


"Como desculpa", diz o dr. Simon, funcionário médico do Privy Council em seu relatório oficial, "da indigna acomodação domés-tica
alega-se que as minas são comumente exploradas por arren-damento, que a duração do contrato de arrendamento (que nas
minas de carvão costuma ser de 21 anos) é curto demais para que valha a pena para o arrendatário fornecer boas acomodações
domésticas para o povo trabalhador, bem como para os profis-sionais etc. que a obra atrai; mesmo que ele tivesse o propósito
de agir liberalmente nessa matéria, seria frustrado pelo proprie-tário fundiário. Este teria na verdade a tendência de imediata-mente
pedir uma renda adicional exorbitante pelo privilégio de construir na superfície do solo a aldeia decente e confortável para
abrigar os trabalhadores da propriedade subterrânea. Esse preço proibitivo, quando não proibição de fato, desanima igualmente
outros que possam querer construir. (...) Não quero mais examinar o valor dessa desculpa e tampouco sobre quem em última ins-tância
recairia a despesa adicional por acomodação decente — se sobre o senhor da terra, o arrendatário da mina, o trabalhador
ou o público. Mas em vista de tais fatos vergonhosos, como os revelados nos relatórios anexos" (os dos drs. Hunter, Stevens etc.),
"um remédio tem de ser aplicado. (...) Direitos de propriedade da terra estão sendo assim usados para praticar uma grande
injustiça pública. O senhor da terra, em sua qualidade de pro-prietário da mina, convida uma colônia industrial para trabalhar
em seu domínio e, então, em sua qualidade de proprietário da superfície da terra, torna impossível aos trabalhadores por ele
reunidos encontrar acomodação adequada, indispensável a sua vida. O arrendatário da mina" (o explorador capitalista) "não


OS ECONOMISTAS


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585 Loc. cit., pp. 515, 517.
285#
tem, entrementes, interesse pecuniário para resistir a essa divisão do negócio, pois ele sabe bem que, se as pretensões do proprietário
são exorbitantes, as conseqüências não recaem sobre ele, que seus trabalhadores, sobre os quais elas recaem, carecem de edu-cação
para conhecer seus direitos sanitários, que nem a mais obscena moradia nem a mais podre água de beber jamais dão
motivo para uma greve." 586
d) Efeitos das crises sobre a parte mais bem remunerada da classe trabalhadora


Antes de passar aos trabalhadores agrícolas propriamente ditos, deve-se ainda mostrar por um exemplo como as crises afetam até mesmo
a parte mais bem remunerada da classe trabalhadora, sua aristocracia. Relembremos: o ano de 1857 trouxe uma das grandes crises com que
sempre se encerra o ciclo industrial. O prazo seguinte venceu em 1866. Já antecipada nos distritos fabris propriamente ditos pela penúria do
algodão, que afugentou muito capital da esfera habitual de investimento para os grandes centros do mercado monetário, a crise assumiu dessa
vez caráter preponderantemente financeiro. Sua irrupção, em maio de 1866, foi assinalada pela bancarrota de um gigantesco banco londrino,
seguida imediatamente pela quebra de inúmeras sociedades financeiras fraudulentas. Um dos grandes ramos de negócios londrinos atingido
pela catástrofe foi a construção de navios de ferro. Os magnatas desse negócio tinham, durante o auge vertiginoso, não só produzido em ex-cesso,
mas, além disso, assumiram enormes contratos de fornecimento, com base na especulação de que a fonte de crédito iria continuar jor-rando
com igual abundância. Surgiu então uma terrível reação, que perdura até agora, final de março de 1867, também em outras indústrias
londrinas. 587 Para caracterizar a situação dos trabalhadores, a seguinte passagem do relatório detalhado de um correspondente do Morning
Star que, no começo de 1867, visitou os principais centros do infortúnio.
"No leste de Londres, nos distritos de Poplar, Millwall, Green-wich, Deptford, Limehouse e Canning Town encontram-se no mí-


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586 Loc. cit., p. 16. 587 "Morte em massa, por inanição, dos pobres de Londres! (wholesale starvation of the London
Poor!) (...) Durante os últimos dias, as paredes de Londres foram cobertas por grandes cartazes, que trazem este anúncio notável: 'Bois gordos, gente faminta! Os
bois gordos
deixaram seus palácios de vidro para cevar os ricos em suas mansões luxuosas, enquanto homens famintos apodrecem e morrem em suas miseráveis tocas'. Os cartazes
com essas
inscrições ominosas são constantemente renovados. Assim que um conjunto é estragado ou recoberto, outro logo reaparece no mesmo ou em outro local público equivalente.
Isso lembra
os omina que preparam o povo francês para os eventos de 1789. (...) Nesse momento, enquanto trabalhadores ingleses, com suas mulheres e filhos, estão morrendo de
fome e
frio, milhões do dinheiro inglês — produto do trabalho inglês — estão sendo aplicados em empréstimos estrangeiros na Rússia, Espanha, Itália e em outros países."
(Reynolds' News-paper,
20 de janeiro de 1867.)
286#
nimo 15 mil trabalhadores com suas famílias em um estado de extrema miséria, entre eles 3 mil mecânicos qualificados. Seus
fundos de reserva estão exauridos após 6 a 8 meses de desem-prego. (...) Tive grandes dificuldades em abrir caminho até o por-tão
da Workhouse (de Poplar) pois estava cercado por uma mul-tidão faminta. (...) Estava à espera de bônus de pão, mas ainda
não era hora da distribuição. O pátio formava um grande qua-drado, com um telhado aberto correndo à volta dele. Densos mon-tes
de neve cobriam o pavimento no meio do pátio. Aqui havia certos pequenos espaços limitados por cercas de vime, como cur-rais
de ovelhas, onde os homens trabalhavam com melhor tempo. No dia de minha visita, os currais estavam tão cheios de neve
que ninguém podia sentar neles. Os homens estavam, no entanto, protegidos pelo telhado aberto, macadamizando pedras de pavi-mentar.
Cada homem tinha por assento uma grande pedra de pavimentar e batia com um martelo sobre o granito coberto de
gelo até ter quebrado 5 bushels. — Então ele tinha cumprido sua tarefa diária e obtinha 3 pence (2 Silbergroschen, 6 Pfennige)
e um bônus de pão. 588 Em outra parte do pátio havia uma ra-quítica e diminuta casa de madeira. Ao abrir a porta, encontra-mo-
la repleta de homens que estavam comprimidos ombro a om-bro para se aquecerem mutuamente. Desfiavam estopa e discu-tiam
quem deles conseguiria trabalhar mais tempo com um mí-nimo de comida 589 — pois resistência era point d'honneur. 590 Nes-sa
única workhouse 7 mil recebiam sustento, dos quais muitas centenas que 6 ou 8 meses antes recebiam os maiores salários
pagos por trabalho qualificado neste país. O número deles seria o dobro se não houvesse tantos que, tendo exaurido todas as suas
economias, ainda assim recuavam ante a idéia de apelar para a paróquia enquanto ainda tinham alguma coisa para empenhar.
(...) Ao sair da Workhouse, dei uma volta pelas ruas, a maioria delas margeada por pequenas casas de um andar, que abundam
em Poplar. Meu guia era um membro do Comitê dos Desempre-gados. (...) A primeira casa em que entramos era de um meta-lúrgico
há 27 semanas sem emprego. Encontrei o homem sentado com toda a família num quarto dos fundos. O quarto não estava
inteiramente desprovido de mobília e havia fogo nele. Isso era necessário para proteger os pés desnudos das crianças do conge-lamento,
pois era um dia amargamente frio. Num prato 591 em


OS ECONOMISTAS


298
588 Em Marx: Brot (pão); em inglês: food (comida). (N. dos T.) 589 Em Marx: ein Minimum von Nahrung (um mínimo de comida); em inglês: on a given
quantity of food (com dada quantidade de comida). (N. dos T.) 590 Ponto de honra. (N. dos T.)
591 Em Marx: num prato; em inglês: numa bandeja. (N. dos T.)
287#
frente ao fogo havia uma quantidade de estopa que a mulher e as crianças estavam desfiando em troca do pão da Workhouse. 592
O homem trabalhava num dos pátios acima descritos por um bônus de pão 593 e 3 pence ao dia. Ele tinha acabado de voltar
para casa, a fim de almoçar, muito faminto como nos contou com um sorriso amargo, e seu almoço consistia em algumas fatias de
pão com banha e uma xícara de chá sem leite. (...) A próxima porta em que batemos foi aberta por uma mulher de meia-idade
que, sem dizer uma só palavra, conduziu-nos a um quartinho dos fundos, onde estava sentada toda a sua família, silenciosa e
olhando fixamente para um fogo que morria rapidamente. Pairava tal desolação, tal desespero, sobre essas pessoas e seu quartinho
que nunca mais quero ver semelhante cena. 'Não ganharam nada, meu senhor', disse a mulher apontando para seus meninos, 'por
26 semanas e todo nosso dinheiro se foi, todo o dinheiro que eu e o pai economizamos quando os tempos eram melhores, na ilusão
de assegurar sustento quando os negócios estivessem mal. Olhe', gritou ela, quase impetuosamente, enquanto buscava uma cader-neta
bancária com todas as suas anotações regulares do dinheiro depositado e retirado, de modo que podíamos ver como a pequena
fortuna tinha começado, com o primeiro depósito de 5 xelins, como tinha crescido pouco a pouco até chegar a 20 libras ester-linas,
e depois derreteu novamente até que o último registro tor-nou o livro tão sem valor quanto uma folha de papel em branco.
Essa família recebia apenas uma magra refeição diária da Work-house. (...) Nossa visita seguinte foi à esposa de um irlandês 594
que tinha trabalhado nos estaleiros navais. Encontramo-la doente por falta de comida, deitada com suas roupas sobre um colchão
e mal coberta por um pedaço de tapete, pois toda a roupa de cama tinha sido penhorada. As crianças maltrapilhas cuidavam
dela, tendo a aparência de estarem elas, ao contrário, precisando do cuidado materno. Dezenove semanas de ociosidade forçada
haviam-na reduzido a esse estado e, enquanto ela contava a his-tória desse amargo passado, gemia como se toda a sua esperança
num futuro melhor estivesse perdida. (...) Ao sair dessa casa, um jovem veio correndo atrás de nós e pediu-nos que entrássemos
em sua casa para ver se qualquer coisa podia ser feita por ele. Uma jovem esposa, 2 belas crianças, um punhado de notas de
penhor e um quarto desnudo era tudo o que tinha para mostrar."


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592 Em Marx: Workhouse; em inglês: the parish. (N. dos T.) 593 Em Marx: für ein Brotbillett (por um bônus de pão); no texto inglês original: for a certain
ration of food (por certa ração de comida). (N. dos T.) 594 Em Marx: zur Frau eines Irländes (à mulher de um irlandês); em inglês: an iron labourer's
wife (à esposa de um metalúrgico). (N. dos T.)
288#
Sobre as conseqüências da crise de 1866, o seguinte extrato de um jornal tory. Não se deve esquecer que a parte leste de Londres,
da qual aqui se trata, não é apenas sede da construção de navios de ferro, aventada no texto, mas também do assim chamado "trabalho
domiciliar", invariavelmente remunerado abaixo do mínimo.
"Um espetáculo terrível se desenrolou ontem numa parte da metrópole. Embora os milhares de desempregados da parte leste


da cidade não tivessem, com suas bandeiras negras, marchado em massa, a torrente humana era assaz imponente. Rememore-mos
o que sofre essa população. Ela morre de fome. Esse é o fato simples e terrível. Há 40 mil deles. (...) Em nossa presença,
num bairro dessa maravilhosa metrópole bem ao lado da mais imensa acumulação de riqueza que o mundo já viu — bem junto
a ela estão 40 mil pessoas sem auxílio, morrendo de fome! Esses milhares irrompem agora em outros bairros; meio mortos de fome
em todas as épocas eles gritam sua miséria em nossos ouvidos, clamam aos céus, falam-nos de suas habitações atingidas pela
miséria, dizem que lhes é impossível achar trabalho e que é inútil pedir esmolas. Os contribuintes locais do imposto para os pobres
estão sendo, eles mesmos, arrastados pelos encargos paroquiais para a beira do pauperismo." (Standard, 5 de abril de 1867.)


Já que agora é moda entre os capitalistas ingleses descrever a Bélgica como o paraíso do trabalhador porque lá "a liberdade do tra-balhador",
ou o que é o mesmo, "a liberdade do capital", não seria violada pelo despotismo das Trades' Unions nem por leis fabris, aqui
vão algumas palavras sobre a "felicidade" do trabalhador belga. Segu-ramente, ninguém estava mais profundamente familiarizado com os
mistérios dessa felicidade do que o falecido sr. Ducpétiaux, inspetor geral das prisões e instituições de beneficência belgas e membro da
comissão central de estatística belga. Tomemos sua obra: Budgets Éco-nomiques des Classes Ouvrières en Belgique. Bruxelas, 1855. Aí, entre
outras coisas, encontramos uma família trabalhadora normal belga, cujas receitas e despesas anuais estão calculadas segundo dados muito
precisos e cujas condições alimentares são então comparadas com as dos soldados, dos marinheiros e dos presidiários. A família "é consti-tuída
por pai, mãe e 4 filhos". Dessas 6 pessoas, "4 podem ser ocupadas de modo útil durante o ano inteiro"; pressupõe-se "que entre elas não
haja doentes nem incapacitados para o trabalho", nem "despesas para finalidades religiosas, morais e intelectuais, salvo uma muito pequena
para assentos na igreja", nem "depósitos em cadernetas de poupança ou pecúlios de aposentadoria", nem "dispêndios com luxo ou outras
despesas supérfluas". Mesmo assim, o pai e o primogênito devem poder fumar tabaco e ir ao botequim aos domingos, para o que lhes são
destinados semanalmente ao todo 86 cêntimos.


OS ECONOMISTAS


300
289#
"Do levantamento geral dos salários pagos aos trabalhadores dos diversos ramos de negócios infere-se (...) que a média mais alta de
salário por dia é: 1 franco e 56 cêntimos para os homens, 89 cêntimos para as mulheres, 56 cêntimos para os rapazes e 55 cêntimos para
as mocinhas. Calculados nessa base, os rendimentos da família atin-giriam no máximo 1 068 francos anuais. (...) No orçamento doméstico
considerado típico incluímos todas as receitas possíveis. Mas, se atribuímos à mãe um salário, excluímos o cuidado da casa de seu
comando; quem cuida da casa, quem cuida das crianças pequenas? Quem deve cozinhar, lavar, remendar? Esse dilema se apresenta a
cada dia para os trabalhadores."
De acordo com isso, o orçamento da família é o seguinte:


o pai 300 dias de trabalho a 1,56 franco ... 468,00 francos a mãe 0, 89 " ... 267, 00 "
o rapaz 0,56 " ... 168,00 " a moça 0, 55 " ... 165, 00 "


Total 1 068, 00 "
A despesa anual da família e seu déficit seriam, caso o trabalhador tivesse a alimentação do:


marinheiro. . . . . 1828 francos — déficit de 760 francos
soldado. . . . . . . . 1473 " — " " 405 " presidiário. . . . .. 1172 " — " " 44 "


"Vê-se que poucas famílias de trabalhadores podem obter a alimentação, já não dizemos do marinheiro ou do soldado, mesmo
do presidiário. Em média, cada preso custou, de 1847 a 1849, na Bélgica, diariamente 63 cêntimos, o que dá, em relação aos
custos de manutenção diária do trabalhador, uma diferença de 13 cêntimos. Os custos de administração e vigilância se compen-sam,
pois o presidiário não paga aluguel. (...) Mas como ocorre que grande número, poderíamos dizer a grande maioria dos tra-balhadores,
viva em condições ainda mais econômicas? Só ao re-correr a expedientes dos quais apenas o trabalhador tem o se-gredo;
ao reduzir sua ração diária; ao comer pão de centeio em vez de pão de trigo; ao comer pouca carne ou até mesmo nenhuma,
o mesmo ocorrendo com a manteiga e os condimentos; ao amon-toar a família em 1 ou 2 cubículos, onde rapazes e moças dormem
juntos, freqüentemente sobre o mesmo colchão de palha; ao pou-par no vestuário, na roupa-branca, nos meios de limpeza; ao re-nunciar
aos divertimentos dominicais, em suma ao se dispor às


MARX


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290#
mais penosas privações. Uma vez chegado a essa fronteira última, o menor aumento nos preços dos meios de subsistência, um de-semprego,
uma doença multiplica a miséria do trabalhador e o arruína completamente. As dívidas se acumulam, o crédito é re-cusado,
as roupas, os móveis mais necessários vão para a casa de penhores e, finalmente, a família pede sua inscrição na lista
dos indigentes". 595
Efetivamente, nesse "paraíso dos capitalistas", a mínima mudan-ça no preço dos meios de subsistência mais necessários é seguida por


uma mudança no número de óbitos e crimes! (Ver Manifesto dos Maats-chappij: De Vlamingen Vooruit! Bruxelas, 1860, p. 12.) Toda a Bélgica
conta com 930 mil famílias, das quais, segundo a estatística oficial: 90 mil ricas (eleitoras) = 450 mil pessoas; 390 mil famílias de classe
média baixa em cidades e aldeias, grande parte delas continuamente caindo no proletariado = 1,950 milhão de pessoas. Finalmente, 450
mil famílias de trabalhadores = 2,250 milhões de pessoas, das quais as famílias-modelo desfrutam da felicidade descrita por Ducpétiaux.
Das 450 mil famílias de trabalhadores, mais de 200 mil estão na lista dos indigentes!


e) O proletariado agrícola britânico
O caráter antagônico da produção e da acumulação capitalista em nenhuma parte mostra-se mais brutal do que no progresso da agri-cultura
inglesa (inclusive pecuária) e no retrocesso do trabalhador rural inglês. Antes de passar para sua situação atual, um rápido retrospecto.
A agricultura moderna data, na Inglaterra, de meados do século XVIII, embora o revolucionamento das relações de propriedade fundiária, que
constitui o ponto de partida do modo de produção transformado, seja de época muito anterior.
Se tomarmos os dados de Arthur Young, um observador rigoroso, embora pensador superficial, sobre o trabalhador agrícola de 1771,
veremos que este desempenha papel muito miserável se comparado com seu antecessor do final do século XIV, "quando ele podia viver em
abundância e acumular riqueza", 596 para não falar do século XV, "a idade de ouro do trabalhador inglês na cidade e no campo". Não
precisamos, porém, recuar tanto. Em seu texto muito substancioso de 1777, pode-se ler:


OS ECONOMISTAS


302
595 DUCPÉTIAUX. Loc. Cit., pp. 151, 154, 155, 156. 596 ROGERS, James E. Th. (Catedrático de Economia Política na Universidade de Oxford) A
History of Agriculture and Prices in England, Oxford, 1866, v. I, p. 690. Essa obra, cui-dadosamente elaborada, abarca, nos dois primeiros volumes até agora publicados,
somente
o período de 1259 a 1400. O segundo volume contém apenas material estatístico. É a primeira autêntica History of Prices que possuímos para aquela época.
291#
"O grande arrendatário 597 se elevou quase ao nível do gentle-man, enquanto o pobre trabalhador rural 598 foi rebaixado quase
ao chão. Sua situação infeliz se revela claramente mediante um exame comparativo entre suas condições de hoje e as de somente
40 anos atrás. (...) Proprietário fundiário e arrendatário (...) atuam conjuntamente para oprimir o trabalhador". 599


É, então, provado em detalhes que o salário real no campo caiu, de 1737 a 1777, cerca de 1/ 4 ou 25%.
"A política moderna", diz ao mesmo tempo o Dr. Richard Price, "favorece as classes mais altas da população; a conseqüência há
de ser que mais cedo ou mais tarde o reino todo só se comporá de cavalheiros e mendigos ou de senhores e escravos." 600


Ainda assim, a situação do trabalhador agrícola inglês de 1770 a 1780, tanto no que tange a suas condições de alimentação e moradia
quanto ao auto-respeito, diversões etc., constitui um ideal nunca mais alcançado posteriormente. Expresso em pintas 601 de trigo, seu salário
médio atingia, de 1770 a 1771, até 90 pintas; ao tempo de Eden (1797), apenas 65; mas em 1808, 60. 602
A situação do trabalhador rural ao término da Guerra Antijaco-bina, durante a qual aristocratas fundiários, arrendatários, fabricantes,
comerciantes, banqueiros, especuladores da Bolsa, fornecedores do exér-cito etc. tanto enriqueceram, já foi indicada anteriormente. O salário
nominal subiu, devido em parte à depreciação das notas de banco, em parte ao aumento no preço dos meios de subsistência de primeira ne-cessidade,
independente dessa depreciação. Mas a real variação de sa-lário pode ser constatada de maneira muito simples, sem recorrer a
detalhes aqui não pertinentes. A Lei dos Pobres e sua administração era a mesma em 1795 e 1814. Recorde-se como essa lei foi aplicada
no campo: sob a forma de esmolas, a paróquia complementava o salário nominal até a soma nominal necessária à mera vida vegetativa do
trabalhador. A proporção entre o salário pago pelo arrendatário e o déficit salarial coberto pela paróquia mostra-nos duas coisas: primeiro,


MARX


303
597 Em Marx: Pächter (arrendatários); em inglês: farmer (agricultor). (N. dos T.) 598 "Rural" — acréscimo de Marx. (N. dos T.)
599 Reasons for the Late Increase of the Poor-Rates: or, a Comparative View of the Price of Labour and Provisions. Londres, 1777. pp. 5, 11.
600 PRICE, Dr. Richard, Observations on Reversionary Payments, 6ª ed. Por W. Morgan, Londres, 1803, v. II, pp. 158-159. Price observa à p. 159: "O preço nominal
da jornada de trabalho
não é, atualmente, mais do que 4 vezes ou, no máximo, 5 vezes mais elevado do que era no ano de 1514. Mas o preço do cereal é umas 7 vezes mais elevado, o da carne
e do
vestuário umas 15 vezes. O preço do trabalho ficou, por isso, tão para trás do aumento do custo de vida que agora, em relação a esse custo, parece que não chega
a importar sequer
a metade daquilo que importava anteriormente. 601 Uma pinta = 0,568 litro. (N. dos T.)
602 BARTON. Loc. cit., p. 26. Para o final do século XVIII, conf. Eden, loc. cit.
292#
a queda do salário abaixo de seu mínimo; segundo, o grau em que o trabalhador rural era um composto de assalariado e indigente, ou o
grau em que se o transformou em servo de sua paróquia. Escolhemos um condado que representa a situação média de todos os outros con-dados.
Em 1795, o salário semanal médio em Northamptonshire atingia 7 xelins e 6 pence, o gasto global por ano de uma família de 6 pessoas
era de 36 libras esterlinas, 12 xelins e 5 pence; sua receita total era de 29 libras esterlinas e 18 xelins, o déficit coberto pela paróquia era
de 6 libras esterlinas, 14 xelins e 5 pence. No mesmo condado, em 1814, o salário semanal era de 12 xelins e 2 pence, o gasto total de
uma família de 5 pessoas era de 54 libras esterlinas, 18 xelins e 4 pence; sua receita total era de 36 libras esterlinas e 2 xelins, o déficit
coberto pela paróquia era de 18 libras esterlinas, 6 xelins e 4 pence. 603 Em 1795, o déficit era menor que 1/ 4 do salário; em 1814, era mais
da metade. É evidente que, nessas circunstâncias, os pequenos confortos que Eden ainda encontrava no cottage do trabalhador rural haviam
desaparecido em 1814. 604 De todos os animais mantidos pelo arrenda-tário, o trabalhador, o instrumentum vocale, 605 tornou-se desde então
o mais extenuado, o mais mal alimentado e o mais brutalmente tratado. O mesmo estado de coisas perdurou tranqüilamente até que


"as rebeliões de Swing 606 em 1830 revelaram-nos" (isto é, às classes dominantes), "à luz dos montes de palha incendiados, que
miséria e descontentamento sombrio e sedicioso ardiam tão sel-vagemente sob a superfície da Inglaterra agrícola quanto da in-dustrial".
607


Naquela ocasião, Sadler batizou, na Câmara dos Comuns, os tra-balhadores agrícolas de "escravos brancos" (white slaves) e um bispo
repetiu esse epíteto na Câmara dos Lordes. O mais importante econo-mista político daquele período, E. G. Wakefield, afirma:


"O trabalhador agrícola do sul da Inglaterra (...) não é um escravo, não é um homem livre: ele é um indigente". 608
O período imediatamente anterior à revogação das leis do trigo
lançou nova luz sobre a situação do trabalhador rural. Por um lado,
era do interesse dos agitadores burgueses provar quão pouco essas leis


OS ECONOMISTAS


304
603 PARRY. Loc. cit., p. 80. 604 Id., p. 213.
605 Instrumento vocal, instrumento com voz. 606 Movimento de trabalhadores agrícolas ingleses nos anos de 1830/ 33 contra a utilização de
máquinas debulhadoras e pelo pagamento de salários mais elevados: procuravam atingir seus objetivos por meio de cartas ameaçadoras que enviavam a fazendeiros e proprietários
de terras em nome de um fictício Captain Swing, bem como pondo fogo em montes de cereais e destruindo máquinas debulhadoras.
607 LAING, S. Loc. cit., p. 62. 608 England and America. Londres, 1833, v. I, p. 47.
293#
de proteção protegiam o verdadeiro produtor de trigo. Por outro lado,
a burguesia industrial espumava de raiva contra a denúncia das con-dições
fabris por parte dos aristocratas fundiários, em relação à afetada simpatia desses ociosos degenerados, desalmados e finos, pelos sofri-mentos


do trabalhador fabril e, com seu "zelo diplomático", pela legis-lação
fabril. Um velho ditado inglês diz que quando dois bandidos se
caem no pêlo, algo de bom sempre acontece. E, de fato, a barulhenta
e apaixonada briga entre as duas facções da classe dominante para
saber qual das duas explorava mais desavergonhadamente o traba-lhador tornou-se, à direita e à esquerda, parteira da verdade. O


Conde de Shaftesbury, aliás Lorde Ashley, era o paladino da filan-trópica
campanha aristocrática antifabril. Ele foi, por isso, de 1844
a 1845, tema predileto nas revelações do Morning Chronicle sobre
as condições dos trabalhadores agrícolas. Esse jornal, então o mais
significativo órgão liberal, enviou aos distritos rurais comissários
próprios, que não se satisfaziam com descrições gerais e estatísticas, mas publicavam os nomes tanto das famílias de trabalhadores exa-minadas


quanto de seus proprietários fundiários. A tabela seguinte
dá os salários pagos em três aldeias, na vizinhança de Blandford,
Wimbourne e Poole. As aldeias são propriedades do Sr. G. Bankes
e do Conde de Shaftesbury. Notar-se-á que esse papa da low
church, 609 esse cabeça dos pietistas ingleses, do mesmo modo que o referido Bankes, embolsa novamente, a título de aluguel de casas,


parte significativa dos salários de cão dos trabalhadores.
A revogação das leis do trigo deu enorme impulso à agricultura
inglesa. Drenagem em larga escala, 610 novo sistema de alimentação
em currais e de cultivo de forragens artificiais, introdução de apare-lhagem
mecânica de adubação, novo tratamento da terra argilosa, uso mais elevado de adubos minerais, utilização da máquina a vapor e


toda espécie de nova maquinaria de trabalho etc., e, sobretudo, a cultura
mais intensiva do solo caracterizam essa época. O presidente da Sociedade
Real de Agricultura, sr. Pusey, afirma que os custos (relativos) da produção
foram reduzidos, pela maquinaria recém-introduzida, quase à metade.
Por outro lado, o rendimento positivo do solo subiu rapidamente. Maior
aplicação de capital por acre, portanto também concentração acelerada


MARX


305
609 "Igreja baixa — uma corrente da Igreja Anglicana, difundida principalmente entre a bur-guesia e o clero mais baixo; enfatizava a propagação da moral burguesa
cristã e as atividades
filantrópicas, sempre tendo um caráter pio-hipócrita. O Conde de Shaftesbury (Lorde Ashley) tinha, graças a essa atividade, influência significativa nos círculos
da law-church e é por
isso que Marx, ironicamente, chama-o de "papa" dessa Igreja. 610 Para isso, a aristocracia fundiária adiantou fundos para si mesma, naturalmente por meio
do Parlamento, do Tesouro do Estado, a juros muito baixos, que os arrendatários tinham de lhe pagar em dobro.
294#
OS ECONOMISTAS
306
295#
dos arrendamentos, era condição básica do novo método. 611 Ao mesmo tempo, a área cultivada expandiu-se de 1846 a 1856 em 464 119 acres,
sem falar das grandes extensões dos condados orientais que foram trans-formadas por encanto de viveiros de coelhos e pobres pastagens de gado
em férteis campos de cereais. Já se sabe que diminuiu, ao mesmo tempo, o número global de pessoas ocupadas na agricultura. No que tange aos
lavradores propriamente ditos, de ambos os sexos e de todas as idades, seu número caiu de 1 241 269 em 1851 para 1 163 217 em 1861. 612 Se
o General Registrator observa, por isso, com razão: "O aumento de arren-datários e trabalhadores agrícolas desde 1801 não guarda nenhuma pro-porção
com o aumento do produto agrícola", 613 essa desproporção vale ainda muito mais para o último período, em que a redução positiva da
população trabalhadora rural acompanha a expansão da área cultivada, cultivo mais intensivo, uma acumulação jamais vista do capital incorporado
ao solo destinado a cultivá-lo, elevação, sem paralelo na história da agro-nomia inglesa, do produto do solo, rendas abundantes dos proprietários
fundiários e riqueza crescente dos arrendatários capitalistas. Consideran-do isso em conjunto com a ininterrupta e rápida expansão do mercado
citadino e com o domínio do livre-câmbio, então o trabalhador rural estava post tot discrimina rerum 614 finalmente em condições que se-cundum
artem 615 deveriam torná-lo louco de felicidade. O prof. Rogers chegou, no entanto, à conclusão de que o traba-lhador
rural inglês de nossos dias, sem falar de seu antepassado da segunda metade do século XIV e do século XV, mas apenas compa-rando-
o com seus predecessores do período de 1770 a 1780, teve sua situação extremamente piorada, de que "ele novamente se tornou um
servo", e um servo mal nutrido e mal acomodado. 616 O dr. Julian Hunter, em seu memorável relatório sobre as condições habitacionais dos tra-balhadores
rurais, afirma:
"Os custos de manutenção do hind" (nome dado ao trabalhador agrícola ao tempo da servidão) "são fixados no mais baixo mon-


MARX


307
611 O decréscimo de arrendatários médios evidencia-se pelas rubricas do censo: "filho, neto, irmãos, sobrinho, filha, neta, irmã, sobrinha do arrendatário", em suma,
os membros
de sua própria família ocupados pelo arrendatário. Essas rubricas contavam, em 1851, 216 851 pessoas; em 1861, apenas 176 151. De 1851 a 1871, na Inglaterra, os
arrendamentos
com menos de 20 acres diminuíram em mais de 900; os entre 50 e 75 acres caíram de 8 253 para 6 370, algo semelhante ocorrendo em todos os outros arrendamentos com
menos
de 100 acres. Entretanto, no mesmo período de 20 anos, o número de arrendamentos grandes aumentou: os de 300 a 500 acres subiram de 7 771 para 8 410; os com mais
de 500 acres,
de 2 755 para 3 914; os com mais de 1 000 acres, de 492 para 582. 612 O número de pastores de ovelhas cresceu de 12 517 para 25 559.
613 Census etc. Loc. cit., p. 36. 614 Após tantas peripécias. (N. dos T.)
615 Segundo a arte, segundo as regras da arte. (N. dos T.) 616 ROGERS. Loc. cit., p. 693. "The peasant has again become a serf." Loc. cit., p. 10. O sr.
Rogers pertence à escola liberal, é amigo pessoal de Cobden e Bright, portanto nenhum laudator temporis acti.
296#
tante possível com que ele possa viver. (...) Seu salário e seu teto não são calculados sobre o lucro a ser extraído dele. Ele é um
zero nos cálculos dos arrendatários. 617 (...) Seus meios de subsistência são sempre tratados como uma quantidade fixa. 618 No que concerne
a qualquer redução adicional de seu rendimento, ele pode dizer: nihil habeo, nihil curo. 619 Ele não tem temores quanto ao futuro, porque
não dispõe de nada, a não ser o absolutamente indispensável a sua existência. Ele atingiu o ponto de congelamento do qual partem os
cálculos do arrendatário. Venha o que vier, não lhe tocará nenhu-ma participação na sorte ou adversidade". 620


Em 1863, foi feito um inquérito oficial sobre as condições de alimentação e de ocupação dos criminosos condenados à deportação e
ao trabalho forçado público. Os resultados estão consignados em dois grossos Livros Azuis.


"Uma cuidadosa comparação entre a dieta de criminosos em prisões da Inglaterra e a dos indigentes em Workhouses e tra-balhadores
rurais livres do mesmo país (...) revela indubitavel-mente que os primeiros estão mais bem alimentados do que qual-quer
uma das duas outras classes", 621 enquanto o montante de trabalho exigido de um condenado comum a trabalho forçado pú-blico
é cerca da metade do executado por um trabalhador agrí-cola 622 comum. 623


Alguns poucos testemunhos característicos: John Smith, diretor da prisão de Edimburgo, que depõe:
"Nº 5056: 'A dieta nas prisões inglesas é muito melhor do que a dos trabalhadores ingleses comuns'. Nº 5057: 'É um fato que
os trabalhadores agrícolas comuns da Escócia raramente recebem alguma carne'. Nº 3047: 'O Senhor conhece qualquer razão para
a necessidade de alimentar aos criminosos muito melhor (much better) do que aos trabalhadores rurais comuns? — Certamente
não'. Nº 3048: 'O Senhor considera adequado que se façam outros


OS ECONOMISTAS


308
617 Public Health. Seventh Report. Londres, 1865, p. 242. "The cost of the hind is fixed at the lowest possible amount on which he can live (...) the supplies of
wages or shelter are not
calculated on the profitto be derived from him. He is a zero in farming calculations." Não é, portanto, nada incomum que o locador aumente o aluguel a ser pago por
um trabalhador
assim que sabe que ele ganha alguma coisa a mais ou que o arrendatário rebaixe o salário do trabalhador "porque a mulher dele arranjou uma ocupação". Loc. cit.
618 Loc. cit., p. 135. 619 Nada tenho, nada me preocupa. (N. dos T.)
620 Loc. cit., p. 134. 621 Reports of the Commissioners... Relating to Transportation and Penal Servitude. Londres,
1863, p. 42, nº 50. 622 Em Marx: Landarbeiter (trabalhador agrícola); no texto inglês original: day-labourer (dia-rista).
(N. dos T.) 623 Loc. cit., Memorandum by the Lord Chief Justice.
297#
experimentos para aproximar a dieta de prisioneiros condenados a trabalho forçado público da dieta de trabalhadores agrícolas
livres? ' 624 "O trabalhador rural", afirma-se "poderia dizer: Eu tra-balho duro e não tenho o suficiente para comer. Quando estive na
prisão não trabalhei tão duramente e tinha comida em abundância; por isso, para mim é melhor estar na prisão do que em liberdade". 625


A partir das tabelas anexadas ao primeiro volume do relatório, foi organizado um quadro comparativo. (Ver esta página e a seguinte.)
O resultado geral da comissão de investigação médica de 1863 quanto às condições de nutrição das classes mais mal alimentadas do
povo já é do conhecimento do leitor. Ele se recorda de que a dieta de grande parte das famílias de trabalhadores agrícolas está abaixo do
mínimo necessário "para evitar as doenças decorrentes da fome". Tal é o caso em todos os distritos puramente agrícolas de Cornwall, Devon
Somerset, Wilts, Stafford, Oxford, Berks e Herts.


"A alimentação que o trabalhador recebe", diz o Dr. Smith, "é maior do que o indica o quantum médio, já que lhe cabe uma parte
maior, indispensável para seu trabalho, (...) de alimento do que aos demais membros da família, nos distritos mais pobres quase toda a
carne e bacon. (...) A quantidade de comida que cabe à mulher e também às crianças no período de crescimento rápido é, em muitos casos e em
quase todos os condados, deficiente, principalmente em nitrogênio." 626
Os criados e criadas que moram com os arrendatários são bem alimentados. O número deles caiu de 288 277 em 1851 para 204 962
em 1861.
"O trabalho de mulheres nos campos", diz o Dr. Smith, "qual-quer que sejam as desvantagens que sempre o acompanham (...)


é, sob as atuais circunstâncias, de grande vantagem para a fa-


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309
624 Loc. cit., v. II, Evidence. 625 Loc. cit., v. I, apêndice, p. 280.
626 Public Health, Sixth Report, 1863, pp. 238, 249, 262.
298#
mília, já que proporciona à mesma meios para providenciar calçados, roupas e pagar o aluguel, e lhe permite assim ali-mentar-
se melhor." 627
Um dos mais notáveis resultados dessa investigação foi que o trabalhador agrícola da Inglaterra é de longe mais mal alimentado do


que nas outras partes do Reino Unido (is considerably the worst fed), como mostra a tabela:


Consumo Semanal de Carbono e Nitrogênio do Trabalhador Rural Médio


"Cada página 628 do relatório do Dr. Hunter", diz o Dr. Simon em seu relatório oficial de saúde, "dá testemunho da quantidade
insuficiente e da qualidade miserável das condições de moradia de nosso trabalhador agrícola. E há muitos anos, gradualmente,
sua situação tem-se deteriorado nesse aspecto. Agora é muito mais difícil para ele encontrar acomodações e, quando as encontra,
correspondem muito menos a suas necessidades do que, talvez, tenha sido o caso há séculos. Especialmente nos últimos 20 ou
30 anos, o mal está em rápido crescimento e as condições de habitação do morador do campo 629 são, agora, deploráveis no mais
alto grau. A não ser que aqueles, que seu trabalho enriquece, considerem valer a pena tratá-lo com uma espécie de piedosa
indulgência, ele se encontra completamente desamparado nessa questão. Se ele encontra moradia na terra que cultiva, se ela é
apropriada para seres humanos ou para porcos, se tem ou não um pequeno jardim, que tanto diminui a pressão da pobreza,
tudo isso não depende de sua própria vontade ou capacidade de pagar um aluguel razoável, mas do uso que outros queiram fazer
de seu direito de fazer o que quiser com sua propriedade. Por maior que seja um arrendamento, não há nenhuma lei de que
deve conter determinado número de moradias para trabalhadores e ainda mais, que sejam decentes; tampouco a lei reserva ao
trabalhador o mínimo direito sobre o solo, para o qual seu trabalho é tão necessário quanto o sol e a chuva. (...) Uma circunstância


OS ECONOMISTAS


310
627 Loc. cit., p. 262. 628 Em Marx: jede Seite (cada página); em inglês: almost every page (quase cada página).
(N. dos T.) 629 Em Marx: Landmann (morador do campo); em inglês: labourer (trabalhador). (N. dos T.)
299#
notória 630 lança ainda um grande peso na balança contra ele (...), a influência da Lei dos Pobres, com seus dispositivos quanto ao
domicílio e a encargos tributários. 631 Sob sua influência, cada paróquia tem um interesse pecuniário em restringir a um mínimo
o número de seus trabalhadores agrícolas residentes; pois, infe-lizmente, o trabalho agrícola, ao invés de garantir uma indepen-dência
segura e permanente ao trabalhador laborioso e a sua família, conduz apenas por um percurso mais ou menos longo ao
pauperismo, um pauperismo que, durante toda a caminhada, está tão próximo que qualquer doença ou falta temporária de ocupação
obriga a recorrer imediatamente à ajuda paroquial; e daí que todo assentamento de uma população agrícola numa paróquia é,
evidentemente, um acréscimo em seus impostos para os pobres. (...) Grandes proprietários fundiários 632 apenas precisam decidir
que, em suas propriedades, não devem existir moradias para tra-balhadores, e logo eles se livram de metade de sua responsabi-lidade
em relação aos pobres. Em que medida a Constituição inglesa e a lei objetivam tal espécie de propriedade fundiária
incondicional, que um capacita um landlord, 'que faz o que quer com o que é seu', a tratar os agricultores como forasteiros e a
expulsá-los de seu território, é uma questão que não me cabe discutir. (...) Esse poder de evicção não é mera teoria. 633 Ele é
exercido na mais larga escala na prática. Ele é uma das circuns-tâncias que dominam as condições habitacionais do trabalhador
agrícola. (...) A extensão do mal pode ser julgada pelo último censo, segundo o qual a demolição de casas, apesar da maior
demanda local, progrediu nos últimos 10 anos, em 821 diferentes distritos 634 da Inglaterra, de modo que, abstraindo as pessoas
que foram forçadas a se tornarem não-residentes (isto é, não-re-sidentes nas paróquias em que trabalham), em 1861, comparado
com 1851, uma população 5 1/ 3% maior foi comprimida num es-paço 4 1/ 2% menor. (...) Assim que o processo de despovoamento
tiver alcançado sua meta, o resultado", diz o Dr. Hunter, "será uma aldeia-mostruário onde os cottages tenham sido reduzidos


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311
630 Em Marx: ein notorischer Umstand (uma circunstância notória); em inglês: an extraneous element (um elemento estranho). (N. dos T.)
631 Em 1865, essa lei foi algo melhorada. Logo há de se aprender por experiência que semelhante remendo de nada adianta.
632 Para entender isso, o seguinte: close villages (aldeias fechadas) são denominadas aquelas cujos proprietários fundiários são 1 ou 2 landlords; open villages
(aldeias abertas), aquelas
cujo solo pertence a muitos proprietários menores. É nestas que os especuladores imobiliários podem erguer cottages e casas de alojamentos.
633 Em inglês: for that (power) of eviction (...) does not exist only in theory (pois este [poder] de evicção não existe apenas na teoria). (N. dos T.)
634 Em Marx: Distrikten (distritos); em inglês: separate parishes or townships (paróquias ou municípios separados). (N. dos T.)
300#
a uns poucos e onde ninguém, exceto pastores de ovelhas, jardi-neiros ou guarda-caças, bem como servidores regulares que re-cebem
de seus nobres patrões o bom tratamento costumeiramente dado à sua classe, terá permissão de viver. 635 Mas a terra exige
cultivo e há de se verificar que os trabalhadores nela ocupados não são inquilinos do proprietário fundiário, mas que eles vêm
de uma aldeia aberta, talvez 3 milhas distante, onde foram alo-jados por numerosos pequenos proprietários de casas depois da
destruição de seus cottages nas aldeias fechadas. Onde as coi-sas tendem a esse resultado, freqüentemente os cottages teste-munham,
por sua aparência miserável, o destino a que estão condenados. Podem ser encontrados nos vários estágios de deca-dência
natural. Enquanto o abrigo se mantém de pé, o trabalhador tem permissão de pagar aluguel, e ele está muito contente em
poder fazê-lo, mesmo tendo de pagar o preço de uma boa moradia. Mas nenhum conserto, nenhuma melhoria, exceto os que possam
ser providenciados pelo inquilino sem tostão. E quando, por fim, ele se torna totalmente inabitável, será um cottage destruído a
mais e um tanto de imposto para os pobres a menos. Enquanto os grandes proprietários se livram assim do imposto para os po-bres
por meio do despovoamento das terras por eles controladas, a cidadezinha rural ou localidade aberta mais próxima abriga os
trabalhadores expulsos; digo a mais próxima, mas esse 'mais pró-xima' pode estar a 3 ou 4 milhas do arrendamento onde o tra-balhador
tem de se esfalfar diariamente. Desse modo, à sua faina diária é adicionada, como se não fosse nada, a necessidade de
uma caminhada diária de 6 a 8 milhas para poder ganhar seu pão de cada dia. Todo o trabalho agrícola executado por sua mu-lher
e seus filhos é efetuado sob as mesmas circunstâncias agra-vantes. E esse não é todo o mal que a distância lhe ocasiona.
Na localidade aberta, especuladores imobiliários compram peda-ços de chão, que semeiam tão densamente quanto possível com
as mais baratas espeluncas que se possam conceber. É nessas habitações miseráveis que até mesmo quando desembocam em
terreno aberto compartilham das mais horríveis características das piores moradias urbanas, amontoam-se os trabalhadores agrí-colas
da Inglaterra. 636 Por outro lado, não se deve imaginar que,


OS ECONOMISTAS


312
635 Tal aldeia-mostruário parece muito bonita, mas é tão irreal quanto as aldeias que Catarina II viu em sua viagem à Criméia. Nos últimos tempos, até mesmo o pastor
de ovelhas tem
sido freqüentemente banido dessas aldeias-mostruário. Por exemplo, em Market Harborough há uma fazenda de ovelhas com cerca de 500 acres, que só exige o trabalho
de um homem.
Para evitar as longas caminhadas sobre essas vastas superfícies, as belas pastagens de Leicester e Northampton, o pastor costumava receber um cottage na própria
fazenda. Agora se dá a ele
um 13º xelim para alojamento, que ele tem de procurar bem longe, na aldeia aberta. 636 "As casas dos trabalhadores" (nas localidades abertas, que, naturalmente,
sempre estão
superlotadas), "são construídas comumente em fileiras, com suas partes traseiras no limite
301#
mesmo quando o trabalhador esteja morando nas terras que cul-tiva, ele encontra uma moradia que sua vida de produtiva in-dustriosidade
merece. Mesmo nas propriedades rurais mais prin-cipescas (...) seu cottage é muitas vezes da mais lamentável es-pécie.
Há landlords que consideram um estábulo como sendo su-ficientemente bom para seus trabalhadores e respectivas famílias
e que, mesmo assim, não desdenham tentar arrancar de seu alu-guel a maior quantia sonante possível. 637 Pode ser uma cabana
em decadência, com um dormitório, sem fogão, sem privada, sem janelas que abram, sem água corrente exceto a da vala, sem
jardim, o trabalhador está desamparado contra essa injustiça. E nossas leis de polícia sanitária (The Nuissances Removal Acts)
(...) são (...) letra morta. Sua aplicação é confiada justamente aos proprietários que alugam tais buracos. É preciso não se deixar
ofuscar por cenas excepcionalmente mais resplandecentes, dei-xando de ver a esmagadora preponderância de fatos que são uma
mancha vergonhosa para a civilização da Inglaterra. Lamentável, de fato, deve ser a situação se, apesar da evidente monstruosidade
das acomodações presentes, observadores competentes concluem unanimemente que a indignidade geral das moradias é um mal
infinitamente menos urgente do que sua mera insuficiência nu-


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313
externo do pedaço de chão que o especulador imobiliário considera como sendo seu. E por isso, não tem acesso a luminosidade e ventilação, exceto na parte da frente."
(" dr. Hunters
Report". Loc. cit., p. 135.) "Muitas vezes o taberneiro ou merceeiro da aldeia é ao mesmo tempo locador de casas. Nesse caso, o trabalhador agrícola encontra nele
um segundo patrão,
ao lado do arrendatário. Ele tem de ser simultaneamente seu freguês. Com 10 xelins por semana, menos um aluguel anual de 4 libras esterlinas (...) ele é obrigado
a comprar, pelos
preços impostos pelo vendeiro, seu modicum de chá, açúcar, farinha, sabão, velas e cerveja." (Loc. cit., p. 132.) Essas aldeias abertas formam, de fato, as colônias
penais do proletariado
agrícola inglês. Muitos dos cottages são simples hospedarias, pelas quais passa todo o re-botalho da vizinhança. O morador rural e sua família, que, com freqüência,
têm preservado
de modo admirável, nas condições mais abjetas, solidez e pureza de caráter, vão aqui to-talmente ao diabo. Naturalmente, é moda entre os shylocks aristocráticos
encolher farisai-camente
os ombros quanto aos especuladores imobiliários, aos pequenos proprietários e às localidades abertas. Mas eles sabem muito bem que suas "aldeias fechadas" e suas
"al-deias-
mostruário" são nascedouros das aldeias abertas e não poderiam existir sem elas. "Os trabalhadores (...) caso não existissem os pequenos proprietários, teriam de
dormir sob
as árvores das propriedades em que trabalham." (Loc. cit., p. 135.) O sistema de aldeias "abertas" e "fechadas" predomina em toda Midlands e em todo o oriente da
Inglaterra.
637 "O locador da casa" (arrendatário ou landlord) "se enriquece direta ou indiretamente me-diante o trabalho de um homem ao qual paga 10 xelins por semana, e então
extorque,
desse pobre diabo, 4 ou 5 libras esterlinas de aluguel anual por casas que não valem 20 libras esterlinas no mercado aberto, mas que são mantidas em seu preço artificial
pelo
poder do proprietário de dizer: 'Tome minha casa ou se vá e procure um abrigo em outro lugar, sem certificado de trabalho de minha parte'. (...) Se um homem deseja
melhorar indo
para uma ferrovia como colocador de trilhos ou para uma pedreira, o mesmo poder está novamente pronto para lhe dizer: 'Trabalhe para mim por esse baixo salário ou
se mude
com um aviso prévio de uma semana; leve junto seu porco se tiver um e consiga o que puder pelas batatas que crescem em seu jardim'. Se no entanto seu interesse estiver
em
outro lado, então o proprietário" (respectivamente o arrendatário) "pode algumas vezes preferir um aumento de aluguel, nesses casos como penalidade pela deserção
de seu serviços."
(" Dr. Hunter". Loc. cit., p. 132.)
302#
mérica. Há anos que a superlotação das moradias dos trabalha-dores rurais tem sido matéria de profunda preocupação não só
das pessoas que valorizam a saúde, mas de todos os que dão valor a uma vida decente e moral. Pois, sempre de novo, com
expressões tão uniformes que parecem ser estereotipadas, os au-tores de relatórios sobre a propagação de doenças epidêmicas em
distritos rurais denunciam a superlotação habitacional como uma causa que frustra totalmente qualquer tentativa de deter uma
epidemia, 638 uma vez que ela tenha surgido. E sempre de novo tem sido provado que, apesar das muitas influências saudáveis
da vida rural, a aglomeração, que tanto favorece a propagação de doenças contagiosas, também ocasiona o surgimento de en-fermidades
que não são contagiosas. E as pessoas que têm de-nunciado essa situação não têm silenciado quanto a outros males.
Mesmo quando seu tema original só era concernente a cuidados da saúde, foram quase obrigadas a entrar em outros aspectos do
assunto. Ao provarem quão freqüentemente ocorre que pessoas adultas, de ambos os sexos, casadas e não-casadas, são amon-toadas
(huddled) em estreitos quartos de dormir, seus relatórios tiveram de produzir a convicção de que, nas circunstâncias des-critas,
o sentimento de pudor e decência 639 é grosseiramente ferido e a moralidade quase necessariamente arruinada. 640, 641 Por exem-plo,
em apêndice a meu último relatório, o Dr. Ord, em seu re-latório sobre a epidemia de febre em Wing, em Buckinghamshire,
menciona a chegada a essa localidade de um homem jovem que veio com febre de Wingrave. 'Nos primeiros dias de sua doença
ele dormia num quarto com 9 outras pessoas. Em 2 semanas, várias dessas pessoas foram atacadas e, no decorrer de poucas
semanas, 5 das 9 foram vitimadas pela febre e 1 veio a falecer! ' Ao mesmo tempo relatava-me o dr. Harvey, do Hospital St. Geor-ges,
que, em atividades profissionais privadas, visitou Wing du-rante o período da epidemia, no mesmo sentido: 'Uma jovem mu-lher,
tendo febre, dormia à noite no mesmo quarto que seu pai,


OS ECONOMISTAS


314
638 Em Marx: Epidemie (epidemia); em inglês: infection (infecção). (N. dos T.) 639 Em Marx: Scham-und Anstandsgefül (sentimento de pudor e decência); em inglês:
decency
(decência). (n. dos T.) 640 Em Marx: ruiniert wird (é arruinada); em inglês: must suffer (tem de sofrer). (N. dos T.)
641 "Pares recém-casados não são um estudo edificante para irmãos e irmãs maiores no mesmo quarto de dormir e, embora exemplos não possam ser registrados, há dados
suficientes
para justificar a observação de que grande sofrimento e às vezes a morte são o fardo da participante feminina no crime do incesto." (" Dr. Hunter". Loc. cit., p.
137.) Um funcionário
da polícia rural que, por muitos anos, trabalhou como detetive nos piores bairros de Londres, fala das moças de sua aldeia: "Sua grosseira imoralidade em tenra idade,
seu atrevimento
e falta de vergonha, nunca vi igualados durante minha vida de policial nas piores partes de Londres. (...) Eles vivem como porcos, rapazes e moças, mães e pais,
todos dormem
juntos no mesmo quarto". (Child. Empl. Comm. Sixth Report. Londres, 1867. Apêndice, p. 77, nº 155.)
303#
mãe, seu filho bastardo, 2 homens jovens, seus irmãos, e suas 2 irmãs, cada uma com um bastardo, 10 pessoas ao todo. Poucas
semanas antes, 13 crianças 642 dormiam no mesmo Quarto. '" 643
O Dr. Hunter investigou 5 375 cottages de trabalhadores rurais não só nos distritos puramente agrícolas, mas em todos os condados
da Inglaterra. Desses 5 375, 2 195 tinham só l quarto de dormir (fre-qüentemente ao mesmo tempo sala de estar), 2 930 só 2 e 250 mais
de 2. Quero dar um breve florilégio de 1 dúzia de condados.
1. Bedfordshire
Wrestlingworth: dormitórios com cerca de 12 pés de comprimento e 10 de largura, embora muitos sejam menores. O pequeno barraco
de 1 só andar é dividido freqüentemente por tábuas em 2 quartos de dormir, havendo muitas vezes l cama numa cozinha de 5 pés e 6 po-legadas
de altura. Aluguel de 3 libras esterlinas. Os locatários têm de construir suas próprias privadas, o proprietário da casa só fornece uma
fossa. Toda vez que um constrói uma privada, esta é usada por toda a vizinhança. Uma casa de nome Richardson, de inigualável beleza.
Suas paredes de argamassa se arqueavam como o vestido de uma dama que fizesse uma genuflexão. Um espigão do telhado era convexo, o
outro côncavo, e sobre o último encontrava-se de modo infeliz, uma chaminé, um cano torto, de argila e madeira igual a uma tromba de
elefante. Um pau longo servia de escora para impedir a queda da chaminé. Porta e janela em forma rombóide. De 17 casas visitadas, só
4 com mais de 1 quarto de dormir, e essas 4 superlotadas. Os cottages de 1 quarto de dormir abrigavam 3 adultos com 3 crianças, um par
casado com 6 crianças etc. Dunton: aluguéis elevados, de 4 a 5 libras esterlinas salário se-manal
dos homens, 10 xelins. Esperam com o entrançamento de palha efetuado pela família conseguir o aluguel. Quanto mais elevado o alu-guel,
tanto maior o número de pessoas que precisa se unir para pagá-lo. Seis adultos com 4 crianças num dormitório pagam por ele 3 libras
esterlinas e 10 xelins. A casa mais barata em Dunton, do lado de fora 15 pés de comprimento por 10 de largura, estava alugada por 3 libras
esterlinas. Só uma das 14 casas examinadas tinha 2 quartos de dormir. Pouco antes da aldeia, uma casa, cujos moradores estercaram suas
paredes externas, as 9 polegadas inferiores da porta carcomidas por puro processo de putrefação; alguns tijolos dispostos engenhosamente
por dentro, à noite, ao fechar e recobertos com uma esteira. Metade de uma janela, com vidro e moldura, já tinha cumprido o destino de


MARX


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642 Em Marx: Kinder (crianças); em inglês: persons (pessoas). (N. dos T.) 643 Public Health. Seventh Report, 1864. p. 9, 14 passim.
304#
toda carne. Aí, sem móveis, amontoavam-se 3 adultos e 5 crianças. Dunton não é pior que o resto da Biggleswale Union.
2. Berkshire
Beenham: em junho de 1864, um homem, mulher e 4 filhos viviam num cot (cottage de um andar). Uma filha veio para casa do emprego
de doméstica com escarlatina. Ela morreu. Uma criança adoeceu e morreu. A mãe e uma criança sofriam de tifo, quando o dr. Hunter
foi chamado. O pai e uma criança dormiam fora, mas a dificuldade de assegurar isolamento mostrou-se aí, pois no apinhado mercado da mí-sera
aldeia estava, esperando ser lavada, a roupa branca da casa atin-gida pela febre. O aluguel da casa de H., 1 xelim por semana; 1 quarto
de dormir para 1 casal e 6 crianças. Uma casa alugada a 8 pence (por semana), 14 pés e 6 polegadas de comprimento, 7 pés de largura, co-zinha
de 6 pés de altura; o quarto de dormir sem janela, sem lareira, sem porta nem abertura, a não ser para o corredor, sem jardim. Um
homem vivia aí há pouco, com 2 filhas já crescidas e 1 filho em cres-cimento; pai e filho dormiam na cama, as mocinhas no corredor. Cada
uma teve 1 filho, enquanto a família aí viveu, mas uma foi para a Workhouse para o parto e depois voltou para casa.


3. Buckinghamshire
Trinta cottages — sobre 1 000 acres de terreno — albergam aí cerca de 130 a 140 pessoas. A paróquia de Brandenham abrange 1 000
acres; em 1851, tinha 36 casas e uma população de 84 pessoas do sexo masculino e 54 do feminino. Essa desigualdade entre os sexos, corrigida
em 1861, quando contava 98 varões e 87 mulheres; aumento, em 10 anos, de 14 homens e 33 mulheres. Entrementes, o número de casas
diminuiu de 1. Winslow: grande parte recém-construída em bom estilo; a de-manda
de casas parece significativa, pois cots muito pobres são alugados por 1 xelim e por 1 xelim e 3 pence por semana.
Water Eaton: aí os proprietários, em vista do crescimento popu-lacional, demoliram cerca de 20% das casas existentes. Um pobre tra-balhador,
que tinha de andar cerca de 4 milhas até seu local de trabalho, perguntado se não podia achar um cot mais perto, respondeu: "Não,
eles vão tomar todo cuidado para não alojar um homem com uma família tão grande quanto a minha".
Tinker's End, perto de Winslow: um dormitório com 4 adultos e 5 crianças, com 11 pés de comprimento, 9 pés de largura, 6 pés e 5
polegadas de altura no ponto mais elevado; outro, com 11 pés e 7 polegadas de comprimento, 9 pés de largura, 5 pés e 10 polegadas de
altura; abrigava 6 pessoas. Cada uma dessas famílias tinha menos


OS ECONOMISTAS


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espaço do que o necessário para um sentenciado às galés. Nenhuma casa tinha mais de 1 quarto de dormir, nenhuma tinha porta dos fundos.
Água, muito raramente. Aluguel semanal de 1 xelim e 4 pence até 2 xelins. Em 16 casas examinadas, apenas um único homem que ganhava
10 xelins por semana. A quantidade de ar que cada pessoa dispunha no caso citado era equivalente à que ela teria se fosse trancafiada à
noite numa caixa de 4 pés cúbicos. Em compensação, as velhas cabanas oferecem maciçaa ventilação natural.


4. Cambridgeshire
Gamblingay pertence a diversos proprietários. Contém os mais ignóbeis cots que se possam encontrar em qualquer lugar. Muito en-trançamento
de palha. Uma lassidão mortal, uma resignação sem es-peranças a viver na sujeira domina Gamblingay. A negligência em seu
centro torna-se tortura nos extremos norte e sul, onde as casas caem aos pedaços, apodrecidas. Os donos das terras absenteístas sangram
o pobre lugarejo com toda vivacidade. Os aluguéis são muito altos: 8 a 9 pessoas comprimidas num único dormitório; em 2 casos, 6 adultos,
cada um com 1 a 2 crianças, num pequeno quarto de dormir.
5. Essex
Nesse condado, em muitas paróquias, o decréscimo do número de pessoas corre paralelo com o decréscimo de cottages. Em não menos
que 22 paróquias, no entanto, a demolição de casas não conteve o crescimento populacional ou não acarretou a expulsão que, sob o nome
de "migração para as cidades", ocorre por toda parte. Em Fingringhoe, uma paróquia de 3 443 acres, havia, em 1851, 145 casas; em 1861,
apenas 110, mas o povo não quis ir embora e conseguiu, mesmo sob esse tratamento, aumentar. Em Ramsden Crays, em 1851, 252 pessoas
habitavam 61 casas, mas, em 1861, 262 pessoas estavam espremidas em 49 casas. Em Basildon viviam, em 1851, sobre 1 827 acres, 157
pessoas em 35 casas; ao final do decênio, 180 pessoas em 27 casas. Nas paróquias de Fingringhoe, South Fambridge, Widford, Basildon e
Ramsden Crays viviam, em 1851, sobre 8 449 acres, 1 392 pessoas em 316 casas, em 1861, sobre a mesma área, 1 473 pessoas em 249 casas.


6. Herefordshire
Esse pequeno condado sofreu mais com o "espírito de evicção" do que qualquer outra parte da Inglaterra. Em Madley, os cottages
superlotados, a maioria com 2 quartos de dormir, pertencem em grande parte aos arrendatários. Alugam-nos facilmente por 3 ou 4 libras es-terlinas
por ano e pagam salário semanal de 9 xelins!


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7. Huntingdonshire
Hartford tinha, em 1851, 87 casas; pouco depois, 19 cottages foram destruídos nessa pequena paróquia de 1 720 acres; população em 1831:
452 pessoas; em 1851: 382, e em 1861: 341. Investigados 14 cots com 1 quarto de dormir. Em um: 1 par casado, 3 filhos adultos, 1 filha
adulta, 4 crianças, ao todo 10; em outro, 3 adultos, 6 crianças. Um desses quartinhos, no qual 8 pessoas dormiam, tinha 12 pés e 10 po-legadas
de comprimento, 12 pés e 2 polegadas de largura, 6 pés e 9 polegadas de altura; foram medidos, sem descontar saliências, em mé-dia
130 pés cúbicos por cabeça. Nos 14 quartos de dormir, 34 adultos e 33 crianças. Esses cottages raramente são providos de jardins, mas
muitos dos moradores podiam arrendar um pequeno lote de terra a 10 ou 12 xelins por rood (1/ 4 de acre). Esses loteamentos ficam longe
das casas, que não têm privadas. A família tem de ir até seu lote para lá depositar seus excrementos, ou, com todo respeito é preciso informar
aqui, tem de encher com eles a gaveta de um armário. Assim que esteja cheia, é retirada e esvaziada lá onde seu conteúdo é necessário. No Japão,
o percurso circular das condições de vida transcorre mais limpamente.
8. Lincolnshire
Langtoft: um homem mora aqui na casa de Wright, com sua mulher, a mãe dela e 5 filhos: a casa tem cozinha frontal, copa, dormitório sobre
a cozinha frontal, cozinha frontal e dormitório, 12 pés e 2 polegadas de comprimento, 9 pés e 5 polegadas de largura: a área toda de 21 pés e 3
polegadas de comprimento, 9 pés e 5 polegadas de largura. O dormitório é uma água-furtada. As paredes vão-se estreitando como um pão de açúcar
na direção do teto e uma janela de alçapão se abre no frontal. Por que ele morava ali? Jardim? Extraordinariamente diminuto. Aluguel? Elevado,
1 xelim e 3 pence por semana. Perto de seu trabalho? Não, 6 milhas distante, de modo que a cada dia ele precisa marchar 12 milhas para ir
e voltar. Ele aí morava porque era um cot alugável e porque ele queria ter um cot só para si, em qualquer lugar, a qualquer preço, em qualquer
estado. O que segue é a estatística de 12 casas em Langtoft, com 12 dormitórios, 38 adultos e 36 crianças:


12 Casas em Langtoft


OS ECONOMISTAS


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9. Kent
Kennington, tristemente superlotada em 1859, quando surgiu a
difteria e o médico da paróquia organizou uma investigação oficial
sobre a situação da classe mais pobre do povo. Verificou que, nessa
localidade, onde muito trabalho era necessário, diversos cots haviam sido demolidos e nenhum novo construído. Num distrito havia 4 casas,


denominadas birdcages (gaiolas de pássaros): cada uma tinha 4 quartos,
com as seguintes dimensões em pés e polegadas:


cozinha 9,5 × 8,11 × 6,6 copa 8,6
× 4,6 × 6.6 dormitório 8,5 × 5,10 × 6,3


10. Northamptonshire
Brixworth, Pitsford e Floore: nessas aldeias, durante o inverno, 20 a 30 homens perambulam pelas ruas por falta de trabalho. Os
arrendatários nem sempre cultivam suficientemente as terras de ce-reais e tubérculos, e o dono da terra considerou conveniente juntar
todos os seus arrendamentos em 2 ou 3. Por isso, falta de ocupação. Enquanto de um lado do fosso o campo clama por trabalho, do outro
lado os trabalhadores logrados lançam-lhe olhares saudosos. Febril-mente sobrecarregados no verão e meio mortos de fome no inverno,
não é de se admirar que, em seu dialeto peculiar, digam que the parson and gentlefolks seem frit to death at them. 644
Em Floore, exemplos de casais com 4, 5, 6 crianças num dormi-tório da menor edição; idem, 3 adultos mais 5 crianças; idem 1 casal
com avô e 6 crianças com escarlatina etc.; em 2 casas com 2 dormitórios, 2 famílias, com respectivamente 8 e 9 adultos.


11. Wiltshire
Stratton: visitadas 31 casas, 8 com apenas 1 dormitório. Penhill, na mesma paróquia. Um cot alugado por 1 xelim e 3 pence por semana
para 4 adultos e 4 crianças não tinha, exceto boas paredes, nada de bom em si, do assoalho de pedras toscas até o teto de palha podre.


12. Worcestershire
Demolição de casas não tão grave aí; todavia, de 1851 a 1861, aumentou o pessoal por casa de 4,2 para 4,6 indivíduos.


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644 "O pároco e o gentil-homem parecem ter-se conjurado para acossá-los até a morte."
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Badsey: muitos cots e jardinzinhos aqui. Alguns arrendatários declaram que os cots são a great nuisance here, because they bring the
poor (um grande incômodo aqui, porque trazem os pobres). Sobre a assertiva de um gentleman:


"Os pobres nem por isso estão em melhor situação; se se cons-troem 500 cots, eles se vendem como pãezinhos; quantos mais
se constroem, tantos mais são necessários".
Segundo ele, as casas é que fazem surgir os moradores, que, por uma lei natural, pressionam sobre "os meios de moradia" — observa


o dr. Hunter:
"Ora, esses pobres precisam provir de algum lugar e como em Badsey não há nenhuma atração especial, como donativos, é ne-cessário


haver repulsão de algum outro lugar ainda mais incô-modo, que os impele para cá. Se cada um pudesse encontrar um
cot e um pedacinho de terra perto de seu local de trabalho, não preferiria Badsey, onde paga por seu punhado de chão duas vezes
mais do que o arrendatário paga pelo mesmo".
A constante migração para as cidades, a constante "produção de redundância" no campo pela concentração de arrendamentos, transfor-mação


de lavouras em pastagens, maquinaria etc., e a constante evicção da população rural pela destruição dos cottages marcham juntas. Quan-to
mais vazio de gente o distrito, tanto maior sua "superpopulação relativa", tanto maior sua pressão sobre os meios de ocupação, tanto
maior o excesso absoluto do povo rural em relação a seus meios habi-tacionais, tanto maior, portanto, nas aldeias, a superpopulação local
e o empacotamento mais pestilencial de seres humanos. A condenação do ajuntamento humano em pequenas aldeias e vilas esparsas corres-ponde
ao violento esvaziamento populacional da área rural. A produção ininterrupta da redundância dos trabalhadores rurais, apesar de seu
número decrescente e da massa crescente de seu produto, é o berço de seu pauperismo. Seu pauperismo eventual é um motivo para sua
evicção e a fonte principal de sua matéria habitacional que quebra a última capacidade de resistência e os torna verdadeiros escravos dos
senhores fundiários 645 e dos arrendatários, de modo que o mínimo de


OS ECONOMISTAS


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645 "A atividade do trabalhador rural que se origina na vontade divina confere dignidade até mesmo a sua posição. Ele não é um escravo, mas um soldado da paz e merece
seu lugar
numa moradia, que deve ser colocada à disposição do homem casado pelo dono das terras, o qual reclamou para si o direito de forçá-lo a trabalhar, de modo semelhante
como o país
procede em face do soldado. Como o soldado, tampouco ele recebe o preço de mercado por seu trabalho. Como o soldado, ele é recrutado enquanto jovem e ignorante,
só conhecendo
sua própria profissão e sua própria localidade de moradia. O casamento prematuro e a manipulação das várias leis sobre o domicílio afetam a um como o recrutamento
e o código
penal ao outro." (" dr. Hunter". Loc. cit., p. 132.) Às vezes um senhor de terras de excepcional coração mole se comove com a solidão por ele criada. "É uma coisa
melancólica estar
309#
salário se consolida como se fora para eles lei natural. Por outro lado, o campo, apesar de sua "superpopulação relativa", está ao mesmo tempo
subpovoado. Isso se mostra não só localmente, naqueles pontos onde o fluxo humano para cidades, minas, construções de ferrovias etc., avan-ça
com excessiva rapidez, mas se mostra em todos os lugares, tanto na época da colheita quanto na primavera e no verão, durante os nu-merosos
momentos em que a muito cuidadosa e a intensiva agricultura inglesa precisa de braços extras. Os trabalhadores agrícolas são sempre
demasiados para as necessidades médias e sempre insuficientes para as necessidades excepcionais ou temporárias da lavoura. Por isso, en-contra-
se registrada nos documentos oficiais a queixa contraditória dos mesmos lugares sobre falta de trabalho e excesso de trabalho simul-tâneos.
A carência temporária ou local de mão-de-obra não acarreta nenhuma elevação de salário, mas força mulheres e crianças ao trabalho
na lavoura e a inclusão de grupos etários cada vez mais baixos. Assim que a exploração de mulheres e crianças ganha maior espaço, ele se
torna, por sua vez, um novo meio de produção de redundância do tra-balhador rural masculino e de manutenção de seu salário em baixo
nível. Na parte oeste da Inglaterra viceja um belo fruto desse cercle vicieux — o assim chamado gang-system (sistema de turmas ou bandos),
para o qual me volto aqui brevemente. O sistema de turmas funciona quase exclusivamente em Lin-colnshire,
Huntingdonshire, Cambridshire, Norfolk, Suffolk e Notting-hamshire, esporadicamente nos vizinhos condados de Northampton,
Bedford e Rutland. Que sirva como exemplo aqui Lincolnshire. Grande parte desse condado é nova, antigamente pântano ou também, como
em outros dos citados condados orientais, terra que foi conquistada ao mar. A máquina a vapor faz maravilhas para a drenagem. O que era
pântano e solo arenoso, ostenta agora um exuberante mar de trigo e as mais elevadas rendas fundiárias. O mesmo é válido para as terras
de aluvião conquistadas artificialmente, como na ilha de Axholme e em outras paróquias à margem do Trent. À medida que surgiram novos
arrendamentos, não só foram construídos novos cottages, mas demo-lidos os antigos; no entanto, a oferta de trabalho era obtida das aldeias
abertas, distantes várias milhas e situadas à beira das estradas rurais que serpenteiam pelas encostas dos morros. Somente lá a população
encontrou abrigo contra as demoradas enchentes de inverno. Os tra-balhadores (aqui chamados de confined labourers), que moram nos ar-rendamentos
de 400 a 1 000 acres, servem exclusivamente para o tra-balho agrícola permanentemente pesado e executado com cavalos. Para
casa 100 acres (1 acre = 40,49 ares ou 1,584 morgen prussianos), mal


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sozinho em seu país", disse o Conde de Leicester quando congratulado pelo término da construção de Holkham. "Olho em volta e não vejo nenhuma casa exceto a minha.
Sou
gigante da torre gigante e devorei a todos os meus vizinhos."
310#
existe em média um cottage. Um arrendatário de fenland (terra de pântano) declara, por exemplo, à Comissão de Inquérito:
"Meu arrendamento cobre 320 acres, tudo terra cerealífera. Ele não contém nenhum cottage. Um trabalhador mora agora
comigo. Tenho 4 homens, que trabalham com os cavalos, morando por perto. O trabalho leve, para o qual são necessários muitos
braços, é feito por turmas". 646
O solo exige muito trabalho leve, como capina, trabalho de enxada, certas operações de adubação, remoção de pedras etc. É feito pelas turmas


ou bandos organizados, cujas moradias ficam nas localidades abertas.
A turma se compõe de 10 a 40 ou 50 pessoas, de mulheres, de adolescentes de ambos os sexos (de 13 a 18 anos), embora os rapazinhos


geralmente saiam quando chegam aos 13 anos; por fim, de crianças de ambos os sexos (de 6 a 13 anos). À frente deles está o gangmaster
(chefe de turma), sempre um trabalhador agrícola comum, freqüente-mente um assim chamado sujeito mal-encarado, debochado, inconstan-te,
bêbado, porém com certo espírito empreendedor e savoirfaire. Ele recruta a turma que trabalha sob seu comando, não sob o do arren-datário.
Com este último ele geralmente ajusta um acordo por emprei-tada, e seu ganho, que em média não se eleva muito acima do de um
trabalhador agrícola comum, 647 depende quase inteiramente de sua habilidade em extrair, no menor tempo, tanto trabalho quanto possível
da turma. Os arrendatários descobriram que as mulheres só trabalham direito sob ditadura masculina, mas que mulheres e crianças uma vez
acionadas, como já o sabia Fourier, despendem com verdadeiro frenesi sua energia vital, ao passo que o trabalhador masculino adulto é tão
malandro que procura poupar o mais possível. O chefe de turma vai de uma fazenda para outra e ocupa, assim, seu bando durante 6 a 8
meses por ano. Tê-lo por freguês é, por isso, muito mais rendoso e seguro para as famílias de trabalhadores do que ter como freguês o
arrendatário individual, que só ocasionalmente ocupa crianças. Essa circunstância reforça tanto sua influência nas localidades abertas, que
geralmente só por seu intermédio é que crianças podem ser contratadas. O aluguel individual das últimas, separadamente da turma, constitui
seu negócio acessório. Os "lados sombrios" do sistema são o trabalho excessivo das crian-ças
e adolescentes, as enormes marchas que fazem a cada dia para ir e vir de fazendas distantes 5, 6 e às vezes 7 milhas em por fim, a
desmoralização da gang. Embora o chefe de turma, que em algumas regiões é chamado de the driver (o feitor), esteja munido de longo bastão,


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646 Child. Empl. Comm., VI. Report. Evidence, p. 37, nº 173. 647 Alguns chefes de turma conseguiram, no entanto, ascender a arrendatários de 500 acres
ou a proprietários de filas inteiras de casas.
311#
só muito raramente o emprega e só excepcionalmente há queixas quanto a maus tratos. Ele é um imperador democrático ou uma espécie de
flautista mágico de Hamelin. Precisa, portanto, de popularidade entre seus súditos e os seduz com a boêmia, que floresce sob seus auspícios.
Licenciosidade grosseira, folia alegre e o mais obsceno atrevimento dão asas à turma. Geralmente o chefe de turma faz os pagamentos numa
taberna e depois, cambaleante, apoiado à esquerda e à direita em ro-busta rapariga, volta para casa à frente do cortejo, as crianças e ado-lescentes
atrás fazendo algazarra e entoando cantigas de escárnio e obscenas. No caminho de volta, o que Fourier chama de Phanerogamia
está na ordem do dia. Mocinhas de 13 a 14 anos serem engravidadas por seus companheiros de mesma idade é freqüente. As aldeias abertas,
que fornecem o contingente da turma, tornam-se Sodomas e Gomor-ras 648 e produzem o dobro de nascimentos ilegítimos do que o resto do
Reino. O que as mocinhas criadas nessa escola perpetram no campo da imoralidade quando mulheres casadas já foi aventado anteriormente. Seus
filhos, à medida que o ópio não os liquida, são recrutas natos da turma. A turma, em sua forma clássica acima descrita, é chamada de
turma pública, comum ou ambulante (public, comon or tramping gang). Pois há também turmas privadas (private gangs). São compostas como
as turmas comuns, mas contam com menos cabeças e, em vez de estarem sob um chefe de turma, trabalham sob o comando de um velho criado
camponês, que o arrendatário não sabe como utilizar melhor. A boêmia desaparece aí, mas, de acordo com todos os testemunhos, o pagamento
e o tratamento das crianças pioram. O sistema de turmas, que se tem ampliado constantemente nos
últimos anos, 649 não existe evidentemente para favorecer o chefe de turma. Existe para enriquecer os grandes arrendatários, 650 respectiva-mente
senhores de terras. 651 Para o arrendatário não há método mais engenhoso para manter seu pessoal de trabalho muito abaixo do nível
normal e, ainda assim, ter sempre disponível, para todo trabalho extra, a mão-de-obra extra, para extrair com o mínimo de dinheiro o máximo
de trabalho 652 e para tornar "redundante" o trabalhador adulto do sexo


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648 "Metade das meninas de Ludford foi arruinada pela turma". (Loc. cit., apêndice, p. 6, nº 32).
649 "O sistema cresceu muito nos últimos anos. Em alguns lugares foi introduzido há pouco; em outros, onde é mais antigo, mais crianças e crianças mais jovens são
alistadas na
turma." (Loc. cit., p. 79, nº 174.) 650 "Pequenos arrendatários não utilizam trabalho de turma." "Não é utilizado em terra pobre,
mas em terra que dá renda de 2 libras esterlinas a 2 libras e 10 xelins de renta." (Loc. cit., pp. 17 e 14.)
651 Um desses senhores gosta tanto de suas rendas que ele declarou, indignado, à Comissão de Inquérito que toda celeuma só se devia ao nome do sistema. Se em vez
de gang se o
batizasse de "associação cooperativa juvenil industrial agrícola de auto-sustento", tudo então estaria all right.
652 "O trabalho da turma é mais barato do que outro trabalho — eis o motivo por que ele é empregado", diz um antigo chefe de turma. (Loc. cit., p. 17 § 14.) "O sistema
de turma é,
decididamente, o mais barato para o arrendatário e do mesmo modo decididamente o mais ruinoso para as crianças", diz um arrendatário. (Loc. cit., p. 16, § 3.)
312#
masculino. A partir da discussão acima, compreende-se que se, por um
lado, admite-se a maior ou menor falta de ocupação do homem do campo,
por outro, ao mesmo tempo, se declara o sistema de turmas como "ne-cessário"
devido à falta de mão-de-obra masculina e sua migração para
as cidades. 653 O campo livre de plantas daninhas e a danação humana
de Lincolnshire etc. são pólo e contrapólo da produção capitalista. 654


f) Irlanda
Ao término deste capítulo, precisamos nos dirigir por um momento à Irlanda. Primeiro os fatos de que aqui se trata.
A população da Irlanda havia crescido até atingir, em 1841, 8 222
664 pessoas, mas passou a se contrair depois, contando, em 1851, 6 623 985, em 1861, 5 850 309, em 1866, 5,5 milhões, tendo então regredido


mais ou menos a seu nível de 1801. O decréscimo começou com o ano da


OS ECONOMISTAS


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653 "Indubitavelmente, muito do trabalho agora feito por crianças em turmas costumava antes ser feito por homens e mulheres. Onde mulheres e crianças são empregadas
mais homens
estão agora desempregados (more men are out of work) do que antes." (Loc. cit., p. 43, nº 202.) Por outro lado, entre outras coisas, "a questão do trabalho (labour
question) em
muitos distritos agrícolas, especialmente nos que produzem cereais, está-se tornando tão séria em decorrência da emigração e da facilidade oferecida por estradas
de ferro para a
viagem às grandes cidades, que eu" (o "eu" é o agente agrícola de um grande senhor) "considero que os serviços das crianças são absolutamente indispensáveis". (Loc.
cit., p. 80,
nº 180.) A Labour Question (questão do trabalho) em distritos agrícolas ingleses, diferen-temente do resto do mundo civilizado, significa the landlord's and farmers
question (a
questão do senhor da terra e do arrendatário): como é possível, apesar do sempre crescente êxodo da população agrícola, perpetuar uma "população excedente relativa"
no campo e,
por meio dela, o "mínimo de salário" para o trabalhador agrícola? 654 O Public Health Report., anteriormente citado por mim, no qual, a propósito da mortalidade
infantil, trata-se de passagem do sistema de turmas, permaneceu ignorado pela imprensa e pelo público inglês. Entrementes, o último relatório da "Child. Empl. Comm."
forneceu
bem-vindo pasto sensational para a imprensa. Enquanto a imprensa liberal perguntava como os finos gentleman e ladies e os prebendados da Igreja do Estado, que enxameiam
em Lincolnshire, podiam deixar que tal sistema fosse criado, debaixo de seus olhos, em suas propriedades, já que tais personagens mandam missões próprias "para a
melhoria
dos costumes dos selvagens dos mares do Sul", ao outro lado do mundo; a imprensa mais fina fazia considerações exclusivamente sobre a rude degradação da gente do
campo, capaz
de vender suas crianças para tal escravidão! Sob as circunstâncias malditas a que "a gente fina" condena o homem do campo, seria compreensível se ele devorasse os
próprios filhos.
O que é realmente maravilhoso é a inteireza de caráter que ele em grande medida preservou. Os relatórios oficiais comprovam que os pais, mesmo nos distritos em que
ele prevalece,
detestam o sistema de turmas. "Encontra-se abundante comprovação nos testemunhos por nós reunidos que os pais, em muitos casos, seriam gratos por alguma lei de execução
obrigatória, que os capacitasse a resistir às tentações e à pressão a que freqüentemente estão sujeitos. Ora os pressiona o funcionário da paróquia, ora o empregador,
sob a ameaça
de sua própria demissão, para que enviem os filhos para o trabalho, em vez de à escola. (...) Todo tempo e força desperdiçados, todo tormento que produz fadiga extraordinária
e
inútil ao trabalhador e a sua família, todo caso em que os pais imputam a ruína moral de seus filhos à superlotação dos cottages ou às influências degradantes do
sistema de
turmas, despertam no peito dos pobres que trabalham sentimentos que se há de entender e que é desnecessário detalhar. Eles têm consciência de que muito sofrimento
físico e
espiritual lhes é infligido por circunstâncias pelas quais de modo algun são responsáveis, circunstâncias a que, caso isso estivesse em seu poder, jamais teriam
dado sua concordância
e contra as quais são impotentes para lutar." (Loc. cit., p. XX, nº 82 e XXIII, nº 96.)
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fome de 1846, de modo que a Irlanda, em menos de 20 anos, perdeu mais de 5/ 16 de sua população. 655 Sua emigração global de maio de
1851 a julho de 1865 foi de 1 591 487 pessoas, sendo a emigração du-rante os últimos 5 anos, 1861-1865, de mais de meio milhão. O número
de casas habitadas diminuiu, de 1851 a 1861, em 52 990. De 1851 a 1861 cresceu o número de arrendamentos de 15 a 30 acres em 61 mil,
o de arrendamentos acima de 30 acres em 109 mil, enquanto o número global de todos os arrendamentos decresceu em 120 mil, um decréscimo
que é, portanto, exclusivamente devido à aniquilação de arrendamentos com menos de 15 acres, aliás, a sua centralização.
O decréscimo populacional foi, naturalmente, acompanhado, gros-so modo, por um decréscimo da massa de produtos. Para nosso pro-pósito,
basta considerar os 5 anos de 1861 a 1865, durante os quais mais de meio milhão emigrou e a população absoluta caiu em mais
de 1/ 3 de milhão. (Ver Tabela A.)


Tabela A — Animais de Criação


Da tabela acima resulta:


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325
655 População da Irlanda: em 1801: 5 319 867 pessoas; em 1811: 6 084 996; em 1821: 6 869 544; em 1831 7 828 347; em 1841: 8 222 664.
314#
Voltemo-nos agora para a lavoura, que fornece os meios de
subsistência para animais e seres humanos. Na tabela seguinte está
calculado o acréscimo ou decréscimo ocorrido a cada ano em relação ao ano imediatamente precedente. A coluna dos cereais abrange


trigo, aveia, cevada, centeio, feijão e ervilha; a das verduras com-preende
batata, tumips, acelga, beterraba, repolho, cenoura, pars-nips,
ervilhaca etc.


Tabela B — Acréscimo ou Decréscimo de Área de Terra Usada
para Lavoura e Pastagem (em Acres)


No ano de 1865, sob a rubrica "área de grama", somaram-se
mais 127 470 acres, principalmente porque a área sob a rubrica
"terra deserta não aproveitada e bog (turfeiras)" decresceu 101 543
acres. Comparando o ano de 1865 com 1864, tem-se então um de-créscimo
de 246 667 quartis de cereais, dos quais 48 999 de trigo, 166 605 de aveia, 29 892 de cevada etc.; decréscimo de 446 398 to-neladas


de batata, embora a área de seu cultivo crescesse em 1865
etc. (Ver Tabela C.)
Do movimento da população e da produção agrícola da Irlanda,
passemos ao movimento no bolso de seus senhores de terras, grandes
arrendatários e capitalistas industriais. Ele se reflete no acréscimo e
decréscimo do imposto de renda. Para entender a seguinte tabela D,
observe-se que a cédula D (lucros com exceção dos lucros arrendatários)
também compreende os assim chamados "lucros profissionais", isto é, os rendimentos de advogados, médicos etc., mas as células C e E não


apresentadas especificamente abarcam os rendimentos de funcionários,
oficiais, sinecuristas do Estado, credores do Estado etc.
Na cédula D, o acréscimo anual médio de 1853 a 1864 foi só de
0,93, enquanto no mesmo período na Grã-Bretanha ele foi de 4,58. A tabela seguinte mostra a distribuição dos lucros (com exclusão dos


lucros dos arrendatários) nos anos de 1864 e 1865:


OS ECONOMISTAS


326
315#
Tabela D — Rendimentos Sujeitos a Imposto de Renda (em Libras Esterlinas)
Tabela E — Cédula D. Rendimentos por Lucros (Acima de 60 Libras Esterlinas) na Irlanda
A Inglaterra, país de produção capitalista desenvolvida e eminen-temente industrial, esvair-se-ia mortalmente caso sofresse uma hemorra-gia
populacional igual à irlandesa. Mas, atualmente, a Irlanda é apenas um distrito agrícola, separado por um largo fosso de água da Inglaterra,
à qual fornece cereais, lã, gado, recrutas industriais e militares. O despovoamento retirou muita terra do cultivo, diminuiu muito
o produto da terra 656 e, apesar da área mais ampla de criação de gado, acarretou decréscimo absoluto em alguns de seus ramos e em outros
um progresso que mal merece ser citado, interrompido por constantes retrocessos. Ainda assim, com a queda da massa populacional, subiram
continuamente a renda da terra e os lucros por arrendamento, embora estes não tão constantemente quanto aquela. A razão é facilmente
compreensível. Por um lado, com a fusão dos arrendamentos e a trans-formação de terra cultivada em pastagem para o gado, uma parte maior
do produto global se converteu em mais-produto. O mais-produto cresceu, embora o produto global, do qual constitui uma fração, tenha decrescido.
Por outro lado, o valor monetário desse mais-produto cresceu ainda mais rápido do que sua massa, em decorrência dos crescentes preços ingleses
de mercado nos últimos 20 anos e, muito especialmente, para a carne, a lã etc. nos últimos 20 anos e, muito especialmente, nos últimos 10.


MARX


327
656 Se o produto também diminui proporcionalmente por acre, que não se esqueça que a In-glaterra, há um século e meio, tem exportado indiretamente o solo da Irlanda,
sem ao
menos proporcionar a seus lavradores os meios para repor os componentes do solo.
316#
OS ECONOMISTAS
328
317#
Meios de produção dispersos, que servem aos próprios produtores como meios de ocupação e subsistência, sem se valorizarem mediante
incorporação de trabalho alheio, são tanto capital quanto o produto con-sumido por seu próprio produtor é mercadoria. Se com a massa popula-cional
também decresceu a massa dos meios de produção empregados na agricultura, a massa de capital nela empregada aumentou, porque parte
dos meios de produção antes dispersos foi transformada em capital. O capital global da Irlanda investido fora da agricultura, na in-dústria
e no comércio, durante os últimos dois decênios, acumulou-se lentamente submetido a grandes e constantes flutuações. Com maior
rapidez se desenvolveu, no entanto, a concentração de seus componentes individuais. Finalmente, por diminuto que tenha sido, de qualquer
modo, seu crescimento absoluto, relativamente, isto é, em proporção à massa populacional contraída, esse capital inchou.
Aqui se desenrola, portanto, debaixo de nossos olhos, em larga escala, um processo como a Economia ortodoxa não o poderia desejar
mais lindo para a manutenção de seu dogma, segundo o qual a miséria decorre da superprodução absoluta e o equilíbrio é recuperado por meio
do despovoamento. Esse é um experimento de importância totalmente diversa da da peste de meados do século XIV, tão glorificada pelos
malthusianos. Uma observação de passagem. Se, em si, já era de uma ingenuidade de mestre-escola querer aplicar às relações de produção
e às relações demográficas correspondentes do século XIX o padrão do século XIV, essa ingenuidade deixava de ver, além do mais, que se
aquela peste e a dizimação que a acompanhou foi seguida deste lado do canal, na Inglaterra, por libertação e enriquecimento da população
rural, do outro lado, na França, maior sujeição e miséria acrescida é que seguiram suas pegadas. 657
Na Irlanda, a fome liquidou, em 1846, mais de 1 milhão de pes-soas, mas só pobres-diabos. Não trouxe o menor prejuízo à riqueza do
país. O êxodo ocorrido nos 20 anos seguintes e que ainda continua a crescer não dizimou, como eventualmente a Guerra dos Trinta Anos,
junto com os homens, seus meios de produção. O gênio irlandês inventou um método inteiramente novo para trasladar, como por encanto, um
pobre povo a uma distância de milhares de milhas do cenário de sua miséria. Os emigrantes assentados nos Estados Unidos enviam a cada
ano somas de dinheiro para casa, meios para pagar a viagem dos que ficaram para trás. Cada tropa que emigra este ano arrasta atrás de
si outra tropa no ano que vem. Ao invés de custar algo à Irlanda, a emigração constitui, assim, um dos ramos mais rendosos de suas ati-vidades
de exportação. Ela é, finalmente, um processo sistemático que


MARX


329
657 Já que a Irlanda é encarada como a terra prometida do "princípio da população", Th. Sadler, antes da publicação de sua obra sobre população, editou seu famoso
livro Ireland, its Evils
and their Remedies. 2ª ed. Londres, 1829, no qual, comparando a estatística das províncias individuais e em cada província a dos condados individuais, prova que
a miséria lá reina
não, como quer Malthus, na razão direta do número de habitantes, mas na razão inversa.
318#
não se limita a fazer transitoriamente um buraco na massa popula-cional, mas que bombeia da mesma a cada ano mais pessoas do que
o crescimento vegetativo repõe, de modo que, de ano a ano, o nível populacional absoluto cai. 658
Quais foram as conseqüências, para os trabalhadores irlandeses que permaneceram, do fato de ficarem livres da superpopulação? Que
a superpopulação relativa é hoje tão grande quanto antes de 1846, que o salário está em nível igualmente baixo, que o trabalho se tornou
mais extenuante, que a miséria no campo volta a preparar nova crise. As causas são simples. A revolução na agricultura acompanhou o ritmo
da emigração. A produção da superpopulação relativa ultrapassou o ritmo da emigração. A produção da superpopulação relativa ultrapassou
o ritmo do despovoamento absoluto. Um olhar à Tabela B mostra como a transformação de terras cultivadas em pastagens para o gado deve
ter efeitos mais agudos na Irlanda do que na Inglaterra. Nesta, com a criação de gado, aumenta o cultivo de verduras, naquela ele diminui.
Enquanto grandes extensões de terras antes cultivadas são mantidas em alqueive ou transformadas em pastagens permanentes, grande par-te
da terra deserta e das turfeiras, antes não aproveitadas, serve para expandir a criação de gado. Os pequenos e médios arrendatários —
incluo aí todos os que não cultivam mais de 100 acres — constituem ainda certa de 8/ 10 do número total. 659 São progressivamente esma-gados,
em grau até então desconhecido, pela concorrência da agricultura praticada de modo capitalista e fornecem, por isso, constantemente
novos recrutas à classe dos trabalhadores assalariados. A única grande indústria da Irlanda, a fabricação de linho, precisa relativamente de
poucos homens adultos e, sobretudo, apesar de sua expansão desde o encarecimento do algodão entre 1861 e 1866, ocupa só uma parte re-lativamente
insignificante da população. Como toda outra grande in-dústria, produz constantemente, por meio de permanentes oscilações
em sua própria esfera, uma superpopulação relativa, mesmo com o crescimento absoluto da massa humana por ela absorvida. A miséria
da população rural constitui o pedestal de enormes fábricas de camisas etc., cujo exército de trabalhadores está em grande parte espalhado
no campo. Encontramos aí o sistema, anteriormente descrito, do tra-balho domiciliar, que tem no subpagamento e no sobretrabalho seus
meios metódicos de "produzir redundância". Por fim, embora o despo-voamento não tenha conseqüências tão destrutivas como num país de
produção capitalista desenvolvida, ele não transcorre sem repercussões constantes sobre o mercado interno. A lacuna que a emigração aí acar-reta
não só estreita a demanda local de trabalho, mas também os rendimentos dos pequenos comerciantes, artesãos, pequenos empresá-


OS ECONOMISTAS


330
658 De 1851 a 1874, o número total de emigrantes atingiu 2 325 922. 659 Nota à 2ª edição: segundo uma tabela da obra de Murphy Ireland, Industrial, Political
and Social, em 1870, 94,6% do solo constituía arrendamentos de até 100 acres e 5,4% arrendamentos com mais de 100 acres.
319#
rios em geral. Daí o retrocesso nos rendimentos entre 60 e 100 libras esterlinas na Tabela E.
Uma exposição clara da situação dos diaristas rurais na Irlanda se encontra nos relatórios dos inspetores da administração irlandesa de as-sistência
aos pobres (1870). 660 Funcionários de um governo que se mantém apenas pela baioneta e pelo estado de sítio ora aberto ora dissimulado
precisam todos observar as precauções de linguagem que seus colegas da Inglaterra desprezam; apesar disso, não permitem a seu governo acalentar
ilusões. Segundo eles, o nível salarial, sempre ainda muito baixo, elevou-se no campo, durante os últimos 20 anos, mesmo assim em 50 a 60% e
agora o salário é, em média, de 6 a 9 xelins por semana. Por trás dessa elevação aparente esconde-se, porém, uma queda real do salário, pois ela
nem sequer equivale ao aumento dos preços, entrementes ocorrido, dos meios necessários à subsistência. Prova-o o seguinte extrato das contas
oficiais de uma Workhouse irlandesa:


Custo Semanal Médio de Manutenção por Pessoa


O preço dos meios necessários à subsistência aumentou, por-tanto, quase duas vezes e o do vestuário é exatamente o dobro do
de 20 anos atrás. Mesmo abstraindo essa desproporção, a mera comparação da taxa
salarial paga em dinheiro ainda não daria, de longe, um resultado correto. Antes da epidemia da fome, a grande massa dos salários rurais
era saldada in natura, sendo em dinheiro só a menor parte; hoje, o pagamento em dinheiro é a regra. Já daí segue que qualquer que seja
a movimentação do salário real, sua taxa monetária teria de subir.
"Antes da epidemia da fome, o diarista agrícola possuía um pedacinho de terra onde plantava batatas e criava porcos e aves.


Hoje ele não só tem de comprar todos os meios de subsistência, mas também deixa de usufruir as receitas da venda de porcos,
aves e ovos." 661


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331
660 Reports from the Poor Law Inspectors on the Wages of Agricultural Labourers in Ireland. Dublin, 1870. Confronte-se também Agricultural Labouriers (Ireland) Return
etc., 8 de
março de 1861. 661 Loc. cit., p. 29, 1.
320#
De fato, os trabalhadores agrícolas confundiam-se antigamente com os pequenos arrendatários e constituíam em geral apenas a retaguarda
dos arrendamentos médios e grandes, nos quais encontravam ocupações. Só a partir da catástrofe de 1846 é que começaram a constituir uma
fração da classe dos assalariados puros, um estamento específico, que só está ligado a seus empregadores por relações monetárias.
Sabe-se qual era sua situação habitacional em 1846. Desde então ela ainda piorou. Parte dos diaristas agrícolas, cujo número diminui,
entretanto, dia após dia, ainda mora nas terras dos arrendatários em choupanas superlotadas, cujos horrores ultrapassam de longe o pior
do que os distritos rurais ingleses nos apresentaram no gênero. E isso vale de modo geral, com exceção de alguns trechos dos Ulster; no sul,
nos condados de Cork, Limerick, Kikenny etc.; no leste, em Wicklow, Wexford etc.; no centro, no condado de King e Queen, Dublin etc.; no
norte, em Down, Antrim, Tyrone etc.; a oeste, em Slogo, Roscommon, Mayo, Galway etc. "É uma vergonha" exclama um dos inspetores, "para
a religião e a civilização deste país." 666 Para tornar mais suportável aos diaristas a moradia em suas tocas, confisca-se sistematicamente o peda-cinho
de terra que desde tempos imemoriais estava anexado a cada uma.
"A consciência dessa espécie de banimento, a que são submetidos pelos donos das terras e seus administradores, provocou nos diaristas


rurais sentimentos correspondentes de antagonismo e ódio contra aqueles que os tratam como uma race sem direitos." 662


O primeiro ato da revolução agrária foi varrer, na maior escala possível e como por uma palavra-de-ordem vinda do alto, as choupanas
localizadas no campo de trabalho. Muitos trabalhadores foram, assim, obrigados a procurar abrigo em aldeias e cidades. Lá se os lançou como
rebotalho em águas-furtadas, buracos, porões e nos covis dos piores bairros. Milhares de famílias irlandesas que, segundo o testemunho
até mesmo de ingleses, prisioneiros de preconceitos nacionais, se des-tacavam por seu raro apego ao lar, por sua alegria despreocupada e
por sua pureza de costumes domésticos encontraram-se, assim, subi-tamente transplantadas para os viveiros do vício. Os homens precisam
agora procurar trabalho com os arrendatários vizinhos e só são alugados por dia, portanto na forma salarial mais precária; com isso


"eles precisam agora percorrer longos caminhos de ida e de volta ao arrendamento, muitas vezes molhados como ratos e sujeitos
a outras inclemências, que freqüentemente provocam fraqueza, doença e, com isso, privações". 663


"As cidades tinham de receber, ano após ano, o que era conside-


OS ECONOMISTAS


332
662 Loc. cit., p. 12. 663 Loc. cit., p. 25.
321#
rado excedente de trabalhadores dos distritos rurais" 664 e, depois, ainda há quem se admire que "prepondera excesso de trabalhadores nas ci-dades
e aldeias e falta de trabalhadores no campo! 665 A verdade é que essa falta só é sentida "na época de trabalhos agrícolas prementes, na
primavera e no outono, enquanto durante o resto do ano muitos braços ficam ociosos"; 666 que, "depois da colheita de outubro até a primavera
não há quase ocupação para eles", 667 e que também durante o tempo em que estão ocupados "perdem freqüentemente dias inteiros e estão
sujeitos a toda espécie de interrupções no trabalho". 668 Essas conseqüências da revolução agrícola, isto é, da transfor-mação
de terras de lavoura em pastagens para gado, a utilização de maquinaria, a mais severa economia de trabalho etc. — são tornadas
ainda mais agudas pelos proprietários fundiários modelares, aqueles que, ao invés de comer suas rendas no estrangeiro, condescendem em
morar na Irlanda, em seus domínios. Para que a lei da oferta e da procura permaneça totalmente inviolada, esses cavalheiros satisfazem


"agora quase toda a sua necessidade de trabalho com seus pequenos arrendatários, que são, assim, obrigados a mourejar para seu pro-prietário
fundiário por um salário geralmente inferior ao do diarista comum, e isso sem nenhuma consideração para com os desconfortos
e as perdas decorrentes de terem de negligenciar na época crítica da semeadura ou da colheita seus próprios campos". 669


A insegurança e a irregularidade da ocupação, a freqüente repe-tição e a longa duração das paralisações do trabalho, todos esses sin-tomas
de uma superpopulação relativa figuram, pois, nos relatórios dos inspetores da administração dos pobres como outras tantas queixas
do proletariado agrícola irlandês. Recorda-se ter encontrado fenômenos semelhantes entre o proletariado agrícola inglês. Mas a diferença é
que na Inglaterra, país industrial, a reserva industrial se recruta no campo, enquanto na Irlanda, país agrícola, a reserva agrícola se recruta nas ci-dades,
refúgio dos trabalhadores agrícolas expulsos. Lá, os redundantes da agricultura transformam-se em trabalhadores fabris; aqui, os enxotados
para as cidades, ao mesmo tempo que exercem pressão sobre o salário urbano, continuam sendo trabalhadores rurais e são constantemente
remetidos de volta ao campo à procura de trabalho.
"Embora vivam na mais estrita frugalidade, seu salário mal dá para assegurar a eles e suas famílias comida e moradia; para


MARX


333
664 Loc. cit., p. 27. 665 p. 26.
666 p. 1. 667 p. 32.
668 p. 25. 669 p. 30.
322#
o vestuário, precisam de receitas adicionais. (...) A atmosfera de suas moradias, combinada com outras privações, expõe essa classe
especialmente ao tifo e à tísica." 670
De acordo com isso, não admira que, segundo o testemunho unâ-nime dos relatores, um descontentamento sombrio pervada as fileiras


dessa classe, fazendo com que ela deseje de volta o passado, abomine o presente, desespere do futuro, "entregue-se às malignas influências
de demagogos" e só tenha a idéia fixa de emigrar para a América. Este é o Eldorado em que a grande panacéia malthusiana, o despo-voamento,
converteu a verde Erin!
Para ver com quanto conforto vivem os trabalhadores manufa-tureiros irlandeses, basta um exemplo:


"Em minha recente inspeção ao norte da Irlanda", diz o ins-petor de fábrica inglês Robert Baker, "chamou-me a atenção o
esforço de um operário qualificado irlandês para dar educação a seus filhos apesar de sua penúria de meios. Reproduzo literal-mente
suas declarações, conforme as recebi de sua boca. Que ele seja um trabalhador qualificado, percebe-se, se digo que ele é
empregado para artigos destinados ao mercado de Manchester. Johnson: "Sou um beetler e trabalho das 6 horas da manhã às
11 da noite, de segunda a sexta. Aos sábados terminamos às 6 da tarde, e temos 3 horas para refeições e descanso. Tenho 5
filhos. Por esse trabalho, ganho 10 xelins e 6 pence por semana; minha mulher trabalha também e ganha 5 xelins por semana.
Minha filha mais velha, de 12 anos, cuida da casa. Ela é nossa cozinheira e única serviçal. É ela quem prepara os mais jovens
para a escola. Minha mulher se levanta comigo e sai comigo. Uma menina que passa por nossa casa nos acorda às 5 1/ 2 da
manhã. Não comemos nada antes de ir para o serviço. A criança de 12 anos cuida das crianças pequenas durante o dia. Tomamos
o desjejum das 8 horas e para isso vamos para casa. Temos chá uma vez por semana; senão temos uma papa (stirabout), às vezes
de farinha de aveia, às vezes de farinha de milho, conforme o que conseguimos arranjar. No inverno, acrescentamos um pouco
de açúcar e água à nossa farinha de milho. No verão colhemos algumas batatas que plantamos num pedacinho de terra e, quan-do
elas acabam, voltamos para a papa. (...) Assim vão as coisas, dia após dia, domingos e dias úteis, o ano todo. Estou sempre
exausto à noite, quando termino o serviço do dia. Só comemos um pedaço de carne excepcionalmente, mas é muito raro.
Três de nossos filhos vão à escola, para o que pagamos sema-


OS ECONOMISTAS


334
670 pp. 21, 13.
323#
nalmente 1 pence por cabeça. Nosso aluguel é de 9 cêntimos por semana. Turfa para aquecimento custa não menos que 1 xelim
e 6 cêntimos por quinzena". 671
Estes são os salários irlandeses, esta é a vida irlandesa! De fato, a miséria da Irlanda está novamente na ordem do dia


na Inglaterra. No final de 1866 e início de 1867, um dos magnatas
rurais irlandeses, lorde Dufferin, lançou-se pelo Times à solução: "Quão
humanitário da parte de tão grande senhor!" Na Tabela E, viu-se que, durante o ano de 1864, de 4 368 610


libras esterlinas de lucro global, 3 extratores de mais-valia embolsaram apenas 262 819; que no entanto, os mesmos 3 virtuoses da "renúncia",
em 1865 do lucro global de 4 669 979 libras esterlinas embolsaram 274 528; em 1864, 26 extratores de mais-valia, 646 377 libras esterlinas;
em 1865, 28 extratores de mais-valia, 736 448 libras esterlinas; em 1864, 121 extratores de mais-valia 1 076 912 libras esterlinas; em 1864,
1 131 extratores de mais-valia, 2 150 818 libras esterlinas, quase a metade do lucro global anual; em 1865, 1 194 extratores de mais-valia,
2 418 833 libras esterlinas, mais da metade do lucro global anual. Mas a parte do leão, que um número ínfimo de magnatas fundiários
devora do produto nacional na Inglaterra, Escócia e Irlanda, é tão monstruosa que a sabedoria de Estado inglesa achou conveniente
não fornecer sobre a distribuição de renda da terra o mesmo material estatístico fornecido a respeito da distribuição do lucro. Lorde Duf-ferin
é um desses magnatas fundiários. Que rendas da terra e lucros possam alguma vez ser "redundantes" ou que sua pletora tenha de
algum modo conexão com a pletora de miséria do povo é, natural-mente, uma concepção tão "desrespeitosa" quanto "malsã" (unsound).
Ele se atém a fatos. O fato é que à medida que o tamanho da população irlandesa diminui, as rendas da terra irlandesa aumen-tam,
que o despovoamento "faz bem" ao proprietário fundiário, por-tanto também ao solo, portanto também ao povo, que é apenas aces-sório
do solo. Por conseguinte, ele declara que a Irlanda ainda está superpovoada e que a corrente emigratória flui com demasiada len-tidão.
Para ser completamente feliz, a Irlanda teria de liberar ao menos ainda 1/ 3 de milhão de trabalhadores. Não se presuma que
esse lorde, poeta além do mais, seja um médico da escola de San-grado, que, toda vez que verificava que seus pacientes não tinham
melhorado, prescrevia uma sangria, uma nova sangria, até que o paciente perdesse, junto com o sangue, também a doença. Lorde
Dufferin pede uma nova sangria de apenas 1/ 3 de milhão, em vez uma de cerca de 2 milhões, sem a qual, com efeito, o milênio não
se pode estabelecer em Erin. A prova é fácil de fornecer.


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335
671 Reports of Insp. of Fact. for 31 st. Oct. 1866. p. 96.
324#
Número e Tamanho dos Arrendamentos na Irlanda em 1864
A centralização aniquilou de 1851 até 1861 principalmente ar-rendamentos das três primeiras categorias, com menos de 1 e não
mais de 15 acres. São as que devem, antes de mais nada, desaparecer. Isso dá 307 058 arrendatários "redundantes", e a família, calculada
com base na baixa média de 4 cabeças, resulta em 1 228 232 pessoas. Com o extravagante pressuposto de que 1/ 4 delas seja novamente ab-sorvível,
depois de concluída a revolução agrícola, restam por emigrar: 921 174 pessoas. As categorias 4, 5 e 6, de mais de 15 e não mais de
100 acres, são, como há muito já se sabe na Inglaterra, pequenas demais para a plantação capitalista de cereais e grandezas ínfimas para a
criação de carneiros. Com os mesmos pressupostos de antes, pois, há outras tantas 788 761 pessoas para emigrar. Soma: 1 709 532. E, comme
l'appétit viente en mangeant, os olhos da renda fundiária logo desco-brirão que a Irlanda, com 3,5 milhões, continuará sempre miserável
porque superpovoada, portanto que seu despovoamento precisa ir ainda muito além para que realize sua verdadeira vocação: a de ser pastagem
de ovelhas e gado para a Inglaterra. 672


OS ECONOMISTAS


336
672 Como a epidemia da fome e as circunstâncias que ela trouxe foram planejadamente ex-ploradas pelos proprietários fundiários individuais assim como pela legislação
inglesa para
impor violentamente a revolução agrícola e reduzir a população irlandesa à média conve-niente aos senhores de terras, irei demonstrar mais detalhadamente no Livro
Terceiro
desta obra, na seção sobre a propriedade fundiária. Lá voltarei a tratar da situação dos pequenos proprietários e dos trabalhadores agrícolas. Aqui, apenas uma citação.
Nassau
W. Senior diz, em sua obra póstuma Journals, conversations and Essays Relating to Ireland. 2 v., Londres, 1868. v. II, p. 282. Acertadamente observou o Dr. G.: "Nós
temos nossa Lei
dos Pobres e ela é um grande instrumento para dar a vitória aos senhores de terras. Outro (...) é a emigração. Nenhum amigo da Irlanda pode querer que a guerra"
(entre os senhores
de terras e os pequenos arrendatários celtas) "se prolongue — e muito menos que ela acabe com a vitória dos arrendatários. (...) Quanto antes ela" (esta guerra)
"terminar, quanto
mais cedo a Irlanda se tornar um país de pastos (grazing country), com a população rela-
325#
Esse lucrativo método tem, como tudo o que é bom neste mundo, seu inconveniente. Com a acumulação da renda fundiária na Irlanda
se dá, no mesmo ritmo, a acumulação de irlandeses na América. O irlandês deslocado por ovelha e boi ressurge do outro lado do oceano
como feniano. E, perante a antiga Rainha do Mar, eis que se levanta cada vez mais ameaçadora a jovem e gigantesca república.


Acerba fata Romanos agunt Scelusque fraternae necis.


MARX


337
tivamente pequena que um país de pastos requer, tanto melhor para todas as classes". As leis inglesas do trigo, de 1815, asseguraram à Irlanda o monopólio da livre
exportação de
cereais para a Grã-Bretanha. Favoreceram, por conseguinte, artificialmente o cultivo de cereal. Esse monopólio foi subitamente removido em 1846 com a abolição das
leis do trigo.
Abstraindo as demais circunstâncias, só esse evento foi suficiente para dar grande impulso à transformação das terras irlandesas de lavoura em pastagens de gado,
à concentração
dos arrendamentos e à expulsão dos pequenos camponeses. Depois de se ter, de 1815 a 1846, celebrado a fecundidade do solo irlandês e de se ter proclamado, em alto
e bom som,
que ele foi destinado pela própria Natureza para o cultivo de cereais, desse momento em diante agrônomos, economistas e políticos ingleses descobriram subitamente
que o solo
irlandês só serve para produzir forragens! M. Léonce de Lavergne apressou-se em repetir isso do outro lado do canal. É preciso um homem "sério" à la Lavergne para
se deixar levar
por tais infantilidades.
326#
CAPÍTULO XXIV
A Assim Chamada Acumulação Primitiva


1. O segredo da acumulação primitiva
Viu-se como dinheiro é transformado em capital, como por meio do capital é produzida mais-valia e da mais-valia mais capital. A acu-mulação
do capital, porém, pressupõe a mais-valia, a mais-valia a pro-dução capitalista, e esta, por sua vez, a existência de massas relati-vamente
grandes de capital e de força de trabalho nas mãos de pro-dutores de mercadorias. Todo esse movimento parece, portanto, girar
num círculo vicioso, do qual só podemos sair supondo uma acumulação "primitiva" (previous accumulation em A. Smith), precedente à acu-mulação
capitalista, uma acumulação que não é resultado do modo de produção capitalista, mas sim seu ponto de partida.
Essa acumulação primitiva desempenha na Economia Política um papel análogo ao pecado original na Teologia. Adão mordeu a maçã
e, com isso, o pecado sobreveio à humanidade. Explica-se sua origem contando-a como anedota ocorrida no passado. Em tempos muito re-motos,
havia, por um lado, uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo parcimoniosa, e, por outro, vagabundos dissipando tudo o que tinham
e mais ainda. A legenda do pecado original teológico conta-nos, contudo, como o homem foi condenado a comer seu pão com o suor de seu rosto;
a história do pecado original econômico no entanto nos revela por que há gente que não tem necessidade disso. Tanto faz. Assim se explica
que os primeiros acumularam riquezas e os últimos, finalmente, nada tinham para vender senão sua própria pele. E desse pecado original
data a pobreza da grande massa que até agora, apesar de todo seu trabalho, nada possui para vender senão a si mesma, e a riqueza dos
poucos, que cresce continuamente, embora há muito tenham parado de trabalhar. Tais trivialidades infantis o sr. Thiers, por exemplo, serve
ainda, com a solene seriedade de um homem de Estado, em defesa da
339
327#
propriété, 673 aos franceses, outrora tão espirituosos. Mas, tão logo entra em jogo a questão da propriedade, torna-se dever sagrado sustentar o
ponto de vista da cartilha infantil, como o único adequado a todas as classes etárias e graus de desenvolvimento. Na história real, como se
sabe, a conquista, a subjugação, o assassínio para roubar, em suma, a violência, desempenham o principal papel. Na suave Economia Po-lítica
reinou desde sempre o idílio. Desde o início, o direito e o "trabalho" têm sido os únicos meios de enriquecimento, excetuando-se de cada
vez, naturalmente, "este ano". Na realidade, os métodos da acumulação primitiva são tudo, menos idílicos.
Dinheiro e mercadoria, desde o princípio, são tão pouco capital quanto os meios de produção e de subsistência. Eles requerem sua
transformação em capital. Mas essa transformação mesma só pode realizar-se em determinadas circunstâncias, que se reduzem ao seguin-te:
duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias têm de defrontar-se e entrar em contato; de um lado, possuidores de di-nheiro,
meios de produção e meios de subsistência, que se propõem a valorizar a soma-valor que possuem mediante compra de força de tra-balho
alheia: do outro, trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e, portanto, vendedores de trabalho. Trabalhadores
livres no duplo sentido, porque não pertencem diretamente aos meios de produção, como os escravos, os servos etc., nem os meios de produção
lhes pertencem, como, por exemplo, o camponês economicamente au-tônomo etc., estando, pelo contrário, livres, soltos e desprovidos deles.
Com essa polarização do mercado estão dadas as condições fundamen-tais da produção capitalista. A relação-capital pressupõe a separação
entre os trabalhadores e a propriedade das condições da realização do trabalho. Tão logo a produção capitalista se apóie sobre seus próprios
pés, não apenas conserva aquela separação, mas a reproduz em escala sempre crescente. Portanto, o processo que cria a relação-capital não
pode ser outra coisa que o processo de separação de trabalhador da propriedade das condições de seu trabalho, um processo que transforma,
por um lado, os meios sociais de subsistência e de produção em capital, por outro, os produtores diretos em trabalhadores assalariados. A assim
chamada acumulação primitiva é, portanto, nada mais que o processo histórico de separação entre produtor e meio de produção. Ele aparece
como "primitivo" porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe corresponde.
A estrutura econômica da sociedade capitalista proveio da estru-tura econômica da sociedade feudal. A decomposição desta liberou os
elementos daquela. O produtor direto, o trabalhador, somente pôde dispor de sua


OS ECONOMISTAS


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673 Propriedade. (N. dos T.)
328#
pessoa depois que deixou de estar vinculado à gleba e de ser servo ou dependente de outra pessoa. Para tornar-se livre vendedor de força de
trabalho, que leva sua mercadoria a qualquer lugar onde houver mer-cado para ela, ele precisava ainda ter escapado do domínio das corpo-rações,
de seus regulamentos para aprendizes e oficiais e das prescrições restritivas do trabalho. Assim, o movimento histórico, que transforma
os produtores em trabalhadores assalariados, aparece, por um lado, como sua libertação da servidão e da coação corporativa; e esse aspecto
é o único que existe para nossos escribas burgueses da História. Por outro lado, porém, esses recém-libertados só se tornam vendedores de
si mesmos depois que todos os seus meios de produção e todas as garantias de sua existência, oferecidas pelas velhas instituições feudais,
lhes foram roubados. E a história dessa sua expropriação está inscrita nos anais da humanidade com traços de sangue e fogo.
Os capitalistas industriais, esses novos potentados, tiveram de deslocar, por sua vez, não apenas os mestres-artesãos corporativos,
mas também os senhores feudais, possuidores das fontes de riquezas. Sob esse aspecto, sua ascensão apresenta-se como fruto de uma luta
vitoriosa contra o poder feudal e seus privilégios revoltantes, assim como contra as corporações e os entraves que estas opunham ao livre
desenvolvimento da produção e à livre exploração do homem pelo ho-mem. Mas os cavaleiros da indústria só conseguiram desalojar os ca-valeiros
da espada explorando acontecimentos em que não tiveram a menor culpa. Eles se lançaram ao alto por meios tão vis quanto os
que empregou outrora o liberto romano para tornar-se senhor de seu patronus. 674
O ponto de partida do desenvolvimento que produziu tanto o trabalhador assalariado quanto o capitalista foi a servidão do tra-balhador.
A continuação consistiu numa mudança de forma dessa sujeição, na transformação da exploração feudal em capitalista. Para
compreender sua marcha, não precisamos volver a um passado tão longínquo. Ainda que os primórdios da produção capitalista já se
nos apresentam esporadicamente em algumas cidades mediterrâ-neas, nos séculos XIV e XV, a era capitalista só data do século XVI.
Onde ela surge, a servidão já está abolida há muito tempo e o ponto mais brilhante da Idade Média, a existência de cidades soberanas,
há muito começou a empalidecer. O que faz época na história da acumulação primitiva são todos
os revolucionamentos que servem de alavanca à classe capitalista em formação; sobretudo, porém, todos os momentos em que grandes massas
humanas são arrancadas súbita e violentamente de seus meios de sub-sistência e lançadas no mercado de trabalho como proletários livres


MARX


341
674 Patrono. (N. dos T.)
329#
como os pássaros. A expropriação da base fundiária do produtor rural, do camponês, forma a base de todo o processo. Sua história assume co-loridos
diferentes nos diferentes países e percorre as várias fases em se-qüência diversa e em diferentes épocas históricas. Apenas na Inglaterra,
que, por isso, tomamos como exemplo, mostra-se em sua forma clássica. 675
2. Expropriação do povo do campo de sua base fundiária


Na Inglaterra, a servidão tinha na última parte do século XIV de fato desaparecido. A grande maioria da população 676 consistia na-quela


época, e mais ainda no século XV, de camponeses livres, econo-micamente autônomos, qualquer que fosse a etiqueta feudal que ocul-tasse
sua propriedade. Nos domínios senhoriais maiores o bailiff, 677 outrora ele mesmo servo, foi desalojado pelo arrendatário livre. Os
trabalhadores assalariados da agricultura consistiam, em parte, em camponeses, que aproveitavam seu tempo de lazer trabalhando para
os grandes proprietários, em parte numa classe independente, relativa e absolutamente pouco numerosa, de trabalhadores assalariados pro-priamente
ditos. Também estes eram, ao mesmo tempo, de fato cam-poneses economicamente autônomos, pois recebiam, além de seu salá-rio,
um terreno arável de 4 ou mais acres além do cottage. Além disso, junto com os camponeses propriamente ditos, gozavam o usufruto das
terras comunais, em que pastava seu gado e que lhes forneciam ao mesmo tempo combustíveis, como lenha, turfa etc. 678 Em todos os países


OS ECONOMISTAS


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675 Na itália, onde a produção capitalista desenvolveu-se mais cedo, ocorre também mais cedo a dissolução das relações de servidão. O servo é emancipado aqui antes
de ter-se assegurado,
por prescrição, qualquer direito à base fundiária. Sua emancipação transforma-o, pois, imediatamente num proletário livre como os pássaros, que, porém, já encontra
os novos
senhores nas cidades, em sua maioria originárias da época de Roma. Quando a revolução do mercado mundial, no final do século XV, destruiu a supremacia comercial
do norte da
Itália, surgiu um movimento em sentido contrário. Os trabalhadores das cidades foram expulsos em massa para o campo e lá deram à pequena agricultura, exercida sob
a forma
de jardinagem, impulso nunca visto. 676 "Os pequenos proprietários fundiários, que cultivavam suas próprias terras com as próprias
mãos e usufruíam modesto bem-estar (...) constituíam então uma parte muito mais impor-tante da nação em relação aos tempos atuais. (...) Nada menos que 160 mil proprietários,
que com suas famílias deviam ter representado mais de 1/ 7 da população total, viviam da exploração de suas pequenas parcelas freehold" (freehold é propriedade plenamente
livre).
"O rendimento médio desses pequenos proprietários fundiários (...) é avaliado como sendo de 60 a 70 libras esterlinas. Calculou-se que o número daqueles que cultivavam
sua própria
terra era maior que o dos arrendatários que lavraram terra alheia." (MACAULAY. Hist. of England. 10ª ed., Londres, 1854. I, pp. 333-334.) Ainda no último terço do
século XVII,
4/ 5 da massa popular inglesa eram agricultores (Op. cit., p. 413). — Cito Macaulay porque, como falsário sistemático da História, ele "poda" tanto quanto possível
tais fatos.
677 Bailio. (N. dos T.) 678 Não se deve esquecer jamais que o próprio servo não era apenas proprietário, ainda que
proprietário sujeito a tributos, da parcela de terra pertencente a sua casa, mas também co-proprietário das terras comunais. "O camponês é lá" (na Silésia) "servo".
Não obstante,
possuem esses serfs bens comunais. "Não se conseguiu até agora induzir os silesianos à partilha das terras comunais, enquanto na Neumark não existe quase nenhuma
aldeia em
que essa partilha não tenha sido efetuada com grande sucesso." (MIRABEAU. De la Mo-narchie Prussienne. Londres, 1788. t. II, pp. 125-126).
330#
da Europa, a produção feudal é caracterizada pela partilha do solo entre o maior número possível de súditos. O poder de um senhor feudal,
como o de todo soberano, não se baseava no montante de sua renda, mas no número de seus súditos, e este dependia do número de cam-poneses
economicamente autônomos. 679 Embora o solo inglês, depois da conquista normanda, tenha sido dividido em baronias gigantescas,
das quais uma única muitas vezes abrangia a extensão de 900 antigos senhorios anglo-saxônicos, ele estava salpicado de pequenas explorações
camponesas, interrompidas apenas aqui e ali por domínios senhoriais maiores. Tais condições, com o florescimento simultâneo das cidades,
característico do século XV, permitiam aquela riqueza do povo de que o chanceler Fortescue tanto fala em seus Laudibus Legum Angliae,
mas excluíam a riqueza de capital. O prelúdio do revolucionamento, que criou a base do modo de
produção capitalista, ocorreu no último terço do século XV e nas pri-meiras décadas do século XVI. Uma massa de proletários livres como
os pássaros foi lançada no mercado de trabalho pela dissolução dos séquitos feudais, que, como observa acertadamente Sir James Steuart,
"por toda parte enchiam inutilmente casa e castelo". 680 Embora o poder real, ele mesmo um produto do desenvolvimento burguês, em sua luta
pela soberania absoluta tenha acelerado violentamente a dissolução desses séquitos, ele não foi, de modo algum, sua única causa. Foi muito
mais, em oposição mais teimosa à realeza e ao Parlamento, o grande senhor feudal quem criou um proletariado incomparavelmente maior
mediante expulsão violenta do campesinato da base fundiária, sobre a qual possuía o mesmo título jurídico feudal que ele, e usurpação de sua
terra comunal. O impulso imediato para isso foi dado, na Inglaterra, no-meadamente pelo florescimento da manufatura flamenga de lã e a con-seqüente
alta dos preços da lã. A velha nobreza feudal fora devorada pelas grandes guerras feudais; a nova era uma filha de seu tempo, para
a qual o dinheiro era o poder dos poderes. Por isso, a transformação de terras de lavoura em pastagens de ovelhas tornou-se sua divisa. Harrison,
em sua Description of England. Prefixed to Holinshed's Chronicles, descreve como a expropriação dos pequenos camponeses arruína o país. What
care our great incroachers! (Mas o que importa isso a nossos grandes usurpadores!) As habitações dos camponeses e os cottages dos traba-lhadores
foram violentamente demolidos ou entregues à ruína.
"Consultando", diz Harrison, "os inventários mais antigos de


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679 O Japão, com seu sistema puramente feudal de propriedade fundiária e sua economia desenvolvida de pequena agricultura, oferece um quadro muito mais fiel da Idade
Média
européia que todos os nossos livros de História, ditados em sua maioria por preconceitos burgueses. É fácil demais ser "liberal" à custa da Idade Média.
680 STEUART, James. An Inquiry into the Principles of Political Economy. Dublin, 1770, v. I, p. 52. (N. da Ed. Alemã.)
331#
cada domínio senhorial, ver-se-á que desapareceram inúmeras casas e pequenas explorações camponesas, que o campo alimenta
muito menos gente, que muitas cidades decaíram, ainda que al-gumas novas floresçam. (...) De cidades e aldeias, que foram des-truídas
para dar lugar a pastagens de ovelhas e onde ficaram apenas as casas senhoriais, eu poderia dizer algo."


As queixas daquelas antigas crônicas são sempre exageradas, mas ilustram exatamente como a revolução nas condições de produção
impressionou os próprios contemporâneos. Uma comparação dos escri-tos do chanceler Fortescue e de Thomas Morus torna visível o abismo
entre os séculos XV e XVI. De sua idade de ouro, a classe trabalhadora inglesa caiu sem transição, como Thornt diz acertadamente, à idade
de ferro.
A legislação aterrorizou-se com esse revolucionamento. Não tinha chegado àquele ápice da civilização em que a wealth of the nation, isto


é, a formação do capital e a exploração inescrupulosa e o empobreci-mento da massa do povo, é considerada o píncaro de toda a sabedoria
de Estado. Em sua história de Henrique VII, diz Bacon:
"Naquele tempo" (1489) "aumentaram as queixas sobre a trans-formação de terras de lavoura em pastagens" (para criação de


ovelhas etc.) "fáceis de cuidar por poucos pastores; e arrenda-mentos por tempo determinado, vitalícios ou anualmente revo-gáveis
(dos quais vivia grande parte dos yeomen) 681 foram trans-formados em domínios senhoriais. Isso provocou uma decadência
das cidades, igrejas, dízimos. (...) Na cura desse mal, a sabedoria do rei e do Parlamento naquela época foi admirável. (...) Tomaram
medidas contra essa usurpação despovoadora das terras comunais (depopulating inclosures) e a exploração pastoril despovoadora
(depopulating pasture) que lhe seguia as pegadas".
Um decreto de Henrique VII, de 1489, c. 19, proibiu a destruição de todas as casas camponesas, às quais pertenciam pelo menos 20


acres de terra. Num decreto 25, 682 de Henrique VIII, a mesma lei é renovada. Diz-se ali, entre outras coisas, que:


"muitos arrendamentos e grandes rebanhos de gado, especial-mente de ovelhas, acumulam-se em poucas mãos, por meio do
que as rendas da terra tinham crescido muito, decaindo, ao mesmo tempo, a lavoura (tillage), sendo demolidas igrejas e casas e mas-sas
populares maravilhosas incapacitadas de sustentar a si mes-mas e a suas famílias".


OS ECONOMISTAS


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681 Camponeses livres. (N. dos T.) 682 Ou seja, um decreto baixado no 25º ano do reinado de Henrique VIII. (N. dos T.)
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A lei ordena, por isso, a reconstrução das propriedades campo-nesas decaídas, determina a proporção entre campos de cereais e pas-tagens
etc. Um decreto de 1533 se queixa de que alguns proprietários possuíam 24 mil ovelhas e limita seu número a 2 000. 683 As queixas
do povo e a legislação, que a partir de Henrique VII continuamente, por 150 anos, se voltava contra a expropriação dos pequenos arrenda-tários
e camponeses, foram igualmente infrutíferas. O segredo de seu fracasso nos revela Bacon, sem o saber.


"O decreto de Henrique VII", diz ele, em seus Essays, Civil and Moral, seção 29, "era profundo e digno de admiração ao criar
explorações camponesas e casa rurais de determinado padrão, isto é, ao manter para os lavradores uma proporção de terra que
os capacitava a trazer ao mundo súditos com riqueza suficiente e sem posição servil, mantendo o arado em mão de proprietários
e não de trabalhadores de aluguel (to keep the plough in the hand of the owners and not hirelings).


Mas o que o sistema capitalista requeria era, ao contrário, uma posição servil da massa do povo, sua transformação em trabalhadores
de aluguel e a de seus meios de trabalho em capital. Durante esse período de transição, a legislação procurou também conservar os 4
acres de terras junto ao cottage do assalariado agrícola e lhe proibiu de tomar inquilinos em seu cottage. Ainda em 1627, sob Carlos I, Roger
Crocker de Fontmill foi condenado pela construção no domínio de Font-mill de um cottage sem 4 acres de terra como anexo permanente; ainda
em 1638, sob Carlos I, foi nomeada uma comissão real para impor a execução das velhas leis, notadamente sobre os 4 acres de terra; Crom-well
também proibiu a construção de uma casa num raio de 4 milhas ao redor de Londres se não estivesse dotada de 4 acres de terra. Ainda
na primeira metade do século XVIII fazem-se queixas quando o cottage do trabalhador agrícola não tem como complemento 1 ou 2 acres. Hoje
ele está feliz quando ela é dotada de um jardinzinho ou quando pode arrendar longe dela umas poucas varas de terra.


"Senhores de terra e arrendatários", diz Dr. Hunter, "agem, nesse caso, de mãos dadas. Poucos acres junto ao cottage torna-riam
o trabalhador demasiado independente." 684
O processo de expropriação violenta da massa do povo recebeu novo e terrível impulso, no século XVI, pela Reforma e, em conseqüência


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683 Em sua Utopia, Thomas Morus fala de um país singular, onde "as ovelhas devoram os seres humanos". (Utopia. Tradução de Robinson. Ed. Arber, Londres, 1869, p.
41).
684 Dr. HUNTER. Op. cit., p. 134. — "A quantidade de terra que" (nas velhas leis) "era atribuída seria hoje considerada grande demais para trabalhadores e mais apropriada
para trans-formá-
los em pequenos arrendatários." (ROBERTS, George. The Social History of the People of the Southern Counties of England in Past Centuries. Londres, 1856, p. 184.)
333#
dela, pelo roubo colossal dos bens da Igreja. Na época da Reforma, a Igreja Católica era a proprietária feudal de grande parte da base fun-diária
inglesa. A supressão dos conventos etc. lançou seus moradores na proletarização. Os próprios bens da Igreja foram, em grande parte,
dados a rapaces favoritos reais ou vendidos por um preço irrisório a arrendatários ou a habitantes das cidades especuladoras, que expul-saram
em massa os antigos súditos hereditários, juntando suas explo-rações. A propriedade legalmente garantida a camponeses empobreci-dos
de uma parte dos dízimos da Igreja foi tacitamente confiscada. 685 Pauper ubique jacet, 686 exclamou a rainha Elisabeth após uma viagem
através da Inglaterra. No 43º ano de seu reinado, foi forçado finalmente o reconhecimento oficial do pauperismo, mediante a introdução do im-posto
para os pobres.
"Os autores dessa lei se envergonhavam de enunciar suas ra-zões e por isso, contra toda a tradição, trouxeram-na ao mundo


sem nenhum preâmbulo (exposição de motivos)." 687
Essa lei foi declarada perpétua por 16. Car. I., 4, 688 e recebeu, na realidade, somente em 1834, uma forma nova e mais dura. 689 Esses


OS ECONOMISTAS


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685 "O direito dos pobres a participar nos dízimos da Igreja é fixado por velhos estatutos." (TUCKETT. Op. cit., v. II, pp. 804-805.)
686 "O pobre é em toda parte subjugado." — Da obra de Ovídio. Fasti. Livro Primeiro, verso 218. 687 COBBET, William. A History of the Protestant Reformation. § 471.
688 4ª lei do 16º ano do reinado de Carlos I. (N. dos T.) 689 Reconhece-se o "espírito" protestante, entre outras coisas, no seguinte. No sul da Inglaterra,
vários proprietários fundiários e arrendatários abastados reuniram suas inteligências e formularam 10 perguntas sobre a interpretação correta da Lei dos Pobres da
rainha Eli-zabeth,
as quais submeteram a um jurista famoso daquele tempo, Sergeabt Snigge (mais tarde juiz, sob Jaime I) para dar parecer. "Nona pergunta. Alguns dos ricos arrendatários
da paróquia imaginaram um plano inteligente, pelo qual podem ser afastadas todas as confusões na aplicação da lei. Eles propõem a construção de uma prisão na paróquia.
A
todo pobre que não se deixar encarcerar nessa prisão, deverá ser negado o auxílio. Deverá então ser anunciado à vizinhança que, se qualquer pessoa estiver disposta
a arrendar os
pobres dessa paróquia, deve apresentar propostas lacradas, em determinado dia, dando o preço mais baixo pelo qual ela nos desejaria tomá-los. Os autores desse plano
supõem que,
nos condados vizinhos, haja pessoas que não desejam trabalhar e não possuem fortuna ou crédito para conseguir um arrendamento ou um barco, de modo que possam viver
sem
trabalho (so as to live without labour). Tais pessoas devem estar dispostas a fazer propostas muito vantajosas para a paróquia. Caso um ou outro pobre morra sob
a tutela do contratante,
o pecado será dele, pois a paróquia teria cumprido seus deveres para com os mesmos pobres. Receamos, porém, que a atual lei não permita uma medida prudente (prudential
measure) dessa espécie; mas o senhor precisa saber que os demais freeholders desse condado e dos adjacentes se juntarão a nós para induzir seus representantes na
Câmara dos Comuns
a propor uma lei que permita o encarceramento e o trabalho forçado dos pobres, de modo que qualquer pessoa que se opuser ao encarceramento não tenha direito a nenhum
auxílio.
Isso, esperamos, irá impedir pessoas que se encontram na miséria de requerer ajuda (will prevent persons is distress from wanting relief). (BLAKEY, R. The History
of Political
Literature from the Earliest Times. Londres, 1855. v. II, pp. 84-85.) — Na Escócia, a abolição da servidão teve lugar séculos depois de sua extinção na Inglaterra.
Ainda em 1698, Fletcher
de Saltoun declarou no Parlamento escocês: "O número de mendigos, na Escócia, é estimado em não menos que 200 mil. O único remédio que eu, um republicano por princípio,
posso
propor é restaurar a antiga condição de servidão e tornar escravos todos os que sejam incapazes de prover sua própria subsistência". Assim também EDEN. Op. cit.,
Livro Pri-
334#
efeitos imediatos da Reforma não foram os mais persistentes. A pro-priedade da Igreja constituía o baluarte religioso das antigas relações
de propriedade. Ao cair aquela, estas não poderiam ser mantidas. 690 Ainda nas últimas décadas do século XVII, a yeomanry, uma
classe de camponeses independentes, era mais numerosa que a classe dos arrendatários. Ela constituíra a força principal de Cromwell e,
conforme confessa o próprio Macaulay, contrastava vantajosamente com os fidalgos porcalhões e beberrões e seus lacaios, os curas rurais, que
tinham de conseguir casamento para a "criada preferida" do senhor. Os assalariados rurais ainda participavam da propriedade comunal.
Ao redor de 1750, a yeomanry tinha desaparecido 691 e, nas últimas décadas do século XVIII, o último vestígio de propriedade comunal dos
lavradores. Abstraímos as forças motrizes puramente econômicas da revolução agrícola. O que procuramos são as alavancas com que foi
violentamente realizada. Sob a restauração dos Stuarts, os proprietários fundiários impu-seram
legalmente uma usurpação, que em todo o continente realizou-se sem rodeios legais. Eles aboliram a constituição feudal do solo, isto é,
jogaram as obrigações que o gravavam sobre o Estado, "indenizaram" o Estado por meio de impostos sobre o campesinato e o resto da massa
do povo, vindicaram a moderna propriedade privada de bens, sobre os quais possuíam apenas títulos feudais, e outorgaram, finalmente, aque-las
leis de assentamento (laws of settlement) que tiveram, mutatis mu-tandis, sobre os lavradores ingleses os mesmos efeitos que o edito do
tártaro Boris Godunov sobre o campesinato russo. 692 A Glorious Revolution (Revolução Gloriosa) 693 trouxe, com Gui-


MARX


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meiro, cap. 1, pp. 60-61. — "Da liberdade dos lavradores data o pauperismo (...) manufaturas e comércio são os verdadeiros pais de nossos pobres nacionais." Eden,
como aquele repu-blicano
escocês por princípio, equivoca-se apenas porque não é a abolição da servidão, mas a abolição da propriedade do lavrador sobre a base fundiária que o torna proletário,
res-pectivamente
pauper. — Às leis dos pobres da Inglaterra correspondem na França, onde a expropriação operou-se de outro modo, a Ordenança de Moulins, 1566, e o Edito de 1656.
690 O Sr. Rogers, apesar de ser então professor de Economia Política na Universidade de Oxford, sede da ortodoxia protestante, acentua em seu prefácio à History
of Agriculture à
pauperização da massa do povo pela Reforma. 691 A Letter to Sir T. C. Bunbury, Brt.: On the High Price of Provisions. By a Suffolk Gentleman.
Ipswich, 1795. p. 4. Mesmo o fanático defensor do sistema de grandes arrendamentos, o autor [J. Arbuthnot] da Inquiry into the Connection of Large Farms etc. (Londres
1773. p.
139) diz: "O que deploro mais é a perda de nossa yeomanry, aquele conjunto de homens que, na realidade, sustentou a independência desta nação; e lamento ver suas
terras, agora
nas mãos de lordes monopolizadores, serem arrendadas a pequenos arrendatários, que obtêm seus arrendamentos sob tais condições que são pouco mais que vassalos que
em toda
ocasião adversa têm de atender a chamados". 692 Sob o reinado de Fiodor Ivanovitch (1584-1598), quando o soberano de fato da Rússia era
Boris Godunov, foi decretado um edito, em 1597, segundo o qual os camponeses que tinham fugido do jugo insuportável e das chicanas dos proprietários fundiários seriam
procurados
durante cinco anos e devolvidos à força a seus antigos senhores. 693 Designação habitual, na historiografia burguesa da Inglaterra, para o golpe de Estado de
1688. O golpe de Estado consolidou a monarquia constitucional na Inglaterra, que se baseava num compromisso entre os nobres proprietários fundiários e a burguesia.
(N. da Ed. Alemã.)
335#
lherme III de Orange, 694 extratores de mais-valia fundiários e capita-listas ao poder. Inauguraram a nova era praticando o roubo dos do-mínios
do Estado, até então realizado em proporções apenas modestas, em escala colossal. Essas terras foram presenteadas, vendidas a preços
irrisórios ou, mediante usurpação direta, anexadas a propriedades pri-vadas. 695 Tudo isso ocorreu sem nenhuma observância da etiqueta legal.
O patrimônio do Estado apropriado tão fraudulentamente, junto com o roubo da Igreja, na medida em que não sumiram durante a revolução
republicana, formam a base dos atuais domínios principescos da oli-garquia inglesa. 696 Os capitalistas burgueses favoreceram a operação
visando, entre outros motivos, transformar a base fundiária em puro artigo de comércio, expandir a área da grande exploração agrícola,
multiplicar sua oferta de proletários livres como os pássaros, prove-nientes do campo etc. Além disso, a nova aristocracia fundiária era
aliada natural da nova bancocracia, da alta finança que acabava de sair da casca do ovo e dos grandes manufatureiros, que então se apoia-vam
sobre tarifas protecionistas. A burguesia inglesa agiu assim, em defesa de seus interesses, tão acertadamente quanto os burgueses sue-cos
que, ao contrário, junto com seu baluarte econômico, o campesinato, apoiaram os reis na recuperação violenta das terras da Coroa em mãos
da oligarquia (desde 1604, mais tarde sob Carlos X e Carlos XI). A propriedade comunal — inteiramente diferente da propriedade
do Estado considerada acima — era uma antiga instituição germânica, que continuou a viver sob a cobertura do feudalismo. Viu-se como a
violenta usurpação da mesma, em geral acompanhada pela transfor-mação da terra de lavoura em pastagem, começa no final do século
XV e prossegue no século XVI. Mas então o processo efetivava-se como ato individual de violência, contra a qual a legislação lutou, em vão,
durante 150 anos. O progresso do século XVIII consiste em a própria lei se tornar agora veículo do roubo das terras do povo, embora os
grandes arrendatários empreguem paralelamente também seus peque-nos e independentes métodos privados. 697 A forma parlamentar do roubo


OS ECONOMISTAS


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694 Sobre a moral privada desse herói burguês lê-se, entre outras coisas: "As grandes concessões de terras a Lady Orkney na Irlanda, no ano de 1695, são uma demonstração
pública da
afeição do rei e da influência da lady. (...) consta que os preciosos serviços de Lady Orkney consistiram em (...) foeda-labiorum ministeria. (Na Sloane Manuscript
Collection, no Museu
Britânico, nº 4224. O manuscrito é intitulado: "The charakter and behaviour of King William, Sunderland etc. as represented in Original Letters to the Duke of Shrewsbury
from Somers,
Halifax, Oxford, Secretary Vermon etc." Está cheio de curiosidades.) 695 "A alienação ilegal dos bens da Coroa, em parte por venda e em parte por doação, constitui
um capítulo escandaloso na história inglesa (...) uma fraude gigantesca contra a nação (gigantic fraud on the nation)". (NEWMAN, F. W. Lectures on Political Econ.
Londres,
1851. pp. 129, 130) — {Como os atuais latifundiários ingleses chegaram a suas terras, pode-se ver em pormenores em [EVANS, N. H.] Our Old Nobility. By Noblesse Oblige.
Londres, 1879. — F. E.} 696 Leia-se, por exemplo, o panfleto de E. Bures sobre a casa ducal de Bedford, cujo fruto,
Lord Russell, é the tomtit of liberalism. 697 "Os arrendatários proíbem aos cottagers (caseiros) manterem qualquer ser vivo além deles
336#
é a das Bills for Inclosures of Commons (leis para o cercamento da terra comunal), em outras palavras, decretos pelos quais os senhores
fundiários fazem presente a si mesmos da terra do povo, como pro-priedade privada, decretos de expropriação do povo. Sir F. M. Eden
refuta sua astuta argumentação de advogado, na qual ele busca apre-sentar a propriedade comunal como propriedade privada dos grandes
proprietários fundiários, que tomaram o lugar dos feudais, ao pedir ele mesmo "uma lei parlamentar geral para o cercamento das terras
comunais", admitindo, portanto, que é necessário um golpe de Estado parlamentar para sua transformação em propriedade privada, porém,
por outro lado, solicitando da legislatura uma "indenização" para os pobres expropriados. 698
Enquanto o lugar dos yeomen independentes foi tomado por te-nants-at-will, arrendatários menores sujeitos a serem evictos em um
ano, um bando servil e dependente do capricho do landlord, foi, ao lado do roubo dos domínios do Estado, sobretudo o furto sistematica-mente
executado da propriedade comunal que ajudou a inchar aqueles grandes arrendamentos que, no século XVIII, eram chamados de ar-rendamentos
de capital 699 ou arrendamentos de mercador, 700 e a "li-berar" o povo rural como proletariado para a indústria.
O século XVIII entretanto não chegou ainda a compreender, na mesma medida que o século XIX, a identidade entre riqueza nacional
e pobreza do povo. Daí, portanto, a mais violenta polêmica na literatura econômica dessa época sobre o inclosure of commons. Eu cito do volu-moso
material que tenho à vista algumas passagens porque assim as circunstâncias serão visualizadas de modo mais vivo.


"Em muitas paróquias de Hertfordshire", escreve uma pena indignada, "24 arrendamentos com 50-150 acres em média foram
fundidos em 3 arrendamentos." 701 "Em Northamptonshire e Lin-colnshire tem predominado muito o cercamento das terras comu-nais
e a maioria dos novos senhorios surgidos dos cercamentos está convertida em pastagens; em conseqüência, muitos senhorios
não têm 50 acres sob o arado, onde anteriormente eram arados 1 500. (...) Ruínas de antigas habitações, celeiros, estábulos etc."
são os únicos vestígios dos antigos habitantes. "Cem casas e fa-


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349
próprios, sob o pretexto de que, caso eles tivessem gado ou aves, roubariam forragem dos celeiros. Eles dizem também: 'Mantenha os cottagers pobres e os manterá
laboriosos'. A
realidade dos fatos, porém, é que os arrendatários usurpam, assim, todos os direitos sobre as terras comunais." (A Political Enquiry into the Consequences of enclosing
Waste Lands.
Londres, 1785. p. 75.) 698 EDEN. Op. cit., Preface [pp. XVII, XIX].
699 "Capital Farms". (Two Letters on the Flour Trade and the Deamess of Corn. By a Person in Business. Londres, 1767. p. 19-20.)
700 "Merchant-Farms." (An Inquiry into the Present High Prices of Provisions. Londres, 1767. p. 111, nota.) Esse bom escrito, que apareceu anonimamente, é de autoria
do Rev. Nathaniel Forster.
701 WRIGHT, Thomas. A Short Address to the Public on the Monopoly of Large Farms. 1779. pp. 2-3.
337#
mílias, em alguns lugares, foram reduzidas (...) a 8 ou 10. (...) Os proprietários fundiários, na maioria das paróquias, onde o
cercamento somente se realizou há 15 ou 20 anos, são muito poucos em comparação com o número dos que lavraram a terra
quando na condição de campo aberto. Não é nada incomum ver 4 ou 5 ricos criadores de gado usurparem senhorios recentemente
cercados, que antes se encontravam em mãos de 20 a 30 arrenda-tários e outros tantos pequenos proprietários e moradores. Todos
eles e suas famílias foram expulsos de suas posses juntamente com muitas outras famílias que eram por eles ocupadas e mantidas." 702


Não apenas terra em alqueive, mas freqüentemente terra culti-vada, mediante certo pagamento à comunidade ou em comum, sob o
pretexto de cercamento era anexada pelo landlord vizinho.
"Eu falo aqui do cercamento de campos abertos e terras que já estão sendo cultivados. Mesmo os escritores que defendem os


inclosures admitem que estes últimos aumentam o monopólio dos grandes arrendamentos, elevam os preços dos meios de sub-sistência
e produzem despovoamento (...) e mesmo cercamento de terras desertas, como empreendem agora, rouba aos pobres
parte de seus meios de subsistência e incha arrendamentos que agora já são grandes demais." 703 "Se", diz o dr. Price, "a terra
cair nas mãos de alguns poucos grandes arrendatários, os pe-quenos arrendatários" (antes designados por ele como 'uma mul-tidão
de pequenos proprietários e arrendatários, que mantêm a si mesmos e a família com o produto das terras cultivadas por
eles, com ovelhas, aves, porcos etc. (...) que criam na terra co-munal, tendo portanto pouca oportunidade de comprar meios de
subsistência') "serão transformados em pessoas que terão de ga-nhar sua subsistência trabalhando para os outros e que serão
forçadas a ir ao mercado para comprar tudo de que precisam (...) Será realizado, talvez, mais trabalho, porque há mais compulsão
para isso. (...) Cidades e manufaturas crescerão, pois mais pessoas que buscam emprego serão impelidas para elas. Essa é a forma
como a concentração dos arrendamentos opera naturalmente e em que, neste reino, há muitos anos tem realmente operado." 704


Ele resume assim o efeito global dos enclosures:
"Ao todo a situação das classes inferiores do povo tem piorado


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350
702 Rev. ADDINGTON. Enquiry into the Reasons for or Against Enclosing open Fields. Londres, 1772. pp. 37-43 passim.
703 PRICE. Dr. R. Op. cit., v. II. pp. 155-156. Leia-se Forster, Addington, Kent. Price e James Anderson e compare-se a miserável tagarelice sicofanta de MacCulloch
em seu catálogo
The Literature of Political Economy, Londres, 1845. 704 Op. cit., p. 147-148.
338#
em quase todos os sentidos; os pequenos proprietários fundiários e arrendatários são rebaixados à condição de jornaleiros e tra-balhadores
de aluguel; e, ao mesmo tempo, tornou-se mais difícil ganhar a vida nessa condição". 705


Na realidade, a usurpação da terra comunal e a revolução da agricultura que a acompanhou tiveram efeitos tão agudos sobre o tra-balhador
agrícola que, segundo o próprio Eden, entre 1765 e 1780, seu salário começou a cair abaixo do mínimo e a ser complementado pela
assistência oficial aos pobres. Seu salário, diz ele, "bastava apenas para as necessidades vitais absolutas".
Ouçamos, por um momento ainda, um defensor dos enclosures e adversário do dr. Price.


"Não é correto concluir que haja despovoamento porque não se vê mais gente desperdiçando seu trabalho em campo aberto.
(...) Quando, depois da transformação dos pequenos camponeses em pessoas que têm de trabalhar para outros, mais trabalho é
produzido, isso é uma vantagem que a nação" (à qual os trans-formados naturalmente não pertencem) "deve desejar. (...) O pro-duto
torna-se maior, quando seu trabalho combinado é empregado num arrendamento: assim é formado produto excedente para as
manufaturas, e por meio deste as manufaturas, uma das minas de ouro desta nação, serão multiplicadas em proporção ao quan-tum
produzido de cereais." 706
A estóica serenidade com que o economista político encara as violações mais desavergonhadas do "sagrado direito de propriedade" e


os atos de violência mais grosseira contra as pessoas, na medida em


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705 Op. cit., pp. 159-160. Recorda-se de Roma Antiga. "Os ricos tinham se apoderado da maior parte das terras não partilhadas. Eles confiavam, nas circunstâncias
da época, que elas
não lhes seriam tomadas, e adquiriam por isso os lotes dos pobres situados nas proximidades, em parte com o consentimento destes, em parte com violência, de modo
que lavravam
exclusivamente vastos domínios em vez de campos isolados. Empregavam, por isso, escravos para a agricultura e para a pecuária, pois as pessoas livres haviam sido
retiradas do
trabalho para prestar serviço militar. A posse de escravos trouxe-lhes, além disso, grandes lucros, pois estes, devido à sua liberação do serviço militar, podiam
multiplicar-se sem
perigo e tinham uma porção de crianças. Assim, os poderosos apoderaram-se de toda a riqueza e toda região formigava de escravos. Os ítalos, ao contrário, se tornavam
cada vez
menos, dizimados pela pobreza, tributos e serviço militar. Mesmo quando apresentavam-se épocas de paz, porém, estavam condenados à completa inatividade, porque os
ricos estavam
de posse do solo e usavam escravos, em lugar de pessoas livres, para a lavoura." (APIANO. Guerras Civis Romanas. 1, 7.) Essa passagem refere-se à época anterior
à lei licínia. O
serviço militar, que tanto acelerou a ruína dos plebeus romanos, foi também o principal meio com o qual Carlos Magno promoveu artificialmente a conversão de camponeses
alemães
livres em dependentes e servos. 706 [ARBUTHNOT, J.] An Inquiry into the Connection Between the Present Prices of Provisions
etc. pp. 124, 129. Semelhante, mas de tendência oposta: "Os trabalhadores são expulsos de seus cottages e obrigados a buscar ocupação nas cidades —, mas obtém-se
então um excedente
maior, e assim o capital é aumentado". ([ SEELEY, R. B.] The Perils of the Nation. 2ª ed., Londres, 1843. p. XIV.)
339#
que sejam necessários para estabelecer a base do modo de produção capitalista, demonstra-nos, entre outros, este Sir F. M. Eden, que, além
de tudo, apresenta matiz tory e é "filantropo". Toda a série de pilhagens, horrores e tormentos do povo, que acompanham a violenta expropriação
do povo, do último terço do século XV até o fim do século XVIII, leva-o apenas à "confortável" reflexão final:


"A proporção correta (due) entre terras para lavoura e para criação de gado tinha de ser estabelecida. Ainda no decorrer do século XIV
e na maior parte do século XV, havia 1 acre de pastagem para 2, 3 e mesmo 4 acres de terra para lavoura. Em meados do século
XVI, a proporção transformou-se em 2 acres de pastagem para 2 acres de lavoura, mais tarde, 2 acres de pastagem para 1 acre de
lavoura, até que finalmente se estabeleceu a proporção correta de 3 acres de pastagem para 1 acre de lavoura".


No século XIX perdeu-se, naturalmente, mesmo a lembrança da conexão entre lavoura e propriedade comunal. Sem falar dos tempos
posteriores, que farthing de indenização recebeu o povo do campo al-guma vez pelos 3 511 770 acres de terra comunal que entre 1810 e
1831 lhe foram roubados e parlamentarmente presenteados aos lan-dlords pelos landlords?
O último grande processo de expropriação dos lavradores da base fundiária é finalmente a assim chamada Clearing of Estates (clarear
propriedades, de fato, limpá-las de seres humanos). Todos os métodos ingleses até agora observados culminaram no "clarear". Como se viu,
pela descrição da situação moderna, na parte anterior, trata-se agora, que já não há camponeses independentes para serem varridos, de "cla-rear"
os cottages, de modo que os trabalhadores agrícolas já não en-contram o espaço necessário para suas moradias, nem mesmo sobre o
solo que lavram. Mas o que Clearing of Estates significa em sentido próprio, vamos aprender apenas na terra prometida da moderna lite-ratura
de romance, na alta Escócia. Lá, o procedimento se distingue por seu caráter sistemático, pela grandeza da escala em que é executado
com um só golpe (na Irlanda, os senhores fundiários conseguiram varrer várias aldeias ao mesmo tempo; na alta Escócia trata-se de áreas do
tamanho de ducados alemães) — e finalmente pela forma especial da propriedade fundiária usurpada.
Os celtas da alta Escócia constituíam clãs, cada um deles pro-prietário do solo por ele ocupado. O representante do clã, seu chefe
ou "grande homem", era apenas o proprietário titular desse solo, tal como a rainha da Inglaterra é a proprietária titular de todo o solo
nacional. Quando o governo inglês conseguiu reprimir as guerras in-testinas desses "grandes homens" e suas contínuas incursões nas pla-nícies
da baixa Escócia, os chefes de clãs não renunciaram, de modo algum, a seu velho ofício de assaltante; mudaram apenas a forma. Por


OS ECONOMISTAS


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340#
conta própria, transformaram seu direito titular de propriedade em direito de propriedade privada e, como encontraram resistência por
parte dos membros do clã, resolveram enxotá-los com violência direta.
"Um rei da Inglaterra poderia, com o mesmo direito, lançar seus súditos ao mar",


diz o Prof. Newman. 707 Essa revolução, que começou na Escócia depois do último levante do pretendente, 708 pode ser seguida em suas primeiras
fases, com Sir James Steuart 709 e James Anderson. 710 No século XVIII, foi simultaneamente proibida a emigração dos gaélicos expulsos da
terra com o fim de impeli-los à força para Glasgow e outras cidades fabris. 711 Como exemplo do método dominante no século XIX, 712 bastam
aqui as "clareações" levadas a cabo pela duquesa de Sutherland. Essa pessoa economicamente instruída decidiu, logo ao assumir o governo,
empreender uma cura econômica radical e transformar todo o condado, cuja população já havia antes, mediante processos semelhantes, sido
reduzida a 15 mil, em pastagem de ovelhas. De 1814 até 1820, esses


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707 A King of England might as well claim to drive his subjects into the sea. (NEWMAN, F. W. Op. cit., p. 132.)
708 Os partidários dos Stuarts esperavam, com sua revolta de 1745/ 46, forçar a subida ao trono do chamado jovem pretendente, Charles Edward, como rei da Inglaterra.
Ao mesmo tempo,
o levante refletia o protesto da massa do povo da Escócia e da Inglaterra contra sua ex-ploração pelos senhores da terra e contra a expulsão em massa dos pequenos
lavradores.
A derrota da revolta teve por conseqüência a completa destruição do sistema de clãs na Escócia. A expulsão dos camponeses de suas terras prosseguiu ainda mais intensamente
que antes. (N. da Ed. Alemã.) 709 Steuart diz: "A renda destas terras" (ele transfere erroneamente essa categoria econômica
para o tributo dos taksmen ao chefe do clã) "é de todo modo insignificante em comparação a sua extensão, mas, com respeito ao número de pessoas mantidas por um arrendamento,
verificar-se-á, talvez, que uma parcela de solo nas Terras Altas da Escócia alimenta dez vezes mais pessoas do que terra do mesmo valor nas províncias mais ricas."
(Op. cit., v. I,
cap. XVI, p. 104.) 710 ANDERSON, James. Observations on the Means of Exciting a Spirit of National Industry
etc. Edimburgo, 1777. 711 Em 1860, pessoas expropriadas violentamente foram exportadas para o Canadá sob falsas
promessas. Algumas fugiram para a montanha ou para as ilhas vizinhas. Foram perseguidas por policiais, entraram em choque com eles e escaparam.
712 "Nas Terras Altas", diz Buchanan, o comentarista de A. Smith, em 1814, "a antiga condição de propriedade é diariamente subvertida pela força. (...) O landlord,
sem consideração pelos
arrendatários hereditários" (esta é também uma categoria empregada erroneamente), "ofe-rece a terra ao melhor ofertante, e se este é um inovador (improver), introduzirá
imedia-tamente
um novo sistema de cultura. O solo, antes coberto de pequenos camponeses, estava povoado em proporção a seu produto; sob o novo sistema de cultura melhorada e rendas
multiplicadas, obtém-se a maior produção possível ao menor custo possível, e para esse fim os braços tornados inúteis são afastados. (...) Os expulsos de suas terras
buscam sua subsistência
nas cidades fabris etc." (BUCHANAN, David. Observations on etc. A. Smith's Wealth of Nations. Edimburgo, 1814. v. IV, p. 144.) "Os grandes da Escócia expropriaram
famílias como se esti-vessem
exterminando erva ruim, trataram aldeias e sua população como os índios à procura de vingança tratam as bestas selvagens em suas covas. (...) O ser humano é trocado
por uma
pele de ovelha ou uma perna de carneiro, ou menos ainda. (...) Quando da invasão das províncias do norte da China, foi proposto no Conselho dos Mongóis exterminar
os habitantes e converter
sua terra em pastagem. Essa proposta muitos landlords escoceses puseram em prática em seu próprio país, contra seus próprios conterrâneos." (ENSOR, George. An Inquiry
Concerning the
Population of Nations. Londres, 1818. pp. 215-216.)
341#
15 mil habitantes, cerca de 3 mil famílias, foram sistematicamente expulsos e exterminados. Todas as suas aldeias foram destruídas e
arrasadas pelo fogo, todos os seus campos transformados em pastagem. Soldados britânicos foram encarregados da execução e entraram em
choque com os nativos. Uma velha senhora foi queimada nas chamas da cabana que ela se recusava a abandonar. Dessa forma, essa madame
apropriou-se de 794 mil acres de terras, que desde tempos imemoriais pertenciam ao clã. Aos nativos expulsos ela destinou aproximadamente
6 mil acres de terras, 2 acres por família, na orla marítima. Os 6 mil acres tinham até então estado desertos e não haviam proporcionado
nenhuma renda aos proprietários. A duquesa foi tão longe com seus nobres sentimentos a ponto de arrendar por 2 xelins e 6 pence, em
média, o acre de terra às pessoas do clã que desde séculos tinham vertido seu sangue pela família. Ela dividiu toda a terra roubada ao
clã em 29 grandes arrendamentos para a criação de ovelhas, cada um habitado por uma única família, na maioria servos ingleses de arren-datários.
No ano de 1825, os 15 mil gaélicos já tinham sido substituídos por 131 mil ovelhas. Aquela parte dos aborígines que foi jogada na
orla marítima procurou viver da pesca. Eles se tornaram anfíbios e viviam, como diz um escritor inglês, metade sobre a terra e metade
na água e viviam, com tudo isso, apenas a metade de ambas. 713 Mas os bravos gaélicos deviam pagar ainda mais caro por sua
idolatria romântica montanhesa pelos "grandes homens" do clã. O chei-ro de peixe subiu ao nariz dos grandes homens. Farejaram algo lucrativo
por trás dele e arrendaram a orla marítima aos grandes comerciantes de peixes de Londres. Os gaélicos foram expulsos pela segunda vez. 714
Finalmente, porém, uma parte das pastagens para ovelhas foi retrans-formada em reserva de caça. Sabe-se que na Inglaterra não há florestas
propriamente ditas. A caça nos parques dos grandes é constitucional-mente gado doméstico, gordo como aldermen 715 londrinos. A Escócia é,
portanto, o último asilo da "nobre paixão".
"Nas Terras Altas", diz Somers em 1848, "as florestas foram muito ampliadas. Aqui, de um lado de Gaick vocês têm a nova


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713 Quando a atual duquesa de Sutherland recebeu, com grande pompa, em Londres, a autora de A Cabana do Pai Tomás, Harriet Beecher Stowe, a fim de exibir sua simpatia
pelos
escravos negros da República Americana — o que ela, ao lado dos demais aristocratas, sabiamente se absteve de fazer durante a guerra civil, quando cada "nobre" coração
inglês
pulsava a favor dos escravocratas — apresentei, na New York Tribune, as condições dos escravos dos Sutherland. (Em algumas passagens aproveitado por CAREY. The Slave
Trade.
Filadélfia, 1853. pp. 202-203.) Meu artigo foi reproduzido num jornal escocês e provocou uma bela polêmica entre este último e os sicofantas dos Sutherland.
714 Algo interessante sobre esse comércio de peixe encontra-se em Portfolio, News Series do Sr. David Urquhart. — Nassau W. Senior qualifica, em seu escrito póstumo
já citado acima,
"o procedimento em Sutherlandshire como uma das mais generosas clareações (clearings) registradas pela memória humana". (Op. cit., p. 282.)
715 Vereadores. (N. dos T.)
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floresta de Glenfeshie e lá, do outro lado, a nova floresta de Ardverikie. Na mesma linha vocês têm o Bleak-Mount, um imenso
deserto, recentemente erguido. De leste para oeste, das vizinhan-ças de Aberdeen até os penhascos de Oban, vocês têm agora uma
linha contínua de florestas, enquanto, em outras partes das Ter-ras Altas, encontram-se as novas florestas de Loch Archaig, Glen-gary,
Glenmoriston etc. (...) A transformação de sua terra em pastagem de ovelhas (...) impeliu os gaélicos para terras menos
férteis. Agora o veado começa a substituir a ovelha e lança aqueles em miséria ainda mais triturante. (...) As florestas de caça 716 e
o povo não podem existir um ao lado do outro. Um ou outro tem de ceder espaço. Deixem as florestas de caça crescer em número
e extensão, no próximo quarto de século, como no passado, e vocês já não encontrarão nenhum gaélico sobre sua terra natal.
Esse movimento entre os proprietários das Terras Altas deve-se, em parte, à moda, pruridos aristocráticos, paixão pela caça etc.,
em parte, porém, eles exercem o comércio da caça exclusivamente com um olho sobre o lucro. Pois é fato que uma área de terras
montanhosas convertida em reserva de caça é em muitos casos incomparavelmente mais lucrativa do que em pastagem para ove-lhas.
(...) O aficionado que procura uma reserva de caça limita sua oferta apenas pelo tamanho de sua bolsa. (...)
Foram impostos sofrimentos às Terras Altas que não são menos cruéis que aqueles impostos pela política dos reis normandos à
Inglaterra. Os veados ganharam espaços mais livres, enquanto os seres humanos foram acossados em um círculo cada vez mais
estreito. (...) Uma liberdade atrás da outra foi sendo roubada ao povo. (...) E a opressão ainda cresce diariamente. Clareação e
dispersão do povo são seguidas como princípio inabalável pelos proprietários, como uma necessidade agrícola, do mesmo modo
que as árvores e os arbustos nas selvas da América e Austrália são varridas, e a operação segue sua marcha tranqüila e comercial.


O roubo dos bens da Igreja, a fraudulenta alienação dos domínios do Estado, o furto da propriedade comunal, a transformação usurpadora
e executada com terrorismo inescrupuloso da propriedade feudal e clâ-nica em propriedade privada moderna, foram outros tantos métodos
idílicos da acumulação primitiva. Eles conquistaram o campo para a agricultura capitalista, incorporaram a base fundiária ao capital e cria-ram
para a indústria urbana a oferta necessária de um proletariado livre como os pássaros.


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716 As deer forests (florestas de veados) da Escócia não contêm uma única árvore. Impelem-se as ovelhas para fora e os servos para dentro das montanhas desnudas
e denomina-se a
isso uma deer forest. Nem mesmo, portanto, silvicultura!
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3. Legislação sanguinária contra os expropriados desde o final do século XV. Leis para o rebaixamento dos salários
Os expulsos pela dissolução dos séquitos feudais e pela intermi-tente e violenta expropriação da base fundiária, esse proletariado livre
como os pássaros não podia ser absorvido pela manufatura nascente com a mesma velocidade com que foi posto no mundo. Por outro lado,
os que foram bruscamente arrancados de seu modo costumeiro de vida não conseguiam enquadrar-se de maneira igualmente súbita na disci-plina
da nova condição. Eles se converteram em massas de esmoleiros, assaltantes, vagabundos, em parte por predisposição e na maioria dos
casos por força das circunstâncias. Daí ter surgido em toda a Europa ocidental, no final do século XV e durante todo o século XVI, uma
legislação sanguinária contra a vagabundagem. Os ancestrais da atual classe trabalhadora foram imediatamente punidos pela transformação,
que lhes foi imposta, em vagabundos e paupers. A legislação os tratava como criminosos "voluntários" e supunha que dependia de sua boa
vontade seguir trabalhando nas antigas condições, que já não existiam. Na Inglaterra, essa legislação começou sob Henrique VII.
Henrique VIII, 1530: Esmoleiros velhos e incapacitados para o trabalho recebem uma licença para mendigar. Em contraposição, açoi-tamento
e encarceramento para vagabundos válidos. Eles devem ser amarrados atrás de um carro e açoitados até que o sangue corra de
seu corpo, em seguida devem prestar juramento de retornarem a sua terra natal ou ao lugar onde moraram nos últimos 3 anos e "se porem
ao trabalho" (to put himself to labour). Que cruel ironia! 27 Henrique VIII, 717 o estatuto anterior é repetido mas agravado por novos adendos.
Aquele que for apanhado pela segunda vez por vagabundagem deverá ser novamente açoitado e ter a metade da orelha cortada; na terceira
reincidência, porém, o atingido, como criminoso grave e inimigo da comunidade, deverá ser executado.
Eduardo VI: Um estatuto de seu primeiro ano de governo, 1547, estabelece que, se alguém se recusa a trabalhar, deverá ser condenado
a se tornar escravo da pessoa que o denunciou como vadio. O dono deve alimentar seu escravo com pão e água, bebida fraca e refugos de
carne, conforme ache conveniente. Tem o direito de forçá-lo a qualquer trabalho, mesmo o mais repugnante, por meio do açoite e de correntes.
Se o escravo se ausentar por 14 dias será condenado à escravidão por toda a vida e deverá ser marcado a ferro na testa ou na face com a
letra S; caso fuja pela terceira vez, será executado como traidor do Estado. O dono pode vendê-lo, legá-lo, ou, como escravo, alugá-lo, como


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717 Isto é, lei do 27º ano de reinado de Henrique VIII. Nas citações seguintes, os algarismos dados em segundo lugar são os números das leis promulgadas no ano do
reinado em
questão. (N. da Ed. Alemã.)
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qualquer outro bem móvel ou gado. Se os escravos tentarem alguma coisa contra os senhores, devem ser da mesma forma executados. Os
juízes de paz, quando informados, devem perseguir os marotos. Se se verificar que um vagabundo está vadiando há 3 dias, ele deve ser
levado a sua terra natal, marcado com ferro em brasa no peito com a letra V e lá posto a ferro para trabalhar na rua ou ser utilizado em
outros serviços. Se o vagabundo der um falso lugar de nascimento, como castigo deverá ser escravo vitalício dessa localidade, de seus ha-bitantes
ou da corporação, e marcado a ferro com um S. Todas as pessoas têm o direito de tomar os filhos dos vagabundos e mantê-los
como aprendizes, os rapazes até 24 anos e as moças até 20. Se fugirem, eles devem, até essa idade, ser escravos dos mestres, que podem acor-rentá-
los, açoitá-los etc., conforme quiserem. Todo dono pode colocar um anel de ferro no pescoço, nos braços ou pernas de seu escravo para
reconhecê-lo mais facilmente e estar mais seguro dele. 718 A última parte desse estatuto prevê que certos pobres devem ser empregados
pela comunidade ou pelos indivíduos que lhes dêem de comer e de beber e desejem encontrar trabalho para eles. Essa espécie de escravos
de paróquia subsistiu até bem longe no século XIX, na Inglaterra, sob o nome de roundsmen (circulantes).
Elisabeth, 1572: Esmoleiros sem licença e com mais de 14 anos de idade devem ser duramente açoitados e terão a orelha esquerda
marcada a ferro, caso ninguém os queira tomar a serviço por 2 anos; em caso de reincidência, se com mais de 18 anos, devem ser executados,
caso ninguém os queira tomar a serviço por 2 anos; numa terceira incidência, serão executados sem perdão, como traidores do Estado.
Estatutos análogos: 18 Elisabeth, c. 13 e ano de 1597. 719


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718 O autor do Essay on Trade etc., 1770, observa: "Sob o reinado de Eduardo VI, os ingleses parecem, de fato, terem-se proposto, com toda seriedade, o encorajamento
das manufaturas
e a ocupação dos pobres. Isso apreendemos de um notável estatuto, no qual se diz que todos os vagabundos devem ser marcados a ferro" etc. (Op. cit., p. 5.)
719 Thomas Morus diz, em sua Utopia, pp. 41-42: "Acontece, então, que um ávido e insaciável comilão, verdadeira peste de sua terra natal, pode apossar-se de milhares
de acres de terras
e contorná-los com uma paliçada ou uma cerca, ou então, por meio de violência e fraude, atormentar de tal modo seus proprietários que estes são obrigados a vender
tudo. Por um
meio ou outro, dobrando-os ou quebrando-os, eles são obrigados a partir — pobres, simples, miseráveis almas! Homens, mulheres, esposos, esposas, crianças sem pais,
viúvas, mães
chorosas com crianças de peito, todo o domicílio, escasso em meios e numeroso em pessoas, pois a lavoura necessitava de muitos braços. Arrastam-se, digo eu, para
longe de suas
moradias conhecidas e habituais, sem encontrar um lugar de descanso; a venda de todos os seus utensílios domésticos, embora sem grande valor, sob outras circunstâncias
lhes
proporcionaria certo valor: mas, postos subitamente para fora, precisam desfazer-se deles por preços irrisórios. E ao vaguearem até que o último real tenha sido
comido, que outra
coisa podem fazer, além de roubar, e então, por Deus, serem enforcados com todas as formalidades da lei, ou sair a esmolar? E também nesse caso são jogados na prisão,
como
vagabundos, porque perambulam e não trabalham: eles, aos quais nenhuma pessoa quer dar trabalho, por mais que se esforcem para tanto". Desses pobres fugitivos, dos
quais
Thomas Morus diz que se os coagiu a roubar, "foram executados 72 mil pequenos e grandes ladrões, sob o reinado de Henrique VIII". (HOLINSHED. Description of England.
v. I, p.
186.) Na época de Elisabeth, "vagabundos foram enforcados em série: geralmente não passava
345#
Jaime I: Uma pessoa que perambule e mendigue será declarada um malandro e vagabundo. Os juízes de paz nas Petty Sessions 720 estão
autorizados a mandar açoitá-los publicamente, e na primeira vez que forem apanhados serão encarcerados por 6 meses, na segunda por 2
anos. Durante a prisão, devem ser açoitados tanto e tantas vezes quanto os juízes de paz considerem adequado. (...) Os malandros irrecuperáveis
e perigosos devem ser marcados a ferro no ombro esquerdo com um R 721 e condenados a trabalho forçado, e se forem apanhados de novo
mendigando devem ser executados sem perdão. Essas prescrições sub-sistiram legalmente até o começo do século XVIII e foram revogadas
somente por 12. Ana, c. 23. Leis semelhantes vigoraram na França, onde em meados do século
XVII se estabeleceu um reino de vagabundos (royaume des truands) em Paris. Ainda nos primeiros anos de reinado de Luís XVI (ordenança
de 13 de julho de 1777) todo homem com boa saúde de 16 a 60 anos, sem meios de existência e sem exercer uma profissão, devia ser man-dado
às galés. Analogamente o estatuto de Carlos V para os Países Baixos, de outubro de 1537, o primeiro edito dos Estados e Cidades
da Holanda, de 19 de março de 1614, e o das Províncias Unidas de 25 de julho de 1649 etc.
Assim, o povo do campo, tendo sua base fundiária expropriada à força e dela sendo expulso e transformado em vagabundos, foi en-quadrado
por leis grotescas e terroristas numa disciplina necessária ao sistema de trabalho assalariado, por meio do acoite, do ferro em
brasa e da tortura. Não basta que as condições de trabalho apareçam num pólo como
capital e no outro pólo, pessoas que nada têm para vender a não ser sua força de trabalho. Não basta também forçarem-nas a se venderem
voluntariamente. Na evolução da produção capitalista, desenvolve-se uma classe de trabalhadores que, por educação, tradição, costume, re-conhece
as exigências daquele modo de produção como leis naturais evidentes. A organização do processo capitalista de produção plena-mente
constituído quebra toda a resistência, a constante produção de uma superpopulação mantém a lei da oferta e da procura de trabalho


OS ECONOMISTAS


358
um ano em que não fossem levados à forca 300 ou 400 deles, em um lugar ou outro." (STRYPE. Annals of the Reformation and Establishment of Religion, and other Various
Ocurrences in the Church of England during Queen Elisabeth's Happy Reign. 2ª ed. 1725. v. II.) Segundo o mesmo Strype, em Somersetshire, num único ano, 40 pessoas
foram
executadas, 35 marcadas a ferro, 37 chicoteadas e 183 soltas como "malfeitores desespe-rados". "Contudo", diz ele, "esse grande número de acusados não inclui nem
1/ 5 dos delitos
penais, graças à negligência dos juízes de paz à estúpida compaixão do povo." Ele acrescenta: "Os demais condados da Inglaterra não estavam em melhores condições
que Somersetshire,
e muitos até mesmo em piores". 720 Reuniões dos tribunais de paz na Inglaterra; elas tratam de pequenos casos em processos
simplificados. (N. da Ed. Alemã.) 721 De rogue: vagabundo. (N. dos T.)
346#
e, portanto, o salário em trilhos adequados às necessidades de valori-zação do capital, e a muda coação das condições econômicas sela o
domínio do capitalista sobre o trabalhador. Violência extra-econômica direta é ainda, é verdade, empregada, mas apenas excepcionalmente.
Para o curso usual das coisas, o trabalhador pode ser confiado às "leis naturais da produção", isto é, à sua dependência do capital que se
origina das próprias condições de produção, e por elas é garantida e perpetuada. Outro era o caso durante a gênese histórica da produção
capitalista. A burguesia nascente precisa e emprega a força do Estado para "regular" o salário, isto é, para comprimi-lo dentro dos limites con-venientes
à extração de mais-valia, para prolongar a jornada de trabalho e manter o próprio trabalhador num grau normal de dependência. Esse
é um momento essencial da assim chamada acumulação primitiva. A classe dos trabalhadores assalariados, que surgiu na última
metade do século XIV, constituía então e no século seguinte apenas uma parte mínima da população, que em sua posição estava fortemente
protegida pela economia camponesa autônoma no campo e pela orga-nização corporativa da cidade. No campo e na cidade, mestres e tra-balhadores
estavam socialmente próximos. A subordinação do trabalho ao capital era apenas formal, isto é, o próprio modo de produção não
possuía ainda caráter especificamente capitalista. O elemento variável do capital predominava fortemente sobre o constante. A demanda de
trabalho assalariado crescia, portanto, rapidamente com toda a acu-mulação do capital, enquanto a oferta de trabalho assalariado seguia
apenas lentamente. Grande parte do produto nacional, convertida mais tarde em fundo de acumulação do capital, ainda entrava no fundo de
consumo do trabalhador. A legislação sobre o trabalho assalariado, desde o início cunhada
para a exploração do trabalhador e em seu prosseguimento sempre hostil a ele, 722 foi iniciada na Inglaterra pelo Statute of Labourers 723
de Eduardo III, em 1349. A ele corresponde na França a Ordenança de 1350 promulgada em nome do rei João. A legislação inglesa e a
francesa seguem paralelas, e quanto ao conteúdo são idênticas. Na medida em que os estatutos dos trabalhadores buscam forçar o pro-longamento
da jornada de trabalho, não voltarei a eles, pois esse ponto já foi tratado anteriormente (Capítulo VIII, 5).
O Statute of Labourers foi promulgado em virtude das queixas insistentes da Câmara dos Comuns.


"Outrora", diz ingenuamente um tory, "os pobres exigiam sa-lários tão altos que ameaçavam a indústria e a riqueza. Agora,


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359
722 "Sempre que a legislação procura regular as diferenças entre empresários e seus trabalha-dores, seus conselheiros são sempre os empresários", diz A. Smith. "O
espírito das leis é
a propriedade", diz Linguet. 723 Estatuto dos Trabalhadores. (N. dos T.)
347#
seu salário está tão baixo que igualmente ameaça a indústria e a riqueza, mas de modo diferente e talvez mais perigoso que
então." 724
Uma tarifa legal de salários foi estabelecida para a cidade e para o campo, para o trabalho por peça e por dia. Os trabalhadores


rurais deviam alugar-se por ano, os da cidade "no mercado aberto". Proibia-se, sob pena de prisão, pagar salários mais altos do que o
estatutário, porém o recebimento de salários mais altos era punido mais duramente do que seu pagamento. Assim, o Estatuto dos Apren-dizes
de Elisabeth, nas seções 18 e 19, impunha 10 dias de prisão para quem pagasse salário mais alto, em contraposição a 21 dias para
quem os recebesse. Um estatuto de 1360 725 agravou as penas e até mesmo autorizava o patrão a recorrer à coação física para extorquir
trabalho pela tarifa legal de salário. Todas as combinações, acordos, juramentos etc., pelos quais pedreiros e carpinteiros se vinculavam
reciprocamente, foram declarados nulos e sem valor. Coalizão de tra-balhadores é considerada crime grave, desde o século XIV até 1825,
ano da abolição das leis anticoalização." O espírito do Estatuto dos Trabalhadores de 1349 e de seus descendentes se revela claramente
no fato de que um salário máximo é ditado pelo Estado, mas de forma alguma um mínimo.
No século XVI, como se sabe, piorou muito a situação dos tra-balhadores. O salário monetário subiu, mas não em proporção à de-preciação
do dinheiro e à correspondente elevação dos preços das mer-cadorias. O salário, portanto, caiu de fato. Contudo, continuavam em
vigor as leis destinadas a seu rebaixamento, simultaneamente com os cortes de orelhas e a marcação a ferro daqueles "que ninguém queria
tomar a seu serviço". Pelo Estatuto dos Aprendizes 5 Elisabeth c. 3, os juízes de paz foram autorizados a fixar certos salários e a modificá-los
segundo as épocas do ano e os preços das mercadorias. Jaime I estendeu essa regulação do trabalho também aos tecelões, fiandeiros e a todas
as categorias possíveis de trabalhadores; 726 Jorge II estendeu a lei anticoalizão a todas as manufaturas.


OS ECONOMISTAS


360
724 BYLES, J. B. Sophisms of Free Trade. By a Barrister. Londres, 1850, p. 206. Ele acrescenta maliciosamente: "Estivemos sempre à disposição para intervir pelo
empregador. Nada se
pode fazer pelo empregado?" 725 Deve ser 1630, pois Elisabeth I reinou de 1558 a 1603. (N. dos T.)
726 De uma cláusula do estatuto 2 de Jaime I, c. 6, verifica-se que certos manufatores de pano se permitiram, como juízes de paz, ditar oficialmente a tarifa salarial
em suas próprias
oficinas. — Na Alemanha, notadamente depois da Guerra dos Trinta Anos, eram freqüentes os estatutos para manter os salários baixos. "Era muito importuna aos proprietários
fun-diários
nas terras despovoadas a falta de criados e trabalhadores. Foi proibido a todos os moradores das aldeias alugarem quartos a homens e mulheres solteiros e todos estes
hós-pedes
deveriam ser denunciados às autoridades e metidos na cadeia, caso não quisessem tornar-se criados, mesmo quando se mantivessem com outra atividade, trabalhando na
semeadura como jornaleiros para o camponês ou até negociando com dinheiro e cereais
348#
No período manufatureiro propriamente dito, o modo de produção capitalista estava suficientemente fortalecido para tornar a regulação
legal do salário tão impraticável como supérflua, mas não se quis dis-pensar as armas do velho arsenal, para o caso de necessidade. 8 Jorge
II proibiu para os oficiais de alfaiataria em Londres e circunvizinhanças salários acima de 2 xelins e 7 1/ 2 pence por dia, salvo em casos de
luto generalizado; 13 Jorge III c. 68 transferiu a regulamentação dos salários dos tecelões de seda aos juízes de paz: em 1796 necessitou-se
de duas sentenças dos tribunais superiores para decidir se as ordens dos juízes de paz sobre salários teriam validade para os trabalhadores
não-agrícolas; ainda em 1799 um ato do Parlamento confirmou que o salário dos trabalhadores de minas da Escócia seria regulado por um
estatuto de Elisabeth e dois atos escoceses de 1661 e 1671. Quanto a situação, entretanto, tinha mudado, comprovou-o um acontecimento
inaudito na Câmara Baixa inglesa. Aqui, onde há mais de 400 anos fabricaram-se leis fixando o máximo que o salário não deveria, de forma
alguma, ultrapassar, Whitbread propôs para o jornaleiro agrícola um salário mínimo legal. Pitt opôs-se, mas admitiu que "a situação dos
pobres seria cruel". Finalmente, em 1813, as leis sobre a regulação de salários foram abolidas. Eram uma anomalia ridícula, desde que o
capitalista passou a regular a fábrica por meio de sua legislação privada, deixando o imposto dos pobres completar o salário do trabalhador rural
até o mínimo indispensável. As determinações dos Estatutos dos Tra-balhadores sobre contratos entre patrão e trabalhador assalariado, pra-zos
de demissões e análogos, que permitem por quebras contratuais apenas uma ação civil contra o patrão, mas uma ação criminal contra
o trabalhador, permanecem, até o atual momento, em pleno vigor. As leis cruéis contra as coalizões caíram em 1825, ante a atitude
ameaçadora do proletariado. Apesar disso, caíram apenas em parte. Alguns belos resíduos dos velhos estatutos desapareceram somente em
1859. Finalmente, o ato do Parlamento de 29 de junho de 1871 pre-tendeu eliminar os últimos vestígios dessa legislação de classe, por
meio do reconhecimento legal das Trades' Unions. Mas um ato do Par-lamento, da mesma data (An act to amend the criminal law relating
to violence, threats and molestation), 727 restabeleceu, de fato, a situação anterior sob nova forma. Por essa escamoteação parlamentar, os meios
de que os trabalhadores podem se servir em uma greve ou lock-out


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(Kaiserliche Privilegien fuer Schlesien. I. 125) Por todo um século aparecem nas ordenações dos soberanos sempre de novo, queixas amargas contra a petulante e maldosa
ralé, que
não se quer submeter às duras condições nem se satisfazer com o salário legal; é proibido ao proprietário fundiário individual pagar mais que a taxa fixada pela
província. E ainda
assim, as condições de serviço depois da guerra são às vezes ainda melhores que 100 anos mais tarde; em 1652, os criados na Silésia ainda recebiam carne duas vezes
por semana; em
nosso século, porém, em certos distritos eles a recebiam apenas três vezes por ano. Também o salário diário, depois da guerra, era mais alto que nos séculos seguintes."
(G. Freytag.)
727 Um ato para emendar a lei penal em relação a violência, ameaças e molestamento. (N. dos T.)
349#
(greve dos fabricantes coligados mediante fechamento simultâneo de suas fábricas) foram subtraídos ao direito comum e colocados sob uma
legislação penal de exceção, cuja interpretação coube aos próprios fa-bricantes em sua qualidade de juízes de paz. Dois anos antes, a mesma
Câmara dos Comuns e o mesmo sr. Gladstone, com sua conhecida honradez, tinham apresentado um projeto de lei para abolir todas as
leis penais de exceção contra a classe trabalhadora. Porém, jamais se deixou que ele chegasse a uma segunda leitura, e assim a coisa foi
sendo protelada até que finalmente o "grande partido liberal", por meio de uma aliança com os tories, ganhou a coragem de voltar-se resolu-tamente
contra o mesmo proletariado que o havia levado ao poder. E não satisfeito com essa traição, o "grande partido liberal" permitiu aos
juízes ingleses, sempre abanando o rabo a serviço das classes domi-nantes, desenterrarem novamente as arcaicas leis sobre "conspirações"
e aplicá-las às coalizões de trabalhadores. Vê-se que apenas contra sua vontade e sob pressão das massas o Parlamento inglês renunciou
às leis contra greves e Trades' Unions, depois de ele mesmo ter assu-mido por cinco séculos, com vergonhoso egoísmo, a posição de uma
Trades' Union permanente dos capitalistas contra os trabalhadores.
Logo no início da tormenta revolucionária, a burguesia francesa ousou abolir de novo o direito de associação que os trabalhadores tinham


acabado de conquistar. Pelo decreto de 14 de junho de 1791 ela declarou toda coalizão de trabalhadores como um "atentado à liberdade e à
declaração dos direitos humanos", punível com a multa de 500 libras além da privação, por um ano, dos direitos de cidadão ativo. 728 Essa
lei, que comprime a luta de concorrência entre o capital e o trabalho por meio da polícia do Estado nos limites convenientes ao capital, so-breviveu
a revoluções e mudanças dinásticas. Mesmo o Governo do Terror 729 deixou-a intocada. Só recentemente foi ela riscada totalmente
do Code Pénal. 730 Nada é mais característico que o pretexto para este golpe de Estado burguês.


"Se bem que", diz Le Chapelier, o relator," seja desejável que o salário se eleve acima de seu nível atual, para que aquele que
o receba esteja livre dessa dependência absoluta que é produzida


OS ECONOMISTAS


362
728 O artigo I dessa lei declara: "Visto que uma das bases fundamentais da Constituição francesa consiste na supressão de todas as espécies de união de cidadãos
da mesma condição
e profissão, é proibido restabelecê-las sob qualquer pretexto ou em qualquer forma". O artigo IV declara que, se "cidadãos que pertencem à mesma profissão, arte
ou ofício se
consultarem mutuamente e conjuntamente tomarem deliberações que objetivem a recusar o fornecimento dos serviços de sua arte ou de seu trabalho, ou concedê-los apenas
a de-terminado
preço, as ditas consultas e acordos deverão ser declarados como anticonstitu-cionais e como atentados contra a liberdade e os direitos humanos etc.", portanto como
crimes contra o Estado, exatamente como nos velhos estatutos dos trabalhadores. (Révo-lutions de Paris. Paris, 1791. t. III, p. 523.)
729 Ditadura dos jacobinos de junho de 1793 até junho de 1794. (N. da Ed. Alemã.) 730 Código penal. (N. dos T.)
350#
pela privação dos meios de primeira necessidade, a qual é quase a dependência da escravidão",
não se deve autorizar, contudo, os trabalhadores a estabelecer entendi-mentos sobre seus interesses, agir em comum e, por meio disso, moderar
sua "dependência absoluta, que é quase escravidão", porque assim ferem "a liberdade de seus ci-devant maîtres, 731 dos atuais empresários" (a li-berdade
de manter os trabalhadores na escravidão!), e porque uma coalizão contra o despotismo dos ex-mestres das corporações — adivinhe — é uma
restauração das corporações abolidas pela constituição francesa! 732
4. Gênese dos arrendatários capitalistas


Depois que consideramos a violenta criação do proletariado livre como os pássaros, a disciplina sanguinária que os transforma em tra-balhadores
assalariados, a sórdida ação do soberano e do Estado, que eleva, com o grau de exploração do trabalho, policialmente a acumulação
do capital, pergunta-se de onde se originam os capitalistas. Pois a expropriação do povo do campo cria, diretamente, apenas grandes pro-prietários
fundiários. No que concerne à gênese do arrendatário, po-demos, por assim dizer, tocá-la com a mão, por que ela é um processo
lento, que se arrasta por muitos séculos. Os próprios servos, ao lado dos quais houve também pequenos proprietários livres, encontravam-se
em relações de propriedade bastante diferentes e foram, por isso, eman-cipados também sob condições econômicas muito diferentes.
Na Inglaterra, a primeira forma de arrendatário é o bailiff, ele mesmo um servo. Sua posição é idêntica a do villicus da Roma Antiga,
apenas em esfera de ação mais estreita. Durante a segunda metade do século XIV, ele é substituído por um arrendatário a quem o landlord
fornece sementes, gado e instrumentos agrícolas. Sua situação não é muito diferente da do camponês. Apenas explora mais trabalho assa-lariado.
Torna-se logo metayer, 733 meio arrendatário. Ele aplica uma parte do capital agrícola, o landlord a outra. Ambos dividem o produto
global em proporção contratualmente determinada. Essa forma desa-parece rapidamente na Inglaterra, para dar lugar ao arrendatário pro-priamente
dito, o qual valoriza seu próprio capital pelo emprego de trabalhadores assalariados e paga uma parte do mais-produto em di-nheiro
ou in natura, ao landlord como renda da terra. Enquanto, durante o século XV, o camponês independente e o
servo agrícola, que trabalha como assalariado e, ao mesmo tempo, para si mesmo, se enriquecem mediante seu trabalho, a situação do arren-datário
e seu campo de produção permanecem igualmente medíocres.


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731 Ex-mestres. (N. dos T.) 732 BUCHEZ e ROUX. Historie Parlamentaire. t. X. pp. 193-195 passim.
733 Meeiro. (N. dos T.)
351#
A revolução agrícola, no último terço do século XV, que prossegue por quase todo o século XVI (com exceção de suas últimas décadas) enri-queceu
o arrendatário com a mesma rapidez com que empobreceu o povo do campo. 734 A usurpação das pastagens comunais etc. permitiu-lhe
grande multiplicação de seu gado, quase sem custos, enquanto o gado fornecia-lhe maior quantidade de adubo para o cultivo do solo.
No século XVI acresce ainda um momento decisivamente impor-tante. Naquela época, os contratos de arrendamento eram longos, fre-qüentemente
por 99 anos. A contínua queda em valor dos metais nobres, e, portanto, do dinheiro, trouxe ao arrendatário frutos de ouro. Ela
reduziu, abstraindo as demais circunstâncias anteriormente mencio-nadas, o salário. Uma fração do mesmo foi acrescentada ao lucro do
arrendatário. O constante aumento dos preços de cereal, lã, carne,
enfim de todos os produtos agrícolas, inchou o capital monetário do arrendatário sem sua colaboração, enquanto a renda da terra, que ele


tinha de pagar, foi contraída em valores monetários ultrapassados. 735 Assim, ele se enriquecia, ao mesmo tempo, à custa de seus trabalha-dores
assalariados e de seu landlord. Não é de admirar, portanto, que a Inglaterra, nos fins do século XVI, possuísse uma classe de "arren-datários
de capital", bastante ricos para a época. 736


OS ECONOMISTAS


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734 "Arrendatários", diz Harrison em sua Description of England, "para os quais antes era difícil pagar uma renda de 4 libras esterlinas, pagam agora 40, 50, 100
libras esterlinas
e acreditam haver feito um mau negócio, se depois de terminar seu contrato de arrendamento não puserem de parte 6 a 7 anos de rendas."
735 Sobre a influência da depreciação do dinheiro, no século XVI, nas diversas classes da sociedade ver: "A Compendious or Briefe Examination of Certayne Ordinary
Complaints
of Diverse of our Countrymen in these our Days. By W. S, Gentleman." (Londres, 1581). A forma de diálogo desse escrito contribui para que durante muito tempo se
o atribuísse
a Shakespeare e ainda em 1751 fosse novamente publicado sob seu nome. Seu autor é William Stafford. Em uma passagem, o cavaleiro (Knight) raciocina do seguinte modo:
Knight: "Vós, meu vizinho, o lavrador, vós, senhor comerciante, e vós, compadre caldeireiro, bem como os demais artesãos, sabeis muito bem como vos arranjar. Pois
na mesma medida
em que todas as coisas são mais caras do que eram, de tanto vós aumentais os preços de vossas mercadorias e atividades, que de novo vendeis. Mas nós não temos nada
para vender
cujos preços pudéssemos aumentar, para conseguir uma equiparação às coisas que preci-samos comprar de novo". Em outra passagem, o Knight pergunta ao doutor: "Eu
vos peço
que digais que grupos de pessoas são essas em que vós pensais. E, primeiramente, quem, segundo vossa opinião, não tem nisto prejuízo?" — Doutor: "Penso em todos
estes que
vivem da compra e venda, pois tão caro como compram, eles vendem depois". — Knight: "Qual é o próximo grupo que, como vós dizeis, ganha com isso?" — Doutor: "Agora,
todos
que têm arrendamentos ou fazendas sob seu próprio trabalho" (isto é, cultivo) "pagando a renda antiga, pois enquanto pagam segundo as taxas antigas, vendem segundo
as novas
— isso significa que eles pagam muito pouco por sua terra e vendem caro tudo que sobre ela cresce. (...)" — Knight: "Qual o grupo que, como vós dizeis, terá nisso
um prejuízo
maior do que o ganho dos outros?" — Doutor: "São todos os nobres, senhores e todos os outros que vivem de uma renda fixa ou de um estipêndio, ou não trabalham" (cultivam)
"eles mesmos seu solo, ou não se ocupam com a compra e a venda". 736 Na França, o régisseur, administrador e coletor dos pagamentos ao senhor feudal, durante
o início da Idade Média, torna-se logo um homme d'affaires que mediante extorsão, fraude etc. se alça trapaceiramente à posição de capitalista. Esses régisseurs,
às vezes, eram eles
mesmos grandes senhores. Por exemplo: "Essa conta o Sr. Jacques de Thoraisse, cavaleiro senhor do castelo de Besançon, presta ao senhor que em Dijon faz as contas
para o senhor
352#
5. Repercussão da revolução agrícola sobre a indústria. Criação do mercado interno para o capital industrial
A intermitente e sempre renovada expropriação e expulsão do povo do campo, como foi visto, forneceu à indústria urbana mais e
mais massas de proletários, situados totalmente fora das relações cor-porativas, uma sábia circunstância que faz o velho A. Anderson (que
não se deve confundir com James Anderson), em sua história do co-mércio, acreditar numa intervenção direta da Providência. Temos de
nos deter ainda um momento nesse elemento da acumulação primitiva. À rarefação do povo independente, economicamente autônomo, do cam-po
correspondeu o adensamento do proletariado industrial, do mesmo modo como, segundo Geoffroy Saint-Hilaire, o adensamento da matéria
do universo aqui se explica por sua rarefação ali. 737 Apesar do número reduzido de seus cultivadores, o solo proporcionava, depois como antes,
tanta ou mais produção, porque a revolução nas relações de propriedade fundiária foi acompanhada por métodos melhorados de cultura, maior
cooperação, concentração dos meios de produção etc., e porque os as-salariados agrícolas não apenas foram obrigados a trabalhar mais in-tensamente,
738 mas também o campo de produção, sobre o qual traba-lhavam
para si mesmos, se contraía mais e mais. Com a liberação de parte do povo do campo, os alimentos que este consumia anteriormente


também são liberados. Eles se transformam agora em elemento ma-terial do capital variável. O camponês despojado tem de adquirir o
valor deles de seu novo senhor, o capitalista industrial, sob a forma de salário. Assim como os meios de subsistência, foram afetadas tam-bém
as matérias-primas agrícolas nacionais da indústria. Transforma-ram-se em elemento do capital constante.


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duque e conde de Borgonha, sobre as rendas que pertencem ao mencionado domínio do castelo, do 25º dia de dezembro de 1359 até o 28º dia de dezembro de 1360". (MONTEIL,
Alexis. Histoire des Matériaux Manuscrits etc., pp. 234-235.) Aqui já se mostra como em todas as esferas da vida social a parte do leão fica para o intermediário.
Na área econômica,
por exemplo, financistas, operadores da Bolsa, negociantes, pequenos merceeiros ficam com a nata dos negócios; no Direito Civil, o advogado depena as partes, na
política, o representante
vale mais que o eleitor, o ministro mais que o soberano; na religião, Deus é empurrado para o fundo pelo "mediador" e este, por sua vez, deixado para trás pelos
padres, que por
sua vez são os intermediários indispensáveis entre o bom pastor e suas ovelhas. Na França, como na Inglaterra, os grandes territórios feudais estavam divididos em
uma infinidade de
pequenas explorações, sob condições incomparavelmente menos favoráveis para o povo do campo. No século XIV, apareceram os arrendamentos, fermes ou terriers. Seu
número au-mentou
continuamente, chegando a bem mais de 100 mil. Eles pagavam uma renda da terra que oscilava entre 1/ 12 e 1/ 5 do produto em dinheiro ou in natura. Os terriers eram
vassalos e subvassalos etc. (fiefs, arrière-fiefs), conforme o valor e a extensão dos domínios, dos quais alguns contavam apenas poucos arpents. Todos esses terriers
possuíam jurisdição
em algum grau sobre os moradores na área; existiam quatro graus. Compreende-se a pressão sofrida pelo povo do campo sob todos esses pequenos tiranos. Monteil diz
que havia então,
na França, 160 mil tribunais, onde hoje bastam 4 mil (juízes de paz inclusive). 737 Em suas Notions de Philosophie Naturelle. Paris. 1838.
738 Um ponto que Sir James Steuart ressalta.
353#
Suponha-se, por exemplo, que parte dos camponeses da Westfalia, que no tempo de Frederico II fiavam todos linho, ainda que não seda,
fosse expropriada à força e expulsa da base fundiária, sendo a outra parte restante, porém, transformada em jornaleiros de grandes arren-datários.
Ao mesmo tempo, erguem-se grandes fiações e tecelagens de linho, nas quais os "liberados" trabalham agora por salários. O linho
tem exatamente o mesmo aspecto que antes. Nenhuma de suas fibras foi mudada; mas uma nova alma social penetrou-lhe no corpo. Ele
constitui agora parte do capital constante dos senhores da manufatura. Antes, repartido entre inumeráveis pequenos produtores, que o culti-vavam
e fiavam em pequenas porções com suas famílias, está agora concentrado nas mãos de um capitalista, que faz outros fiar e tecer
para ele. O trabalho extra despendido na fiação do linho realizava-se antes como receita extra de inumeráveis famílias camponesas ou, ao
tempo de Frederico II, também em impostos pour le roi de Prousse. 739 Ele realiza-se agora no lucro de alguns poucos capitalistas. Os fusos
e teares, antes disseminados pelo interior, estão agora concentrados em algumas grandes casernas de trabalho, tal como os trabalhadores
e como a matéria-prima. E os fusos, os teares e a matéria-prima, de meios de existência independente para fiandeiros e tecelões, transfor-mam-
se, de agora em diante, em meios de comandá-los 740 e de extrair deles trabalho não-pago. Nas grandes manufaturas, bem como nos gran-des
arrendamentos, não se nota que se originam da reunião de muitos pequenos centros de produção e que são formados pela expropriação
de muitos pequenos produtores independentes. Entretanto, a observa-ção imparcial não se deixa enganar. Ao tempo de Mirabeau, o leão da
revolução, chamavam as grandes manufaturas ainda de manufactures réunies, oficinas reunidas, assim como falamos de campos reunidos.


"Vêem-se apenas", diz Mirabeau, "as grandes manufaturas, onde centenas de pessoas trabalham sob as ordens de um diretor
e que costumeiramente são chamadas de manufaturas reunidas (manufactures réunies). Aquelas, ao contrário, em que trabalha
um número muito grande de trabalhadores dispersos e cada um por conta própria, quase não são consideradas dignas de um olhar.
São colocadas bem no fundo. Esse é um erro muito grande, pois só elas constituem um componente realmente importante da ri-queza
do povo. (...) A fábrica reunida (fabrique réunie) enriquecerá maravilhosamente um ou dois empresários, os trabalhadores, po-rém,
são apenas jornaleiros e em nada participam do bem-estar do empresário. Na fábrica separada (fabrique séparée), ao con-


OS ECONOMISTAS


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739 Para o rei da Prússia. (N. dos T.) 740 "Eu concederei", diz o capitalista, "que vós tenhais a honra de servir-me, sob a condição
de que vós me deis o pouco que vos resta pelo incômodo que me faço de vos comandar." (ROUSSEAU, J. J. Discours sur l'Économie Politique [Genève, 1760. p. 70].)
354#
trário, ninguém se torna rico, mas uma porção de trabalhadores encontra-se em situação confortável. (...) O número de trabalhadores
laboriosos e econômicos crescerá, pois eles reconhecem num prudente modo de vida, na atividade, um meio de melhorar substancialmente
sua situação, em vez de ganhar um pequeno aumento salarial que nunca pode ser um objeto importante para o futuro, mas que, no
máximo, capacita as pessoas a viver um pouco melhor da mão para a boca. As manufaturas individuais separadas, geralmente conju-gadas
com pequena agricultura, são as livres." 741
A expropriação e a expulsão de parte do povo do campo liberam, com os trabalhadores, não apenas seus meios de subsistência e seu


material de trabalho para o capital industrial, mas criam também o mercado interno.
De fato, os acontecimentos que transformam os pequenos cam-poneses em trabalhadores assalariados, e seus meios de subsistência
e de trabalho em elementos materiais do capital, criam, ao mesmo tempo, para este último seu mercado interno. Antes, a família cam-ponesa
produzia e processava os meios de subsistência e as matérias-primas que depois, em sua maior parte, ela mesma consumia. Essas
matérias-primas e esses meios de subsistência tornaram-se agora mer-cadorias; o grande arrendatário as vende e nas manufaturas encontra
ele seu mercado. Fio, pano, tecidos grosseiros de lã, coisas cujas ma-térias-primas encontravam-se ao alcance de toda família camponesa e
que eram fiadas e tecidas por ela para seu autoconsumo — transfor-mam-se agora em artigos de manufatura, cujos mercados são consti-tuídos
justamente pelos distritos rurais. A numerosa clientela dispersa, até aqui condicionada por uma porção de produtores pequenos, traba-lhando
por conta própria, concentra-se agora num grande mercado abas-tecido pelo capital industrial. 742 Assim, com a expropriação de campo-neses
antes economicamente autônomos e sua separação de seus meios de produção, se dá no mesmo ritmo a destruição da indústria subsidiária
rural, o processo de separação entre manufatura e agricultura. E so-mente a destruição do ofício doméstico rural pode proporcionar ao mer-cado
interno de um país a extensão e a sólida coesão de que o modo de produção capitalista necessita.


MARX


367
741 MIRABEAU. Op. cit., t. III, pp. 20-109 passim. Se Mirabeau considera as oficinas dispersas mais econômicas e produtivas que as "reunidas" e vê nestas últimas
apenas plantas artificiais
de estufa sob os cuidados do governo do Estado, isso se explica pela situação em que então se encontrava grande parte das manufaturas continentais.
742 "Vinte libras-peso de lã, transformadas imperceptivelmente em roupas, que preenchem as necessidades anuais de uma família de trabalhadores, por seus próprios
esforços nas pausas
entre seus outros trabalhos — isso não produz assombro. Mas, leveis a lã ao mercado, a envieis à fábrica, depois ao agente, depois ao negociante, então tereis grandes
operações
comerciais e capital nominal empregado numa quantia 20 vezes seu valor (...) A classe trabalhadora é explorada para manter uma população fabril miserável, uma classe
para-sitária
de proprietários de lojas e um sistema comercial, monetário e financeiro fictício."( UR-QUHART, David. Op. cit., p. 120.)
355#
Entretanto, o período manufatureiro propriamente dito não leva a nenhuma reestruturação radical. Recordemos que a manufatura só
se apodera da produção nacional de forma muito fragmentária e sempre se baseia sobre os ofícios urbanos e sobre a pequena indústria doméstica
rural como fundamento amplo. Quando a manufatura destrói uma for-ma dessa indústria doméstica, em ramos específicos de negócio e em
determinados pontos, provoca o surgimento da mesma em outros, por-que precisa dela, até certo grau, para o processamento da matéria-pri-ma.
Ela produz, portanto, uma nova classe de pequenos rurícolas, os quais exercem o cultivo do solo como atividade subsidiária e o trabalho
industrial para a venda dos produtos à manufatura — diretamente ou pelo rodeio do comerciante — como negócio principal. Essa é uma causa,
embora não a principal, de um fenômeno que confunde, inicialmente, o pesquisador da história inglesa. A partir do último terço do século
XV, ele encontra queixas contínuas, somente interrompidas em certos intervalos, sobre a crescente economia capitalista no campo e a des-truição
progressiva do campesinato. Por outro lado, encontra sempre este campesinato de novo, embora em número menor e sob uma forma
sempre piorada. 743 A causa principal é: a Inglaterra é predominante-mente ora cultivadora de trigo, ora criadora de gado, em períodos al-ternados,
variando com estes a extensão da empresa camponesa. So-mente a grande indústria fornece, com as máquinas, a base constante
da agricultura capitalista, expropria radicalmente a imensa maioria do povo do campo e completa a separação entre a agricultura e a
indústria rural doméstica, cujas raízes — fiação e tecelagem — ela arranca. 744 Portanto, é só ela que conquista para o capital industrial
todo o mercado interno. 745


OS ECONOMISTAS


368
743 A exceção constitui aqui o tempo de Cromwell. Enquanto durou a República, a massa do povo inglês em todas as camadas se ergueu da degradação em que havia afundado
sob os
Tudors. 744 Tuckett sabe que das manufaturas propriamente ditas e da destruição da manufatura
rural ou doméstica com a introdução da maquinaria procede a grande indústria de lã. (TUCKETT. Op. cit., v. I, pp. 139-144.) "O arado, a canga eram invenções dos
deuses e a
ocupação de heróis: tear, fuso e roca são de origem menos nobre? Vós separais a roca e o arado, o fuso e a canga, e tereis fábricas e asilos de pobres, crédito e
pânico, duas nações
inimigas, a agrícola e a comercial." (URQUHART, David. Op. cit., p. 122.) Agora, chega Carey e acusa, seguramente não sem razão, a Inglaterra de tentar transformar
os demais
países em meros povos de agricultores, cujo fabricante será a Inglaterra. Ele afirma que dessa forma a Turquia teria sido arruinada, porque "jamais foi permitido"
(pela Inglaterra)
"aos proprietários e cultivadores do solo fortalecerem a si mesmos pela aliança natural entre o arado e o tear, o martelo e a grade". (The Slave Trade. p. 125.)
Segundo ele, o
próprio Urquhart é um dos agentes principais da ruína da Turquia, onde este teria feito pelo interesse inglês propaganda do livre-câmbio. O melhor é que Carey, grande
admirador
da Rússia seja dito de passagem, quer impedir com o sistema protecionista aquele processo de separação que esse sistema acelera.
745 Os economistas filantrópicos ingleses, tais como Mill, Rogers, Goldwin, Smith, Fawcett etc., e fabricantes liberais, como John Bright e consortes, perguntam
aos aristocratas rurais
ingleses, como Deus a Caim sobre seu irmão Abel, onde estão nossos milhares de freeholders? Mas de onde viestes vós? Da destruição daqueles freeholders. Por que
não seguis perguntando
para onde foram os tecelões, fiandeiros e artesãos independentes?
356#
6. Gênese do capitalista industrial
A gênese do capitalista industrial 746 não seguiu a mesma maneira gradativa da do arrendatário. Sem dúvida, alguns pequenos mestres


corporativos e mais ainda pequenos artesãos independentes ou também trabalhadores assalariados transformaram-se em pequenos capitalistas
e, mediante exploração paulatinamente mais ampliada do trabalho as-salariado e a correspondente acumulação, em capitalistas sanas phra-se.
747 No período da infância da produção capitalista, as coisas se pas-saram,
muitas vezes, como na infância do sistema urbano medieval, onde a questão quem dos servos evadidos deveria ser mestre e quem


deveria ser criado foi decidida, em grande parte, pela data mais recente ou mais antiga de sua fuga. Contudo, a marcha de lesma desse método
não correspondia, de modo algum, às necessidades comerciais do novo mercado mundial, que fora criado pelas grandes descobertas dos fins
do século XV. A Idade Média, porém, legou duas formas diferentes de capital, que amadurecem nas mais diversas formações sócio-econômicas
e, antes mesmo da era do modo de produção capitalista, contam como capital quand même 748 — o capital usurário e o capital comercial.


"Atualmente, toda a riqueza da sociedade vai para as mãos do capitalista (...) ele paga ao proprietário da terra a renda, ao
trabalhador o salário, ao coletor de imposto e dízimo seus direitos e guarda grande parte, na realidade a maior parte, que aumenta
cada dia, do produto anual do trabalho para si mesmo. O capi-talista pode agora ser considerado o proprietário de toda a riqueza
social em primeira mão, apesar de que nenhuma lei tenha lhe concedido o direito a essa propriedade. (...) Essa mudança na
propriedade foi efetivada pela cobrança de juros sobre o capital (...) e não é menos notável que os legisladores de toda a Europa
quisessem impedir isso mediante leis contra a usura. (...) O poder do capitalista sobre toda a riqueza do país é uma revolução com-pleta
no direito de propriedade; e por qual lei ou série de leis foi ela efetivada?" 749


O autor deveria observar que revoluções não são feitas por meio de leis.
O capital monetário formado pela usura e pelo comércio foi im-pedido pela constituição feudal no campo e pela constituição corporativa


MARX


369
746 Industrial está aqui em oposição a agrícola. Em sentido "categórico", o arrendatário é um capitalista industrial, tal como o fabricante.
747 Sem disfarce. (N. dos T.) 748 Em geral. (N. dos T.)
749 The Natural and Artificial Rigths of Property Contrasted. Londres, 1832. pp. 98-99. Autor do escrito anônimo: Th. Hodgskin.
357#
nas cidades de se converter em capital industrial. 750 Essas barreiras caíram com a dissolução dos séquitos feudais, com a expropriação e a
expulsão parcial do povo do campo. A nova manufatura foi instalada nos portos marítimos de exportação ou em pontos no campo, fora do
controle do velho sistema urbano e de sua constituição corporativa. Na Inglaterra verificou-se, por isso, amarga luta das corporate towns 751
contra esses novos viveiros industriais. A descoberta das terras do ouro e da prata, na América, o ex-termínio,
a escravização e o enfurnamento da população nativa nas minas, o começo da conquista e pilhagem das Índias Orientais, a trans-formação
da África em um cercado para a caça comercial às peles negras marcam a aurora da era de produção capitalista. Esses processos
idílicos são momentos fundamentais da acumulação primitiva. De ime-diato seque a guerra comercial das nações européias, tendo o mundo
por palco. Ela é aberta pela sublevação dos Países Baixos contra a Espanha, assume proporção gigantesca na Guerra Antijacobina da In-glaterra
e prossegue ainda nas Guerras do Ópio contra a China etc. Os diferentes momentos da acumulação primitiva repartem-se
então, mais ou menos em ordem cronológica, a saber pela Espanha, Portugal, Holanda, França e Inglaterra. Na Inglaterra, em fins do sé-culo
XVII, são resumidos sistematicamente no sistema colonial, no sis-tema da dívida pública, no moderno sistema tributário e no sistema
protecionista. Esses métodos baseiam-se, em parte, sobre a mais brutal violência, por exemplo, o sistema colonial. Todos, porém, utilizaram o
poder do Estado, a violência concentrada e organizada da sociedade, para ativar artificialmente o processo de transformação do modo feudal
de produção em capitalista e para abreviar a transição. A violência é a parteira de toda velha sociedade que está prenhe de uma nova. Ela
mesma é uma potência econômica. Sobre o sistema colonial cristão, um homem que faz da cristan-dade
uma especialidade, W. Howitt, diz:
"As barbaridades e as atrozes crueldades das assim chama-das raças cristãs, em todas as regiões do mundo e contra todo


povo que puderam subjugar, não encontram paralelo em ne-nhuma era da história universal, em nenhuma raça, por mais
selvagem e ignorante, por mais despida de piedade e de ver-gonha que fosse". 752


OS ECONOMISTAS


370
750 Ainda em 1794, os pequenos confeccionadores de pano de Leeds enviaram uma deputação ao Parlamento com uma petição para que fosse elaborada uma lei que proibisse
a todo
comerciante tornar-se fabricante. (Dr. AIKIN. Op. cit.) 751 Cidades corporativas. (N. dos T.)
752 HOWITT, William. Colonization and Christianity. A Popular History of the Treatment of the Natives by the Europeans in all their Colonies. Londres, 1838, p. 9.
Sobre o tratamento
dado aos escravos, encontra-se uma boa compilação em COMTE, Charles, Traité de la Législation. 3ª ed., Bruxelas, 1837. Deve-se estudar esse assunto em detalhe, para
ver o
358#
A história da economia colonial holandesa — e a Holanda era a nação capitalista modelar do século XVII — "desenrola um insuperável
quadro de traição, suborno, massacre e baixeza". 753 Nada é mais ca-racterístico que seu sistema de roubo de pessoas nas Célebes, a fim
de obter escravos para Java. Os ladrões de pessoas eram adestrados para esse fim. O ladrão, o intérprete, e o vendedor eram os agentes
principais nesse comércio; os príncipes nativos os principais vendedores. Os jovens seqüestrados eram escondidos nas prisões secretas das Cé-lebes
até que estivessem maduros para o envio aos navios de escravos. Um relatório oficial diz:


"Esta cidade de Macassar, por exemplo, está cheia de prisões secretas, uma mais horrenda que a outra, entulhadas de mise-ráveis,
vítimas da avidez e da tirania, presos a correntes, arran-cados violentamente de suas famílias".


Para se apoderar de Málaca, os holandeses subornaram o gover-nador português. Em 1641, ele os deixou entrar na cidade. Dirigiram-se
imediatamente a sua casa e o assassinaram a fim de se "absterem" do pagamento da soma do suborno de 21 875 libras esterlinas. Onde
punham o pé, seguia devastação e despovoamento. Banjuwangi, uma província de Java, contava em 1750 com mais de 80 mil habitantes,
em 1811, apenas 8 mil. Esse é o doux commerce! 754
A Companhia Inglesa das Índias Orientais obteve, como se sabe, além do poder político nas Índias Orientais, o monopólio exclusivo do


comércio de chá assim como do comércio chinês em geral e do transporte de mercadorias para a Europa. Mas a navegação costeira da Índia e
entre as ilhas bem como o comércio no interior da Índia tornaram-se monopólio dos altos funcionários da Companhia. Os monopólios de sal,
ópio, bétel e outras mercadorias eram minas inesgotáveis de riquezas. Os próprios funcionários fixavam os preços e esfolavam a seu bel-prazer
o infeliz indiano. O governador geral tomava parte nesse comércio pri-vado. Seus favoritos obtinham contratos sob condições em que, mais
espertos que os alquimistas, do nada faziam ouro. Grandes fortunas brotavam num dia, como cogumelos: a acumulação primitiva realiza-va-
se sem adiantamento de um xelim sequer. O processo judicial de Warren Hastings está repleto de tais exemplos. Aqui um caso. Um
contrato de ópio é atribuído a um certo Sullivan, no momento de sua partida — em função oficial — para uma parte da Índia totalmente
afastada dos distritos de ópio. Sullivan vende seu contrato por 40 mil


MARX


371
que o burguês faz de si mesmo e do trabalhador onde pode à vontade modelar o mundo segundo sua imagem.
753 RAFFLES, Thomas Stamford, Late lieut. Gov. of that island. The History of Java. Londres, 1817. [v. II, p. CXC-CXCI.]
754 Doce comércio. (N. dos T.)
359#
libras esterlinas a um certo Binn. Este vende-o, no mesmo dia, por 60 mil libras esterlinas e o comprador e executor definitivo do contrato
declara que, posteriormente, ainda conseguiu um lucro enorme. Se-gundo uma lista apresentada ao Parlamento, a Companhia e seus fun-cionários,
de 1757 a 1766, deixaram-se presentear pelos indianos com
6 milhões de libras esterlinas! Entre 1769 e 1770, os ingleses fabricaram uma epidemia de fome por meio da compra de todo arroz e pela recusa


de revendê-lo, a não ser por preços fabulosos. 755 O tratamento dos nativos era naturalmente o mais terrível nas
plantações destinadas apenas à exportação, como nas Índias Ocidentais, e nos países ricos e densamente povoados, entregues às matanças e à
pilhagem, como o México e as Índias Orientais. No entanto, mesmo nas colônias propriamente ditas não se desmentia o caráter cristão da
acumulação primitiva. Aqueles protestantes austeros e virtuosos, os puritanos da Nova Inglaterra, estabeleceram, em 1703, por resolução
de sua assembly, 756 um prêmio de 40 libras esterlinas para cada escalpo
indígena e para cada pele-vermelha aprisionado; em 1720, um prêmio de 100 libras esterlinas para cada escalpo; em 1744, depois de Mas-sachusetts-


Bay ter declarado certa tribo como rebelde, os seguintes preços: para o escalpo masculino, de 12 anos para cima, 100 libras
esterlinas da nova emissão; para prisioneiros masculinos, 105 libras esterlinas, para mulheres e crianças aprisionadas 50 libras esterlinas;
para escalpos de mulheres e crianças 50 libras esterlinas! Alguns de-cênios mais tarde, o sistema colonial vingou-se nos descendentes re-beldes
dos piedosos pilgrin fathers. 757 Com incentivo e pagamento in-glês, eles foram tomahawked. 758 O Parlamento britânico declarou sa-bujos
e escalpelamento como sendo "meios, que Deus e a Natureza colocaram em suas mãos".
O sistema colonial fez amadurecer como plantas de estufa o co-mércio
e a navegação. As "sociedades monopolia" (Lutero) foram ala-vancas poderosas da concentração de capital. Às manufaturas em ex-pansão,


as colônias asseguravam mercado de escoamento e uma acu-mulação potenciada por meio do monopólio de mercado. O tesouro apre-sado
fora da Europa diretamente por pilhagem, escravização e assas-sinato refluía à metrópole e transformava-se em capital. A Holanda,
que primeiro desenvolveu plenamente o sistema colonial, atingira já em 1648 o apogeu de sua grandeza comercial. Estava


OS ECONOMISTAS


372
755 No ano de 1866, somente na província de Orissa, mais de 1 milhão de indianos morreu de fome. Não obstante, procurou-se enriquecer o Tesouro estatal indiano com
os preços
pelos quais se cediam os alimentos aos famintos. 756 Assembléia. (N. dos T.)
757 Patriarcas peregrinos. — O primeiro grupo de puritanos que se estabeleceu em Plymouth (Massachusetts), em 1620. (N. dos T.)
758 Mortos a machado por índios. (N. dos T.)
360#
"na posse quase exclusiva do comércio das Índias Orientais e do tráfego entre o sudoeste e o nordeste europeu. Sua pesca, a ma-rinha
e as manufaturas sobrepujavam as de qualquer outro país. Os capitais da República eram talvez mais importantes que os
do resto da Europa em conjunto". 759
Guelich esquece de acrescentar: o povo holandês era já em 1648 mais sobrecarregado de trabalho, mais empobrecido e mais brutalmente


oprimido que os povos do resto da Europa em conjunto.
Hoje em dia, a supremacia industrial traz consigo a supremacia comercial. No período manufatureiro propriamente dito, é, ao contrário,


a supremacia comercial que dá o predomínio industrial. Daí o papel preponderante que o sistema colonial desempenhava então. Era o "deus
estranho" que se colocava sobre o altar ao lado dos velhos ídolos da Europa e que, um belo dia, com um empurrão e um chute, jogou-os
todos por terra. Proclamou a extração de mais-valia como objetivo úl-timo e único da humanidade.
O sistema de crédito público, isto é, das dívidas do Estado, cujas origens encontramos em Gênova e Veneza já na Idade Média, apode-rou-
se de toda a Europa durante o período manufatureiro. O sistema colonial com seu comércio marítimo e suas guerras comerciais serviu-lhe
de estufa. Assim, ele se consolidou primeiramente na Holanda. A dívida do Estado, isto é, a alienação do Estado — se despótico, constitucional
ou republicano — imprime sua marca sobre a era capitalista. A única parte da assim chamada riqueza nacional que realmente entra na posse
coletiva dos povos modernos é — sua dívida de Estado. 760 Daí ser totalmente conseqüente a doutrina moderna de que um povo torna-se
tanto mais rico quanto mais se endivida. O crédito público torna-se o credo do capital. E com o surgimento do endividamento do Estado, o
lugar do pecado contra o Espírito Santo, para o qual não há perdão, é ocupado pela falta de fé na dívida do Estado.
A dívida pública torna-se uma das mais enérgicas alavancas da acumulação primitiva. Tal como o toque de uma varinha mágica, ela
dota o dinheiro improdutivo de força criadora e o transforma, desse modo, em capital, sem que tenha necessidade para tanto de se expor
ao esforço e perigo inseparáveis da aplicação industrial e mesmo usu-rária. Os credores do Estado, na realidade, não dão nada, pois a soma
emprestada é convertida em títulos da dívida, facilmente transferíveis, que continuam a funcionar em suas mãos como se fossem a mesma
quantidade de dinheiro sonante. Porém, abstraindo a classe de rentistas


MARX


373
759 GUELICH, G. von. Geschichtliche Darstellung des Handels, der Gewerbe und des Ackerbaus der bedeutendsten handeltreibenden Staaten unserer Zeit. Jena, 1830, v.
1, p. 371.
760 William Cobbett observa que na Inglaterra todas as instituições públicas são denominadas "reais", mas em compensação existe a dívida "nacional" (national debt).
361#
ociosos assim criada e a riqueza improvisada dos financistas que atuam como intermediários entre o governo e a nação — como também os
arrendatários de impostos, comerciantes e fabricantes privados, aos quais uma boa parcela de cada empréstimo do Estado rende o serviço
de um capital caído do céu — a dívida do Estado fez prosperar as sociedades por ações, o comércio com títulos negociáveis de toda espécie,
a agiotagem, em uma palavra: o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia. Desde seu nascimento, os grandes bancos, decorados com títulos
nacionais, eram apenas sociedades de especuladores privados, que se colocavam ao lado dos governos e, graças aos privilégios recebidos,
estavam em condições de adiantar-lhes dinheiro. Por isso, a acumulação da dívida do Estado não tem medidor mais infalível que a alta sucessiva
das ações desses bancos, cujo completo desenvolvimento data da fun-dação do Banco da Inglaterra (l694). O Banco da Inglaterra começou
emprestando seu dinheiro ao governo a 8%; ao mesmo tempo foi au-torizado pelo Parlamento a cunhar dinheiro do mesmo capital, em-prestando-
o ao público outra vez sob a forma de notas bancárias. Com essas notas, ele podia descontar letras, conceber empréstimos sobre
mercadorias e comprar metais nobres. Não demorou muito para que esse dinheiro de crédito, por ele mesmo fabricado, se tornasse a moeda,
com a qual o Banco da Inglaterra fazia empréstimos ao Estado e, por conta do Estado, pagava os juros da dívida pública. Não bastava que
ele desse com uma mão para retomar mais com a outra: ele, enquanto recebia, continuava eterno credor da nação até o último tostão adian-tado.
Progressivamente, tornou-se o receptáculo inevitável dos tesouros metálicos do país e o centro de gravitação de todo o crédito comercial.
Ao mesmo tempo em que na Inglaterra se parou de queimar feiticeiras, começou-se a enforcar falsificadores de notas bancárias. O efeito cau-sado
sobre os contemporâneos pelo repentino aparecimento dessa ni-nhada de bancocratas, financistas, rentiers, corretores stockjobbers 761
e leões da Bolsa, demonstram os escritos daquela época, como por exemplo os de Bolingbroke. 762
Com as dívidas do Estado surgiu um sistema internacional de crédito, que freqüentemente oculta uma das fontes da acumulação pri-mitiva
neste ou naquele povo. Assim, as vilezas do sistema veneziano de rapina constituem uma das tais bases ocultas da riqueza de capital
da Holanda, à qual a decadente Veneza emprestou grandes somas em dinheiro. O mesmo passou-se entre a Holanda e a Inglaterra. Já no
início do século XVIII, as manufaturas da Holanda estavam bastante ultrapassadas e ela havia cessado de ser nação dominante do comércio
e da indústria. Um de seus principais negócios de 1701 a 1776 torna-se,


OS ECONOMISTAS


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761 Corretores não autorizados. (N. dos T.) 762 "Se os tártaros inundassem hoje a Europa, seria muito difícil fazê-los entender o que é entre
nós um financista." (MONTESQUIEU. Esprit des Lois. Ed. Londres, 1769. t. IV, p. 33.)
362#
por isso, emprestar enormes capitais, especialmente a seu poderoso concorrente, a Inglaterra. Uma relação análoga existe hoje entre a
Inglaterra e os Estados Unidos. Muito capital que aparece hoje nos Estados Unidos, sem certidão de nascimento, é sangue infantil ainda
ontem capitalizado na Inglaterra. Como a dívida do Estado se respalda nas receitas do Estado,
que precisam cobrir os juros e demais pagamentos anuais, o moderno sistema tributário tornou-se um complemento necessário do sistema
de empréstimos nacionais. Os empréstimos capacitam o governo a en-frentar despesas extraordinárias, sem que o contribuinte o sinta ime-diatamente,
mas exigem, ainda assim, como conseqüência, elevação de impostos. Por outro lado, o aumento de impostos causado pela acumu-lação
de dívidas contraídas sucessivamente força o governo a tomar sempre novos empréstimos para fazer face a novos gastos extraordi-nários.
O regime fiscal moderno, cujo eixo é constituído pelos impostos sobre os meios de subsistência mais necessários (portanto, encarecen-do-
os), traz em si mesmo o germe da progressão automática. A super-tributação não é um incidente, porém muito mais um princípio. Na
Holanda, onde esse sistema foi primeiramente inaugurado, o grande patriota de Witt o celebrou por isso em suas máximas, como o melhor
sistema para manter o trabalhador assalariado submisso, frugal, diligente e (...) sobrecarregado de trabalho. A influência destruidora que exerce
sobre a situação dos trabalhadores assalariados interessa-nos aqui, en-tretanto, menos que a violenta expropriação do camponês, do artesão,
enfim, de todos os componentes da pequena classe média, que ele condi-ciona. Sobre isso não há opiniões divergentes, nem mesmo entre os eco-nomistas
burgueses. Sua eficácia expropriante é fortalecida ainda pelo sistema protecionista, que constitui uma de suas partes integrantes.
A grande participação da dívida pública e de seu correspondente sistema fiscal na capitalização da riqueza e na expropriação das massas
levou muitos escritores, como Cobbett, Doubleday e outros a buscar erroneamente aqui a causa básica da miséria dos povos modernos.
O sistema protecionista foi um meio artificial de fabricar fabri-cantes, de expropriar trabalhadores independentes, de capitalizar os
meios nacionais de produção e de subsistência, de encurtar violenta-mente a transição do antigo modo de produção para o moderno. Os
Estados europeus disputaram furiosamente entre si a patente desse invento, e, uma vez colocados a serviço dos extratores de mais-valia,
não se limitavam para esse fim a gravar seu próprio povo, indireta-mente por meio de prêmios de exportação etc. Nos países secundários
dependentes, toda a indústria foi violentamente extirpada, como, por exemplo, a manufatura de lã irlandesa, pela Inglaterra. No continente
europeu, segundo o modelo de Colbert, o processo foi ainda mais sim-plificado. O capital original do industrial flui aqui, em parte, direta-mente
do tesouro do Estado.


MARX


375
363#
"Por que", exclama Mirabeau, "ir tão longe buscar a causa do esplendor da manufatura da Saxônia antes da Guerra dos Sete
Anos? 180 milhões de dívidas do Estado! 763
Sistema colonial, dívidas do Estado peso dos impostos, proteção, guerras comerciais etc., esses rebentos do período manufatureiro pro-priamente


dito se agigantam durante a infância da grande indústria. O nascimento desta última é celebrado pelo grande rapto herodiano
de crianças. Como a frota real, as fábricas recrutam por intermédio da imprensa. Por blasé 764 que Sir F. M. Den seja diante dos horrores
da expropriação do povo do campo de sua base fundiária, desde o último terço do século XV até sua época, o fim do século XVIII, por mais que
vaidosamente se congratule por esse processo ser "necessário" para "estabelecer" a agricultura capitalista e "a verdadeira proporção entre
a terra para lavoura e para pastagem", ele não revela, entretanto, a mesma compreensão econômica da necessidade do roubo de crianças
e de sua escravização para a transformação da empresa manufatureira em empresa fabril e o estabelecimento da verdadeira relação entre
capital e força de trabalho. Ele diz:
"Talvez mereça a consideração do público se uma manufatura, para sua eficaz realização, tenha de saquear cottages e Workhou-ses


de crianças pobres, para que sejam esfalfadas em turmas que se revezam, e roubadas de seu descanso a maior parte da noite;
uma manufatura que, além disso, amontoa gente de ambos os sexos, de diferentes idades e inclinações, de tal forma que a con-taminação
do exemplo deve levar à depravação e libertinagem — tal manufatura pode aumentar a soma da felicidade nacional
e individual?" 765 "Em Derbyshire, Nottinghamshire e especial-mente em Lancashire", diz Fielden, "a maquinaria recentemente
inventada foi empregada em grandes fábricas, próximas a cor-rentezas capazes de girar a roda-d'água. Subitamente, milhares
de braços tornaram-se necessários nesses lugares, longe das ci-dades; e Lancashire, a saber até então comparativamente pouco
povoado e infértil, necessitava agora, sobretudo, de uma popula-ção. Os pequenos e ágeis dedos eram os mais requisitados. Surgiu
logo o costume de procurar aprendizes (!) nas diferentes Work-houses paroquiais de Londres, Birmingham e de onde quer que
fosse. Muitos, muitos milhares dessas pequenas criaturas desam-paradas, de 7 até 13 ou 14 anos, foram assim expedidos para o


OS ECONOMISTAS


376
763 "Porquoui aller chercher si loin la cause de l'éclat manufacturier de la Saxe avant la guerre? Cent quatre-vingt millions de dettes faîtes par les souverains!"
(MIRABEAU. Op.
cit., t. VI, p. 101.) 764 Esnobe. (N. dos T.)
765 EDEN. Op. cit., Livro Segundo. Cap. I, p. 421.
364#
norte. Era costume do mestre" (isto é, de ladrão de crianças) "vestir, alimentar e alojar seus aprendizes numa casa de apren-dizes,
próximo à fábrica. Supervisores foram designados para vi-giar-lhes o trabalho. Era de interesse desses feitores de escravos
fazer as crianças trabalharem ao extremo, pois sua remuneração era proporcional ao quantum de produto que podia ser extraído
da criança. Crueldade foi a conseqüência natural. (...) Em muitos distritos fabris, especialmente em Lancashire, foram aplicadas
torturas de dilacerar o coração, contra essas criaturas inofensivas e sem amigos, que foram consignadas aos senhores de fábricas.
Elas foram exauridas até a morte por excesso de trabalho (...) elas foram açoitadas, acorrentadas e torturadas com o maior re-finamento
de crueldade: elas foram, em muitos casos, esfomeadas até só lhes restar pele e ossos, enquanto o chicote as mantinha
no trabalho. Sim, em alguns casos, elas foram impelidas ao sui-cídio! (...) Os belos e românticos vales de Derbyshire, Notting-hamshire
e Lancashire, ocultos para o olho público, converteram-se em pavorosos ermos de tortura e — freqüentemente de assas-sinato!
(...) Os lucros dos fabricantes eram enormes. Isso apenas aguçava-lhes a voracidade de lobisomem. Eles iniciaram a prática
do trabalho noturno, isto é, após terem esgotado um grupo de mãos pelo trabalho diurno, mantinham outro grupo já preparado
para o trabalho noturno; o grupo diurno ia para as camas que o grupo noturno acabara de deixar e vice-versa. É tradição popular
em Lancashire que as camas jamais esfriavam". 766
Com o desenvolvimento da produção capitalista durante o período manufatureiro, a opinião pública da Europa perdeu o que lhe restava


de sentimentos de vergonha e consciência. As nações se jactavam ci-nicamente de cada infâmia que fosse um meio para acumular capital.
Leia-se, por exemplo, os ingênuos anais do comércio do probo A. An-


MARX


377
766 FIELDEN, John. Op. Cit., pp. 5-6. Sobre as infâmias originárias do sistema fabril, comparar dr. AIKIN (1795). Op. cit., p. 219; e GISBORNE. Enquiry into the
Duties of Men. 1795. v.
II. Visto que a máquina a vapor transplantou as fábricas das quedas-d'águas rurais para o centro das cidades, o extrator de mais-valia, sempre "pronto à renúncia",
encontrou à
mão o material infantil, sem a oferta forçada de escravos das Workhouses. — Quando Sir R. Peel (pai do "ministro da plausibilidade") apresentou bill em proteção
das crianças, em
1815, F. Horner (lúmen do Bullion Committe e amigo íntimo de Ricardo) declarou na Câmara dos Comuns: "É notório que junto com a massa falida, um bando, se me permitem
essa
expressão, de crianças de fábrica foi anunciado e arrematado, em leilão público, como parte da propriedade. Há dois anos" (em 1813) "chegou perante a King's Bench
um caso horroroso.
Tratava-se de certo número de garotos. Uma paróquia de Londres tinha-os consignado a um fabricante, que os transferiu de novo a outro. Eles foram finalmente descobertos
por
alguns filantropos, num estado de completa inanição (absolute famine). Outro caso, ainda mais horroroso, chegou a meu conhecimento como membro do comitê parlamentar
de in-quérito.
Há não muitos anos, uma paróquia londrina e um fabricante de Lancashire con-cluíram um contrato, pelo qual foi estipulado que este, para cada 20 crianças sadias,
teria
de aceitar uma idiota".
365#
derson. Aí é trombeteado como triunfo da sabedoria política inglesa que a Inglaterra, na paz de Utrecht, pelo tratado de Asiento 767 tenha
extorquido dos espanhóis o privilégio de explorar o tráfico de negros, que até então explorava apenas entre a África e as Índias Ocidentais
inglesas, também entre a África e a América espanhola. A Inglaterra obteve o direito de fornecer à América espanhola, até 1743, 4 800
negros por ano. Isso proporcionava, ao mesmo tempo, um manto oficial para o contrabando britânico. Liverpool teve grande crescimento com
base no comércio de escravos. Ele constitui seu método de acumulação primitiva. E até hoje a "honorabilidade" liverpoolense continuou sendo
o Píndaro do comércio de escravos, o qual — compare o escrito citado do dr. Aikin de 1795 — "eleva o espírito empresarial até a paixão,
forma famosos marinheiros e traz enormes somas em dinheiro". 768 Li-verpool ocupava, em 1730, 15 navios no comércio de escravos; 1751:
53; 1760: 74; 1770: 96 e 1792: 132. Enquanto introduzia a escravidão infantil na Inglaterra, a in-dústria
do algodão dava, ao mesmo tempo, o impulso para trans-formar a economia escravista dos Estados Unidos, que antes era
mais ou menos patriarcal, num sistema de exploração comercial. De maneira geral, a escravidão encoberta dos trabalhadores assa-lariados
na Europa precisava, como pedestal da escravidão sans phrase, do Novo Mundo. 769
Tantae molis erat 770 para desatar as "eternas leis naturais" do modo de produção capitalista, para completar o processo de separação
entre trabalhadores e condições de trabalho, para converter, em um dos pólos, os meios sociais de produção e subsistência em capital e,
no pólo oposto, a massa do povo em trabalhadores assalariados, em "pobres laboriosos" livres, essa obra de arte da história moderna. 771


OS ECONOMISTAS


378
767 Denominação dos acordos pelos quais a Espanha concedia a Estados estrangeiros e pessoas privadas o direito de fornecer escravos negros africanos para suas colônias
americanas, do
século XVI até o século XVIII. (N. da Ed. Alemã.) 768 "... has coincided with that spirit of bold adventure wich has characterised the trade of
Liverpool and rapidly carried it to its present state of prosperity; has occasioned vast employment for shipping and sailors, and greatly augmented the demand for
the manu-factures
of the country". (N. dos T.) 769 Em 1790, nas Índias Ocidentais inglesas havia 10 escravos para 1 homem livre, nas fran-cesas,
14 para 1, nas holandesas, 23 para 1. (BROUGHAM, Henry. An Inquiry into the Colonial Policy of the European Powers. Edimburgo, 1803. v. II, p. 74.)
770 "Tanto esforço fazia-se necessário." Marx utiliza aqui uma expressão de Virgílio. Eneida. Livro Primeiro, verso 33. Lê-se aí: Tantae molis erat Romanum condere
gentem (Tanto
esforço fazia-se necessário para fundamentar a estirpe romana). (N. da Ed. Alemã.) 771 A expressão labouring encontra-se nas leis inglesas desde o momento em que
a classe dos
trabalhadores assalariados se torna digna de atenção. Os labouring poor estão em contra-posição, por um lado, aos idle poor, mendigos etc., por outro, aos trabalhadores
que ainda
não se tornaram galinhas depenadas, mas continuam proprietários de seus meios de tra-balho. Da lei, a expressão labouring poor transferiu-se para a Economia Política,
de Cul-peper,
J. Child etc. até A. Smith e Eden. Conseqüentemente, julgue-se a bonne foi execrable political cantmonger Edmund Burke, quando ele qualifica a expressão labouring
poor como
execrable political cant. Esse sicofanta, que a soldo da oligarquia inglesa bancou o romântico
366#
Se o dinheiro, segundo Augier, "vem ao mundo com manchas naturais de sangue sobre uma de suas faces", 772 então o capital nasce escorrendo
por todos os poros sangue e sujeira da cabeça aos pés. 773
7. Tendência histórica da acumulação capitalista


A que conduz a acumulação primitiva do capital, isto é, sua gênese histórica? Na medida em que ela não é a transformação direta de
escravos e servos em trabalhadores assalariados, portanto, mera mu-dança de forma, significa apenas a expropriação dos produtores diretos,
isto é, dissolução da propriedade privada baseada no próprio trabalho.
Propriedade privada, como antítese da propriedade social, cole-tiva, existe apenas onde os meios de trabalho e suas condições externas


pertencem a pessoas privadas. Porém, conforme estas pessoas privadas sejam trabalhadores ou não-trabalhadores, a propriedade privada as-sume
também caráter diferente. Os infindáveis matizes que a proprie-dade privada exibe à primeira vista refletem apenas as situações in-termediárias
existentes entre esses dois extremos.
A propriedade privada do trabalhador sobre seus meios de pro-dução é a base da pequena empresa, a pequena empresa uma condição


necessária para o desenvolvimento da produção social e da livre indi-vidualidade do próprio trabalhador. Na verdade, esse modo de produção
existe também durante a escravidão, a servidão e outras relações de dependência. Mas ela só floresce, só libera toda a sua energia, só con-quista
a forma clássica adequada, onde o trabalhador é livre proprie-tário privado das condições de trabalho manipuladas por ele mesmo,
o camponês da terra que cultiva, o artesão dos instrumentos que maneja como um virtuose.
Esse modo de produção pressupõe o parcelamento do solo e dos demais meios de produção. Assim como a concentração destes últimos,


MARX


379
em face da Revolução Francesa, do mesmo modo que, a soldo das colônias norte-americanas, bancara no início dos motins americanos o liberal diante da oligarquia inglesa,
era sob
todos os aspectos um burguês ordinário: "As leis do comércio são as leis da Natureza e conseqüentemente as leis de Deus". (BURKE, E. Op. cit., pp. 31-32.) Não é
de admirar que
ele, fiel às leis de Deus e da Natureza, vendeu sempre a si mesmo no melhor mercado! Encontra-se nos escritos do Rev. Tucker — Tucker era cura e tory, mas de resto
um homem
correto e competente economista político — uma boa caracterização desse Edmund Burke, durante sua época liberal. Em face da infame falta de caráter, que predomina
hoje, e da
crença mais devota nas "leis do comércio", é dever estigmatizar, sempre de novo, os Burkes, que se diferenciam de seus sucessores apenas por uma coisa: Talento!
772 AUGIER, Marie. Du Crédit Public. [Paris, 1842, p. 265.] 773 "O Capital", diz o Quarterly Reviewer, "foge do tumulto e da contenda, sendo tímido por
natureza. Isso é certo, entretanto não é toda a verdade. O capital tem horror à ausência do lucro ou ao lucro muito pequeno, assim como a Natureza ao vácuo. Com
um lucro
adequado, o capital torna-se audaz, 10% certos, e se pode aplicá-lo em qualquer parte; com 20%, torna-se vivaz; 50%, positivamente temerário; por 100%, tritura sob
seus pés todas
as leis humanas; 300%, e não há crime que não arrisque, mesmo sob o perigo do cadafalso. Se tumulto e contenda trazem lucro, ele encorajará a ambos. Prova: contrabando
e comércio
de escravos." (DUNNING, T. J. Op. cit., pp. 35-36.)
367#
exclui também a cooperação, divisão do trabalho dentro dos próprios processos de produção, dominação social e regulação da Natureza, livre
desenvolvimento das forças sociais produtivas. Ele só é compatível com estreitas barreiras naturalmente desenvolvidas da produção e da so-ciedade.
Pretender eternizá-lo significaria, como diz Pecqueur com ra-zão, "decretar a mediocridade geral". 774 Em certo nível de desenvolvi-mento,
produz os meios materiais de sua própria destruição. A partir desse momento agitam-se forças e paixões no seio da sociedade, que
se sentem manietadas por ele. Tem de ser destruído e é destruído. Sua destruição, a transformação dos meios de produção individuais e
parcelados em socialmente concentrados, portanto da propriedade mi-núscula de muitos em propriedade gigantesca de poucos, portanto a
expropriação da grande massa da população de sua base fundiária, de seus meios de subsistência e instrumentos de trabalho, essa terrível
e difícil expropriação da massa do povo constitui a pré-história do capital. Ela compreende uma série de métodos violentos, dos quais
passamos em revista apenas aqueles que fizeram época como métodos de acumulação primitiva do capital. A expropriação dos produtores diretos
é realizada com o mais implacável vandalismo e sob o impulso das paixões mais sujas, mais infames e mais mesquinhamente odiosas. A propriedade
privada obtida com trabalho próprio, baseada, por assim dizer, na fusão do trabalhador individual isolado e independente com suas condições de
trabalho, é deslocada pela propriedade privada capitalista, a qual se baseia na exploração do trabalho alheio, mas formalmente livre. 775
Tão logo esse processo de transformação tenha decomposto suficien-temente, em profundidade e extensão, a antiga sociedade, tão logo os
trabalhadores tenham sido convertidos em proletários e suas condições de trabalho em capital, tão logo o modo de produção capitalista se sustente
sobre seus próprios pés, a socialização ulterior do trabalho e a transfor-mação ulterior da terra e de outros meios de produção em meios de pro-dução
socialmente explorados, portanto, coletivos, a conseqüente expro-priação ulterior dos proprietários privados ganha nova forma. O que está
agora para ser expropriado já não é o trabalhador economicamente au-tônomo, mas o capitalista que explora muitos trabalhadores.
Essa expropriação se faz por meio do jogo das leis imanentes da própria produção capitalista, por meio da centralização dos capitais.
Cada capitalista mata muitos outros. Paralelamente a essa centrali-zação ou à expropriação de muitos outros capitalistas por poucos de-senvolve-
se a forma cooperativa do processo de trabalho em escala sempre crescente, a aplicação técnica consciente da ciência, a exploração


OS ECONOMISTAS


380
774 PECQUEUR, C. Théorie Nouvelle d'Economie Sociale et Politique. Paris, 1842. p. 435. 775 "Nós nos encontramos numa situação que é completamente nova para a sociedade
(...) nós
procuramos separar toda espécie de propriedade de toda espécie de trabalho." (SISMONDI. Nouveaux Principes de l'Econ. Polit. t, II. p. 434.)
368#
planejada da terra, a transformação dos meios de trabalho em meios de trabalho utilizáveis apenas coletivamente, a economia de todos os
meios de produção mediante uso como meios de produção de um tra-balho social combinado, o entrelaçamento de todos os povos na rede
do mercado mundial e, com isso, o caráter internacional do regime capitalista. Com a diminuição constante do número dos magnatas do
capital, os quais usurpam e monopolizam todas as vantagens desse pro-cesso de transformação, aumenta a extensão da miséria, da opressão, da
servidão, da degeneração, da exploração, mas também a revolta da classe trabalhadora, sempre numerosa, educada, unida e organizada pelo próprio
mecanismo do processo de produção capitalista. O monopólio do capital torna-se um entrave para o modo de produção que floresceu com ele e
sob ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho atingem um ponto em que se tornam incompatíveis com seu invólucro
capitalista. Ele é arrebentado. Soa a hora final da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados.
O sistema de apropriação capitalista surgido do modo de produção
capitalista, ou seja, a propriedade privada capitalista, é a primeira negação da propriedade privada individual, baseada no trabalho pró-prio.


Mas a produção capitalista produz, com a inexorabilidade de um processo natural, sua própria negação. É a negação da negação. Esta
não restabelece a propriedade privada, mas a propriedade individual sobre o fundamento do conquistado na era capitalista: a cooperação e
a propriedade comum da terra e dos meios de produção produzidos pelo próprio trabalho.
A transformação da propriedade privada parcelada, baseada no tra-balho próprio dos indivíduos, em propriedade capitalista é, naturalmente,
um processo incomparavelmente mais longo, duro e difícil do que a trans-formação da propriedade capitalista, realmente já fundada numa organi-zação
social da produção, em propriedade social. Lá, tratou-se da expro-priação da massa do povo por poucos usurpadores, aqui trata-se da ex-propriação
de poucos usurpadores pela massa do povo. 776


MARX


381
776 "O progresso da indústria, cujo portador involuntário e não-resistente é a burguesia, coloca no lugar do isolamento dos trabalhadores, pela concorrência, sua
união revolucionária, pela
associação. Com o desenvolvimento da grande indústria, a burguesia vê, pois, desaparecer sob seus pés o fundamento sobre o qual ela produz e se apropria dos produtos.
Ela produz,
pois, antes de mais nada, seus próprios coveiros. Sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis. (...) De todas as classes que hoje se defrontam
com a burguesia,
apenas o proletariado é uma classe realmente revolucionária. As demais classes degeneram e desaparecem com a grande indústria, o proletariado é seu produto mais
genuíno. Os
estamentos médios, o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês, todos eles combatem a burguesia para evitar que sua existência como estamentos
médios
se extinga (...) eles são reacionários, pois procuram guiar a roda da história para trás." (MARX, Karl e ENGELS, F. Manifest der Kommunistischen Partei. Londres,
1848. pp. 11, 9.)
369#
CAPÍTULO XXV
A Teoria Moderna da Colonização 777


A Economia Política confunde por princípio duas espécies muito diferentes de propriedade privada, das quais uma se baseia sobre o
próprio trabalho do produtor e a outra sobre a exploração do trabalho alheio. Ela esquece que a última não apenas forma a antítese direta
da primeira, mas também cresce somente sobre seu túmulo.
Na Europa ocidental, a terra natal da Economia Política, o pro-cesso da acumulação primitiva está mais ou menos completado. O re-gime


capitalista aqui ou submeteu diretamente toda a produção na-cional
ou, onde as condições estão menos desenvolvidas, controla pelo
menos indiretamente aquelas camadas sociais decadentes que perten-cem
ao modo de produção arcaico que continua existindo a seu lado.
Sobre esse mundo já pronto do capital, o economista político aplica
com zelo tanto mais ansioso e com unção tanto maior as concepções de direito e propriedade do mundo pré-capitalista quanto mais clara-mente


os fatos negam sua ideologia.
As coisas são bem outras nas colônias. O regime capitalista cho-ca-
se lá por toda parte contra a barreira do produtor, que como pos-suidor
de suas condições de trabalho enriquece a si mesmo por seu
trabalho, em vez de enriquecer ao capitalista. A contradição desses
dois sistemas econômicos diametralmente opostos afirma-se aqui pra-ticamente
na luta entre eles. Ali onde o capitalista tem atrás de si o poder da metrópole, ele procura eliminar pela força o modo de produção


e apropriação baseado no trabalho próprio. O mesmo interesse, que


383
777 Trata-se aqui das verdadeiras colônias, terra virgem que é colonizada por imigrantes livres. Os Estados Unidos são ainda, economicamente falando, colônia da
Europa. De resto, cabem
aqui também aquelas velhas plantações, em que a abolição da escravidão revolucionou completamente as condições.
370#
faz o sicofanta do capital, o economista político na metrópole, tratar
teoricamente o modo de produção capitalista como se fosse seu oposto,
esse mesmo interesse impulsiona-o aqui to make a clean breast of it 778
e a proclamar bem alto a antítese entre os dois modos de produção.
Para esse fim ele demonstra que o desenvolvimento da força produtiva
social do trabalho, cooperação, divisão do trabalho, aplicação da ma-quinaria
em larga escala etc. são impossíveis sem a expropriação dos
trabalhadores e a correspondente transformação de seus meios de pro-dução
em capital. No interesse da assim chamada riqueza nacional
ele procura artifícios para produzir a pobreza do povo. Sua couraça
apologética se estilhaça aqui, pedaço por pedaço, como madeira podre.
O grande mérito de E. G. Wakefield não é ter descoberto algo
novo sobre as colônias, 779 mas ter descoberto nas colônias a verdade
sobre as condições capitalistas da metrópole. Como o sistema prote-cionista
em suas origens 780 ambicionava a fabricação de capitalistas
na metrópole, assim a teoria da colonização de Wakefield, que a In-glaterra
durante certo tempo procurou pôr em prática legalmente, am-biciona
a fabricação de trabalhadores assalariados nas colônias, isso
ele denomina systematic colonization (colonização sistemática). De início, Wakefield descobriu nas colônias que a propriedade


de dinheiro, meios de subsistência, máquinas e outros meios de pro-dução ainda não faz de uma pessoa um capitalista se falta o comple-mento,
o trabalhador assalariado, a outra pessoa, que é obrigada a vender a si mesma voluntariamente. Ele descobriu que o capital não
é uma coisa, mas uma relação social entre pessoas intermediada por coisas. 781 O sr. Peel, lamenta-se ele, levou meios de subsistência e
meios de produção, num total de 50 mil libras esterlinas, da Inglaterra para o Swan River, na Nova Holanda. O sr. Peel foi tão precavido,
que levou também 3 mil pessoas da classe trabalhadora, homens, mu-lheres e crianças. Uma vez alcançado o lugar de destino, "o sr. Peel
ficou sem nenhum criado para fazer sua cama ou para buscar-lhe água do rio". 782 Infeliz sr. Peel, que previu tudo, menos a exportação das
relações inglesas de produção para o Swan River!


OS ECONOMISTAS


384
778 A confessar a verdade. (N. dos T.) 779 As poucas observações lúcidas de Wakefield sobre a essência das próprias colônias foram
completamente antecipadas por Mirabeau père, o fisiocrata, e ainda muito antes por eco-nomistas ingleses.
780 Torna-se mais tarde uma necessidade temporária na luta da concorrência internacional. Porém, qualquer que seja o motivo, as conseqüências permanecem as mesmas.
781 "Um negro é um negro. Somente em determinadas condições torna-se escravo. Uma máquina fiadora de algodão é uma máquina para fiar algodão. Apenas em determinadas
condições
ela se torna capital. Arrancada dessas condições, ela é tão pouco capital como o ouro em si e para si é dinheiro, ou o açúcar é o preço do açúcar. (...) O capital
é uma relação social
de produção. É uma relação histórica de produção." MARX, Karl "Lohnarbeit und Kapital". In: N[ eue] Rh[ einischel Z[ eitung] nº 266, de 7 de abril de 1849.
782 WAKEFIELD, E. G. England and America. v. II. p. 33.
371#
Para o entendimento dos descobrimentos seguintes de Wakefield,
duas observações preliminares. Sabe-se: meios de produção e de sub-sistência,
como propriedades do produtor direto, não são capital. Eles tornam-se capital apenas sob condições em que servem ao mesmo tempo


como meios de exploração e de dominação do trabalhador. Essa sua
alma capitalista, porém, está na cabeça do economista político tão in-timamente
unida a sua substância material, que ele os batiza, sob
todas as circunstâncias, capital, mesmo onde eles são precisamente o
contrário. Assim acontece com Wakefield. Além disso: a fragmentação dos meios de produção como propriedade individual de muitos traba-lhadores


economicamente autônomos e independentes uns dos outros,
ele denomina repartição igual do capital. Acontece ao economista po-lítico
o mesmo que ao jurista feudal. Este último colava também sobre
as relações puramente monetárias suas etiquetas jurídicas feudais.


"Se", diz Wakefield, "o capital fosse repartido em porções iguais entre todos os membros da sociedade, nenhuma pessoa teria in-teresse


em acumular mais capital do que aquele que, com suas próprias mãos, pudesse empregar. Esse é, em certo grau, o caso
nas novas colônias americanas, em que a paixão pela propriedade fundiária impede a existência de uma classe de trabalhadores
assalariados." 783
Enquanto o trabalhador, portanto, pode acumular para si mesmo
— e isso ele pode enquanto permanecer proprietário de seus meios de
produção — a acumulação capitalista e o modo capitalista de produção
são impossíveis. A classe dos trabalhadores assalariados, imprescindí-veis
para tanto, falta. Como então, na velha Europa, se produziu a expropriação do trabalhador de suas condições de trabalho, portanto


capital e trabalho assalariado? Por meio de um contrat social de tipo
totalmente original.


"A humanidade adotou um método simples para promover a acumulação do capital", a qual naturalmente, desde os tempos


de Adão, lhe aparecia como o último e único fim de sua existência; "ela se dividiu em proprietários de capital e proprietários de tra-balho
(...) essa divisão foi o resultado de entendimento e combi-nação voluntária. 784


Numa palavra: a massa da humanidade expropriou a si mesma
em honra da "acumulação do capital". Dever-se-ia, então, acreditar que
o instinto desse fanatismo de auto-renúncia deveria deixar as rédeas


MARX


385
783 Op. cit., v. I, p. 17. 784 Op. cit., p. 18.
372#
soltas sobretudo nas colônias, o único lugar em que existem pessoas
e circunstâncias que poderiam trasladar um contrat social do reino
dos sonhos ao mundo da realidade. Mas para que então a "colonização sistemática" em oposição à colonização naturalmente desenvolvida? Mas:


"nos Estados nortistas da União americana é duvidoso se um décimo da população pertence à categoria dos trabalhadores as-salariados.
(...) Na Inglaterra (...) a grande massa do povo consiste em trabalhadores assalariados". 785


Sim, o instinto de auto-expropriação da humanidade trabalhadora em honra do capital existe tão pouco que a escravidão, mesmo segundo
Wakefield, é o único fundamento naturalmente desenvolvido da riqueza colonial. Sua colonização sistemática é mero pis aller, 786 já que ele tem
de se haver com livres em vez de com escravos.
"Os primeiros povoadores espanhóis em São Domingos não receberam trabalhadores da Espanha. Mas sem trabalhadores"


(isto é, sem escravidão) "o capital teria perecido ou pelo menos ter-se-ia contraído às pequenas massas, em que cada indivíduo
pode empregá-lo com suas próprias mãos. Isso ocorreu realmente na última colônia fundada pelos ingleses, onde um grande capital
em sementes, gado e instrumentos pereceu por falta de tra-balhadores assalariados e onde nenhum povoador possui muito
mais capital do que aquele que com suas próprias mãos pode empregar." 787


Viu-se: a expropriação da massa do povo de sua base fundiária constitui a base do modo de produção capitalista. A essência de uma
colônia livre consiste, pelo contrário, em que a maior parte do solo ainda é propriedade do povo e cada povoador, portanto, pode transfor-mar
parte dele em sua propriedade privada e em meio de produção individual, sem impedir os povoadores que chegam depois de executa-rem
essa mesma operação. 788 Esse é o segredo tanto do florescimento das colônias quanto de seu câncer — sua resistência à radicação do
capital.
"Onde a terra é muito barata e todos os homens são livres, onde cada um pode à vontade obter uma parcela de terra, o


trabalho não somente é muito caro, no que diz respeito à parti-


OS ECONOMISTAS


386
785 Op. cit., pp. 42, 43, 44. 786 Expediente. (N. dos T.)
787 Op. cit., v. II, p. 5. 788 "Terra, para tornar-se um elemento da colonização, não tem apenas de ser inculta, mas
propriedade pública, que pode ser transformada em propriedade privada." (Op. cit., v. II, p. 125.)
373#
cipação do trabalhador em seu produto, mas a dificuldade está em conseguir trabalho combinado a qualquer preço." 789
Visto que nas colônias a separação do trabalhador das condições de trabalho e de sua raiz, a base fundiária, não existe ainda, ou apenas
esporadicamente ou em escala limitada demais, não existe também a
separação entre a agricultura e a indústria, nem a destruição da in-dústria
doméstica rural, de onde deve então provir o mercado interno
para o capital?


"Nenhuma parte da população da América é exclusivamente agrícola, com exceção dos escravos e de seus empregadores, que


combinam o capital e o trabalho para grandes obras. Americanos livres, que cultivam eles próprios a terra, exercem ao mesmo
tempo muitas outras ocupações. Parte dos móveis e ferramentas que utilizam é feita por eles mesmos. Freqüentemente, constroem
suas próprias casas e levam o produto de sua própria indústria ao mercado, por mais distante que seja. Eles são fiandeiros e
tecelões, fabricam sabão e velas, sapatos e roupas para seu próprio uso. Na América, a agricultura constitui freqüentemente negócio
subsidiário de um ferreiro, de um moleiro ou de um merceeiro." 790
Onde fica entre gente tão esquisita o "campo de abstinência"
para o capitalista? A grande beleza da produção capitalista consiste em que ela não apenas reproduz constantemente o trabalhador assa-lariado


como trabalhador assalariado, mas produz, em relação à acu-mulação
do capital, sempre uma superpopulação relativa de trabalha-dores
assalariados. Assim, a lei da oferta e procura de trabalho é man-tida
nos trilhos certos, a oscilação salarial é confinada em limites con-venientes
à exploração capitalista e, finalmente, a dependência social tão indispensável do trabalhador em relação ao capitalista é assegu-rada,


uma relação absoluta de dependência que o economista político
em casa, na metrópole, pode mentirosamente disfarçar em uma relação
contratual livre entre comprador e vendedor, entre possuidores igual-mente
independentes de mercadorias, entre possuidores da mercadoria
capital e da mercadoria trabalho. Mas nas colônias essa bela fantasia se despedaça. A população absoluta cresce aqui muito mais rapida-mente


que na metrópole, pois muitos trabalhadores já chegam adultos
ao mundo, e mesmo assim o mercado de trabalho está sempre suba-bastecido.
A lei da oferta e procura de trabalho desmorona. Por um
lado, o velho mundo introduz constantemente capital desejoso de ex-ploração
e necessitado de abstinência; por outro lado a reprodução


MARX


387
789 Op. cit., v. I, p. 247. 790 Op. cit., pp. 21-22.
374#
regular dos trabalhadores assalariados se choca com obstáculos dos
mais grosseiros e em parte insuperáveis. E isso para não dizer nada
sobre a produção de trabalhadores assalariados redundantes em relação à acumulação do capital! O trabalhador assalariado de hoje torna-se


amanhã camponês ou artesão independente, economicamente autôno-mo.
Ele desaparece do mercado de trabalho, mas — não na Workhouse.
Essa constante transformação dos trabalhadores assalariados em pro-dutores
independentes, que em vez de trabalhar para o capital, tra-balham
para si mesmos, e em vez de enriquecer o senhor capitalista, enriquecem a si mesmos, repercute de forma completamente prejudicial


sobre as condições do mercado de trabalho. Não é apenas o grau de
exploração do trabalhador assalariado que fica indecentemente baixo.
Este última perde também junto com a relação de dependência, o sen-timento
de dependência em relação ao capitalista abstinente. Daí, por-tanto,
todos os males que nosso E. G. Wakefield descreve de forma
tão honrada, tão eloqüente e tão comovente.


A oferta de trabalho assalariado, queixa-se ele, não é nem cons-tante,
nem regular, nem suficiente. Ela "é sempre não apenas pequena
demais, mas incerta". 791


"Embora o produto a ser dividido entre o trabalhador e o ca-pitalista seja grande, o trabalhador toma uma parte tão grande,


que ele se torna rapidamente um capitalista. (...) Em contrapo-sição, poucos podem, mesmo se tiverem vida excepcionalmente
longa, acumular grandes riquezas." 792
Os trabalhadores simplesmente não permitem ao capitalista abs-ter-
se do pagamento da maior parte de seu trabalho. Não o ajuda em
nada, mesmo que seja tão astuto a ponto de importar, com seu próprio
capital, seus próprios trabalhadores assalariados da Europa.


"Logo deixam de ser trabalhadores assalariados, transformam-se em camponeses independentes ou até em concorrentes de seus


antigos patrões, no próprio mercado de trabalho assalariado." 793
Compreenda-se o horror! O honrado capitalista importou da Eu-ropa
seus próprios concorrentes em pessoa com seu próprio bom di-nheiro.
Assim também não é possível! Não é de admirar que Wakefield
reclame da ausência de relações de dependência e de sentimentos de dependência dos trabalhadores assalariados nas colônias.


OS ECONOMISTAS


388
791 Op. cit., v. II, p. 116. 792 Op. cit., v. I, p. 131.
793 Op. cit., v. II, p. 5.
375#
"Devido aos altos salários", diz seu discípulo Merivale, "existe nas colônias a procura apaixonada por trabalho mais barato e
mais submisso, por uma classe para a qual o capitalista possa ditar as condições, em vez de recebê-las ditadas por ele. Nos
países de velha civilização, o trabalhador, embora livre, é depen-dente por uma lei da Natureza do capitalista, nas colônias essa
dependência precisa ser criada por meios artificiais. 794
Qual é então, segundo Wakefield, a conseqüência dessa calami-dade
nas colônias? Um "bárbaro sistema de dispersão" dos produtores
e da riqueza nacional. 795 A fragmentação dos meios de produção entre
inumeráveis proprietários economicamente autônomos elimina, com a centralização do capital, toda a base de trabalho combinado. Todo em-preendimento


de grande fôlego, que se estenda por vários anos e exija
desembolso de capital fixo, tropeça em obstáculos para sua execução.
Na Europa, o capital não hesita um instante, pois a classe trabalhadora
constitui seu acessório vivo, sempre superabundante, sempre à dispo-sição.
Mas nos países coloniais! Wakefield conta uma anedota extre-mamente
dolorosa. Ele conversou com alguns capitalistas do Canadá e do Estado de Nova York, onde, além do mais, as vagas de imigração


freqüentemente estancam, deixando um sedimento de trabalhadores
"redundantes".


"Nosso capital", suspira um dos personagens do melodrama, "estava preparado para muitas operações, que exigem um prazo


considerável para serem completadas; mas poderíamos começar tais operações com trabalhadores que, sabíamos, logo nos dariam


MARX


389
794 MERIVALE. Op. cit., v. II, pp. 235-314 passim. Mesmo o suave Molinari, economista vulgar livre-cambista, diz: "Nas colônias, em que a escravatura foi abolida
sem que o trabalho
forçado tenha sido substituído por uma quantidade correspondente de trabalho livre, viu-se operar o contrário daquilo que, entre nós, se passa diariamente sob nossos
olhos. Viu-se
os trabalhadores simples, por seu lado, explorarem os empresários industriais, ao exigir destes salários que de modo algum estão em proporção com a parte legítima
que lhes
caberia no produto. Visto que os plantadores não estavam em condições de obter por seu açúcar um preço suficiente para poder cobrir o aumento dos salários, foram
obrigados a
cobrir a soma excedente, primeiramente, com seus lucros, e depois com seus próprios capitais. Uma porção de plantadores foram assim arruinados, enquanto outros fecharam
suas em-presas
para fugir da ruína iminente. (...) É sem dúvida melhor ver perecer acumulações de capitais do que gerações de seres humanos" (Quanta generosidade do Sr. Molinari!);
"mas não seria melhor se nem uns nem outros perecessem?" (MOLINARI. Op. cit., pp. 51-52.) Senhor Molinari, senhor Molinari! Que será então dos dez mandamentos, de
Moisés
e dos profetas, da lei da oferta e procura, se na Europa o entrepreneur pode impor ao trabalhador e, nas Índias Ocidentais, o trabalhador ao entrepreneur, a redução
de sua part
legitime! E qual é, por favor, essa part legitime que, segundo suas próprias declarações, o capitalista na Europa deixa de pagar diariamente? O Sr. Molinari mal
consegue refrear a
vontade de colocar lá do outro lado, nas colônias, onde os trabalhadores são tão "simples" que "exploram" os capitalistas, a lei da oferta e procura, que em geral
funciona automati-camente,
nos trilhos, com ajuda da polícia. 795 WAKEFIELD. Op. cit., v. II, p. 52.
376#
as costas? Se estivéssemos certos de poder reter o trabalho de tais imigrantes, imediatamente e com prazer os teríamos engajado
e a alto preço. Sim, apesar da certeza de perdê-los, os teríamos engajado assim, se tivéssemos a certeza de novo suprimento, con-forme
nossa necessidade." 796
Depois de Wakefield ter contrastado ostensivamente a agricultura capitalista inglesa e seu trabalho "combinado" com a dispersa economia


camponesa americana, lhe escapa também o reverso da medalha. Ele
descreve a massa do povo americano como próspera, independente,
empreendedora e relativamente instruída, enquanto


"o trabalhador agrícola inglês é um pobre miserável (miserable wretch), um pauper. (...) Em que país, além da América do Norte


e de algumas colônias novas, os salários pagos pelo trabalho livre empregado no campo ultrapassam, em proporções dignas de men-ção,
os meios de subsistência indispensáveis ao trabalhador? (...) Sem dúvida, na Inglaterra, os cavalos de lavoura, sendo uma
propriedade valiosa, são muito mais bem alimentados que o la-vrador inglês". 797


Mas, never mind, 798 uma vez mais riqueza nacional é, por natu-reza,
idêntica à miséria do povo.
Mas como curar o câncer anticapitalista das colônias? Se se qui-sesse, de um golpe, transformar toda base fundiária de propriedade


do povo em propriedade privada, destruir-se-ia — é verdade — o mal
pela raiz, mas também — a colônia. A proeza consiste em matar dois
coelhos com uma só cajadada. Faça-se o governo fixar para a terra
virgem um preço artificial, independente da lei da oferta e procura,
que force o imigrante a trabalhar por tempo mais longo como assala-riado, até poder ganhar dinheiro suficiente para adquirir sua base


fundiária 799 e transformar-se num camponês independente. O fundo,
que flui da venda das terras a um preço relativamente proibitivo para
o trabalhador assalariado, portanto esse fundo de dinheiro extorquido
do salário mediante a violação da sagrada lei da oferta e procura,
deveria ser usado pelo governo, por outro lado, para importar, na mesma


OS ECONOMISTAS


390
796 Op. cit., pp. 191-192. 797 Op. cit., v. I, p. 47, 246.
798 Não importa. (N. dos T.) 799 "É graças, acrescentais vós, à apropriação dos solos e dos capitais que a pessoa, que apenas
possui seus braços, encontra ocupação e se proporciona uma renda (...) ocorre justamente o contrário: devido à apropriação individual do solo é que existem pessoas
que apenas
possuem seus braços. (...) Se vós colocais uma pessoa no vácuo, roubais dela o ar. Assim vós agis também quando vos apossais do solo. (...) Isso significa colocá-la
no vazio de
riquezas, para que ela não possa viver a não ser conforme vossos desejos." (COLINS. Op. cit., t. III, pp. 267-271 passim.)
377#
proporção em que ele cresce, pobres-diabos da Europa para as colônias
e, desse modo, manter abastecido para o senhor capitalista seu mercado
de trabalho assalariado. Nessas circunstâncias, tout sera pour le mieux dans le meilleur des mondes possibles. Esse é o grande segredo da


"colonização sistemática".
"Segundo esse plano", proclama triunfante Wakefield, "a oferta de trabalho tem de ser constante e regular; pois, primeiro, não


estando nenhum trabalhador em condições de conseguir terra, antes de ter trabalhado por dinheiro, todos os trabalhadores imi-grantes,
pelo fato de trabalharem combinadamente por salário, produziram para seus empregadores capital para o emprego de
mais trabalho; segundo, cada um que abandonasse o trabalho assalariado e se tornasse proprietário de terra asseguraria, exa-tamente
pela compra da terra, um fundo para a importação de novo trabalho para as colônias." 800


O preço da terra imposto pelo Estado deve naturalmente ser "suficiente" (sufficient price), isto é, tão alto que "impeça os trabalha-dores
de se tornarem camponeses independentes até chegarem outros para tomar seu lugar no mercado de trabalho assalariado". 801 Esse
"preço suficiente da terra" é nada mais que um circunlóquio eufêmico do resgate que o trabalhador paga ao capitalista pela permissão de
retirar-se do mercado de trabalho assalariado para o campo. Primeiro ele tem de criar "capital" para o senhor capitalista, para que este possa
explorar mais trabalhadores, e depois trazer ao mercado de trabalho um "substituto", que o governo expede, à sua custa, para o senhor
capitalista seu ex-patrão, do outro lado do mar. É altamente característico que o Governo inglês tenha posto em
prática, por muitos anos, esse método de "acumulação primitiva", ex-pressamente prescrito por Wakefield para o uso em países coloniais.
O fiasco foi naturalmente tão vergonhoso como o da lei bancária de Peel. 802 O fluxo da emigração foi apenas desviado das colônias inglesas


MARX


391
800 WAKEFIELD. Op. cit., v. II, p. 192. 801 Op. cit., p. 45.
802 Para superar as dificuldades na conversão de notas bancárias em ouro, o Governo inglês decidiu, em 1844, por iniciativa de Robert Peel, fazer uma lei sobre a
reforma do Banco
da Inglaterra. Essa lei previa a divisão do banco em dois departamentos completamente independentes, com fundos monetários separados; o Banking-Departament, que
realizava
operações puramente bancárias, e o Issue-Departament, que assumia a emissão de notas bancárias. Essas notas deviam possuir sólida cobertura em forma de um fundo
de ouro
especial, que precisaria estar sempre à disposição. A emissão de notas bancárias, que não cobertas por ouro, foi limitada a 14 milhões de libras esterlinas. A quantidade
de notas
bancárias em circulação dependia, entretanto, ao contrário da lei bancária de 1844, fac-tualmente não do fundo de cobertura, mas da demanda na esfera de circulação.
Durante
as crises econômicas, em que a falta de dinheiro era particularmente grande, o Governo inglês suspendeu temporariamente a lei de 1844 e aumentou a soma de notas
bancárias
não cobertas por ouro. (N. da Ed. Alemã.)
378#
para os Estados Unidos. Entrementes, o progresso da produção capi-talista na Europa, acompanhado de crescente pressão do governo, tor-nou
a receita de Wakefield supérflua. Por um lado, o imenso e contínuo afluxo de gente, impelido ano a ano para a América, deixa sedimentos
estagnados no leste dos Estados Unidos, pelo fato de a onda de emi-gração da Europa lançar aí no mercado de trabalho mais pessoas do
que a onda de emigração para o oeste pôde absorver. Por outro lado, a guerra civil americana teve por conseqüência uma imensa dívida
nacional, e com ela, pressão tributária, criação da mais ordinária aris-tocracia financeira, entrega de presente de imensa parte das terras
públicas a sociedades de especulação para a exploração de estradas de ferro, minas etc. — em suma, a mais rápida centralização do capital.
A grande República deixou pois de ser a terra prometida para traba-lhadores emigrantes. A produção capitalista avança lá a passos de
gigante, embora o rebaixamento dos salários e a dependência do tra-balhador assalariado ainda não tenham caído, nem de longe, ao nível
normal europeu. O vergonhoso malbarateamento pelo Governo inglês do solo colonial ainda não cultivado da Austrália, 803 doado a aristocratas
e capitalistas, denunciado pelo próprio Wakefield com tanta eloqüência, juntamente com o afluxo de gente atraída pelos gold-diggings 804 e a
concorrência que a importação das mercadorias inglesas faz mesmo ao menor artesão produziram uma "superpopulação relativa de trabalha-dores"
suficiente, de modo que quase todo vapor postal traz a má notícia de um abarrotamento do mercado de trabalho australiano — glut of
the Australian labour-market — e a prostituição lá floresce em certos lugares tão exuberantemente quanto no Haymarket de Londres.
Entretanto, não nos ocupa aqui a situação das colônias. O que nos interessa é o segredo descoberto no Novo Mundo pela Economia
Política do Velho Mundo e proclamado bem alto: o modo capitalista de produção e acumulação e, portanto, a propriedade privada capitalista
exigem o aniquilamento da propriedade privada baseada no trabalho próprio, isto é, a expropriação do trabalhador.


OS ECONOMISTAS


392
803 Tão logo a Austrália tornou-se seu próprio legislador, promulgou naturalmente leis favo-ráveis aos povoadores, mas o desperdício das terras, já consumado pelos
ingleses, barra-lhes
o caminho. "O primeiro e mais importante objetivo que a nova lei de terras de 1862 busca consiste em criar maior facilidade para o assentamento do povo" (The Land
Law of Victoria,
by the Hon. G. Duffy, Minister of Public Lands. Londres, 1862. p. 3.) 804 Jazidas de ouro. (N. dos T.)
379#
ÍNDICE
SEÇÃO IV — A Produção da Mais-valia Relativa
(Continuação) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5


CAP. XIII — Maquinaria e Grande Indústria . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1. Desenvolvimento da maquinaria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2. Transferência de valor da maquinaria ao produto . . . . . . . 20
3. Efeitos imediatos da produção mecanizada sobre
o trabalhador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
4. A fábrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
5. Luta entre trabalhador e máquina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 6. A Teoria da compensação, relativa aos trabalhadores


deslocados pela maquinaria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
7. Repulsão e atração de trabalhadores com o
desenvolvimento da produção mecanizada. Crises da
Indústria algodoeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
8. O revolucionamento da manufatura, do artesanato e do
trabalho domiciliar pela grande indústria . . . . . . . . . . . . . . 90 9. Legislação fabril. (Cláusulas sanitárias e educacionais.)


Sua generalização na Inglaterra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
10. Grande indústria e agricultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131


SEÇÃO V — A Produção da Mais-valia Absoluta e Relativa . . . 135
CAP. XIV — Mais-valia Absoluta e Relativa . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
CAP. XV — Variação de Grandeza do Preço da Força de
Trabalho e da Mais-Valia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147


I. Grandeza da jornada de trabalho e intensidade do trabalho constantes (dadas), força produtiva do trabalho variável . . 148


393
380#
II. Jornada de trabalho constante, força produtiva do trabalho
constante, intensidade do trabalho variável . . . . . . . . . . . . . 152
III. Força produtiva e intensidade do trabalho constantes, jornada de trabalho variável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153


IV. Variações simultâneas de duração, força produtiva e
intensidade do trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154


CAP. XVI — Diferentes Fórmulas para a Taxa de Mais-valia . . . . 159
SEÇÃO VI — O Salário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
CAP. XVII — Transformação do Valor, Respectivamente do
Preço da Força de Trabalho, em Salário . . . . . . . . . . . . . . . 165
CAP. XVIII — O Salário por Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 CAP. XIX — O Salário por Peça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . 181


CAP. XX — Diversidade Nacional dos Salários . . . . . . . . . . . . . . 189
SEÇÃO VII — O Processo de Acumulação do Capital . . . . . . . . . 195
CAP. XXI — Reprodução Simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199 CAP. XXII — Transformação de Mais-valia em capital . . . . . . . . 213
CAP. XXIII — A Lei Geral da Acumulação Capitalista . . . . . . . . 245
CAP. XXIV — A Assim Chamada Acumulação Primitiva . . . . . . 339
CAP. XXV — A Teoria Moderna da Colonização . . . . . . . . . . . . . 383


OS ECONOMISTAS


394
381#
*Pages 1--473 from OS ECONOMISTAS -
O CAPITAL CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA
OS ECONOMISTAS
1#
KARL MARX
O CAPITAL
CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA


VOLUME I
LIVRO PRIMEIRO
O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO CAPITAL


TOMO 1
(Prefácios e Capítulos I a XII)


Apresentação de Jacob Gorender Coordenação e revisão de Paul Singer
Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe
2#
Fundador VICTOR CIVITA
(1907 -1990)


Editora Nova Cultural Ltda.
Copyright © desta edição 1996, Círculo do Livro Ltda.
Rua Paes Leme, 524 -10º andar CEP 05424-010 -São Paulo -SP


Títulos originais: Value, Price and Profit; Das Kapital -Kritik
der Politischen konomie.
Direitos exclusivos sobre a Apresentação de autoria de Winston Fritsch, Editora Nova Cultural Ltda.


Direitos exclusivos sobre as traduções deste volume: Círculo do Livro Ltda.
Impressão e acabamento: DONNELLEY COCHRANE GRÁFICA E EDITORA BRASIL LTDA.
DIVISÃO CÍRCULO -FONE: (55 11) 4191-4633


ISBN 85-351-0831-9
3#
APRESENTAÇÃO
Em 1867, vinha à luz, na Alemanha, a primeira parte de uma obra intitulada O Capital. Karl Marx, o autor, viveu, então, um mo-mento
de plena euforia, raro em sua atribulada existência. Durante quase vinte anos, penara duramente a fim de chegar a este momento
— o de apresentar ao público, conquanto de maneira ainda parcial, o resultado de suas investigações no campo da Economia Política.
Não se tratava, contudo, de autor estreante. À beira dos cinqüenta anos, já imprimira o nome no frontispício de livros suficientes para
lhe assegurar destacado lugar na história do pensamento. Àquela al-tura, sua produção intelectual abrangia trabalhos de Filosofia, Teoria
Social, Historiografia e também Economia Política. Quem já publicara Miséria da Filosofia, Manifesto do Partido Comunista, A Luta de Classes
em França, O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte e Para a Crítica da Economia Política — podia avaliar com justificada sobranceria o
próprio currículo. No entanto, Marx afirmava que, até então, apenas escrevera bagatelas. Sentia-se, por isso, autor estreante e, demais, ali-viado
de um fardo que lhe vinha exaurindo as forças. Também os amigos e companheiros, sobretudo Engels, exultavam com a publicação,
pois se satisfazia afinal a expectativa tantas vezes adiada. Na verdade, pouquíssimos livros desta envergadura nasceram em condições tão difíceis.


1. Do liberalismo Burguês ao Comunismo
Este homem, que vivia um intervalo de consciência pacificada e iluminação subjetiva em meio a combates políticos, perseguições e decep-ções,


nascera em 1818, em Trier (Trevès, à francesa), sul da Alemanha. Duas circunstâncias lhe marcaram a origem e a primeira educação.
Trier localiza-se na Renânia, então província da Prússia, limítrofe da França e, por isso, incisivamente influenciada pela Revolução Fran-cesa.
Ao contrário da maior parte da Alemanha, dividida em numerosos Estados, os camponeses renanos haviam sido emancipados da servidão
da gleba, e das antigas instituições feudais não restava muita coisa na província. Firmavam-se nela núcleos da moderna indústria fabril


5
4#
em torno da qual se polarizavam as duas novas classes da sociedade capitalista: o proletariado e a burguesia. A esta primeira e poderosa
circunstância social se vinculava uma outra. As idéias do iluminismo francês contavam com muitos adeptos nas camadas cultas da Renânia.
O pai de Marx — tal a segunda circunstância existencial — era um desses adeptos.
A família Marx pertencia à classe média de origem judaica. Hirs-chel Marx fizera brilhante carreira de jurista e chegara a Conselheiro
da Justiça. A ascensão à magistratura obrigara-o a submeter-se a im-posições legais de caráter anti-semita. Em 1824, quando o filho Karl
tinha seis anos, Hirschel converteu a família ao cristianismo e adotou o nome mais germânico de Heinrich. Para um homem que professava
o deísmo desvinculado de toda crença ritualizada, o ato de conversão não fez mais do que sancionar a integração no ambiente intelectual
dominado pelo laicismo. Karl, que perdeu o pai aos vinte anos, em 1838, recebeu dele orientação formadora vigorosa, da qual guardaria
recordação sempre grata.
Durante o curso de Direito, iniciado na Universidade de Bonn e prosseguido na de Berlim, o estudante Karl encontrou um ambiente


de grande vivacidade cultural e política. O supremo mentor ideológico era Hegel, mas uma parte dos seus seguidores — os Jovens Hegelianos
— interpretava a doutrina no sentido do liberalismo e do regime cons-titucional democrático, podando os fortes aspectos conservadores do
sistema do mestre, em especial sua exaltação do Estado. Marx fez a iniciação filosófica e política com os Jovens Hegelianos, o que o levou
ao estudo preferencial da filosofia clássica alemã e da filosofia em geral. Esta formação filosófica teve influência espiritual duradoura e
firmou um dos eixos de sua produção intelectual.
Se foi hegeliano, o que é inegável, nunca chegou a sê-lo de maneira estrita. Não só já encontrou a escola hegeliana numa fase de cisão


adiantada, como ao seu espírito inquieto e inclinado a idéias anticon-servadoras, na atmosfera opressiva da monarquia absolutista prussia-na,
o sistema do mestre consagrado devia parecer uma camisa-de-força. Em carta ao pai, já em 1837, escrevia: "a partir do idealismo (...) fui
levado a procurar a Idéia na própria realidade (...)". A esse respeito, também é sintomático que escolhesse a relação entre os filósofos gregos
materialistas Demócrito e Epicuro para tema de tese de doutoramento, defendida na Universidade de Iena. Embora inspirada nas linhas mes-tras
da concepção hegeliana da história da filosofia, desponta na tese um impulso para transcender àquela concepção, num sentido que so-mente
mais tarde se tornaria claro.
Em 1841, Ludwig Feuerbach dava a público A Essência do Cris-tianismo. O livro teve forte repercussão, pois constituía a primeira


investida franca e sem contemplações contra o sistema de Hegel. O idealismo hegeliano era desmistificado e se propunha, em seu lugar,


OS ECONOMISTAS


6
5#
uma concepção materialista que assumia a configuração de antropologia naturista. O homem enquanto ser natural, fruidor dos sentidos físicos
e sublimado pelo amor sexual, colocava-se no centro da natureza e devia voltar-se para si mesmo. Estava, porém, impedido de fazê-lo pela
alienação religiosa. Tomando de Hegel o conceito de alienação, Feuer-bach invertia os sinais. A alienação, em Hegel, era objetivação e, por
conseqüência, enriquecimento. A Idéia se tornava ser-outro na natureza e se realizava nas criações objetivas da história humana. A recuperação
da riqueza alienada identificava Sujeito e Objeto e culminava no Saber Absoluto. Para Feuerbach, ao contrário, a alienação era empobreci-mento.
O homem projetava em Deus suas melhores qualidades de ser genérico (de gênero natural) e, dessa maneira, a divindade, criação do
homem, apropriava-se da essência do criador e o submetia. A fim de recuperar tal essência e fazer cessar o estado de alienação e empobre-cimento,
o homem precisava substituir a religião cristã por uma religião do amor à humanidade.
Causador de impacto e recebido com entusiasmo, o humanismo naturista de Feuerbach foi uma revelação para Marx. Apetrechou-o
da visão filosófica que lhe permitia romper com Hegel e transitar do idealismo objetivo deste último em direção ao materialismo. Não obs-tante,
assim como nunca chegou à plenitude de hegeliano, tampouco se tornou inteiramente feuerbachiano. Apesar de jovem e inexperiente,
era dotado de excepcional inteligência crítica, que o levava sempre ao exame sem complacência das idéias e das coisas. Ao contrário de Feuer-bach,
que via na dialética hegeliana apenas fonte de especulação mis-tificadora, Marx intuiu que essa dialética devia ser o princípio dinâmico
do materialismo, o que viria a resultar na concepção revolucionária do materialismo como filosofia da prática.
Entre 1842 e 1843, Marx ocupou o cargo de redator-chefe da Gazeta Renana, jornal financiado pela burguesia. A orientação liberal
do diário impôs-lhe freqüentes atritos com a censura prussiana, que culminaram no fechamento arbitrário. Mas a experiência jornalística
foi muito útil para Marx, pois o aproximou da realidade cotidiana. Ganhou conhecimento de questões econômicas geradoras de conflitos
sociais e se viu diante do imperativo de pronunciar-se acerca das idéias socialistas de vários matizes, que vinham da França e se difundiam
na Alemanha por iniciativa, entre outros, de Weitling e Moses Hess. Tanto com relação às questões econômicas como às idéias socialistas,
o redator-chefe da Gazeta Renana confessou com lisura sua ignorância e esquivou-se de comentários improvisados e infundados. Assim, foi a
atividade política, no exercício do jornalismo, que o impeliu ao estudo em duas direções marcantes: as da Economia Política e das teorias
socialistas. Em 1843, Marx casou-se com Jenny Von Westphalen, originária
de família recém-aristocratizada, cujo ambiente confortável trocaria


MARX


7
6#
por uma vida de penosas vicissitudes na companhia de um líder re-volucionário. Marx se transferiu, então, a Paris, onde, em janeiro de
1844, publicou o único número duplo dos Anais Franco-Alemães, editado em colaboração com Arnold Ruge, figura destacada da esquerda hege-liana.
A publicação dos Anais visava a dar vazão à produção teórica e política da oposição democrática radical ao absolutismo prussiano.
Naquele número único, veio à luz um opúsculo de Engels intitulado Esboço de uma Crítica da Economia Política, acerca do qual Marx
manifestaria sempre entusiástica apreciação, chegando a classificá-lo de genial.
Friedrich Engels (1820-1895) era filho de um industrial têxtil, que pretendia fazê-lo seguir a carreira dos negócios e, por isso, afas-tara-
o do curso universitário. Dotado de enorme curiosidade intelectual, que lhe daria saber enciclopédico, Engels completou sua formação como
aluno-ouvinte de cursos livres e incansável autodidata. Viveu curto período de hegeliano de esquerda e também sentiu o impacto da ir-rupção
materialista feuerbachiana. Mas, antes de Marx, aproximou-se do socialismo e da Economia Política. O que ocorreu na Inglaterra,
onde esteve a serviço dos negócios paternos e entrou em contato com os militantes operários do Partido Cartista. Daí ao estudo dos econo-mistas
clássicos ingleses foi um passo. O Esboço de Engels focalizou as obras desses economistas como
expressão da ideologia burguesa da propriedade privada, da concor-rência e do enriquecimento ilimitado. Ao enfatizar o caráter ideológico
da Economia Política, negou-lhe significação científica. Em especial, recusou a teoria do valor-trabalho e, por conseguinte, não lhe reconhe-ceu
o estatuto de princípio explicativo dos fenômenos econômicos. Se estas e outras posições seriam reformuladas ou ultrapassadas, o Esboço
também continha teses que se incorporaram de maneira definitiva ao acervo marxiano. Entre elas, a argumentação contrária à "Lei de Say"
e à teoria demográfica de Malthus. Mais importante que tudo, porém, foi que o opúsculo de Engels transmitiu a Marx, provavelmente, o
germe da orientação principal de sua atividade teórica: a crítica da Economia Política enquanto ciência surgida e desenvolvida sob inspi-ração
do pensamento burguês. Os Anais Franco-Alemães (assim intitulados com o objetivo de
burlar a censura prussiana) estamparam dois ensaios de Marx: a In-trodução à Crítica à Filosofia do Direito de Hegel e A Questão Judaica.
Ambos marcam a virada de perspectiva, que consistiu na transição do liberalismo burguês ao comunismo. Nos anos em que se encontravam
em gestação as condições para a eclosão da revolução burguesa na Alemanha, o jovem ensaísta identificou no proletariado a classe agente
da transformação mais profunda, que devia abolir a divisão da sociedade em classes. Contudo, o procedimento analítico e a formulação literária
dessas idéias mostravam que o autor ainda não adquirira ferramentas


OS ECONOMISTAS


8
7#
discursivas e linguagem expositiva próprias, tomando-as de Hegel e de Feuerbach. Do primeiro, os giros dialéticos e a concepção teleológica
da história humana. Do segundo, o humanismo naturista. A novidade residia na introdução de um terceiro componente, que seria o fator
mais dinâmico da evolução do pensamento do autor: a idéia do comu-nismo e do papel do proletariado na luta de classes.
O passo seguinte dessa evolução foi assinalado por um conjunto de escritos em fase inicial de elaboração, que deveriam resultar, ao
que parece, em vasto ensaio. Este ficou só em projeto e Marx nunca fez nenhuma alusão aos textos que, sob o título de Manuscritos Eco-nômico-
Filosóficos de 1844, teriam publicação somente em 1932, na União Soviética.
Sob o aspecto filosófico, tais textos contêm uma crítica incisiva do idealismo hegeliano, ao qual se contrapõe a concepção materialista ainda
nitidamente influenciada pela antropologia naturista de Feuerbach. Mas, ao contrário deste último, Marx reteve de Hegel o princípio dialético e
começou a elaborá-lo no sentido da criação da dialética materialista. Sob o aspecto das questões econômicas, os Manuscritos reprodu-zem
longas citações de vários autores, sobretudo, Smith, Say e Ricardo, acerca das quais são montados comentários e dissertações. No essencial,
Marx seguiu a linha diretriz do Esboço de Engels e rejeitou a teoria
do valor-trabalho, considerando-a inadequada para fundamentar a ciên-cia da Economia Política. A situação do proletariado, que representa


o grau final de desapossamento, tem o princípio explicativo no seu oposto — a propriedade privada. Esta é engendrada e incrementada
mediante o processo generalizado de alienação, que permeia a sociedade
civil (esfera das necessidades e relações materiais dos indivíduos). Transfigurado ao passar de Hegel a Feuerbach, o conceito de


alienação sofria nova metamorfose ao passar deste último a Marx. Pela primeira vez, a alienação era vista enquanto processo da vida
econômica. O processo por meio do qual a essência humana dos ope-rários se objetivava nos produtos do seu trabalho e se contrapunha a
eles por serem produtos alienados e convertidos em capital. A idéia abstrata do homem autocriado pelo trabalho, recebida de Hegel, con-cretizava-
se na observação da sociedade burguesa real. Produção dos
operários, o capital dominava os produtores e o fazia cada vez mais, à medida que crescia por meio da incessante alienação de novos pro-dutos


do trabalho. Evidencia-se, portanto, que Marx ainda não podia explicar a situação de desapossamento da classe operária por um pro-cesso
de exploração, no lugar do qual o trabalho alienado constitui,
em verdade, um processo de expropriação. Daí a impossibilidade de superar a concepção ética (não-científica) do comunismo.


Nos Manuscritos, por conseguinte, alienação é a palavra-chave. Deixaria de sê-lo nas obras de poucos anos depois. Contudo, reformu-


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lada e num contexto avesso ao filosofar especulativo, se incorporaria definitivamente à concepção sócio-econômica marxiana.
Materialismo histórico, socialismo científico e Economia Política
Em 1844 e em Paris, Marx e Engels deram início à colaboração intelectual e política que se prolongaria durante quatro decênios. Do-tado
de exemplar modéstia, Engels nunca consentiu que o consideras-sem senão o "segundo violino" junto a Marx. Mas este, sem dúvida,
ficaria longe de criar uma obra tão impressionante pela complexidade e extensão não contasse no amigo e companheiro com um incentivador,
consultor e crítico. Para Marx, excluído da vida universitária, despre-zado nos meios cultos e vivendo numa época em que Proudhon, Blanqui
e Lassalle eram os ideólogos influentes das correntes socialistas, Engels foi mais do que interlocutor colocado em pé de igualdade: representou,
conforme observou Paul Lafargue, o verdadeiro público com o qual Marx se comunicava, público exigente para cujo convencimento não
poupava esforços. As centenas de cartas do epistolário recíproco regis-tram um intercâmbio de idéias como poucas vezes ocorreu entre dois
pensadores, explicitando, ao mesmo tempo, a importância da contri-buição de Engels e o respeito de Marx às críticas e conselhos do amigo.
Escrita em 1844 e publicada em princípios de 1845, A Sagrada Família foi o primeiro livro em que Marx e Engels apareceram na
condição de co-autores. Trata-se de obra caracteristicamente polêmica, que assinala o rompimento com a esquerda hegeliana. O título sar-cástico
identifica os irmãos Bruno, Edgar e Egbert Bauer e dá o tom do texto. Enquanto a esquerda hegeliana depositava as esperanças de
renovação da Alemanha nas camadas cultas, aptas a alcançar uma consciência crítica, o que negava aos trabalhadores, Marx e Engels
enfatizaram a impotência da consciência crítica que não se tornasse a consciência dos trabalhadores. E, neste caso, só poderia ser uma
consciência socialista. O livro contém abrangente exposição da história do materialismo,
na qual se percebe o progresso feito no domínio dessa concepção filo-sófica e a visão original que os autores iam formando a respeito dela,
embora ainda não se houvessem desprendido do humanismo naturista de Feuerbach.
Aspecto peculiar do livro reside na defesa de Proudhon, com o qual Marx mantinha amiúde encontros pessoais em Paris. Naquele
momento, o texto de A Sagrada Família fazia apreciação positiva da crítica da sociedade burguesa pelo já famoso autor de Que É a Pro-priedade,
então o de maior evidência na corrente que Marx e Engels mais tarde chamariam de socialismo utópico e da qual consideravam
Owen, Saint-Simon e Fourier os expoentes clássicos. No processo de absorção e superação de idéias, Marx e Engels


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haviam alcançado um estágio em que julgaram necessário passar a limpo suas próprias idéias. De 1845 a 1846, em contato com as seitas
socialistas francesas e envolvidos com os emigrados alemães na cons-piração contra a monarquia prussiana, encontraram tempo para se
concentrar na elaboração de um livro de centenas de páginas densas, que recebeu o título de A Ideologia Alemã. Iniciada em Paris, a redação
do livro se completou em Bruxelas, onde Marx se viu obrigado a buscar refúgio, pois o governo de Guizot, pressionado pelas autoridades prus-sianas,
o expulsou da França sob acusação de atividades subversivas. O livro não encontrou editor e só foi publicado em 1932, também na
União Soviética. Em 1859, Marx escreveria que de bom grado ele e Engels entregaram o manuscrito à crítica roedora dos ratos, dando-se
por satisfeitos com terem posto ordem nas próprias idéias. Na verdade, A Ideologia Alemã encerra a primeira formulação
da concepção histórico-sociológica que receberia a denominação de ma-terialismo histórico. Trata-se, pois, da obra que marca o ponto de virada
ou, na expressão de Althusser, o corte epistemológico na evolução do pensamento dos fundadores do marxismo.
A formulação do materialismo histórico desenvolve-se no corpo da crítica às várias manifestações ideológicas de maior consistência
que disputavam, então, a consciência da sociedade germânica, às vés-peras de uma revolução democrático-burguesa. A crítica dirige-se a um
elenco que vai de Hegel a Stirner. A parte mais importante é a inicial, dedicada a Feuerbach. O rompimento com este se dá sob o argumento
do caráter abstrato de sua antropologia filosófica. O homem, para Feuer-bach, é ser genérico natural, supra-histórico, e não ser social determi-nado
pela história das relações sociais por ele próprio criadas. Daí o caráter contemplativo do materialismo feuerbachiano, quando o prole-tariado
carecia de idéias que o levassem à prática revolucionária da luta de classes. Uma síntese dessa argumentação encontra-se nas Teses
Sobre Feuerbach, escritas por Marx como anotações para uso pessoal e publicadas por Engels em 1888. A última e undécima tese é preci-samente
aquela que declara que a filosofia se limitara a interpretar o mundo de várias maneiras, quando era preciso transformá-lo.
A ideologia é, assim, uma consciência equivocada, falsa, da rea-lidade. Desde logo, porque os ideólogos acreditam que as idéias mode-lam
a vida material, concreta, dos homens, quando se dá o contrário: de maneira mistificada, fantasmagórica, enviesada, as ideologias ex-pressam
situações e interesses radicados nas relações materiais, de caráter econômico, que os homens, agrupados em classes sociais, es-tabelecem
entre si. Não são, portanto, a idéia Absoluta, o Espírito, a Consciência Crítica, os conceitos de Liberdade e Justiça, que movem
e transformam as sociedades. Os fatores dinâmicos das transformações sociais devem ser buscados no desenvolvimento das forças produtivas
e nas relações que os homens são compelidos a estabelecer entre si ao


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empregar as forças produtivas por eles acumuladas a fim de satisfazer suas necessidades materiais. Não é o Estado, como pensava Hegel, que
cria a sociedade civil: ao contrário, é a sociedade civil que cria o Estado.
A concepção materialista da história implicava a reformulação radical da perspectiva do socialismo. Este seria vão e impotente en-quanto


se identificasse com utopias propostas às massas, que deveriam passivamente aceitar seus projetos prontos e acabados. O socialismo
só seria efetivo se fosse criação das próprias massas trabalhadoras, com o proletariado à frente. Ou seja, se surgisse do movimento histórico
real de que participa o proletariado na condição de classe objetivamente portadora dos interesses mais revolucionários da sociedade.
Mas de que maneira substituir a utopia pela ciência? Por onde começar?
Nenhum registro conhecido existe que documente este momento crucial na progressão do pensamento marxiano. Não obstante, a própria
lógica da progressão sugere que tais indagações se colocavam com força no momento preciso em que, alcançada a formulação original do ma-terialismo
histórico, surgia a incontornável tarefa de ultrapassar o so-cialismo utópico. O que não se conseguiria pela negativa retórica e
sim pela contraposição de uma concepção baseada na ciência social.
Ora, conforme a tese ontológica fundamental do materialismo histórico, a base sobre a qual se ergueria o edifício teria de ser a


ciência das relações materiais de vida — a Economia Política. Esta já fora criada pelo pensamento burguês e atingira com Ricardo a culmi-nância
do refinamento. No entanto, Marx e Engels haviam rejeitado a Economia Política, vendo nela tão-somente a ideologia dos interesses
capitalistas. Como se deu que houvessem repensado a Economia Política e aceito o seu núcleo lógico — a teoria do valor-trabalho?
Cabe supor que a superação da antropologia feuerbachiana teve o efeito de desimpedir o caminho no sentido de nova visão da teoria
econômica. Em particular, tal superação permitia pôr em questão o estatuto do conceito de alienação como princípio explicativo da situação
da classe operária. Não obstante, esse aspecto isolado não nos esclarece acerca da virada de orientação do pensamento marxiano.
É sabido que, a partir de 1844, Marx concentrou sua energia intelectual no estudo dos economistas. De referências posteriores, res-salta
a sugestão de que a mudança de orientação acerca dos economistas clássicos foi mediada pelos ricardianos de esquerda. Neles, certamente,
descobriu Marx a leitura socialista de Ricardo. Assim como Feuerbach abriu caminho à leitura materialista de Hegel e à elaboração da dia-lética
materialista, Hodgskin, Ravenstone, Thompson, Bray e Edmonds permitiram a leitura socialista de Ricardo e daí começaria a elaboração
da Economia Política marxiana, de acordo com o princípio ontológico do materialismo histórico e tendo em vista a fundamentação científica
do socialismo.


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Os ricardianos de esquerda eram inferiores ao próprio Ricardo sob o aspecto da força teórica, porém a perspectiva socialista, conquanto
impregnada de idéias utópicas, os encaminhou a interpretar a teoria ricardiana do valor-trabalho e da distribuição do produto social no
sentido da demonstração de que a exploração do proletariado constituía o eixo do sistema econômico da sociedade burguesa. A significação do
conhecimento desses publicistas na evolução do pensamento marxiano é salientada por Mandel que, a tal respeito, assinala o quanto deve
ter sido proveitosa a temporada passada por Marx na Inglaterra, em 1845. Ali, não só pôde certificar-se da defesa da teoria do valor-trabalho
pelos ricardianos ligados ao movimento operário, como, ao revés, o abandono dela pelos epígonos burgueses do grande economista clássico.
Em 1846, Proudhon publicou o livro Sistema das Contradições Econômicas ou Filosofia da Miséria, no qual atacou a luta dos operários
por objetivos políticos e reivindicações salariais, colocando em seu lugar o projeto do intercâmbio harmônico entre pequenos produtores e da
instituição de "bancos do povo", que fariam empréstimos sem juros aos trabalhadores. Tudo isso apoiado na explicação da evolução histórica
inspirada num hegelianismo mal-assimilado e retardatário.
Marx respondeu no ano seguinte com Miséria da Filosofia, que escreveu em francês. À parte a polêmica devastadora contra Proudhon,


resumindo a crítica ao socialismo utópico em geral, o livro marcou a plena aceitação da teoria do valor-trabalho, na formulação ricardiana.
Sob este aspecto, Miséria da Filosofia constituiu ponto de virada tão significativo na evolução do pensamento marxiano quanto A Ideologia
Alemã. Não importa que Marx também houvesse aceito, na ocasião, as teses de Ricardo sobre o dinheiro e sobre a renda da terra, das
quais se tornaria depois renitente opositor. O fato de conseqüências essencialíssimas consistiu em que o materialismo histórico encontrava,
afinal, o fundamento da Economia Política, o que vinha definir o caminho da elaboração do socialismo científico. Na própria Miséria da Filosofia, a
aquisição desse fundamento resultou numa exposição muito mais avan-çada e precisa do materialismo histórico do que na Ideologia Alemã.
Com base na teoria de Ricardo interpretada pelos seguidores de tendência socialista, Marx empenhou-se na proposição de uma tática
de reivindicações salariais para o movimento operário, o que expôs nas conferências proferidas em 1847-1848, mais tarde publicadas em
folheto sob o título de Trabalho Assalariado e Capital.
Marx e Engels haviam ingressado numa organização de emigra-dos alemães denominada Liga dos Comunistas e receberam dela a


incumbência de redigir um manifesto que apresentasse os objetivos socialistas dos trabalhadores. A incumbência teve aceitação entusiás-tica,
ainda mais por se avolumarem os indícios da eclosão de uma onda revolucionária no Ocidente europeu. Publicado no começo de 1848,
o Manifesto do Partido Comunista foi, com efeito, logo submergido pela


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derrocada da monarquia de Luís Felipe na França, seguida pelos even-tos insurrecionais na Alemanha, Hungria, Áustria, Itália e Bélgica.
Embora a repercussão de sua primeira edição ficasse abafada por acon-tecimentos de tão grande envergadura, o Manifesto alcançaria ampla
difusão e sobrevivência duradoura, tornando-se uma das obras políticas mais conhecidas em numerosas línguas. Num estilo que até hoje brilha
pelo vigor e concisão, o Manifesto condensou o labor teórico dos autores em termos de estratégia e tática políticas, de tal maneira que o texto
se tornou um marco na história do movimento operário mundial. Na Alemanha, as lutas de massa forçaram a monarquia prussiana
a fazer a promessa de uma constituição e a aceitar o funcionamento de uma assembléia parlamentar em Frankfurt. Marx e Engels regres-saram
de imediato à sua pátria e se lançaram por inteiro no combate. Marx fundou e dirigiu o diário Nova Gazeta Renana que, até o fecha-mento
em maio de 1849, defendeu a perspectiva proletária socialista no decurso de uma revolução democrático-burguesa. Depois de ter sido
um dos redatores do jornal, Engels engajou-se no exército dos insur-retos, em cujas fileiras empunhou armas até a derrota definitiva, que
lhe impôs o refúgio na Suíça. Diante da repressão exacerbada, também Marx se retirou da Alemanha. Os governos da França e da Bélgica
lhe consentiram pouco tempo de permanência em seus territórios, o que o levou a exilar-se em Londres, nos fins de 1849, ali residindo até
a morte. Em 1850, veio à luz A Luta de Classes em França. Em 1852, O
Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. Em ambas as obras, o método do materialismo histórico recém-criado foi posto à prova na interpre-tação
à quente de acontecimentos da atualidade imediata. A brevidade da perspectiva temporal não impediu que Marx produzisse duas obras
historiográficas capazes de revelar as conexões subjacentes aos fatos visíveis e de enfocá-los à luz da tese sociológica da luta de classes.
Em particular, essas obras desmentem a freqüente acusação ao eco-nomicismo marxiano. Nelas, são realçados não só fatores econômicos,
mas também fatores políticos, ideológicos, institucionais e até estrita-mente concernentes às pessoas dos protagonistas dos eventos históricos.


II. Os Tormentos da Criação
Ao aceitar a teoria de Ricardo sobre o valor-trabalho e a distri-buição do produto social, Marx não perdeu de vista a necessidade da


crítica da Economia Política, embora não mais sob o enfoque estrito de Engels no seu Esboço precursor. Ricardo dera à teoria econômica
a elaboração mais avançada nos limites do pensamento burguês. Os ricardianos de esquerda ultrapassaram tais limites, porém não avan-çaram
na solução dos impasses teóricos salientados precisamente pela interpretação socialista aplicada à obra do mestre clássico.
À onda revolucionária desencadeada em 1848 seguira-se o refluxo


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das lutas democráticas e operárias. Por toda a Europa, triunfava a reação burguesa e aristocrática. Marx relacionou o refluxo à nova fase
de prosperidade, que sucedia à crise econômica de 1847-1848, e con-siderou ser preciso esperar a crise seguinte a fim de recolocar na ordem
do dia objetivos revolucionários imediatos. Com uma paixão obsessiva, entregou-se à tarefa que se tornaria a mais absorvente de sua vida:
a de elaborar a crítica da Economia Política enquanto ciência mediada pela ideologia burguesa e apresentar uma teoria econômica alternativa,
a partir das conquistas científicas dos economistas clássicos. A resi-dência em Londres favorecia tal empresa, pois constituía o melhor
ponto de observação do funcionamento do modo de produção capitalista e de uma formação social tão efetivamente burguesa quanto nenhuma
outra do continente europeu. Além disso, o British Museum, do qual Marx se tornou freqüentador assíduo, propiciava a consulta a um acervo
bibliográfico de incomparável riqueza. Em contrapartida, as condições materiais de vida foram, durante
anos a fio, muito ásperas e, às vezes, simplesmente tétricas para o líder revolucionário e sua família. Não raro, faltaram recursos para satisfação
das necessidades mais elementares e o exilado alemão se viu às bordas do desespero. Sobretudo, não podia dedicar tempo integral às pesquisas
econômicas, conforme desejaria, vendo-se forçado a aceitar tarefas de co-laboração jornalística, entre as quais a mais regular foi a correspondência
política para um jornal de Nova York, mantida até 1862. Além disso, as intrigas que a seu respeito urdiam os órgãos po-liciais
da Alemanha e de outros países obrigavam-no a desviar a atenção dos estudos teóricos. Durante quase todo o ano de 1860, por exemplo,
a maior parte de suas energias se gastou na refutação das calúnias difundidas por Karl Vogt, que o acoimara de chefe de um bando de
chantagistas e delatores. Ex-membro esquerdista do Parlamento de Frankfurt, em 1848, Vogt se radicou na Suíça como professor de Geo-logia
e se tornou expoente da versão mais vulgar do materialismo mecanicista (é dele a célebre afirmação de que "os pensamentos têm
com o cérebro a mesma relação que a bílis com o fígado ou a urina com os rins"). Envolvido em intrigas de projeção internacional nos meios
democráticos e socialistas, aceitou — o que depois se comprovou — o papel de escriba mercenário pago pelo serviço secreto de Napoleão III.
Apesar de calejado diante de insultos e calúnias, a dose passara, desta vez, a medida do suportável e Marx se esfalfou na redação de grosso
volume, que recebeu o título sumário de Herr Vogt. À parte os aspectos polêmicos circunstanciais hoje sem maior interesse, o livro oferece um
quadro rico da política internacional européia em meados do século XIX, tema explorado com os recursos exuberantes do estilo de um
grande escritor. A situação de Marx seria insustentável e sua principal tarefa
científica decerto irrealizável não fosse a ajuda material de Engels.


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Este fixara residência em Manchester, passando a gerir ali os interesses da firma paterna associada a uma empresa têxtil inglesa. Durante os
vinte anos de atividade comercial, a produção intelectual não pôde deixar de se reduzir. Mas Engels achava gratificante sacrificar a própria
criatividade, contanto que fornecesse a Marx recursos financeiros que o sustentassem e à família e lhe permitissem dedicar o máximo de
tempo às investigações econômicas. Demais disso, Engels incumbiu-se de várias pesquisas especializadas solicitadas pelo amigo. A circuns-tância
de residirem em cidades diferentes deu lugar a copiosa corres-pondência que registrou, quase passo a passo, a tormentosa via de
elaboração de O Capital.
No decorrer das investigações, conquanto se mantivesse claro e inalterado o objetivo visado, foi mudando e ganhando novas formas a


idéia da obra final. Rosdolsky rastreou na documentação marxiana, entre 1857 e 1868, nada menos que catorze esboços e notas de planos
dessa obra. De acordo com o plano inicial deveria constar de seis livros, dedicados aos seguintes temas: 1) O Capital; 2) A Propriedade Terri-torial;
3) O Trabalho Assalariado; 4) O Estado; 5) O Comércio Inter-nacional; 6) O Mercado Mundial e as Crises. À parte, um livro especial
faria a história das doutrinas econômicas, dando ao estudo da realidade empírica o acompanhamento de suas expressões teóricas.
A deflagração de nova crise econômica em 1857 levou Marx a apressar-se em pôr no papel o resultado de suas investigações, motivado
pela expectativa de que nova onda revolucionária voltaria a agitar a Europa e exigiria dele todo o tempo disponível. Da sofreguidão nesse
empenho resultou não mais do que um rascunho, com imprecisões e lapsos de redação. Fruto de um trabalho realizado entre outubro de
1857 e março de 1858, o manuscrito só teve publicação na União So-viética, entre 1939 e 1941. Recebeu o título de Esboços dos Fundamentos
da Crítica da Economia Política, porém ficou mais conhecido pela pa-lavra alemã Grundrisse (Esboços dos Fundamentos). Vindos à luz já
sob o fogo da Segunda Guerra Mundial, os Grundrisse não despertaram atenção. Somente nos anos sessenta suscitaram estudos e comentários,
destacando-se, neste particular, o trabalho pioneiro de Rosdolsky.
Embora se trate de um rascunho, os Grundrisse possuem extraor-dinária relevância, pelas idéias que, no todo ou em parte, só nele ficaram


registradas e, sobretudo, pelas informações de natureza metodológica.
Uma dessas idéias é a de que o desenvolvimento das forças pro-dutivas pelo modo de produção capitalista chegaria a um ponto em


que a contribuição do trabalho vivo se tornaria insignificante em com-paração com a dos meios de produção, de tal maneira que perderia
qualquer propósito aplicar a lei do valor como critério de produtividade do trabalho e de distribuição do produto social. Ora, sem lei do valor,
carece de sentido a própria valorização do capital. Assim, o capitalismo deverá extinguir-se não pelo acúmulo de deficiências produtivas, porém,


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ao contrário, em virtude da pletora de sua capacidade criadora de riqueza. Encontra-se nessa idéia um dos traços característicos da elaboração dis-cursiva
marxiana: certos fatores são isolados e desenvolvidos até o extremo, de tal maneira que venha a destacar-se o máximo de suas virtualidades.
O resultado não constitui, todavia, a previsão de um curso inelutável, pois o próprio Marx revela, adiante, o jogo contraditório entre os vários
fatores postos em interação, o que altera os resultados extraídos da abs-tração do desenvolvimento isolado de um deles.
Tema de destaque nos Grundrisse, abordado em apreciações dis-persas e em toda um seção especial, é o das formas que precedem a
separação entre o agente do processo de trabalho e a propriedade dos meios de produção. Tal separação constitui condição prévia indispen-sável
ao surgimento do modo de produção capitalista e lhe marca o caráter de organização social historicamente transitória. Isto porque
somente tal separação permite que o agente do processo de trabalho, como pura força de trabalho subjetiva, desprovida de posses objetivas,
se disponha ao assalariamento regular, enquanto, para os proprietários dos meios de produção e de subsistência, a exploração da força de
trabalho assalariada é a condição básica da acumulação do capital mediante relações de produção já de natureza capitalista. As categorias
específicas do modo de produção capitalista não constituíam expressão de uma racionalidade supra-histórica, de leis naturais inalteráveis, con-forme
pensavam os economistas clássicos, mas, ao contrário, seu sur-gimento tinha data recente e sua vigência marcaria não mais que certa
época histórica delimitada. Em algumas dezenas de páginas, que têm sido editadas em separado sob o título de Formas Que Precedem a
Produção Capitalista, foram compendiadas, a partir do exame de vasto material historiográfico, sugestões de extraordinária fecundidade, às
quais o autor, infelizmente, não pôde dar seguimento, delas fazendo emprego esparso em O Capital. Nesta obra, a opção metodológica con-sistiu
em concentrar o estudo da acumulação originária nas condições históricas da Inglaterra.
Os Grundrisse compõem-se de dois longos capítulos, dedicados ao dinheiro e ao capital. Com formulações menos precisas e sem a mesma
organicidade, aí encontramos parte da temática dos Livros Primeiro e Segundo de O Capital. Seria, contudo, incorreto passar por alto o avanço
propriamente teórico cumprido entre os dois textos. Basta ver, por exemplo, que, na questão do dinheiro, Marx ainda se mostra, nos Grundrisse, preso
a alguns aspectos da teoria ricardiana, contra a qual travará polêmica resoluta logo em seguida, em Para a Crítica da Economia Política. De
maneira idêntica, a caracterização do escravismo plantacionista americano como anomalia capitalista sofrerá radical reformulação em O Capital, em
cujas páginas a escravidão — a antiga e a moderna — é sempre incom-patível com o modo de produção capitalista.
A riqueza peculiar dos Grundrisse reside nas numerosas expli-


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citações metodológicas, pouco encontradiças em O Capital. Por se tratar de rascunho, os Grundrisse exibem os andaimes metodológicos, depois
retirados do texto definitivo. E esses andaimes denunciam a forte im-pregnação hegeliana do pensamento do autor. Precisamente durante
a redação do rascunho, Marx releu a Lógica de Hegel, conforme escreveu a Engels. Não surpreende, por isso, que a própria linguagem seja, em
várias passagens, moldada por termos e giros discursivos do mestre da filosofia clássica alemã. A tal ponto que, a certa altura, ficou anotado
o propósito de dar nova redação ao trecho a fim de libertá-lo da forma idealista de exposição.
Enquanto a crise econômica passava sem convulsionar a ordem política européia, Marx conseguiu chegar à redação final dos dois ca-pítulos
de Para a Crítica da Economia Política, publicada em 1859. Segundo o plano então em mente, o terceiro capítulo, dedicado ao ca-pital,
seria a continuação da Crítica, um segundo volume dela. Mas o que apareceu, afinal, oito anos depois, foi algo bem diverso, resultante
de substancial mudança de plano.
Em janeiro de 1866, Marx já possuía em rascunho todo o arca-bouço de teses, tal qual se tornaram conhecidas nos três livros de O


Capital, desde o capítulo inicial sobre a mercadoria até a teoria da renda da terra, passando pelas teorias da mais-valia, da acumulação
do capital, do exército industrial de reserva, da circulação e reprodução do capital social total, da transformação do valor em preço de produção,
da queda tendencial da taxa média de lucro, dos ciclos econômicos e da distribuição da mais-valia nas formas particulares de lucro indus-trial,
lucro comercial, juro e renda da terra. Nestes três livros, que formariam uma obra única, seriam abordados os temas não só do ca-pital,
mas também do trabalho assalariado e da propriedade territorial, que deixaram de constituir objeto de volumes especiais. O Estado, o
comércio internacional, o mercado mundial e as crises — planejados também para livros especiais — ficavam postergados. A nova obra
seria intitulada O Capital e somente como subtítulo é que compareceria a repetida Crítica da Economia Política. Por último, copiosos comen-tários
e dissertações já estavam redigidos para o também projetado livro sobre a história das doutrinas econômicas. O autor podia, por
conseguinte, lançar-se à redação final de posse de completo conjunto teórico, que devia formar, nas suas palavras, um "todo artístico".
Em 1865, a redação de O Capital foi considerada tarefa prioritária acima do comparecimento ao Primeiro Congresso da Associação Inter-nacional
dos Trabalhadores, realizado em Genebra sem a presença de Marx. Este, a conselho de Engels, decidiu-se à publicação isolada do
Livro Primeiro, concentrando-se na sua redação final. Em setembro de 1867, o Livro Primeiro vinha a público na Alemanha, lançado pelo
editor hamburguês Meissner.
Graças, em boa parte, aos esforços publicitários de Engels, a "cons-


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piração do silêncio", que cercava os escritos marxianos nos meios cultos, começou a ser quebrada. Curiosamente, a primeira resenha, aliás fa-vorável,
de um professor universitário foi a de Eugen Dühring, o mesmo contra o qual Engels, dez anos depois, travaria implacável polêmica.
Elogios calorosos chegaram de Ruge, o antigo companheiro da esquerda hegeliana, e de Feuerbach, o respeitado filósofo que marcara momento
tão importante na evolução do pensamento marxiano.
Embora a tradução inglesa não se concretizasse na ocasião, de-cepcionando as expectativas do autor, houve a compensação da tradução


russa já em 1872, lançada com notável êxito de venda. (No seu parecer, a censura czarista declarou tratar-se de livro sem dúvida socialista,
mas inacessível à maioria em virtude da forma matemática de de-monstração científica, motivo por que não seria possível persegui-lo
diante dos tribunais). Em seguida, veio, editada em fascículos, a tra-dução francesa, da qual o próprio autor fez a revisão, com o que a
tradução ganhou valor de original. Em 1873, foi publicada a segunda edição alemã, que trouxe um posfácio muito importante pelos esclare-cimentos
de caráter metodológico. Embora a segunda fosse a última em vida do autor, a edição definitiva é considerada a quarta, de 1890, na
qual Engels introduziu modificações expressamente indicadas por Marx.
Faltava, no entanto, a redação final dos Livros Segundo e Ter-ceiro. Marx trabalhou neles até 1878, sem completar a tarefa. À ânsia


insaciável de novos conhecimentos e de rigorosa atualização com os acontecimentos da vida real já não correspondia a habitual capacidade
de trabalho. Marx ficava impedido de qualquer esforço durante longos períodos, debilitado por doenças crônicas agravadas.
Além disso, absorviam-no as exigências da política prática. De 1864 a 1873, empenhou-se nas articulações e campanhas da Associação
Internacional dos Trabalhadores, que passou à história como a Primeira Internacional. Em 1865 pronunciou a conferência de publicação pós-tuma
sob o título Salário, Preço e Lucro.
Um esforço intenso lhe exigiram, no seio da Associação, as di-vergências com os partidários de Proudhon e de Bakunin. Em 1871,


chefiou a solidariedade internacional à Comuna de Paris e, acerca de sua experiência política, escreveu A Guerra Civil na França. Ocupa-ram-
no, em seguida, os problemas da social-democracia alemã, liderada, in loco, por Bebel e Liebknecht. A fusão dos adeptos da social-demo-cracia
de orientação marxista com os seguidores de Lassalle num par-tido operário único ensejou a Marx, em 1875, a redação de notas, de
fundamental significação para a teoria do comunismo, reunidas no pe-queno volume intitulado Crítica do Programa de Gotha. Em 1881-1882,
após as escassas páginas em que foram escritas as Glosas Marginais ao Tratado de Economia Política de Adolph Wagner, a pena de Marx,
que deslizara através de assombrosa quantidade de folhas de papel, colocava o definitivo ponto final. Esgotado e abatido pela morte da


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esposa e de uma das filhas, apagou-se, em 1883, o cérebro daquele que Engels, na oração fúnebre, disse ter sido o maior pensador do seu tempo.
Nos doze anos em que sobreviveu ao amigo, Engels continuou
criativo até os últimos dias, produzindo obras da altura de Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã. Sobre os seus ombros


pesava a responsabilidade de coordenação do movimento socialista in-ternacional, o que lhe impunha crescente carga de trabalho. No meio
de toda essa atividade, nunca deixou de ter por tarefa primordial a de trazer a público os dois Livros de O Capital ainda inéditos. E cumpriu
a tarefa com exemplar competência e probidade. Os manuscritos de Marx encontravam-se em diversos graus de
preparação. Só a menor parte ganhara redação definitiva. Havia, porém, longas exposições com lacunas e desprovidas de vínculos mediadores.
Vários assuntos tinham sido abordados tão-somente em notas soltas.
Por fim, um capítulo imprescindível apenas contava com o título. Tudo isso, sem falar na péssima caligrafia dos manuscritos, às vezes incom-preensível


até para o autor. A tarefa, por conseguinte, ia muito além do que, em regra, se atribui a um editor. Seria preciso que Engels
assumisse certo grau de co-autoria, o que fez, não obstante, com o máximo escrúpulo. Conforme explicou minuciosamente nos Prefácios,
evitou substituir a redação de Marx pela sua própria em qualquer parte. Não queria que sua redação, superposta aos manuscritos origi-nais,
suscitasse discussões acerca da autenticidade do pensamento mar-xiano. Limitou-se a ordenar os manuscritos de acordo com as indicações
do plano do autor, preenchendo as óbvias lacunas e introduzindo trechos de ligação ou de atualização, sempre entre colchetes e identificados
pelas iniciais F. E., também presentes nas notas de rodapé destinadas
a informações adicionais ou mesmo a desenvolvimentos teóricos. Igual-mente assinado com as iniciais F. E., escreveu por inteiro o Capítulo


IV do Livro Terceiro, sobre a rotação do capital e respectiva influência na taxa de lucro. Escreveu ainda vários Prefácios, admiráveis pelo
tratamento de problemas básicos e pela força polêmica, bem como dois suplementos ao Livro Terceiro: sobre a lei do valor e formação da taxa
média de lucro e sobre a Bolsa. Se, dessa maneira, foi possível salvar o legado de Marx e editar
o Livro Segundo, em 1885, e o Livro Terceiro, em 1894, é evidente que estes não poderiam apresentar a exposição acabada e brilhante
do Livro Primeiro. Mas Engels, ao morrer pouco depois de publicado
o último Livro, havia cumprido a tarefa. Restavam os manuscritos sobre a história das doutrinas econômicas, que deveriam constituir o


Livro Quarto. Ordenou-os e editou-os Kautsky, sob o título de Teorias da Mais-Valia, entre 1905 e 1910. O Instituto de Marxismo-Leninismo
(originalmente Instituto Marx-Engels, fundado por D. Riazanov e res-ponsável pela publicação dos manuscritos marxianos na União Sovié-


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tica) lançou nova edição em 1954, expurgada das intervenções arbi-trárias de Kautsky.
Em 1933, o mesmo Instituto havia publicado o texto de um capítulo inédito, planejado para figurar no Livro Primeiro de O Capital e que
Marx resolvera suprimir. Numerado como sexto e sob o título de Resultados do Processo Imediato da Produção, o capítulo contém uma síntese do
Livro Primeiro e serviria também de transição ao Livro Segundo.
III. Unificação Interdisciplinar das Ciências Humanas
Em primeiro lugar, O Capital é, sem a menor dúvida, uma obra de Economia Política. A amplitude de sua concepção desta ciência su-pera,


porém, os melhores clássicos burgueses e contrasta com a estrita especialização em que o marginalismo pretendeu confinar a análise
econômica. Nas seções subseqüentes, teremos oportunidade de focalizar o que se tornou a Economia Política submetida ao tratamento marxiano.
Nesta altura, abordaremos outros aspectos. É que O Capital constitui, por excelência, uma obra de unificação
interdisciplinar das ciências humanas, com vistas ao estudo multila-teral de determinada formação social. Unificação entre a Economia
Política e a Sociologia, a Historiografia, a Demografia, a Geografia Econômica e a Antropologia.
As categorias econômicas, ainda quando analisadas em níveis elevados de abstração, se enlaçam, de momento a momento, com os
fatores extra-econômicos inerentes à formação social. O Estado, a le-gislação civil e penal (em especial, a legislação referente às relações
de trabalho), a organização familiar, as formas associativas das classes sociais e seu comportamento em situações de conflito, as ideologias,
os costumes tradicionais de nacionalidades e regiões, a psicologia social — tudo isso é focalizado com riqueza de detalhes, sempre que a ex-plicação
dos fenômenos propriamente econômicos adquira na interação com fenômenos de outra ordem categorial uma iluminação indispen-sável
ou um enriquecimento cognoscitivo. Assim, ao contrário do que pretendem críticas tão reiteradas, o enfoque marxiano da instância
econômica não é economicista, uma vez que não a isola da trama variada do tecido social. O que, convém enfatizar, não representa incoerência,
mas, ao contrário, perfeita coerência com a concepção do materialismo histórico enquanto teoria sociológica geral: a concepção segundo a qual
a instância econômica, sendo a base da vida social dos homens, não existe senão permeada por todos os aspectos dessa vida social, os quais,
por sua vez, sob modalidades diferenciadas, são instâncias da supe-restrutura possuidoras de desenvolvimento autônomo relativo e influên-cia
retroativa sobre a estrutura econômica. Obra de Economia Política e de Sociologia, O Capital também é
obra de Historiografia. A tese de que o modo de produção capitalista tem existência histórica, de que nasceu de determinadas condições cria-


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das pelo desenvolvimento social e de que criará, ele próprio, as condições para o seu desaparecimento e substituição por um novo modo de pro-dução
— esta tese, já por si mesma, também exige abordagem histórica e, por conseguinte, implica o tratamento por meio de procedimentos
característicos da Historiografia. Antes de tudo, sem dúvida, trata-se de Historiografia econômica, que abrange exposições eruditas sobre o
desenvolvimento das forças produtivas, estudos especializados sobre questões de tecnologia, pesquisas inovadoras sobre o comércio, o crédito,
as formas de propriedade territorial e a gênese da renda da terra e, com destaque particular, sobre a formação da moderna classe operária.
Mas, em relação mesmo com a história econômica, temos outrossim a história das instituições políticas, a evolução das normas jurídicas (veja-se
o estudo pioneiro sobre a legislação trabalhista), a história das re-lações internacionais.
Os estudos sobre a lei da população do modo de produção capi-talista, bem como sobre migrações e colonização, focalizam temas de
evidente contato entre a Economia Política e a Demografia. Por fim, encontramos incursões e sugestões nos âmbitos da Geografia econômica
e da Antropologia.
A decidida rejeição do geodeterminismo não conduz ao desconhe-cimento dos condicionamentos geográficos, cuja influência no desen-volvimento


das forças produtivas e das formações sociais é posta em destaque.
Em contrapartida, acentua-se a ação transformadora do meio geo-gráfico pelo homem, de tal maneira que as condições geográficas se
humanizam, à medida que se tornam prolongamento do próprio homem. Mas a humanização da natureza nem sempre tem sido um processo
harmônico. Marx foi dos primeiros a apontarem o caráter predador da burguesia, com reiteradas referências, por exemplo, à destruição dos
recursos naturais pela agricultura capitalista. Sob este aspecto, merece ser considerado precursor dos modernos movimentos de defesa da eco-logia
em benefício da vida humana.
Do ponto de vista da Antropologia, o que sobreleva é a relação do homem com a natureza por meio do trabalho e a humanização sob


o aspecto de autocriação do homem no processo de transformação da natureza pelo trabalho. As mudanças nas formas de trabalho consti-tuem
os indicadores básicos da mudança das relações de produção e das formas sociais em geral do intercurso humano. O trabalho é, por-tanto,
o fundamento antropológico das relações econômicas e sociais em geral. Ou seja, em resumo, o que Marx propõe é a Antropologia
do homo faber.
Embora de maneira de todo não convencional, O Capital se cre-dencia como realização filosófica basilar. Como sugeriu Jelezny, o livro


marxiano faz parte das obras que assinalaram inovações essenciais na orientação lógica e metodológica do pensamento. Sem qualquer expo-


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sição sistemática, porém aplicando-a em tudo e por tudo, Marx desen-volveu a metodologia do materialismo dialético e se situou, a justo
título, a par com aqueles criadores de idéias que marcaram época no pensamento sobre o pensamento — de Aristóteles a Descartes, Bacon,
Locke, Leibniz, Kant e Hegel. Para este último, com o qual Marx teve relação direta de se-qüência
e superação, a lógica por si mesma se identifica à ontologia, a Idéia Absoluta é o próprio Ser. Assim, a ontologia só podia ter caráter
idealista e especulativo, obrigando a dialética — máxima conquista da filosofia hegeliana — a abrir caminho em meio a esquemas pré-cons-truídos.
Com semelhante configuração, a dialética era imprestável ao trabalho científico e, por isso mesmo, foi sepultada no olvido pelos
cientistas, que a preteriram em favor do positivismo. Quando deu à dialética a configuração materialista necessária, Marx expurgou-a das
propensões especulativas e adequou-a ao trabalho científico. Ao invés de subsumir a ontologia na lógica, são as categorias econômicas e sua
história concreta que põem à prova as categorias lógicas e lhes impri-mem movimento. A lógica não se identifica à ontologia, o pensamento
não se identifica ao ser. A consciência é consciência do ser prático-ma-terial que é o homem. A dialética do pensamento se torna a reprodução
teórica da dialética originária inerente ao ser, reprodução isenta de esquemas pré-construídos e impostos de cima pela ontologia idealista.
Mas, ao contrário de reprodução passiva, de reflexo especular do ser, o pensamento se manifesta através da ativa intervenção espiritual que
realiza o trabalho infindável do conhecimento. Trabalho criador de hi-póteses, categorias, teoremas, modelos, teorias e sistemas teóricos.


Método e estrutura de "O Capital"
A esta altura, chegamos a uma questão crucial nas discussões marxistas e marxológicas: a da influência de Hegel sobre Marx.


Quando estudava a Ciência da Lógica, surpreendeu-se Lênin com o máximo de materialismo ao longo da mais idealista das obras de
Hegel. Com ênfase peculiar, afirmou que não poderia compreender O Capital quem não fizesse o prévio estudo da Lógica hegeliana.
Oposta foi a posição de Stálin. Considerou a filosofia hegeliana representativa da aristocracia reacionária e minimizou sua influência
na formação do marxismo. A desfiguração stalinista da dialética se consumou num esquema petrificado para aplicação sem mediações a
qualquer nível da realidade. Enquanto Rosdolsky ressaltou, por meio de análise minuciosa
dos Grundrisse, a relação entre Hegel e Marx, quase ao mesmo tempo, Althusser, que nunca deu importância aos Grundrisse, enfatizou a su-posta
ausência do hegelianismo na formação de Marx e a inexistência de traços hegelianos na obra marxiana, acima de tudo em O Capital.
Dentro de semelhante orientação, Althusser não se furtaria de louvar


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Stálin por haver depurado o materialismo dialético da excrescência hegeliana tão embaraçosa quanto a negação da negação. Segundo Go-delier,
esta seria uma categoria apenas aceita por Engels e não por Marx. Ademais, Godelier considerou embaraçosa a própria contradição
dialética e propôs sua subordinação ao conceito de limite estrutural, o que, na prática, torna a contradição dialética dispensável ao processo
discursivo. A análise da estrutura lógica de O Capital feita por Jelezny con-firma,
não menos que a de Rosdolsky, o enfoque de Lênin e não o de Stálin. É impossível captar o jogo das categorias na obra marxiana
sem dominar o procedimento da derivação dialética, a partir das con-tradições internas dos fenômenos, ou seja, a partir de um procedimento
lógico inaugurado, com caráter sistemático, por Hegel. Sem dúvida, é preciso frisar também que Marx rejeitou a identidade hegeliana dos
contrários, distinguindo tal postulado idealista de sua própria concepção materialista da unidade dos contrários (a este respeito, tem razão Go-delier
quando aponta a confusão em certas formulações de Lênin e Mao-Tse-Tung sobre a "identidade dos contrários").
A derivação dialética materialista é aplicada em todo o trajeto da exposição marxiana, porém provoca impacto logo no capítulo inicial
sobre a mercadoria, por isso mesmo causador de tropeços aos leitores desprovidos de familiaridade com o método dialético. Contudo, a deri-vação
dialética, que opera com as contradições imanentes nos fenôme-nos, não suprime a derivação dedutiva própria da lógica formal, baseada
justamente no princípio da não-contradição. Em O Capital, são cor-rentes as inferências dedutivas, acompanhadas de exposições por via
lógico-formal. Daí, aliás, o recurso freqüente aos modelos matemáticos demonstrativos, que revelam, dentro de estruturas categoriais defini-das,
o dinamismo das modificações quantitativas e põem à luz suas leis internas. Conquanto considerasse falsas as premissas das quais
Marx partiu, Böhm-Bawerk não deixou de manifestar admiração pela força lógica do adversário. Não obstante, seja frisado, a lógica formal
está para a lógica dialética, na obra marxiana, assim como a mecânica de Newton está para a teoria da relatividade de Einstein. Ou seja, a
primeira aplica-se a um nível inferior do conhecimento da realidade com relação à segunda.
Marx distinguiu entre investigação e exposição. A investigação exige o máximo de esforço possível no domínio do material fatual. O
próprio Marx não descansava enquanto não houvesse consultado todas as fontes informativas de cuja existência tomasse conhecimento. O fim
último da investigação consiste em se apropriar em detalhe da matéria investigada, analisar suas diversas formas de desenvolvimento e des-cobrir
seus nexos internos. Somente depois de cumprida tal tarefa, seria possível passar à exposição, isto é, à reprodução ideal da vida
da matéria. A esta altura, advertiu Marx que, se isto for conseguido,


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"(...) então pode parecer que se está diante de uma construção a priori". Por que semelhante advertência?
É que a exposição deve figurar um "todo artístico". Suas diversas partes precisam se articular de maneira a constituírem uma totalidade
orgânica e não um dispositivo em que os elementos se justapõem como somatório mecânico. Ora, a realização do "todo artístico" ou da "tota-lidade
orgânica" pressupunha a aplicação do modo lógico e não do modo histórico de exposição. Ou seja, as categorias deveriam compa-recer
não de acordo com a sucessão efetiva na história real, porém conforme as relações internas de suas determinações essenciais, no
quadro da sociedade burguesa. Por conseguinte, o tratamento lógico da matéria faz da exposição a forma organizacional apropriada do co-nhecimento
a nível categorial-sistemático e resulta na radical superação do historicismo (entendido o historicismo, na acepção mais ampla, como
a compreensão da história por seu fluxo singular, consubstanciado na sucessão única de acontecimentos ou fatos sociais). A exposição lógica
afirma a orientação anti-historicista na substituição da sucessão his-tórica pela articulação sistemática entre categorias abstratas, de acordo
com suas determinações intrínsecas. Daí que possa assumir a aparência de construção imposta à realidade de cima e por fora.
Na verdade, trata-se apenas de impressão superficial contra a qual é preciso estar prevenido. Porque, se supera o histórico, o lógico
não o suprime. Em primeiro lugar, se o lógico é o fio orientador da exposição, o histórico não pode ser dispensado na condição de contra-prova.
Daí a passagem freqüente de níveis elevados de abstração a concretizações fatuais em que a demonstração dos teoremas assume
procedimentos historiográficos. Em segundo lugar, porém com ainda maior importância, porque o tratamento histórico se torna imprescin-dível
nos processos de gênese e transição, sem os quais a história será impensável. Em tais processos, o tratamento puramente lógico condu-ziria
aos esquemas arbitrários divorciados da realidade fatual. Por isso mesmo, temas como os da acumulação originária do capital e da for-mação
da moderna indústria fabril foram expostos segundo o modo histórico, inserindo-se em O Capital na qualidade de estudos historio-gráficos
de caráter monográfico.
Em suma, o lógico não constitui o resumo do histórico, nem há paralelismo entre um e outro (conforme pretendeu Engels), porém en-trelaçamento,


cruzamento, circularidade.
A interpretação althusseriana conferiu estatuto privilegiado ao modo de exposição e atribuiu às partes históricas de O Capital o caráter


de mera ilustração empirista. Se bem que com justificadas razões pu-sesse em relevo a sistematicidade marxiana, Althusser fez dela uma
estrutura formal desprendida da história concreta, o que o próprio Marx explicitamente rejeitou.
O tratamento lógico é também o que melhor possibilita e, no


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mais fundamental, o único que possibilita alcançar aquele nível da essência em que se revelam as leis do movimento da realidade objetiva.
Porque, em O Capital, a finalidade do autor consistiu em desvendar a lei econômica da sociedade burguesa ou, em diferente formulação,
as leis do nascimento, desenvolvimento e morte do modo de produção capitalista.
Numa época em que prevalecia a concepção mecanicista nas ciên-cias físicas, Marx foi capaz de desvencilhar-se dessa concepção e for-mular
as leis econômicas precipuamente como leis tendenciais. Ou seja, como leis determinantes do curso dos fenômenos em meio a fatores
contrapostos, que provocam oscilações, desvios e atenuações provisórias. As leis tendenciais não são, nem por isso, leis estatísticas, probabili-dades
em grandes massas, porém leis rigorosamente causais. A lei tendencial sintetiza a manifestação direcionada, constante e regular
— não ocasional — da interação e oposição entre fatores imanentes na realidade fenomenal.
Como já observamos, o plano da estrutura de O Capital foi lon-gamente trabalhado e sofreu modificações, à medida que o autor ga-nhava
maior domínio da matéria. O resultado é uma arquitetura im-ponente, cheia de sutilezas imperceptíveis à primeira vista, cujo estudo
já instigou abordagens especializadas.
Sob a perspectiva de conjunto, há uma linha divisória entre os Livros Primeiro e Segundo, de um lado, e o Livro Terceiro, de outro.


Linha divisória que não diz respeito à separação entre questões mi-croeconômicas e macroeconômicas, pois nos três Livros encontramos
umas e outras, conquanto se possa afirmar que o Livro Segundo é o mais voltado à macroeconomia. A distinção estrutural obedece a critério
diferente. Os dois primeiros Livros são dedicados ao "capital em geral", ao capital em sua identidade uniforme. O Livro Terceiro aborda a
concorrência entre os capitais concretos, diferenciados pela função es-pecífica e pela modalidade de apropriação da mais-valia.
O "capital em geral" é, segundo Marx, a "quintessência do capital", aquilo que identifica o capital enquanto capital em qualquer circuns-tância.
No Livro Primeiro, trata-se do capital em sua relação direta de exploração da força de trabalho assalariada. Por isso mesmo, o locus
preferencial é a fábrica e o tema principal é o processo de criação e acumulação da mais-valia. A modalidade exponencial do capital é o
capital industrial, pois somente ele atua no processo de criação da mais-valia. No Livro Segundo, trata-se da circulação e da reprodução
do capital social total. O capital é sempre plural, múltiplo, mas circula e se reproduz como se fosse um só capital social de acordo com exigências
que se impõem em meio a inumeráveis flutuações e que dão ao movi-mento geral do capital uma forma cíclica.
No Livro Terceiro, os capitais se diferenciam, se individualizam, e o movimento global é enfocado sob o aspecto da concorrência entre


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os capitais individuais. Por isso mesmo, é a esta altura que se aborda o tema da formação da taxa média ou geral do lucro e da transformação
do valor em preço de produção. De acordo com as funções específicas que desempenham no circuito total da economia capitalista — na pro-dução,
na circulação e no crédito —, os capitais individuais apropriam-se de formas distintas de mais-valia: lucro industrial, lucro comercial,
juros, cabendo à propriedade territorial a renda da terra, também ela uma forma particular da mais-valia. A lei dinâmica direcionadora desse
embate concorrencial entre os capitais individuais pela apropriação da mais-valia é a lei da queda tendencial da taxa média de lucro.
A estrutura de O Capital, segundo Lange, foi montada de acordo com um plano que parte do nível mais alto de abstração, no qual se
focalizam fatores isolados ou no menor número possível, daí procedendo por concretização progressiva, à medida que se acrescentam novos fa-tores,
no sentido da aproximação cada vez maior e multilateral à rea-lidade fatual. A esta interpretação, no geral correta, acrescentamos
que o trânsito do abstrato ao concreto se faz em todo o percurso, a começar pelo Livro Primeiro. Já nele, encontramos o jogo dialético da
passagem do abstrato ao concreto real e vice-versa. Doravante, comentaremos alguns temas de O Capital, seleciona-dos
por sua significação sistêmica ou pela relevância das controvérsias que suscitaram.


IV. Mercadoria e Valor
De Smith e Ricardo recebeu Marx a teoria do valor-trabalho: a idéia de que o trabalho exigido pela produção das mercadorias mede


o valor de troca entre elas e constitui o eixo em torno do qual oscilam os preços expressos em dinheiro. Ao explicitar que se tratava do tempo
de trabalho incorporado às mercadorias, Ricardo clarificou a medida do valor de troca, embora se enredasse no insolúvel problema do padrão
invariável do valor. Uma vez que partiam do valor-trabalho, Smith e Ricardo supe-raram
a concepção fisiocrática do excedente econômico em termos de produto físico. O excedente devia ser compreendido, antes de tudo, em
termos de valor, ou seja, devia ser apreciado enquanto trabalho trans-ferido ao produto. Mas a idéia de valor implica, por necessidade lógica,
a troca de equivalentes: não se conceberia, de outra maneira, que o valor-trabalho pudesse ser o determinante da relação de troca entre
mercadorias diferentes pelo valor de uso. A questão a solucionar con-sistia em tornar coerente a necessidade de troca de equivalentes com
a apropriação do valor excedente pelo proprietário do capital. Smith enfrentara a questão com a idéia de que o valor das mer-cadorias
se media pela quantidade de trabalho que podiam comandar, sugerindo que havia uma diferença positiva entre o custo de cada mer-cadoria
em termos de trabalho consumido e em termos de trabalho


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que fosse capaz de comprar. Não obstante, a origem de tal diferença positiva — o lucro do capital — ficava inexplicada no quadro de um
regime de troca de equivalentes e, por isso mesmo, Smith designava o lucro como "dedução". Ricardo desenvolveu a teoria do valor, ao de-fini-
lo como tempo de trabalho incorporado à mercadoria, porém desviou sua investigação da origem do excedente para o da distribuição do
produto entre assalariados, capitalistas e proprietários de terra. O lucro continuava, portanto, inexplicável em face da necessária equivalência
da troca entre capital e força de trabalho. Este, o primeiro impasse.
O segundo grande impasse da teoria do valor-trabalho de Smith e Ricardo residia em que ambos identificavam, sem mediações, o valor


ao preço natural, como o chamava Smith, ou ao custo de produção, na formulação ricardiana. Semelhante identificação tornava impossível es-clarecer
por que capitais com diferentes empregos de força de trabalho obtinham taxas de lucros igualadas.
A solução marxiana para a primeira questão crucial irresolvida consubstanciou-se na teoria da mais-valia. Ao expô-la no Livro Primeiro,
Marx não partiu do conceito de valor, mas da mercadoria, isto é, da célula germinativa de modo de produção capitalista. No entanto, o
enfoque inicial da mercadoria ao longo do Capítulo I não a situa no quadro das relações de produção capitalistas, porém numa sociedade
de pequenos produtores mercantis, donos dos meios de produção e de subsistência e, por conseguinte, donos também do produto integral do
seu trabalho. Tal procedimento expositivo tem sido um dos pontos mais controversos de O Capital.
Croce foi dos primeiros a argumentar que semelhante sociedade de pequenos produtores mercantis não passaria da invenção teórica para
fins heurísticos, isto é, para servir de contraste com a sociedade capitalista concreta. A interpretação de Croce não difere, no essencial, da recente de
Morishima e Catephores, segundo os quais a sociedade de pequenos pro-dutores mercantis seria fictícia e teria validade tão-somente como tipo
ideal, na acepção de Max Weber (inspirando-se, por sinal, na afirmação do próprio Weber de que todas as construções teóricas marxianas seriam
tipos ideais sem efetividade empírica). Segue-se daí que a troca de equi-valentes, na proporção do tempo de trabalho contido nas mercadorias,
nunca foi norma concreta, uma vez que, na sociedade capitalista, segundo Marx, as trocas se realizam sob a norma dos preços de produção, nos
quais o valor já aparece modificado e metamorfoseado.
Cedendo à inclinação historicista que, às vezes, nele prevalecia, Engels atribuiu à sociedade de pequenos produtores mercantis, tal qual


se apresenta no capítulo inicial do Livro Primeiro, existência histórica empírica e chegou a afirmar que a lei do valor, enquanto lei da troca
imediata de equivalentes, teria tido vigência num período de cinco a sete milênios até o século XV, quando se dá o nascimento do capitalismo.
As pesquisas historiográficas não confirmam o ponto de vista de


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Engels. O próprio Marx assinalou, em várias passagens, que, nas for-mações sociais anteriores ao capitalismo, prevaleceu a produção para
valor de uso, ao passo que as trocas mercantis se faziam com excedentes residuais do autoconsumo. O caráter ocasional e as pequenas proporções
das trocas deviam impedir ou dificultar sua prática de acordo com a norma regular da equivalência do conteúdo de trabalho incorporado
aos bens trocados. Intermediadas pelo capital comercial pré-capitalista, as trocas tampouco poderiam basear-se na equivalência, mas seriam
trocas desiguais.
No entanto, na medida em que fossem trocas pessoais entre pequenos produtores mercantis e se repetissem durante muito tempo com regula-ridade,


a lei do valor, enquanto lei da troca imediata de equivalentes, seria atuante. De maneira aproximada, era o que, com efeito, sucedia nas
feiras medievais européias, onde costumavam encontrar-se camponeses e artesãos para intercâmbio dos respectivos produtos.
Rubin apontou o caráter puramente lógico de certas mediações discursivas marxianas, para as quais, por conseguinte, não faz sentido
procurar correspondência histórica empírica. A sociedade de pequenos produtores mercantis, tal qual vem descrita no capítulo inicial do Livro
Primeiro, é, sem dúvida, uma projeção lógica. Não obstante, como tam-bém afirma Rubin, aquela sociedade existiu de maneira rudimentar
antes do capitalismo e, sendo assim, tinha razão Marx ao escrever que o valor-trabalho fora antecedente histórico (e não somente lógico) do
preço de produção.
O capitalismo não pode surgir senão com as premissas dadas da produção mercantil e da circulação monetária. Tais premissas não são


imaginárias, porém historicamente concretas, tendo tido desenvolvimento na Europa sob o feudalismo. Assim, foi para estudar a formação do modo
de produção capitalista a partir daquelas premissas objetivas que Marx as projetou no modelo de uma sociedade de pequenos produtores mercantis.
Mediante o recurso da abstração, determinado setor da realidade histórica foi isolado e extremado, não sendo difícil perceber que o modelo marxiano
resultou da aplicação do método dialético e não da construção de um tipo ideal weberiano. Este último, como se sabe, teve por matriz filosófica o
formalismo neokantiano e sua construção para fins heurísticos obedece a critérios unilaterais subjetivos do observador — algo de todo contrário à
metodologia dialética-materialista.
Ao começar sua exposição pela mercadoria — por ser ela a célula germinativa do modo de produção capitalista —, examinou-a Marx,


em primeiro lugar, como objeto que tem valor de uso. Mas, sob o aspecto apenas do valor de uso, a relação da mercadoria com o homem ganha
caráter individual e natural supra-histórico. O valor de uso, por si só, não nos informa acerca das relações sociais subjacentes à relação in-dividual
do homem com a coisa. O sabor do trigo não muda pelo fato de ser produzido por um escravo, por um servo feudal ou por um


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operário assalariado. Contudo, são improcedentes as críticas de que na obra marxiana se negligencia a significação do valor de uso enquanto
categoria econômica.
Marx, aliás, teve oportunidade de contestar semelhante crítica nos comentários ao Tratado de Wagner. Comentários que poderia em-pregar,


com idêntica pertinência, na refutação dos argumentos de Böhm-Bawerk, se ainda vivo estivesse quando vieram a público.
No concernente à mercadoria, o valor de uso é o suporte físico do valor. Não pode ter valor o que carece de valor de uso. Que a
mercadoria possua o caráter dúplice de valor de uso e valor resulta do caráter também dúplice do próprio trabalho que a produz: trabalho
concreto, que responde pelas qualidades físicas do objeto, e trabalho abstrato, enquanto gasto indiferenciado de energia humana. O trabalho
abstrato, pelo fato de estabelecer uma relação de equivalência entre os variadíssimos trabalhos concretos, vem a ser a substância do valor.
Smith e Ricardo falaram de valor e valor de troca, sem estabelecer entre eles diferença categorial, preocupados sobretudo com o problema
da medida do valor. O próprio Marx, em Para a Crítica da Economia Política, não estabeleceu distinção terminológica entre valor e valor
de troca. Mas, em O Capital, esta distinção foi firmada e salientada, pois se tornava clara a necessidade de focalizar no valor, em separado,
a substância (trabalho abstrato cristalizado), a forma que se manifesta na relação entre mercadorias (valor de troca) e a grandeza (tempo de
trabalho abstrato).
Vejamos, aqui, a questão da substância do valor.
O trabalho criador de valor é o trabalho socialmente necessário, executado segundo as condições médias vigentes da técnica, destreza


do operário e intensidade do esforço na realização da tarefa produtiva. O padrão é o do trabalho simples, ao qual o trabalho complexo (ou
qualificado) é reduzido como certo múltiplo dele. Marx não analisou como se dá tal redução, porém indicou a linha geral dessa análise (a
diferença de custo de formação da força de trabalho complexa em com-paração com a força de trabalho simples) e tomou a redução como
dada. Trata-se de um procedimento adotado pelo autor em certos casos: tomar em consideração apenas o resultado dado de um processo, apon-tando
o caminho de sua análise, sem contudo desenvolvê-la, na medida em que fosse dispensável para fins prioritários da demonstração.
O problema da relação entre trabalho simples e complexo já me-recera a atenção de Hodgskin, o qual, no entanto, não conseguiu definir
o critério econômico intrínseco à relação. Com o tempo, tornou-se um dos cavalos de batalha às mãos dos adversários da teoria do valor-tra-balho
e, por isso mesmo, Böhm-Bawerk não haveria de omiti-lo. Mas, para efeito de argumentação, o líder da escola austríaca do margina-lismo
empregou exemplo tão fora de propósito como o da comparação entre o trabalho do escultor e o de um pedreiro. Ora, o produto do


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trabalho artístico, marcado pela originalidade e unicidade, não pode ser comparado, enquanto mercadoria, com a produção mercantil repe-tida.
A resposta de Hilferding a Böhm-Bawerk avançou um tanto na linha analítica apontada por Marx. Mas o argumento voltaria a ser
esgrimido, em época recente, por Joan Robinson, com a indagação sobre a maneira de determinar a quantidade de trabalho abstrato contido
na hora de trabalho de um engenheiro qualificado. Para a teoria do valor-trabalho, o que importa é que a hora de trabalho do engenheiro
constitui um múltiplo (de cinco, dez ou quinze, não vem ao caso) da hora de trabalho do operário da construção civil, do operário soldador
etc., enquanto média socialmente funcional. O enfoque do valor pelo prisma de sua substância permitiu pe-netrar
no universo histórico das relações sociais dentro do qual os produtos do trabalho humano se tornam valores. Para Smith e Ricardo,
o valor não era uma qualidade social dos produtos, mas algo natural como o peso ou a consistência. Indiferente, portanto, às formas sociais.
Para Marx, o valor é, antes de tudo, uma substância social-histórica. Nas organizações sociais em que a produção mercantil constitui atributo
de proprietários privados, entre os quais já exista divisão social do trabalho bastante adiantada, somente de maneira indireta, pela troca
mercantil, é que os produtos do trabalho privado se apresentam como produtos do trabalho social. O indicador do trabalho social é, precisa-mente,
o valor, na condição de cristalização de trabalho abstrato, ao passo que o valor de troca, sendo a razão de intercâmbio entre as
mercadorias, constitui a forma de manifestação do valor. Nas formações sociais em que predomina a produção para valor
do uso, o caráter social do trabalho manifesta-se de maneira direta, sem desvios, relacionando-se os agentes da produção entre si cara a
cara, como pessoas. Já nas formações sociais onde predomina a pro-dução mercantil, o caráter social do trabalho não pode se manifestar
senão de maneira indireta, por meio de um desvio. Em suma, por intermédio do valor. A relação entre as pessoas se esconde atrás da
relação entre as coisas.
A lei do valor como reguladora da produção
Uma vez que é produção confiada a proprietários privados con-correntes, a produção capitalista — tipo generalizado e superior da


produção mercantil — não obedece a um plano centralizado, mas se realiza sob o impulso de decisões fragmentárias isoladas. Entre as
paredes da empresa capitalista, a produção costuma ser consciente-mente regulada e obedece a um plano estabelecido pela administração.
Já no processo social global das relações entre as empresas, inexiste a regulação consciente, o planejamento imperativo. O processo social
global da produção capitalista caracteriza-se, por isso, pela anarquia. Anarquia, entretanto, não quer dizer caos. Anárquica como seja,


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a produção capitalista obedece a um regulador objetivo, que atua à revelia da consciência dos produtores privados. Tal regulador é a lei
do valor. Justamente esta lei — por ser a lei de validação do caráter social dos trabalhos privados — é que determina a distribuição dos
meios de produção e da força de trabalho entre os vários produtores e ramos da produção.
A lei do valor cumpre sua função de reguladora da produção social em meio a constantes oscilações e desequilíbrios provocados por
sua própria atuação. O equilíbrio não pode ser mais do que uma ten-dência que pressiona em meio aos fatores desequilibrantes e se mani-festa
enquanto média de inumeráveis flutuações, jamais suscetível de fixação. A concorrência entre os produtores privados dá lugar a uma
sucessão infindável de desequilíbrios e, ao mesmo tempo, atua no sen-tido de corrigir mais desequilíbrios, mediante a regulação do valor.
Tal correção nunca consegue suprimir a anarquia, pois se efetua no fluxo incessante do processo concorrencial e implica inevitáveis des-perdícios
de recursos econômicos. Simultaneamente, porém, a constante acentuação do desequilíbrio e a tendência contrária ao equilíbrio, só
realizado como média variável das desproporções, compõem o dinamis-mo peculiar do processo capitalista de produção e tipificam sua mo-dalidade
específica de desenvolvimento das forças produtivas. Assim, a lei do valor, na concepção marxiana da produção capitalista, é a lei
reguladora da distribuição das forças produtivas, porém não é sua lei do equilíbrio. O que Schumpeter percebeu, ao contrário de tantos marxistas.
Neste ponto crucial, a concepção marxiana se contrapõe à tradição mais forte do pensamento burguês. Tradição que buscou apresentar a
economia capitalista como consubstancial à natureza humana precisa-mente por ser harmônica, por si mesma apta a estabelecer o estado
de equilíbrio mais conveniente aos interesses supostamente gerais da sociedade. Não tem outra significação para Adam Smith a mão invisível
do mercado, que faria do egoísmo dos produtores individuais o instru-mento da riqueza das nações. Ao proclamar que cada oferta cria sua
própria demanda, a chamada "lei dos mercados" de Say não passa de outra formulação do mesmo teorema do equilíbrio. Seria, no entanto,
com o marginalismo que a idéia do equilíbrio geral da economia capi-talista atingiria a formulação aparentemente mais conforme às exi-gências
da demonstração científica, exposta que foi através de refinadas elaborações matemáticas. A doutrina marginalista do equilíbrio geral
sofreu o impacto da "revolução keynesiana" sem que, não obstante, se perdesse a idéia do equilíbrio. Já que este não era mais concebível
como ajuste espontâneo das variações dos fatores, ajuste resultante da interação automática e autocorretiva dos mecanismos inerentes ao mer-cado,
Keynes incumbiu a mão visível do Estado de intervir no mercado, pôr as coisas em ordem e estabelecer o equilíbrio do pleno emprego
desejável à segurança da organização social burguesa.


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Apenas de passagem, lembremos que a teoria funcionalista re-presenta, no âmbito da Sociologia, uma ramificação do mesmo tronco
ideológico do qual se projetou a idéia do equilíbrio natural e eficiente da economia capitalista.
Feita a ressalva sobre a validez de tantos aspectos penetrantes de seus ensaios marxistas, cumpre mencionar o grave equívoco de Rubin
ao confundir a função reguladora da lei do valor com uma função de equilíbrio, ao ponto de sugerir que a teoria econômica marxiana seria
uma teoria geral do equilíbrio da economia capitalista. Decerto, nenhum modo de produção pode funcionar sem algum princípio regulador. No
modo de produção capitalista, tal princípio é a lei do valor. O que sucede é que, na concepção marxiana, este regulador opera através de
contradições e desequilíbrios sempre renovados. Contradições e dese-quilíbrios inerentes à essência das relações de produção capitalistas e
não meras disfunções, por isso mesmo sanáveis, como as conceberia o funcionalismo.


V. Capital, Fetichismo e Acumulação Originária
O desenvolvimento da forma do valor — o valor de troca — conduz ao surgimento do dinheiro. Este não foi um dispositivo expressamente


"inventado" para resolver dificuldades técnicas na realização cada vez mais complexa das trocas e dos pagamentos, embora viesse a servir para
tal fim. Por meio da demonstração dialética, ressaltou Marx que a neces-sidade do dinheiro já está implícita na relação mercantil mais simples e
casual. Assim que as trocas mercantis se reiteram e multiplicam, é ine-vitável que se selecione entre as mercadorias aquela cujo valor de uso —
representado por suas qualidades físicas — consistirá na reflexão do tra-balho abstrato de toda a sociedade, na encarnação indiferente do valor
de todas as mercadorias. Os metais preciosos (ouro e prata) foram, afinal, selecionados para esta função de mercadoria absoluta.
A circulação monetária constitui premissa necessária, porém não suficiente para o surgimento do modo de produção capitalista. Marx foi
taxativo na refutação das interpretações historiográficas que viam na An-tiguidade greco-romana uma economia capitalista porque já então circu-lava
o dinheiro. O capital comercial e o capital de empréstimo aparecem nas formações sociais anteriores ao capitalismo e nelas representam as
modalidades exponenciais do capital. Captam o produto excedente no pro-cesso da circulação mercantil e monetária, através das trocas desiguais
e dos empréstimos usurários, porém não dominam o processo de produção. Somente com o capital industrial, que atua no processo de criação do
sobreproduto mediante a exploração de trabalhadores assalariados, é que se constitui o modo de produção capitalista. O capital industrial torna-se,
então, a modalidade exponencial do capital, que submete o capital comer-cial e o capital de empréstimo às exigências da reprodução e expansão
das relações de produção capitalistas.


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A formação do capital industrial na Europa ocidental mereceu de Marx extenso estudo historiográfico, no qual periodizou o processo
de formação nas etapas da cooperação simples, da manufatura e da fábrica mecanizada. Com esta última, que surge e começa a se gene-ralizar
durante a Revolução Industrial inglesa, o modo de produção capitalista adquiriu, afinal, a base técnica que lhe é apropriada.
Que é, porém, o capital enquanto agente da produção?
O capital não é coisa — ferramenta ou máquina. Nada mais des-propositado do que imputar ao arco-e-flecha do índio tribal a natureza


de capital. Tampouco basta afirmar, como Ricardo, que o capital é "trabalho acumulado". O arco-e-flecha cristaliza trabalho acumulado e, todavia, não
serve a nenhuma finalidade de valorização capitalista, ou seja, de incre-mento do valor inicial adiantado. A fim de que o trabalho acumulado nos
bens de produção assuma a função de capital é preciso que se converta em instrumento de exploração do trabalho assalariado. Em vez de coisa,
o capital é relação social, relação de exploração dos operários pelos capi-talistas. As coisas — instalações, máquinas, matérias-primas etc. — cons-tituem
a encarnação física do trabalho acumulado para servir de capital, na relação entre o proprietário dessas coisas e os operários contratados
para usá-las de maneira produtiva.
Por conseguinte, a teoria marxiana conduz à desmistificação do fetichismo da mercadoria e do capital. Desvenda-se o caráter alienado


de um mundo em que as coisas se movem como pessoas e as pessoas são dominadas pelas coisas que elas próprias criam. Durante o processo
de produção, a mercadoria ainda é matéria que o produtor domina e transforma em objeto útil. Uma vez posta à venda no processo de
circulação, a situação se inverte: o objeto domina o produtor. O criador perde o controle sobre sua criação e o destino dele passa a depender
do movimento das coisas, que assumem poderes enigmáticos. Enquanto as coisas são animizadas e personificadas, o produtor se coisifica. Os
homens vivem, então, num mundo de mercadorias, um mundo de fe-tiches. Mas o fetichismo da mercadoria se prolonga e amplifica no
fetichismo do capital.
O capital se encarna em coisas: instrumentos de produção criados pelo homem. Contudo, no processo de produção capitalista, não é o


trabalhador que usa os instrumentos de produção. Ao contrário: os instrumentos de produção — convertidos em capital pela relação social
da propriedade privada — é que usam o trabalhador. Dentro da fábrica, o trabalhador se torna um apêndice da máquina e se subordina aos
movimentos dela, em obediência a uma finalidade — a do lucro — que lhe é alheia. O trabalho morto, acumulado no instrumento de produção,
suga como um vampiro (a metáfora é de Marx) cada gota de sangue do trabalho vivo fornecido pela força de trabalho, também ela convertida
em mercadoria, tão venal quanto qualquer outra.
Contudo, seria errôneo, como ficou em voga no segundo pós-guer-


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ra, fazer da alienação a categoria básica da teoria sócio-econômica mar-xiana. Com semelhante procedimento, efetua-se um retrocesso no con-cernente
à evolução do próprio Marx, a qual, como foi visto, superou o conceito de alienação quando aceitou a tese do valor-trabalho. Na
verdade, as teses essenciais da teoria sócio-econômica marxiana se apóiam nas categorias de valor e mais-valia, a partir das quais a ca-tegoria
de alienação, recebida de Hegel e Feuerbach, se concretizou na crítica conseqüente ao fetichismo do capital.
A crítica ao fetichismo do capital vincula-se intimamente à de-cifração do segredo da acumulação originária do próprio capital. Como
teria vindo ao mundo tão estranha entidade que conquistou a soberania sobre os homens e as coisas?
Sabemos de várias respostas. A de Nassau Senior: o capital nasceu da abstinência de uns poucos virtuosos, que preferiram poupar a con-sumir,
assumindo o ônus de um sacrifício em benefício da sociedade justamente recompensado. A de Weber: o capitalismo requer a atitude
racionalista diante dos fatos econômicos e semelhante atitude procedeu, na Europa ocidental, da ética protestante. A de Schumpeter: os pri-meiros
empresários foram homens de talento que tiveram a poupança acumulada à sua disposição.
Já segundo Marx, o capital, não mais como capital mercantil, porém como capital industrial promotor do modo de produção capita-lista,
surge somente com determinado grau histórico de desenvolvi-mento das forças produtivas, grau este que implica determinado tipo
de divisão social do trabalho. Só então é que o dinheiro e os meios de produção acumulados em poucas mãos podem ser valorizados mediante
a exploração direta do trabalho assalariado. Fica, não obstante, a per-gunta: como se acumularam o dinheiro e os meios de produção em
poucas mãos?
Dessa história não se extrai uma lição sobre a recompensa das virtudes morais. Mercadores e usurários — representantes do capital


mercantil pré-capitalista — concentraram a riqueza em dinheiro me-diante toda espécie de fraude e de extorsão, características da atuação
do capital nas formações sociais anteriores ao capitalismo. A aplicação do dinheiro acumulado na circulação mercantil e monetária à produção
de mercadorias levou à exploração acentuada, à pauperização e à ex-propriação dos artesãos. Por sua vez, do próprio meio dos artesãos,
emergiram os mestres que, em suas oficinas, se destacaram pela efi-ciência na exploração dos aprendizes e companheiros e puderam passar
da condição de mestres-trabalhadores à de mestres capitalistas, já por inteiro patrões. Esta formação endógena do capital industrial consti-tuiu,
aliás, segundo Marx, o caminho efetivamente revolucionário de transformação capitalista da antiga economia feudal.
A acumulação originária do capital — conjunto de processos não-capitalistas que prepararam e aceleraram o advento de modo de pro-


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dução capitalista — assinalou-se como uma época de violenta subversão da ordem existente, cuja ocorrência na Inglaterra foi estudada no fa-moso
capítulo XXIV do Livro Primeiro de O Capital. Com especial relevo figuraram nessa subversão: as enclosures (cercamentos) que ex-pulsaram
os camponeses de suas terras e as converteram em campos de pastagem de ovelhas, enquanto dos camponeses expropriados e des-possuídos
emergiria o moderno proletariado; o confisco das terras da Igreja Católica e sua distribuição entre aristocratas aburguesados e
novos burgueses rurais; o crescimento da dívida pública, que transferiu riquezas concentradas pelo Estado às mãos de um punhado de privi-legiados;
o protecionismo, que garantiu à nascente burguesia industrial a exclusividade de atuação desenfreada no mercado nacional e lhe
permitiu arruinar e expropriar os artesãos, então obrigados ao trabalho assalariado; a alta generalizada dos preços no século XVI, em conse-qüência
do afluxo à Europa dos metais preciosos da América, trazendo consigo a queda relativa dos salários e dos preços dos arrendamentos
agrícolas a longo prazo, o que favoreceu a burguesia urbana e rural; e, por fim, porém não menos importante — o colonialismo da época
mercantilista, com o comércio ultramarino, a exploração escravista nas Américas e o tráfico de escravos africanos.
O capital emerge para a vida histórica, o que Marx acentuou em várias passagens, como agente revolucionário implacável que destrói
as vetustas formações sociais localistas e instaura grandes mercados nacionais unificados e um processo mundial de intercâmbio e produção
acompanhado de rápida transformação das técnicas, das formas orga-nizacionais da economia, das instituições e dos costumes etc. Se o nas-cimento
do capital exigiu o emprego da violência em grande escala, tampouco foi ela dispensada na sua trajetória expansionista. O capital
realizou o veloz desenvolvimento das forças produtivas desinibido de considerações moralistas humanitárias, movido por uma avidez acu-mulativa
sem paralelo nas etapas históricas precedentes.
O modo de produção capitalista se afirma à medida que dispensa os processos da acumulação originária e difunde processos específicos


de exploração e valorização, que conduzem à produção da mais-valia.
A tese segundo a qual o capital contém dois componentes distintos — o constante e o variável — constitui uma das proposições funda-mentais


da Economia Política marxista. Insuspeito como crítico e ad-versário, Schumpeter reconheceu a superioridade desta proposição em
face da de Ricardo.
O capital constante representa trabalho morto, cristalizado e acu-mulado nos meios de produção. Durante o processo produtivo, seu valor


se mantém constante, transferindo-se ao produto sem alteração quan-titativa. O capital variável aplica-se nos salários que compram a força
de trabalho e, por isso, representa a única parte do capital que varia no processo produtivo, uma vez que se incrementa pela produção de


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mais-valia. A valorização particular do capital variável dá lugar à va-lorização do capital em sua totalidade.
A relação quantitativa entre capital constante e capital variável, em termos de valor, recebeu de Marx a denominação de composição
orgânica do capital, tanto mais alta quanto maior for o coeficiente do capital constante e vice-versa. O sistema da Economia Política marxista
tem nesta relação um dos eixos de sua articulação. A composição orgânica do capital não se confunde com sua com-posição
técnica, a qual diz respeito às características físicas do capital e não ao seu valor. Um capital com a composição técnica de 5 máqui-nas/
1 operário pode ter a mesma composição orgânica de outro capital com a composição técnica de 10 máquinas/ 1 operário, se o valor de
cada uma das últimas dez máquinas for a metade do valor de cada uma das primeiras cinco máquinas, sendo os salários iguais nos dois
casos. Na perspectiva histórica de longo prazo, no entanto, a composição orgânica do capital se eleva com o aumento da composição técnica,
embora o faça em proporções menores. A distinção entre capital fixo e circulante, conhecida antes de
Marx, diz respeito a outro aspecto da realidade, isto é, à transferência integral do valor dos componentes do capital ao produto numa única
rotação produtiva (capital circulante) ou em várias rotações, gradual-mente
(capital fixo). Tal distinção nada explica acerca da valorização do capital, porém é imprescindível à análise da circulação, rotação e


reprodução do capital. A esta altura, cumpre precisar qual foi a novidade trazida por
Marx com a categoria de mais-valia. Já fora firmada a idéia de que a produção podia criar um excedente sobre a grandeza inicial dos meios
de produção. Nas Teorias da Mais-Valia, incumbiu-se Marx de anotar e comentar com minúcia os antecessores que escreveram sobre o ex-cedente
econômico. A novidade exposta em O Capital se resume em
dois aspectos essenciais. Em primeiro lugar, a distinção entre trabalho e força de trabalho.


O trabalho não é senão o uso da força de trabalho, cujo conteúdo consiste nas aptidões físicas e intelectuais do operário. Sendo assim, o salário
não paga o valor do trabalho, mas o valor da força de trabalho, cujo uso, no processo produtivo, cria um valor maior do que o contido no
salário. O valor de uso da força de trabalho consiste precisamente na capacidade, que lhe é exclusiva, de criar um valor de grandeza superior
à sua própria. O dono do capital e empregador do operário se apropria
deste sobrevalor ou mais-valia sem retribuição. Mas, embora sem re-tribuição, a apropriação da mais-valia não viola a lei do valor enquanto


lei de troca de equivalentes, uma vez que o salário deve ser o equivalente monetário do valor da força de trabalho. Assim, a relação mercantil
entre capital e força de trabalho assume o caráter de troca de equi-


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valentes, ao passo que a criação da mais-valia se efetiva fora dessa relação, no processo de uso produtivo da força de trabalho.
Embora não descurasse a circunstância de que, na prática do regime capitalista, o salário pode situar-se abaixo do valor da força
de trabalho, Marx pressupõe sempre, em todas as inferências do seu sistema teórico, a troca de equivalentes e, por conseguinte, a equiva-lência
entre salário e valor da força de trabalho. Em especial, o modo de produção capitalista ficava marcado pela particularidade histórica
de generalizar a forma mercadoria, assumida também pela própria força de trabalho.
Esclarecia-se, dessa maneira, que a quantidade de trabalho "co-mandado" pela mercadoria acima do trabalho que custara, segundo a
concepção de Smith, era precisamente a mais-valia. O lucro deixava de ser uma "dedução" do produto do trabalho e se identificava como
sobreproduto, por isso mesmo apropriado pelo comprador da força de trabalho na sua condição de capitalista.
Em segundo lugar, a concepção da mais-valia enquanto sobre-produto abstraído de suas formas particulares (lucro industrial e co-mercial,
juros e renda da terra). Justamente porque entenderam o excedente imediatamente como lucro, sem se dar conta de sua natureza
originária de mais-valia, da qual o lucro é uma das formas particulares, justamente por não disporem da categoria mediadora da mais-valia é
que Smith e Ricardo identificaram valor e preço de produção. Em con-seqüência, colocaram a teoria do valor-trabalho em contradição discur-siva
com qualquer explicação coerente acerca do eixo em torno do qual deviam oscilar os preços de mercado. A categoria de mais-valia veio
permitir também a superação deste impasse dos clássicos burgueses.
No Prefácio ao Livro Segundo, afirmou Engels, com inspiração brilhante, que a façanha teórica de Marx se comparava à de Lavoisier.


Enquanto Priestley e Scheele, ao se defrontarem com o oxigênio em estado puro, insistiram em chamá-lo de flogisto, por incapacidade de
desprender-se da teoria química vigente, Lavoisier reconheceu no gás um novo elemento ao qual denominou oxigênio e, com isso, liquidou
a velha teoria flogística. Ao contrário dos economistas que continuavam a identificar o sobreproduto com uma das suas aparências fenomenais
— a renda da terra, no caso dos fisiocratas, ou o lucro, no caso de Smith e Ricardo —, Marx abstraiu a mais-valia de suas manifestações
particulares e, dessa maneira, cortou os vários nós górdios que obsta-culizavam o desenvolvimento conseqüente da teoria do valor.
A concepção categorial da mais-valia exige, não obstante, a ca-racterização precisa do que seja trabalho produtivo. Smith distinguiu
entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo, conotando o primeiro pela criação de bens materiais, dotados de consistência corpórea, e pela
lucratividade. Isto implicava a exclusão da esfera do trabalho produtivo de atividades que não criam bens materiais, pois se consomem no ato


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imediato de sua execução (os chamados serviços), ou que, embora criem bens materiais, não são lucrativas. Marx modificou as teses de Smith, ao
mesmo tempo deixando interrogações, dúvidas e problemas sem resposta, que suscitaram controvérsias ainda abertas entre os próprios marxistas.
Antes de tudo, tendo em vista sempre a formação social burguesa, devia ficar inteiramente claro que só o trabalho produtivo cria valor
e mais-valia. Mas isto não significa que as atividades improdutivas sejam todas desnecessárias ou mesmo nocivas. Umas são requeridas
pela manutenção das condições gerais da vida social (os serviços do aparelho estatal), enquanto outras são indispensáveis à efetivação inin-terrupta
dos próprios processos econômicos. A atenção de Marx incidiu principalmente nestas últimas.
Daí que começasse por criticar a rigidez da caracterização smi-thiana excludente de todos os serviços da esfera do trabalho produtivo.
Rigidez de inspiração fisiocrática e que levava a sobrepor a natureza física do produto do trabalho à sua forma social. Da análise do texto
de Smith, no volume I das Teorias da Mais-Valia, emergiram distinções bem definidas em O Capital. O capital produtivo é, por excelência, o
capital industrial, concebendo-se o capital agrícola como uma de suas modalidades. O capital comercial e o capital bancário representam es-pecializações
funcionais improdutivas do capital social total, indispen-sáveis, porém, à sua circulação e rotação sob forma de mercadoria
específica e sob forma de dinheiro. Uma parte da mais-valia criada na esfera do capital industrial passa às esferas do comércio e dos negócios
bancários — assumindo as formas particulares de lucro comercial e de juros —, com ela se pagando o lucro de comerciantes e banqueiros,
bem como o salário dos seus empregados. Mas há atividades que não produzem bens materiais e, contudo, são necessárias ao processo de
produção ou o prolongam na esfera da circulação, devendo ser consi-deradas produtivas e, portanto, criadoras de valor e mais-valia. Este
é o caso do transporte, armazenagem e distribuição de mercadorias. Uma vez que as mercadorias são valores de uso destinados à satisfação
de necessidades (como bens de produção ou como bens de consumo), é evidente que transportá-las, conservá-las em locais apropriados e
distribuí-las constituem tarefas produtivas, ainda que nada acrescen-tem à substância ou à conformação física das mercadorias. Por conse-qüência,
uma parte das atividades abrangidas pela rubrica do comércio tem natureza de trabalho produtivo. São somente improdutivas aquelas
atividades comerciais que derivam das características mercantis das relações de produção capitalistas, dizendo respeito aos gastos com as
operações de compra e venda e com as suas implicações especulativas. Por conseguinte, Marx rejeitou a caracterização de Smith acerca
do trabalho produtivo restringido apenas à produção de bens materiais e incluiu determinados serviços no conceito de trabalho produtivo. Não
chegou, todavia, a realizar um estudo abrangente e conclusivo sobre


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os serviços em geral. Recusou, por exemplo, a atribuição de produti-vidade aos serviços médicos (o que, obviamente, não significa que os
considerasse dispensáveis). Já com relação a atividades como as de ensino, dos espetáculos, da hotelaria e outras, sua análise ficou no
meio do caminho, justificando-se com o pequeno peso dos serviços. O que era verdade para seu tempo, mas deixou de sê-lo para os
dias atuais. Nos países capitalistas desenvolvidos, o setor terciário, que abrange os serviços, passou a ocupar o maior percentual da força
de trabalho e a responder, nas contas nacionais, por cerca de metade do produto. Do ponto de vista da teoria econômica marxista, é inacei-tável,
não obstante, a inclusão no produto nacional de todos os serviços computados pela estatística oficial. Mesmo esta, às vezes, adota timi-damente
o conceito de produto real, do qual exclui os serviços gover-namentais, a intermediação financeira, os serviços de educação e saúde
e alguns outros. Trata-se, sem dúvida, de importante campo da inves-tigação econômica, em cujo âmbito as indicações de Marx são preciosas
para marxistas e não-marxistas. Por fim, Marx referiu-se ao que denominou de faux frais: falsos
gastos inseridos no processo de produção, embora sem lhe dar contri-buição do ponto de vista técnico e produtivo. Um desses falsos gastos
é o do trabalho de vigilância ou controle da força de trabalho, que impõe um acréscimo de custos sem significação técnica para a produção
propriamente dita, decorrendo tão-somente do caráter antagônico das relações de produção. Se, nesta questão, Marx estava certo do ponto
de vista de suas premissas, tanto mais quanto os serviços de controle dos trabalhadores se sofisticaram nas grandes empresas modernas (com
a expansão dos "serviços sociais" e congêneres), o mesmo não se podia dizer da imputação de faux frais à contabilidade. Afinal, a produção
industrial moderna, sejam os países capitalistas ou socialistas, é tec-nicamente impraticável sem contabilidade. Como, por igual, no capi-talismo
avançado dos dias atuais seria errôneo deixar de qualificar a pesquisa científica e o desenvolvimento de projetos como trabalho pro-dutivo,
ao passo que o marketing e a propaganda entram, sem dúvida, no âmbito do trabalho improdutivo, pois sua utilização não é suscitada
senão pela natureza mercantil e concorrencial do modo de produção capitalista.


Mais-valia e acumulação de capital
Acumulação capitalista significa valorização do capital, o que, por sua vez, significa incremento do capital adiantado mediante pro-dução


de mais-valia. Sob a compulsão da concorrência, que elimina as empresas es-tacionárias,
os capitalistas, na condição de personificação do capital, anseiam por quantidades cada vez maiores de mais-valia. Nos primór-dios
do regime capitalista, quando as inovações técnicas avançavam


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com lentidão, o aumento da quantidade de mais-valia por operário ocupado só era possível mediante criação de mais-valia absoluta, isto
é, mediante prolongamento da jornada de trabalho ou intensificação das tarefas, de tal maneira que o tempo de sobretrabalho (criador de
mais-valia) aumentasse, enquanto se conservava igual o tempo de tra-balho necessário (criador do valor do salário). No entanto, a caracte-rística
mais essencial do modo de produção capitalista não é a criação de mais-valia absoluta, porém de mais-valia relativa. Esta resulta do
acúmulo de inovações técnicas, que elevam a produtividade social do trabalho e acabam por diminuir o valor dos bens de consumo nos quais
se traduz o valor da força de trabalho, exigindo menor tempo de trabalho para a reprodução desta última. Por isso, sem que se alterem o tempo
e a intensidade da jornada de trabalho, cuja grandeza permanece a mesma, altera-se a relação entre seus componentes: se diminui o tempo
de trabalho necessário, deve crescer, em contrapartida, o tempo de sobretrabalho.
Cada capitalista forceja por ultrapassar os concorrentes e, para tanto, busca introduzir em sua empresa aperfeiçoamentos técnicos (na
acepção mais ampla) que lhe dêem vantagem sobre os rivais. Enquanto tais aperfeiçoamentos forem exclusivos de uma empresa, suas merca-dorias
serão produzidas com um tempo de trabalho inferior ao social-mente necessário, o que lhe propiciará certa quantidade de mais-valia
extra ou superlucro. Ao se difundirem os aperfeiçoamentos a princípio introduzidos numa empresa isolada, desaparecerá a mais-valia extra,
mas terá ido adiante o processo de aumento da produtividade social do trabalho, cuja resultante é a criação de mais-valia relativa.


(O que Marx considera lucro ordinário, Marshall denomina de custo do fator capital. No sistema de Marshall, o superlucro marxiano entra
no conceito de quase-renda. Schumpeter não considera o lucro ordinário como lucro, porém como remuneração do trabalho de administração, sendo
o lucro verdadeiro equivalente apenas ao superlucro marxiano).
À medida que se implementam inovações técnicas poupadoras de mão-de-obra, tais ou quais contingentes de operários são lançados


no desemprego, em que se mantêm por certo tempo, até quando a própria acumulação do capital requeira maior quantidade de força de
trabalho e dê origem a novos empregos. Assim, a própria dinâmica do capitalismo atua no sentido de criar uma superpopulação relativa flu-tuante
ou exército industrial de reserva.
Já Ricardo concluíra, com exemplar honestidade científica, que a introdução de maquinaria conduz ao crescimento da massa de tra-balhadores


desempregados e lhes traz os sofrimentos da desocupação. Mas justificou a vantagem da maquinaria para os capitalistas, sem
que, não obstante, enxergasse significação econômica estrutural na massa de desempregados. Do ponto de vista de Marx, o exército in-dustrial
de reserva representa elemento estrutural indispensável ao


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modo de produção capitalista e daí sua incessante reconstituição me-diante introdução de inovações técnicas, o que torna essa reconstituição
independente do crescimento vegetativo da população. O exército in-dustrial de reserva funciona como regulador do nível geral de salários,
impedindo que se eleve acima do valor da força de trabalho ou, se possível e de preferência, situando-o abaixo desse valor. Outra função
do exército industrial de reserva consiste em colocar à disposição do capital a mão-de-obra suplementar de que carece nos momentos de
brusca expansão produtiva, por motivo de abertura de novos mercados, de ingresso na fase de auge do ciclo econômico etc.
Marx formulou uma lei geral absoluta da acumulação capitalista, segundo a qual se concentra, num pólo, a massa cada vez maior de
riquezas à disposição do capital, enquanto, no pólo oposto, aumenta a miséria das massas trabalhadoras. Esta lei, apresentada no Livro Pri-meiro,
tem sido objeto de variadas exegeses e acirradas discussões nos meios marxistas, ao passo que os antimarxistas encontram nela rei-terado
motivo para contestação. Certa parte dos marxistas interpretou a formulação marxiana
no sentido de inelutável pauperização absoluta ou queda secular do padrão da existência material da classe operária no regime capitalista,
inclusive sob o aspecto dos salários reais, que tenderiam a ser cada vez mais baixos, conforme sustentam, por exemplo, os autores do Ma-nual
de Economia Política da Academia de Ciências da URSS. Já Ro-nald Meek viu na referida lei um dos erros mais clamorosos de Marx,
em face das evidentes melhoras das condições de vida dos operários ingleses no decorrer do último século. Ambas as posições foram refu-tadas
por Mandel e Rosdolsky através de exaustiva análise da questão à luz dos textos marxianos em confronto com os dados do desenvolvi-mento
do capitalismo. Dessa análise ressaltam os dois pontos seguintes. Em primeiro lugar, no referente aos salários reais, a posição de
Marx evoluiu dos escritos econômicos dos anos quarenta às obras da maturidade, dos anos sessenta em diante. Nos anos quarenta, a idéia
de Marx era a de que, conquanto os aumentos salariais pudessem representar conquistas imediatas para os operários, atuava, a longo
prazo, a tendência à queda dos salários reais até o nível mínimo da subsistência física, ou seja, a tendência à pauperização absoluta. In-fluíam,
então, sobre o pensamento marxiano, sem dúvida, as evidências da Revolução Industrial recém-concluída na Inglaterra e em curso nos
demais países da Europa ocidental, quando, com efeito, os salários reais foram rebaixados. Diferente veio a ser, não obstante, a perspectiva
dos anos sessenta. Marx passou a enfatizar o fator luta de classes e demonstrou, do ponto de vista teórico e com apoio em dados estatísticos,
que a classe operária podia conquistar aumentos efetivos dos salários reais e, na verdade, os havia conquistado na Inglaterra (Ver Salário,
Preço e Lucro. Tal demonstração foi tanto mais notável quanto se opu-


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nha às duas teses sobre salários então dominantes, tanto nos círculos profissionais dos economistas quanto nos meios sindicais: a tese da lei
de "ferro" ou de "bronze", defendida por Lassalle, segundo a qual os salários deviam cair, de maneira inexorável, ao nível mínimo de sub-sistência
física dos trabalhadores; e a tese do "fundo de salários" de-fendida por John Stuart Mill, segundo a qual, em cada situação dada,
existe um fundo pré-fixado para os salários, sendo inútil tentar alterá-lo e obter maiores salários reais por meio do aumento dos salários no-minais.
A história econômica desmentiu as formulações de Lassalle e de Stuart Mill e confirmou a de Marx, que chegou a intuir a elevação
dos salários reais como tendência possível no capitalismo. De fato, nos países capitalistas desenvolvidos, a tendência secular tem sido a de
elevação dos salários reais e, sob este ponto de vista estrito, não se pode falar em pauperização absoluta da classe operária, mas só relativa.
Contudo, a elevação dos salários reais, embora tornada predominante pela luta de classes dos operários e pelo desenvolvimento das forças
produtivas, não deixa de ser muito irregular, na medida em que a dinâmica dos salários depende do movimento da acumulação do capital
e não o contrário. Em segundo lugar, Marx entendia a questão da acentuação da
miséria dos trabalhadores numa perspectiva abrangente, que não se referia tão-somente aos operários regularmente empregados e aos seus
salários reais, porém também devia incluir o que chamou de "tormentos do trabalho", bem como as condições de existência da massa crescente
de operários desempregados, cujos tormentos decorriam, não do tra-balho na empresa capitalista, porém da falta dele. Falta temporária,
para o exército industrial de reserva, e falta permanente, para a su-perpopulação consolidada (aquela parte dos trabalhadores já sem pers-pectiva
de ocupação regular). Assim, por outro lado, seja pelo processo espontâneo de desen-volvimento
das forças produtivas, seja sobretudo por efeito da luta de classes, os trabalhadores conseguem incorporar ao seu padrão de vida
a satisfação de novas necessidades. Já no seu tempo, Marx observava que a compra de um jornal diário fazia parte do valor da força de
trabalho do operário inglês. O mesmo cabe ser dito, hoje, com relação ao aparelho de televisão, no caso do operário brasileiro. Por isso mesmo,
podem vir a elevar-se os salários reais — medidos em termos de ca-pacidade aquisitiva de valores de uso — e o padrão de vida dos ope-rários,
sem que daí resulte necessariamente o aumento do salário em termos de valor (medido em horas de trabalho necessárias à sua re-produção).
Como é evidente, se a elevação da produtividade social do trabalho tiver provocado a queda do valor dos bens-salário em certa
proporção, torna-se possível a elevação dos salários reais sem elevação qualquer ou sem elevação igualmente proporcional do valor do próprio
salário. Mais ainda: os salários reais podem elevar-se e continuar abaixo


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do valor da força de trabalho, uma vez que este valor se tenha acrescido por motivo dos maiores gastos na formação da força de trabalho, das
exigências mais complexas do processo de produção, da criação de novas necessidades materiais e culturais.
Em qualquer caso, todo progresso no capitalismo suscita anta-gonismos. A elevação do salário real não raro vem acompanhada de
fenômenos como o desgaste mais acentuado das energias físicas e/ ou psíquicas (constate-se, a propósito, o alto índice de doenças mentais
nos meios operários), maior insegurança de manutenção do emprego, crescimento do número de desempregados e dilatação dos períodos in-termitentes
de desocupação, o que aumenta a carga sobre os operários momentaneamente empregados. Não se pode tampouco dissociar o es-tudo
do padrão de vida geral da classe operária da situação peculiar daquelas camadas de trabalhadores mais sujeitos ao desemprego e aos
baixos salários. Ao padrão de vida dos operários alemães ou franceses, relativamente elevado, constitui elemento de contraste o mesquinho
nível de condições de existência dos trabalhadores imigrantes proce-dentes da Europa meridional, África e Oriente Médio. De igual maneira,
seria erro grosseiro abstrair, nos Estados Unidos, o alto nível de vida dos operários brancos de todos os flagelos que se abatem sobre os
operários negros e de origem latino-americana. A tais fenômenos do cotidiano dito normal, acrescentem-se as
calamidades das crises econômicas que, apesar da inventividade key-nesiana, continuam a fazer parte do ciclo capitalista.


VI. Valor e Preço — O Problema da Transformação
A explicação das oscilações momentâneas dos preços de mercado pelas variações na oferta e demanda só pode satisfazer à observação


dos fenômenos em sua superfície. Os economistas, que não se conten-tavam com a observação superficial, entenderam que devia existir um
regulador determinante, não das oscilações dos preços, mas do nível em que elas ocorrem.
Smith e Ricardo definiram aquele regulador como o valor-trabalho. Ao mesmo tempo, traduziram o valor-trabalho em termos de preço, sem
qualquer mediação. Por conseguinte, o preço natural (Smith) ou o custo de produção (Ricardo) devia ser igual ao valor-trabalho, o que criava in-solúvel
impasse, conforme já foi mencionado no início da seção IV. Marx esforçou-se no sentido de eliminar esta transição imediata
do conceito abstrato de valor à realidade empírica dos preços. E o fez descobrindo as mediações dialéticas que balizam o trajeto do valor aos
preços de mercado. A primeira mediação consiste na taxa de mais-valia, que se dis-tingue
da taxa de lucro. A taxa de mais-valia é a relação entre a mais-valia e o capital variável. A taxa de lucro é a relação entre a
mais-valia e o capital individual total (soma do capital variável com


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o capital constante). A taxa de mais-valia revela o grau de exploração da força de trabalho, ao passo que a taxa de lucro indica o grau de
valorização do capital. Os capitalistas e os economistas, seus intelec-tuais orgânicos, só se interessam pela taxa de lucro, que dá origem à
ilusão ideológica de que o sobreproduto é criado pelo capital em conjunto e não somente por sua parte variável. Ilusão que reforça o fetichismo
do capital.
Como, porém, a composição orgânica do capital difere entre os vários ramos da produção, se a taxa de mais-valia for igual para todos


eles (o que pode ser coerente, do ponto de vista teórico, e aproximado, do ponto de vista empírico), então as taxas de lucro serão desiguais
de um ramo para outro. Ora, a observação mais trivial indica que as taxas de lucro não variam em função do coeficiente de capital variável
de cada capital individual. Em períodos plurianuais, os capitais indi-viduais valorizam-se de acordo com uma taxa geral média, que não
tem relação com os diferentes quantitativos de força de trabalho em-pregados pelos capitais individuais.
A formação dessa taxa média de lucro resulta da concorrência, que força parte dos capitais a se transferir, nas circunstâncias dadas,
dos ramos com taxa de lucro cadente para os ramos com taxa de lucro ascendente. Em conseqüência, o montante de mais-valia produzido por
todos os capitais individuais se redistribui entre eles em proporção à cota-parte global de cada um e não à cota-parte da força de trabalho
empregada. Certa proporção de mais-valia se transfere dos capitais com baixa composição orgânica para os capitais com alta composição
orgânica, o que, em meio a inumeráveis e incessantes flutuações, es-tabelece a taxa geral ou taxa média de lucro. Esta, apesar de geral,
não é uniforme em cada momento dado. Ao contrário, em cada momento dado, as taxas de lucro são diferentes nos vários ramos da produção,
o que, precisamente, obriga os capitais concorrentes a se moverem de uns ramos para outros. É desse movimento que resulta a taxa média,
em períodos que só podem ser plurianuais, emergindo a taxa média da alternância entre taxas altas e baixas.
A mediação entre a taxa de mais-valia e a taxa de lucro preside a transformação do valor em preço de produção. A fórmula do valor
é: capital constante + capital variável + mais-valia. A fórmula do preço de produção é: capital constante + capital variável + lucro médio. Aos
gastos correntes de capital constante e variável, num tempo de rotação delimitado, Marx denomina de preço de custo. Somado o preço de custo
ao lucro médio, proporcional ao capital individual total investido, ob-tém-se o preço de produção.
Recorrendo a um modelo aritmético de cinco setores, Marx de-monstrou, no Livro Terceiro, como é possível a transformação do valor
em preço de produção com a simultânea satisfação de duas equações: a da igualdade entre o total dos valores e o total dos preços de produção;


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e a da igualdade entre o total da mais-valia e o total dos lucros. Trata-se do que chamaremos doravante de teorema das duas igualdades.
No modo de produção capitalista, a lei do valor manifesta-se nes-tas duas igualdades ao nível do sistema em conjunto, dado que, nas
transações singulares, já não é possível, senão por acaso, a troca de equivalentes. Uma vez que o preço de produção é inexplicável sem o
pressuposto do valor, a lei do valor domina no modo de produção ca-pitalista porém o faz sob a metamorfose que converte o valor em preço
de produção. Por conseguinte, o regulador do nível das oscilações dos preços
de mercado já não é diretamente o valor, mas sua forma transfigurada de preço de produção. Contudo, entre o preço de produção e os preços
de mercado, Marx colocou mais uma mediação categorial — a do valor de mercado. Cada mercadoria é lançada à venda com um valor indi-vidual,
a partir do qual deverá concorrer com as mercadorias congêneres do mesmo setor. Grosso modo, conforme a produtividade técnica apli-cada
à sua produção e o grau de exploração da força de trabalho, as mercadorias se distribuem em três grupos: a) o de preço de produção
igual à média socialmente necessária; b) o de preço de produção superior à média; c) o de preço de produção inferior à média. Se a demanda
das mercadorias em questão for maior do que sua oferta, os preços de mercado tenderão a oscilar no patamar do grupo cujo preço de produção
é superior à média, no qual se situará o valor de mercado, motivo por que os dois outros grupos auferirão um superlucro. Em caso contrário,
sendo a oferta superior à demanda, o valor do mercado descerá ao patamar do grupo com preço de produção inferior à média, ou seja, do
grupo com mais alto índice de produtividade, cujo lucro corresponderá à taxa média, enquanto os demais operarão abaixo dela, até mesmo
com prejuízo. Somente no caso de coincidência aproximada entre oferta e demanda é que os preços de mercado oscilarão no patamar do preço
de produção e do valor de mercado do grupo médio, o que propiciará superlucro ao grupo de preço de produção inferior, ao passo que o
grupo de preço de produção superior não conseguirá chegar à taxa média de lucro.
Percebe-se, portanto, que, ao contrário da crítica de Böhm-Bawerk e de opiniões correntes, Marx não desprezou a celebrada lei da oferta
e da demanda. Só que admitiu sua atuação apenas à superfície dos fenômenos econômicos e rejeitou a explicação psicologista dessa atua-ção,
posteriormente desenvolvida pela corrente marginalista, com a teoria subjetiva do valor. A oferta depende da aproximação dos preços
de mercado com relação ao preço de produção. Em última instância, portanto, dado certo preço de custo, depende de que o capitalista ob-tenha
a taxa média de lucro. Em caso contrário, reduzirá sua oferta ou transferirá seu capital para outro ramo. Mas a taxa média de lucro
é determinada por fatores como a taxa de exploração da força de tra-


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balho e a composição orgânica do capital, que nada têm a ver com inclinações subjetivas. Do outro lado, a demanda, por mais que a in-fluenciem
preferências individuais, está antes de tudo subordinada à prévia distribuição dos rendimentos, de acordo com a estrutura de
classes existente. De nada adianta ao operário ter as mesmas prefe-rências individuais do seu patrão. A demanda efetiva do primeiro só
terá opções dentro dos limites do salário, enquanto o segundo disporá do lucro para consumo conspícuo e investimento.
A publicação do Livro Terceiro de O Capital se deu vinte e sete anos após a do Livro Primeiro. Já então, a teoria marxiana conquistara
certa atenção nos meios acadêmicos, entre os quais se aguardava a solução, anunciada por Engels, da contradição entre valor e preço. Assim que
chegou às prateleiras das livrarias, o Livro Terceiro desencadeou uma polêmica que, embora variando de aspectos, prossegue até hoje.
Conrad Schmidt e Werner Sombart afirmaram de imediato que o valor não passava de construção lógica, uma vez que só o preço de produção
tem existência histórica concreta. Engels apressou-se a refutá-los, escre-vendo um ensaio que se integraria no Livro Terceiro com o caráter de
complemento. Se a afirmação de Engels sobre a atuação da lei do valor há vários milênios carece, como já foi dito, de fundamentação historio-gráfica,
suas indicações acerca da formação da taxa média de lucro nos primórdios do capitalismo são pertinentes e sugestivas.
Em 1896, já quando as cinzas de Engels haviam desaparecido no Mar do Norte, foi publicado o ensaio crítico de Böhm-Bawerk. Re-digido
com rigor acadêmico e assinado por um dos mestres eminentes do marginalismo, o ensaio definiu o padrão universitário de contestação
da teoria marxista do valor e, por conseguinte, de todo o sistema teórico construído em O Capital. Na argumentação de Böhm-Bawerk, como
era de esperar, o ponto principal teria de ser a contradição entre o Livro Primeiro, no qual sempre se supõe a troca de equivalentes, e o
Livro Terceiro, no qual a troca de equivalentes cede lugar à troca segundo os preços de produção. A conclusão era a de que Marx fra-cassara
na pretensão de explicar os preços a partir do pressuposto do valor-trabalho.
Em 1904, Hilferding se incumbiu de rebater a crítica. A par da argumentação circunstanciada acerca da coerência entre os três livros de
O Capital, o eixo da resposta de Hilferding consistiu na tese de que o sistema da Economia Política marxiana não podia ser reduzido a uma
teoria sobre os preços. A questão dos preços inseria-se no contexto muito mais amplo da análise das leis do movimento da sociedade burguesa.
Embora salientasse na obra de Marx uma riqueza de elementos menosprezada por Böhm-Bawerk, nem por isso Schumpeter deixaria
de declarar a teoria do valor-trabalho morta e enterrada. Aduziu, to-davia, a observação original de que o valor-trabalho se aplicaria no
caso singularíssimo da concorrência perfeita, quando o trabalho homo-


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gêneo fosse o fator de produção único. Referindo-se principalmente a Ricardo, do qual Marx apenas teria extraído as conseqüências lógicas,
Myrdal viu no conceito de valor-trabalho uma entidade metafísica, pre-judicial à própria construção teórica ricardiana. Semelhante imputação
positivista ao conceito, que o coloca no reino da metafísica, repete-se em Robinson. Haveria um conflito entre o misticismo do Livro Primeiro
e o senso comum do Livro Terceiro. Por felicidade, segundo a autora, o marxismo se salva para a ciência econômica, uma vez que nenhum
ponto substancial da argumentação de Marx dependeria da teoria do valor-trabalho. Para Morishima e Catephores, por último, o valor não
passaria de um tipo ideal, instrumento heurístico adequado à clarifi-cação do funcionamento da economia capitalista.
A polêmica sobre o problema da transformação tomou rumo pe-culiar a partir de um artigo publicado em 1907, de autoria de Ladislaus
von Bortkiewicz, economista germano-polonês de formação ricardiana. Considerando incoerente que Marx começasse com valores para chegar
aos preços de produção, argumentou ele que, já no começo, os valores precisavam ser calculados como preços de produção. Em outros termos,
era ilógico fazer entrar o insumo como valor e obter o produto, na saída, como preço de produção. O sistema de equações montado por
Von Bortkiewicz cumpriu várias exigências, porém deixou irresolvida a exigência de uma das igualdades que a transformação implica, já
que o total dos preços de produção iniciais ficou situado abaixo do total de preços de produção finais, isto é, após a transformação da
mais-valia em lucro.
A abordagem de Von Bortkiewicz só foi retomada e revivida em 1942, na Teoria do Desenvolvimento Capitalista de Sweezy, que pre-cisou,


do ponto de vista marxista, alguns aspectos do raciocínio daquele. A partir dos anos cinqüenta, novas tentativas de solução matemática
foram empreendidas por Winternitz, Seton e Morishima. Usando um processo de iterações, o último se aproximou da demonstração do teo-rema
das duas igualdades a partir de preços de produção. Ainda assim, persistiram condições restritivas.
A publicação, em 1960, do famoso trabalho de Sraffa (Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias) foi recebida favoravelmente
nos meios marxistas por trazer uma crítica original e coerente aos fundamentos da corrente marginalista ou neoclássica. Mais do que
isso, a obra de Sraffa foi saudada por Meek e Dobb como contribuição decisiva à solução do problema da transformação dos valores em preços
de produção. Para eles e vários outros marxistas, a mercadoria-padrão pareceu constituir o elo matemático de que Marx careceu a fim de
demonstrar seu teorema das duas igualdades, tendo os preços de pro-dução como pontos de partida e de chegada.


Essa avaliação tão alvissareira da obra de Sraffa não se gene-ralizou, contudo, entre os marxistas. Se, por um lado, era preciso ad-


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mitir o mérito da crítica aos postulados neoclássicos, tampouco era possível fechar os olhos à oposição entre Marx e Sraffa, uma vez que
o último colocara sua demonstração do movimento dos preços sobre a base das quantidades físicas das mercadorias (retornando ao enfoque
de Ricardo no seu Essay on Profits, de 1815, com a diferença de que substituía o trigo por uma mercadoria composta). Do ponto de vista
teórico, isso equivalia a tomar por um atalho que excluía o valor-tra-balho, a mais-valia e a composição orgânica do capital. Que excluía,
por conseguinte, o essencial da Economia Política marxiana. Seria pos-sível
salvar esta última com base no próprio Sraffa, ou seja, na sua demonstração neo-ricardiana do movimento dos preços e da distribuição


do produto social? Tentou-o Garegnani, porém é forçoso reconhecer que o fez de
maneira a retirar com uma das mãos o que concedia com a outra. O resultado foi a mutilação do sistema de Marx para que pudesse caber
no de Sraffa, convertendo este último num verdadeiro leito de Procusto. Consciente da incompatibilidade, Napoleoni optou por Sraffa e,
com um radicalismo coerente, afirmou que, depois dele, o marxismo não podia mais contar com a ciência econômica e se deveria "começar
tudo de novo". Tais as coordenadas de uma polêmica sobre a qual a literatura
internacional já é pletórica, cabendo registrar também a contribuição brasileira.
A nosso ver, a abordagem da transformação do valor em preço de produção, iniciada por Von Bortkiewicz, confundiu um problema
falso com um verdadeiro. Semelhante confusão persiste e impede que se alcance clareza acerca da questão.
O problema falso consiste em pretender demonstrar o teorema
das duas igualdades a partir de preços de produção. Mesmo que isto seja conseguido sem condições restritivas, o teorema não ficará de-monstrado


por motivo de carência lógica. Para demonstrá-lo, é preciso partir de valores, como fez Marx. Porque só assim estará provado que,
quaisquer que sejam os preços das mercadorias e a não-equivalência nas suas trocas singulares, a sociedade disporá unicamente da soma
de valores igual àquela incorporada às mercadorias (nem mais, nem menos), enquanto a classe capitalista não terá senão um lucro total
igual à mais-valia total (nem mais nem menos). O enfoque metodológico não pode ser diferente no caso, embora seja lícito substituir, se possível,
o procedimento aritmético marxiano por outro algébrico atualizado. O
próprio Marx não foi especialista em matemática, porém Morishima, autoridade no assunto, elogia suas intuições e contribuições no âmbito


da Economia matemática. Marx aprovaria certamente a elaboração matemática moderna de suas teses sob a condição, está claro, de que
não se autonomizassem os aspectos quantitativos com relação aos qua-


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litativos, o que conduziria, como se deu com a escola neoclássica, a fórmulas vazias de substância histórico-social.
O problema verdadeiro foi apontado pelo próprio Marx, que não ignorava já entrarem as mercadorias no preço de custo calculadas pelo
preço de produção e não pelo valor. Advertiu que isso poderia induzir a erro, quando se identifica o preço de custo da mercadoria com o valor
dos bens nela consumidos. Não obstante, afirmou que a questão não requeria exame pormenorizado para o estudo da transformação de va-lores
em preços de produção. Ora, se é correto que Marx não precisava gastar energias num aspecto derivado da sua questão central, daí não
se segue que tal aspecto não mereça a atenção dos economistas e se afirme não haver nenhum problema. Bem pelo contrário, é justificável
que se investigue a conversão do insumo em produto, tomados ambos como preços de produção. O que não se pode absolutamente pretender
desta maneira, conforme tem sido questão de princípio para tantos pesquisadores, é chegar a alguma fórmula de equilíbrio geral, ao menos
se nos ativermos aos pressupostos marxistas fundamentais.
Por último, uma apreciação de natureza epistemológica.
Se é inconcebível a teoria econômica do capitalismo sem a de-monstração dos fatores do movimento dos preços — o que para Marx


era evidente, tanto se esforçou a fim de eliminar o impasse em que, a este respeito, ficaram Smith e Ricardo —, daí não se segue, todavia,
que a questão especial dos preços deva ser considerada, em si mesma, a pedra de toque da veracidade dos sistemas de teoria econômica. Como
também é inconsistente pretender que a demonstração mais direta e simples seja, por um sequitur lógico, a verdadeira.
Os preços constituem evidência fenomenal de processos econômi-cos profundos e a explicação restrita dos preços, por mais sofisticada
que se apresente no tratamento matemático, na análise estatística etc., não colocará em foco as forças que lhes são subjacentes. A teoria mar-xiana
abarcou os processos profundos num amplo conjunto — o das relações de produção e das leis que lhes determinam o desenvolvimento
— e sua validade científica não deve ser julgada senão em função desse enfoque. A partir dele, a demonstração do movimento dos preços
não dispensa o desvio do valor-trabalho, da mais-valia e da composição orgânica do capital. Tal desvio não constitui um complicador desne-cessário,
conducente à invenção de entes de razão, mas é imposto à teoria pela própria realidade das sociedades em que não pode ser direta
a divisão social do trabalho entre proprietários privados dos meios de produção e de subsistência. Em tais sociedades, a divisão social do
trabalho se realiza indiretamente, por meio do desvio do valor, com base no qual se demonstra muitíssimo mais do que o movimento dos
preços. Justamente a partir do valor-trabalho é que Marx pôde elucidar a contradição fundamental do modo de produção capitalista como sendo
a contradição entre a forma privada de apropriação e o caráter social


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do processo de produção. E ainda a criação da mais-valia como impulso motor do modo de produção capitalista; a luta de classes entre a bur-guesia
e o proletariado como inerente à formação social capitalista; a dinâmica entre acumulação de capital e exército industrial de reserva;
as contradições da reprodução do capital social total e a necessidade de sua trajetória cíclica; o impulso do capital ao desenvolvimento má-ximo
das forças produtivas e o limite cada vez mais estreito que o próprio capital impõe a esse desenvolvimento; a lei da queda tendencial
da taxa de lucro enquanto expressão concentrada das contradições do capitalismo. Com inteira razão, enfatizou Bob Rowthorn que a proble-mática
da Economia Política marxista se diferencia profundamente da neo-ricardiana, sendo perda de tempo enfocar a problemática marxista
pela via do sistema de Sraffa. Em seguida a Marx, cabe admitir que a questão dos preços re-cebeu
escasso tratamento por parte dos economistas marxistas, ficando o tema entregue à corrente neoclássica. A este respeito, uma exceção
foi a de Rubin, que conseguiu demonstrar como a explicação margina-lista da dinâmica dos preços, feita por Marshall, podia ser substituída
por uma explicação baseada no valor-trabalho. A demonstração do eco-nomista russo veio confirmar que a teoria especial dos preços dispunha
de condições para ser desenvolvida com suficiente coerência nos quadros sistemáticos da Economia Política marxista. Inclusive com o aprovei-tamento
da contribuição de outras correntes do pensamento econômico, a exemplo, nos anos recentes, da contribuição neo-ricardiana.


VII. Tendências do Desenvolvimento do Modo de Produção Capitalista
O sistema teórico marxiano distingue-se pela exposição das ten-dências dinâmicas inerentes ao modo de produção capitalista, as quais,
se lhe impulsionam o crescimento, ao mesmo tempo desenvolvem suas contradições internas e o conduzem à decadência e à substituição por
um novo modo de produção. O modo de produção capitalista não é visto, por conseguinte,
como encarnação da racionalidade supra-histórica, nem suas leis es-pecíficas assumem o caráter de leis naturais, cuja suposta imanência
à natureza humana imporia a adequação eterna das instituições sociais às exigências de sua livre atuação. A concepção dialética marxista opôs-se
à tradição jusnaturalista da ideologia burguesa, que impregnou os clássicos da Economia Política. Por isso mesmo, o modo de produção
capitalista não é visto como aberração, nem tampouco o foram, antes dele, os modos de produção asiático, escravista e feudal. Todos repre-sentam
grandes etapas do desenvolvimento histórico, cujo princípio explicativo reside na correspondência entre as relações de produção e
o caráter das forças produtivas. A cessação de tal correspondência torna os homens conscientes, cedo ou tarde, da necessidade de substituir o


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modo de produção decadente por um novo modo de produção, ou seja, no essencial, da necessidade de favorecer a implantação e expansão
de novas relações de produção adequadas ao desenvolvimento desobs-truído das forças produtivas. O modo de produção capitalista, em vir-tude
das contradições do seu próprio movimento, teria de ceder lugar ao modo de produção comunista. Se foi enfático no concernente a esta
conclusão, Marx não deixou senão escassas e sucintas idéias acerca das características do comunismo. Rejeitou as idealizações utópicas e
ateve-se àquelas inferências possíveis a partir do próprio capitalismo. Marx se pretendia cientista e não profeta.
Os temas a seguir abordados foram escolhidos pela relevância que assumem na concepção marxiana sobre a dinâmica do modo de
produção capitalista.
O capital social total e as contradições de sua reprodução


No Livro Segundo — conforme já observado, aquele mais dedicado à macroeconomia —, Marx buscou esclarecer como era possível efeti-var-


se a reprodução do capital social total, uma vez que este se cons-tituía de numerosos capitais individuais concorrentes, cuja atuação,
pela própria natureza do capitalismo, pressupunha a ausência de su-bordinação a uma planificação centralizada.
Todo modo de produção deve ser também um modo de reprodução. Por força, no fundamental, dos mecanismos econômicos e também pelo
suporte que o modo de produção recebe das instituições político-jurídicas consolidadas, da ideologia dominante, dos costumes da vida cotidiana
etc., cada circuito da produção é sucedido por novo circuito, numa rei-teração incessante. De outra maneira, seria inevitável a cessação da
existência da própria sociedade. Se a evidência empírica comprova que a reprodução também ocorre na formação social capitalista, a questão
a elucidar consiste na demonstração de como isto é possível num regime em que a produção socializada se realiza entre as paredes de empresas
de propriedade privada. O feito de Marx, no Livro Segundo, encontrou precedente e fonte
de inspiração no Tableau Économique de Quesnay. Marx o tinha em alta conta e realçou sua grande significação científica. Não obstante, entre o
Tableau e os esquemas da reprodução do Livro Segundo medeia uma distância enorme, de cujos marcos basilares basta assinalar o primeiro:
a teoria do valor-trabalho, ausente na concepção do precursor francês. Os esquemas da reprodução formulam-se em termos de valor,
discriminando-se o produto social anual em três partes: capital cons-tante, capital variável e mais-valia. Ao mesmo tempo, o produto social
tem a composição bissegmentada por uma grande linha divisória de-terminada, não pelo valor, mas pelo valor de uso. Em conseqüência,
o produto social procede de dois departamentos: o Departamento I — produtor de bens de produção; e o Departamento II — produtor de


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bens de consumo (de capitalistas e operários, únicas classes inclusas no modelo). Por conseguinte, a fim de que decorra sem tropeços, a
reprodução anual do capital social total depende de que o produto social possua uma composição quantitativa proporcional em termos de
valor e, ao mesmo tempo, uma composição qualitativa proporcional em termos de valor de uso. O intercâmbio mercantil se efetiva dentro de
cada Departamento e entre ambos.
Marx elaborou dois modelos matemáticos de esquemas, que sa-tisfazem todos os requisitos da proporcionalidade. O primeiro esquema


é o da reprodução simples, no qual se supõe que os capitalistas gastam toda mais-valia no consumo pessoal, de tal maneira que o produto
social se repete em dimensões iguais às anteriores. No funcionamento do capitalismo, a reprodução simples não constitui senão momento
abstrato da reprodução ampliada. Já nesta, uma parte da mais-valia, em vez de absorvida pelo consumo pessoal, é produtivamente investida,
daí decorrendo a reprodução do produto social em dimensões incre-mentadas. Dados os imperativos da acumulação do capital, a reprodução
ampliada é uma exigência do modo de produção capitalista e sua não-efetivação significa indício de crise.
Os modelos matemáticos marxianos da reprodução do capital so-cial total não são fórmulas dinâmicas, mas a fixação abstrata de um
instantâneo, algo assim como um flash fotográfico que capta condições fugazes da reprodução em estado de completo equilíbrio. Desses modelos
não se podem inferir senão os requisitos essenciais à reprodução equi-librada do capital social total. A inferência acerca da continuidade de
tais requisitos se contrapõe à argumentação do Livro Segundo.
No processo de circulação, o capital atravessa as fases de capital dinheiro, capital produtivo e capital mercadoria. A fim de retornar à con-figuração


inicial de capital dinheiro, é necessária a realização do capital mercadoria, o que significa, em termos correntes, precisamente a venda
das mercadorias produzidas. Já aí aparecem tropeços reincidentes, uma vez que os atos de compra e venda, intermediados pelo dinheiro, não se
efetuam na velocidade ideal ou simplesmente deixam de se efetuar. Na realidade capitalista, a oferta nem sempre cria a procura correspondente.
A esta altura, cumpre acentuar ter sido, muito antes de Keynes, a chamada "lei dos mercados" de Say submetida à crítica radical de Marx, que, ao
mesmo tempo, rejeitou a teoria subconsumista de Sismondi, apesar de apreciar sua posição de crítico do capitalismo.
Mas os obstáculos à reprodução fluente e desimpedida procedem ainda de várias outras características da produção capitalista, cuja
finalidade vital consiste na valorização do capital. Procedem das dife-renças dos tempos de rotação entre os capitais individuais dos diversos
ramos industriais e entre o capital fixo e o capital circulante na com-posição de cada capital individual. Procedem da especialização de fun-ções
entre o capital industrial, o capital comercial e o capital bancário,


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cada qual submetido a giros próprios, em discordância maior ou menor com os demais, de tal maneira que a concordância representa mero
acaso (tema que tornará a ser abordado no Livro Terceiro). Procedem das inovações tecnológicas, que alteram os requisitos das proporções
anteriores de composição do produto social sob o aspecto do valor de uso. Procedem, enfim, da prática maior ou menor do entesouramento,
em resposta a características objetivas da reprodução ou a expectativas subjetivas dos capitalistas.
De tudo isso não se segue que a reprodução do capital social total seja impossível, mesmo nas condições de sistema fechado, que é
o pressuposto permanente da construção teórica marxiana, entrando o comércio exterior como fator contingente. Da argumentação marxiana
decorre tão-somente que a efetivação da reprodução do capital social total não se dá em estado de equilíbrio. Este estado é apenas uma
tendência atuante em meio a inumeráveis e incessantes desequilíbrios, cuja autocorreção pelo mercado não impede que prevaleça a acentuação
da desproporcionalidade e a superacumulação de capital em face da demanda solvente (o mesmo que demanda efetiva, na terminologia key-nesiana).
Situação que, no ápice, desemboca e se resolve na crise cíclica.
Os esquemas marxianos da reprodução do capital social total ensejaram acesas polêmicas já no final do século passado. Tugan-Ba-ranovski,


destacadamente, extraiu deles a conclusão de que o capita-lismo poderia desenvolver-se a perder de vista, a salvo de crises eco-nômicas,
se fossem cumpridos os requisitos da proporcionalidade da reprodução. Tais requisitos, por sua vez, dispensariam a exigência de
ampliação do consumo pessoal, sendo possível imaginar o capitalismo funcionando com o proletariado constituído por um único indivíduo.
Embora recusasse a loucura metódica de Tugan-Baranovski, admitiu Hilferding estar implícita nos esquemas marxianos uma concepção har-monicista
e afirmou que, com base neles, seria impossível provar a derrocada inelutável do capitalismo.
Os esquemas marxianos constituíram, no entanto, um dos argu-mentos centrais apresentados por Lênin em sua polêmica com os po-pulistas
russos. Em obras como Sobre a Questão Chamada dos Mer-cados e O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, os esquemas
marxianos da reprodução social foram utilizados a fim de rebater a tese populista acerca de impossibilidade da formação do mercado in-terno
capitalista nas condições russas. Conquanto recorresse às análises de Tugan-Baranovski, então um dos chamados "marxistas legais", Lê-nin
rejeitou a interpretação harmonicista corrente entre estes últimos.
Motivada, precisamente, pela necessidade de uma réplica à in-terpretação harmonicista, Rosa Luxemburgo criticou os esquemas mar-xianos


e desviou a explicação da contradição fundamental do capita-lismo para a questão da suposta realização inviável em face da insu-ficiência
dos mercados num sistema capitalista fechado. Inaugurava-se


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em grande estilo, no âmbito do marxismo, o enfoque subconsumista. Tanto Luxemburgo como Hilferding, embora situados em posições po-líticas
muito diferentes no âmbito da social-democracia, não perceberam o caráter estático dos modelos marxianos da reprodução social e con-sideraram
impossível evitar a interpretação harmonicista com referên-cia a eles.
Quando, na década dos vinte do século atual, os economistas soviéticos começaram a enfrentar os problemas da planificação centra-lizada,
a teoria marxista da reprodução do capital social total colocou-se no foco das atenções e diretamente nela se inspirou a metodologia dos
balanços. Foi sob a motivação do estudo desses problemas macroeco-nômicos que Leontief, então ainda na União Soviética, iniciou as pes-quisas
que, nos Estados Unidos, culminaram na elaboração das ma-trizes de insumo-produto.
Ainda na década dos vinte, a teoria marxista da reprodução social forneceu ao economista soviético G. Feldman o instrumental conceitual
para o primeiro modelo matemático do desenvolvimento dinâmico da reprodução macroeconômica, nas condições do socialismo. Feldman an-tecipou-
se, portanto, às fórmulas macrodinâmicas de Harrod e Domar, inspiradas na macroestática de Keynes. Os keynesianos de esquerda,
como Robinson, apreciaram o mérito dos esquemas da reprodução do Livro Segundo e encontraram neles uma das razões para sua aproxi-mação
ao marxismo.
Os ciclos econômicos


Schumpeter, um dos principais estudiosos modernos do tema, afirmou que Marx foi pioneiro na apresentação de uma teoria consis-tente


dos ciclos econômicos (e não só das crises), embora o fizesse sem concatenação sistemática. Decerto, partindo do mundo acadêmico oci-dental,
seria difícil elogio mais eminente à realização de Marx. É fato que não encontramos, em O Capital, uma exposição sis-temática
sobre os ciclos econômicos. As referências são fragmentárias e se acham dispersas nos três Livros e ainda em outras obras como
Teorias da Mais-Valia. O estudo da teoria marxiana dos ciclos só é possível com a reunião de todas essas referências, levando-se em conta
o contexto em que cada uma está inserida. Justamente a falta ou a dificuldade de semelhante enfoque abrangente tem acentuado as dife-renças
de exegese e as posições polêmicas. Ao estudar, no Livro Segundo, a reprodução do capital social
total, assinalou Marx, em diversas passagens, a natureza cíclica dessa reprodução. Ultrapassada a fase de crise, cada ciclo se renova através
de fases sucessivas de depressão, reanimação e auge, que desemboca na crise seguinte, a partir da qual se origina novo ciclo. Esta natureza
cíclica do movimento da reprodução tem a causa fundamental no im-pulso inelutável do capital à sua valorização (de outra maneira, não


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seria capital), o que o leva a chocar-se numa frente geral, periodica-mente, com as barreiras que a própria valorização cria para o desen-volvimento
das forças produtivas. Tais barreiras inexistiriam se o ca-pital não precisasse valorizar-se e conduzir a acumulação ilimitada a
colidir com a forma capitalista de sua concretização.
Quatro aspectos primordiais do movimento cíclico foram aborda-dos por Marx.


O primeiro consistiu na definição das barreiras principais que o próprio capital ergue à sua expansão. Duas são estas barreiras prin-cipais:
a) a desproporcionalidade do crescimento dos vários ramos da produção, em particular a desproporcionalidade entre os Departamen-tos
I (produtor de bens de produção) e II (produtor de bens de consumo); b) a exploração dos trabalhadores que rebaixa o nível de consumo das
massas ou impede sua elevação nas proporções de uma demanda sol-vente compatível com a ampliação da oferta. Ambas as barreiras não
constituem contingências elimináveis, porém surgem inexoravelmente da contradição entre o impulso à acumulação do capital e o envoltório
cada vez mais estreito das relações de produção capitalistas.
O segundo aspecto refere-se ao descolamento e à autonomização da esfera bancária com relação à esfera produtiva de atuação do capital.


A possibilidade de o capital bancário criar moeda escritural dá ensejo à expansão do crédito em ritmo mais veloz do que o da produção real.
Daí se exacerbarem as tendências especulativas que, por fim, já nada têm a ver com as condições viáveis de realização das mercadorias pro-duzidas
e, portanto, de sua conversão em capital dinheiro.
O terceiro aspecto foi o da caracterização da base técnico-material para o movimento cíclico. Segundo Marx, essa base se encontraria na


periodicidade da renovação do capital fixo, por exigência do desgaste físico e da obsolescência tecnológica. No século XIX, tal periodicidade
era aproximadamente decenal, ou seja, a renovação em grande escala do capital fixo fornecia, a cada dez anos, o ponto de partida de um
novo ciclo. Embora Marx não houvesse apresentado uma demonstração técnica-empírica da sua tese, é inegável que nela expôs uma idéia
depois detalhada e aprofundada nos estudos da função do investimento nos ciclos econômicos.
O último aspecto diz respeito às crises, tomadas como fase de desenlace do ciclo econômico.
É por demais claro e incontestável que Marx recusou a idéia de que a crise cíclica se desencadeasse por efeito da insuficiência da de-manda
solvente (ou demanda efetiva). Frisou que, justamente na fase de auge, antecedendo a crise de maneira imediata, a oferta de empregos
se amplia ao máximo e os salários sobem ao patamar mais alto possível. Por conseqüência, a crise não se segue a uma queda do consumo, porém,
muito ao contrário, à sua elevação mais acentuada nas condições es-pecíficas do capitalismo.


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O que sucede é que a elevação conjuntural dos salários — nas condições de exaustão do exército industrial de reserva — importa em
decremento da taxa de mais-valia e, por conseguinte, da taxa de lucro, o que, por sua vez, desacelera e acaba freando o processo de acumulação
do capital. Mas esta mesma elevação conjuntural dos salários resulta da prévia superacumulação de capital em que o auge do ciclo culmina
e conduz à mobilização completa ou quase completa do efetivo operário disponível. A superacumulação do capital traz consigo o agravamento
da desproporcionalidade entre os dois departamentos da produção social e a superprodução de mercadorias postas à venda, acabando por pro-vocar
insuficiência catastrófica de demanda e crise aguda de realização sobretudo de bens de produção. Tal insuficiência da demanda não cons-titui,
portanto, causa, mas conseqüência da superprodução, entendida, antes de tudo, como superprodução de capital. A expansão da produção
além das barreiras erguidas pelo próprio capital incide na esfera do crédito e termina por suscitar drástica retração das disponibilidades
líquidas, o que, por sua vez, agrava a retração dos investimentos.
A síntese acima não deve ser tomada por modelo uniforme para todas as crises cíclicas. Marx observou que o andamento de cada uma


delas apresentava peculiaridades, porém considerou que os fatores enu-merados tinham atuação generalizada.
As crises cíclicas cumprem a função precípua de recuperação pas-sageira do equilíbrio do sistema capitalista, justamente por haver sua
tendência ao desequilíbrio atingido um grau paroxístico. Mas este equi-líbrio momentâneo só se efetiva mediante tremenda devastação das
forças produtivas até então acumuladas. Devastação manifestada na depreciação das mercadorias ou simplesmente na destruição dos esto-ques
invendáveis, no surgimento de alto grau de capacidade ociosa nas empresas, na falência de muitas delas e sua absorção por outras
a preço vil, na desvalorização geral do capital e, por fim, no desemprego maciço, que inutiliza grande parte da força produtiva humana e re-constitui,
em proporções maiores, o exército industrial de reserva.
A desvalorização geral do capital, a reconstituição do exército industrial de reserva e a renovação do capital fixo permitem a elevação


da taxa de lucro deprimida pela conjuntura e seriam, por conseguinte, os fatores decisivos que impelem a economia capitalista a ultrapassar
a depressão subseqüente à crise e atravessar, mais uma vez, as fases de reanimação e auge do ciclo econômico.
Observe-se que não há em Marx qualquer referência aos chama-dos ciclos longos, cuja ocorrência foi primeiro assinalada por Kondratief
e, mais tarde, estudada por Schumpeter e Mandel. Somente os ciclos de escala decenal foram examinados na bibliografia marxiana.
A teoria marxiana sobre os ciclos econômicos foi posta em causa por uma corrente, surgida no próprio seio do marxismo no final do
século passado e celebrizada pela designação pejorativa de "revisionis-


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ta". Eduard Bernstein, seu líder, argumentou que as crises econômicas vinham se tornando cada vez mais fracas e que o capitalismo já possuía
instrumentos organizacionais (centralização bancária, cartelização, ve-locidade das comunicações) que o capacitavam a evitá-las. Contra a
argumentação de Bernstein, que propugnava a conquista do socialismo pelo caminho das reformas graduais, polemizaram Kautsky e Luxem-burgo.
Enquanto Kautsky prognosticou um futuro estado final de de-pressão crônica para o capitalismo, Luxemburgo desenvolveu a con-cepção
sobre o subconsumo estrutural inerente ao próprio sistema ca-pitalista, daí inferindo que sua existência dependia do intercâmbio
com um ambiente não-capitalista. Neste ínterim, fora do campo do marxismo, os ciclos econômicos foram estudados por Aftalion e Mitchell,
numa época, precisamente, em que o domínio da corrente neoclássica nos meios acadêmicos concedia ao tema atenção negligente, dada a
premissa do equilíbrio autocorretivo do emprego dos fatores num mer-cado concorrencial, no qual as crises apenas seriam acidentes de per-curso
devidas a erros do Estado, dos agentes econômicos etc. A Grande Depressão de 1929-1933 abalou o edifício teórico neo-clássico
e propiciou a eclosão da revolução keynesiana. A idéia (elabo-rada, de maneira independente, por Keynes e Kalecki) de que as crises
poderiam ser submetidas a certo grau de controle e atenuadas pela intervenção do Estado burguês representou inovação válida também
para a Economia Política marxista. A inovação, surgida de motivação prática, suscitou estudos objetivos dos mecanismos da economia capi-talista,
os quais produziram aquisições teóricas importantes. Não resta dúvida de que partiu de Keynes a inspiração para a reaproximação
do pensamento acadêmico à realidade concreta do capitalismo. No cam-po mesmo do marxismo, certas idéias de Keynes reforçaram o enfoque
subconsumista e confluíram para as teses sobre a tendência do capi-talismo monopolista à estagnação permanente. Tal é o caso das teses
de Kalecki, Steindl, Baran e Sweezy. Em conseqüência, obscurecia-se ou perdia-se a perspectiva do ciclo, na acepção marxiana.
Em contrapartida, não faltaram os keynesianos que, inspirados no próprio mestre, consideraram não só que as crises poderiam ser atenuadas
pelo Estado burguês, como seria possível eliminá-las de todo e manter indefinidamente o equilíbrio do pleno emprego nas condições do capita-lismo.
Embora crítico de Keynes, o marxista inglês Ronald Meek não deixou de se contagiar pelo otimismo keynesiano e, no ambiente de pros-peridade
capitalista mundial dos anos sessenta, incluiu a tese sobre a inevitabilidade das crises entre os fracassos teóricos de Marx.
A crise deflagrada em 1980 fez a economia mundial ingressar numa depressão (ou recessão) que só cede em gravidade à de 1929-1933.
Segundo o Economic Outlook da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), os 24 países associados, entre os
quais figuram os mais avançados do mundo capitalista, registraram,


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no segundo semestre de 1982, uma taxa de desemprego de 9,0% da força de trabalho total, o equivalente, em números absolutos, a 31,75
milhões de trabalhadores. Somente nos Estados Unidos, neste mesmo período, o desemprego atingia 10,0% da força de trabalho do país, com
cerca de doze milhões de operários fora do trabalho. Já a Inglaterra se destacava, entre os países europeus, precisamente pela magnitude
da desocupação: em janeiro de 1983, registrava 3,2 milhões de desem-pregados, o equivalente, em termos relativos, a 13,8% da força de tra-balho
nacional. O aumento extraordinário da capacidade ociosa do apa-relho produtivo e o desemprego maciço também se alastraram nos paí-ses
capitalistas recém-desenvolvidos, como o Brasil, e nos países sub-desenvolvidos em geral.
O otimismo keynesiano foi, portanto, dissolvido pelos fatos, em-bora não se deva subestimar, mesmo nas condições atuais, a eficácia
de alguns instrumentos anticíclicos idealizados por Keynes e sua escola. Eficácia cuja confiabilidade, seja notado, ficou diminuída nos círculos
da burguesia diante da propensão das práticas keynesianas a provocar efeitos estatizantes e inflacionários cumulativos. O que explica, decerto,
o prestígio conquistado pela escola monetarista de Friedman com sua proposta de um neoliberalismo econômico.
Seja como for, a evidência fatual do segundo pós-guerra veio con-firmar o acerto da teoria de Marx sobre os ciclos e as crises na economia
capitalista. O movimento do modo de produção capitalista continua a ser não só prosperidade, nem só depressão, mas a alternância de uma
a outra. Alternância bastante irregular na etapa do capital monopolista, porém tão inevitável quanto na etapa precedente. Em especial, com-provou-
o a situação da Inglaterra, num cabal desmentido ao prognóstico feito por Meek, em 1967.


A lei da queda tendencial da taxa de lucro
Os capítulos XIII, XIV e XV do Livro Terceiro podem ser consi-derados a súmula conclusiva de O Capital. A aplicação da lógica dia-lética


alcança ali raras culminâncias e desvela o complexo de antago-nismos que constituem a dinâmica mais profunda do modo de produção
capitalista, ao mesmo tempo impelindo-o a desenvolver as forças pro-dutivas e a engendrar, ele próprio, o limite da sua existência histórica.
A queda da taxa de lucro já fora constatada por Smith, que a inferiu da queda da taxa de juros, acerca da qual os dados estatísticos
eram, então, quase os únicos confiáveis e acessíveis. Smith explicou o fenômeno pela concorrência entre os capitais cada vez mais acumulados.
A concorrência impelia os salários para cima e induzia a baixa da taxa de lucros. Mas esta baixa não foi vista sob uma perspectiva sombria.
Na época da Revolução Industrial, difundiu-se na Inglaterra a alegação ideológica acerca da vantagem dos lucros baixos, mas abundantes e
regulares, com o que se beneficiariam os capitalistas e toda a sociedade.


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A visão de Ricardo foi bem diversa. Em primeiro lugar, baseou sua explicação sobre a queda da taxa de lucros na lei dos rendimentos
decrescentes na agricultura. Uma vez que a produção agrícola sempre atinge um ponto em que não satisfaz a demanda, a agricultura é obri-gada
a deslocar-se para terrenos cada vez menos férteis e distantes dos centros de consumo. Em conseqüência, decaem os rendimentos da
terra, aumenta a quantidade de renda diferencial apropriada pela ocio-sa classe dos landlords, enquanto sobem os preços dos gêneros alimen-tícios,
provocando, por sua vez, a elevação dos salários nominais. O resultado é que a taxa de lucro se vê cada vez mais comprimida, até
que o sistema tomba num estado estacionário. Com essa explicação, Ricardo fornecia à burguesia industrial um argumento teórico para a
luta contra as Corn Laws, que impediam a importação de trigo e o barateamento dos salários nominais. No mesmo passo, não deixava de
intuir um possível limite ao desenvolvimento do capitalismo. Quando abordou a questão, Marx se desfez do simplismo de Smith
e rejeitou a explicação ricardiana. Argumentando que esta última re-lacionava um fato social (a queda da taxa de lucro) a uma causa natural
(o limite de fertilidade das terras cultiváveis), Marx elaborou sua pró-pria teoria da renda capitalista da terra, que se opõe à lei ricardiana
dos rendimentos decrescentes. Além de afirmar a existência da renda absoluta — paga pelo arrendamento da pior terra em cultivo — e não
só da renda diferencial (a única admitida por Ricardo), Marx procurou demonstrar que, teórica e empiricamente, não era obrigatória a pas-sagem
do cultivo de terrenos mais férteis a terrenos menos férteis. Em vários casos, dava-se o contrário, o que anulava a suposta lei dos
rendimentos decrescentes. A teoria marxiana da renda da terra, no final do Livro Terceiro, constitui construção de grande complexidade
e para ela chamamos a atenção, dado não caber aqui uma digressão especial a respeito.
A explicação marxiana acerca da queda histórica da taxa de lucro representa inferência lógica da sua teoria do valor, da mais-valia e da
composição orgânica do capital. Embora a taxa de lucro seja a relação do lucro com o capital total (soma, por sua vez, do capital constante
e do capital variável), o próprio lucro só é criado pelo capital variável. Assim, com a mesma taxa de mais-valia, a redução do coeficiente do
capital variável no capital total teria forçosamente de importar numa queda da taxa de lucro. Ora, a tendência histórica do capitalismo con-siste,
precisamente, na elevação da composição orgânica, ou seja, na elevação do coeficiente do capital constante no capital global. Tal ele-vação
expressa, de uma parte, o resultado da tendência à valorização e à acumulação, imperativa para o capital; de outra parte, expressa o
crescimento da produtividade do trabalho, cujos índices principais são o aumento da massa e do valor dos meios de produção por trabalhador
ocupado e a redução do valor por unidade de produto. Ao mesmo tempo,


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o trabalho vivo por unidade de produto representa proporção cada vez menor em confronto com o trabalho morto (correspondente à transfe-rência
do valor dos meios de produção gastos na fabricação do produto).
Não havia, portanto, dificuldade lógica na explicação da queda da taxa geral de lucro. A dificuldade advinha do seu movimento muito


lento e dos seus efeitos perceptíveis tão-somente a longo prazo.
É que a mesma elevação da composição orgânica do capital, con-ducente à queda da taxa de lucro, também traz consigo efeitos contrários


a esta queda, atenuando-a ou até aumentando a taxa de lucro durante certos prazos mais ou menos prolongados. Tais efeitos decorrem do
crescimento da produtividade do trabalho e consistem: a) no barateamento dos elementos do capital constante — sejam os
do capital fixo, sejam os do capital circulante —, o que baixa a composição orgânica do capital e, por conseguinte, eleva a taxa de lucro;
b) no barateamento dos bens-salário, o que diminui o tempo de trabalho necessário e, com a mesma jornada de trabalho, aumenta o
tempo de sobretrabalho, resultando na criação de mais-valia relativa, no aumento da taxa de mais-valia e, por conseguinte, no aumento da
taxa de lucro. Oriundos da própria lei, estes efeitos dão à queda da taxa de
lucro seu caráter tendencial irregular. Mas são efeitos limitados em sua contraposição à queda da taxa de lucro. O barateamento dos ele-mentos
do capital constante, além de depender, em alguma medida, da disponibilidade de recursos naturais, conduz ao recrudescimento da
acumulação do capital, da qual, por sua vez, procede nova elevação da composição orgânica, embora cresça mais depressa a massa física de
meios de produção por operário do que o valor neles incorporado. Quanto à criação de mais-valia relativa, esta tem limite absoluto insuperável
no dia de 24 horas, ainda que o tempo de trabalho necessário se re-duzisse a zero.
Marx aduziu outros fatores que, sem serem consubstanciais à atua-ção da lei, também contribuíam para atenuar ou deter temporariamente
a queda da taxa de lucro. Um deles é o comércio exterior, que permite obter bens de produção e/ ou bens-salário mais baratos, coincidindo, por-tanto,
com os efeitos apontados acima. O outro fator é a exportação de capitais aos países atrasados, onde a taxa de lucro costuma ser mais
elevada, motivo por que os lucros dos investimentos no exterior impelem para cima a taxa de lucro no país exportador de capitais.
A esta altura, referindo-se à superacumulação de capital, Marx criou o conceito de capital excedente, ou seja, daquela porção de capital
cuja aplicação não traz nenhum acréscimo à massa de lucro produzida pelo capital já em função (o raciocínio tem feição notavelmente mar-ginalista)
e, em conseqüência, permanece ocioso ou é exportado. Ao extrair inferências teóricas de um fenômeno — a exportação de capitais
— à sua época embrionário, mas cujas proporções viriam a ser gigan-


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tescas a partir do final do século XIX, Marx fez da lei da queda ten-dencial da taxa de lucro, por antecipação, o princípio explicativo mais
profundo da etapa imperialista do capitalismo.
Por fim, embora não se relacione diretamente com as crises cí-clicas, estas produzem efeito oposto à atuação da lei. A desvalorização


periódica do capital, ocorrente em cada crise cíclica, empurra para baixo, durante certo lapso de tempo, a composição orgânica e eleva a
taxa de lucro, permitindo, conforme já visto, o decurso de novo ciclo econômico.
A lei da queda tendencial da taxa de lucro, como escreveu Marx, é uma faca de dois gumes. Manifesta o impulso do capital à expansão
sem consideração de outros limites que não o da própria valorização, com isto obrigando-o a desenvolver as forças produtivas. Embora te-nham
diminuída sua taxa, os lucros aumentam na sua massa à medida que avança a acumulação de capital, o que, por sua vez, incrementa
ainda mais esta acumulação. Mas a queda da taxa de lucro indica que a direção social da riqueza pelo capital se detém nele próprio e que o
regime capitalista de produção não constitui a forma absoluta, porém historicamente transitória, da organização produtiva.
Dada sua posição crucial no sistema teórico de O Capital, não é de surpreender que a lei da queda tendencial da taxa de lucro viria
a figurar entre as questões mais controversas. Em oposição à corrente revisionista, partidária da evolução gradual do capitalismo, surgiu, no
campo marxista, um grupo de autores que interpretou o texto de Marx no sentido da afirmação da derrocada do capitalismo por força de me-canismos
puramente econômicos. Entre tais mecanismos, a queda da taxa de lucro devia ganhar especial relevo. Nos debates sobre a der-rocada
do capitalismo, Henryk Grossmann expôs um modelo matemá-tico segundo o qual, após 35 ciclos, a taxa de lucro chegaria ao ponto
em que a acumulação se tornaria insustentável, impedindo o prolon-gamento da existência do capitalismo.
O próprio Marx imaginou, nos Grundrisse, que o capitalismo alcan-çaria uma composição orgânica do capital tão elevada quando o trabalho
vivo adicionado, por suas proporções insignificantes, tornaria inviável a aplicação da medida do valor. Tratava-se aí, não obstante, de extrapolação
especulativa e, em O Capital, a lei da queda tendencial da taxa de lucro atua como contradição do desenvolvimento do capitalismo e não como
mecanismo automático de sua derrocada. Na concepção marxiana, o sur-gimento do socialismo exige a ação política revolucionária dos operários,
cujo êxito, isto sim, será sempre condicionado pelo desenvolvimento dos fatores econômicos e pelo aguçamento das contradições do sistema capi-talista,
em todas as instâncias da vida social.
Se alguns marxistas identificaram na lei da queda tendencial da taxa de lucro o mecanismo automático da derrocada do capitalismo,


outros puseram-na em dúvida ou a rejeitaram de todo. Steindl cercou-a


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de restrições que a tornam inoperante e, portanto, negligenciável. Já Sweezy e Baran afirmaram que a lei teria sua razão de ser na etapa
concorrencial do capitalismo, porém deixaria de atuar na etapa mono-polista, uma vez que nesta prevaleceria a tendência à elevação da taxa
de lucro. Tal afirmação parecia tanto mais persuasiva quanto, entre os anos vinte e cinqüenta do século atual, a implementação de um
pacote de grandes invenções técnicas e a situação defensiva da classe operária produziram, simultaneamente, o barateamento dos elementos
do capital constante e a elevação da taxa de mais-valia. Em conse-qüência, subiu, de fato, a taxa de lucro nos Estados Unidos, durante
os anos quarenta.
A contra-argumentação, segundo a qual a lei atua pelos efeitos opostos à queda da taxa de lucro que ela mesma suscita (imperialismo,


armamentismo, inflação etc.), deve ser levada em conta, uma vez que se evidencia entre tais efeitos e a atuação da lei uma conexão dialética.
Acontece que, por exigência da metodologia dialético-materialista, ne-nhuma demonstração lógica dispensa a comprovação empírica a fim
de alcançar o grau de suficiente convicção. Assim, o problema consiste na evidência empírica confirmadora de que, apesar da atuação lenta
e irregular, a lei tem conduzido a um declínio secular da taxa de lucro.
É por demais conhecido o fato de que as taxas de lucro, em países como Inglaterra, França, Alemanha e outros, foram consideravelmente


mais altas na etapa inicial do capitalismo do que na sua etapa de "maturidade". Ainda hoje, é possível observar que as taxas de lucro
são mais altas nos países atrasados do que nos países avançados, o que, precisamente, atrai a exportação de capitais dos últimos aos pri-meiros.
Ora, não é difícil verificar que, nos países atrasados, a com-posição orgânica do capital é mais baixa do que nos países avançados.
Resta, apesar disto, a tese de Sweezy e Baran acerca da cessação da lei nas condições de domínio do capital monopolista. A este respeito,
apresentamos aqui algumas evidências sumárias em sentido contrário. A primeira diz respeito à refutação de Mandel por Rowthorn. Apoiado
na série histórica da relação capital/ produto elaborada por Kuznets para o período 1880-1948, nos Estados Unidos, Rowthorn concluiu que,
ao contrário do suposto por Mandel, a composição orgânica do capital vem caindo. Sucede que, na relação capital/ produto, o termo capital é
somente capital fixo, não incluindo o capital circulante também com-ponente do capital constante. Ora, a redução do valor e mesmo da
massa do capital fixo nada nos diz acerca do valor e da massa do capital circulante (matérias-primas e matérias auxiliares) correspon-dentes
à operação desse mesmo capital fixo. A tendência tecnológica predominante atua, no entanto, no sentido da operação de quantidades
crescentes de matérias-primas por unidade de capital fixo.
De tal ponto de vista, observa-se que, na indústria de transfor-mação dos Estados Unidos, segundo dados do Joint Economic Com-


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mittee, o produto por homem-hora de trabalho considerando 1947-1949 = 100, subiu de 35,4, em 1909, para 99,8, em 1948 (último ano da
série de Kuznets). Em 1956, o produto por homem-hora já alcançava o índice de 138,5, ou seja, uma elevação de quase quatro vezes, entre
1909 e 1956. Concomitantemente, os salários nominais por unidade de produto tiveram elevação bem menor: 44,4, em 1909; 102,0, em
1948; e 112,0, em 1956. (v. The Economic Almanac — 1958, Nova York, Thomas Y. Crowell Comp., p. 191). Tais cifras demonstram o
aumento da produtividade do trabalho na indústria norte-americana e também, de maneira inequívoca, a elevação da composição orgânica
do capital. A elevação da composição orgânica se patenteia, igualmente, na
série histórica apresentada por Paul Bairoch. Em dólares de 1929, o capital por operário, na indústria de transformação dos Estados Unidos,
evoluiu da seguinte maneira: 1879 — US$ 1 764; 1889 — US$ 2 702; 1899 — US$ 3 655; 1909 — US$ 5 040; 1929 — US$ 7 530; 1948 —
US$ 6 543; 1953 — US$ 7 859. Cabe, todavia, indagar: correlaciona-se esta elevação da compo-sição
do capital com a queda da taxa de lucro? A tal indagação respondem os resultados da pesquisa de C. Goux,
precisamente abrangente do período mais recente e concernente às sociedades anônimas financeiras e não-financeiras dos Estados Unidos
(o que permite levar em conta o total da mais-valia sob as modalidades de lucro industrial, lucro comercial e juros). Confirmando a lei tenden-cial
descoberta por Marx, a referida pesquisa constatou a seguinte evolução da taxa de lucro: 1946 — 11,6%; 1950 — 12,9%; 1960 —
8,3%; 1970 — 6,3%; 1976 — 6,6%.
Concorrência e monopólio


A idéia de um capital único é uma contradição em termos, uma negação lógico-formal do conceito de capital. Por conseguinte, uma uto-pia.


O capital existe somente enquanto multiplicidade de capitais in-dividuais concorrentes.
Segue-se daí a essencialidade da concorrência para o modo de produção capitalista. Embora, conforme já vimos, os capitais individuais
devam atuar com a natureza de capital social total no processo de circulação e reprodução, esses mesmos capitais individuais só circulam
e se reproduzem em incessante concorrência recíproca. Sem considerar tal concorrência, a dinâmica do capitalismo e suas leis se tornariam
incompreensíveis. Não obstante, a concorrência não constituiu objeto de uma teoria
especial na obra de Marx, mas foi analisada em conexão com a explicação dos processos gerais do sistema capitalista. Apesar disso, as numerosas
referências a respeito deixaram esclarecido o que Marx entendia por con-corrência, na época anterior ao domínio do capital monopolista.


OS ECONOMISTAS


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63#
A concepção marxiana nada tem de assemelhado com a concor-rência "pura" ou "perfeita", postulado da escola neoclássica submetido
à crítica de Sraffa, Robinson e Chamberlin. Na concepção marxiana, a condição suficiente da concorrência consiste na generalidade de plan-tas
de dimensões acessíveis a numerosos capitais nos vários ramos da produção, de maneira a possibilitar sua mobilidade entre esses ramos.
Implícita a esta condição, figura a tecnologia básica também difundida e acessível. Em semelhante situação, o tamanho da planta não constitui
uma "barreira à entrada" que impeça a concorrência. Os monopólios eram casos de exceção, devendo-se, àquela época, quase sempre a cir-cunstâncias
naturais ou institucionais.
Ao mesmo tempo, Marx entendia a concorrência capitalista como luta de vida e morte, que elimina os mais fracos e conduz ao estrei-tamento


do círculo de capitais individuais em operação. Observou, por isso, que, no caso de domínio de certo setor por empresas de grandes
dimensões, não restava aos capitais incapazes de se alçar àquelas di-mensões senão servir às empresas já operantes através do sistema de
crédito, sob a forma de depósitos, ou através da participação acionária nas sociedades anônimas.
Numa época em que os fundadores do marginalismo trabalhavam com a idéia da manutenção inalterável da concorrência pura, Marx
previu, com inteira clareza, a tendência da transição inevitável da concorrência ao monopólio. Tendência que deduziu do curso da acu-mulação
capitalista por meio de dois processos principais: o da con-centração e o da centralização dos capitais. No primeiro processo, certos
capitais individuais se incrementam mais depressa pelo ganho de su-perlucros e pela reprodução ampliada em condições mais favoráveis.
No segundo processo, as empresas melhor sucedidas na competição absorvem suas concorrentes, o que ocorre com maior frequência nas
fases de crise e depressão do ciclo econômico. Ademais, o processo de centralização encontra nas sociedades anônimas formidável mecanismo
propulsor, que potencia capitais dispersos e faz avançar a socialização das forças produtivas ainda dentro do envoltório capitalista.
A própria dinâmica da concorrência capitalista conduz ao monopólio, sob cujo domínio o capitalismo se tornaria um entrave cada vez menos
tolerável ao desenvolvimento das forças produtivas. Por conseguinte, já em O Capital se expõe o fundamento teórico para o enfoque da etapa
monopolista do capitalismo, que iria adquirir configuração concreta no final do século XIX. Além de Hobson, fora do campo do marxismo, Hil-ferding,
Luxemburgo, Bukharin e Lênin inauguraram o estudo da etapa monopolista nas suas obras, que lançaram as bases da teoria do impe-rialismo.
A concorrência capitalista não desapareceu, em absoluto, sob o imperialismo, mas passou a se travar através de processos peculiares, às
vezes ainda mais violentos, no terreno dos oligopólios.
Com a teoria do imperialismo, desenvolveu-se, no âmbito do mar-


MARX


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xismo, o estudo do capitalismo enquanto sistema mundial que inclui a exploração colonialista, tema apreciado pelo próprio Marx somente
em passagens dispersas. Uma vez que a acelerada internacionalização das forças produtivas e a proliferação das firmas multinacionais, no
segundo pós-guerra, reforçaram as características que fazem do capi-talismo um sistema mundial, o estudo do tema incluiu-se entre as
propriedades dos pesquisadores marxistas. Marx escreveu O Capital na Inglaterra e tomando este país como
campo preferencial de observação empírica. Mas a estrutura lógica, que deu à obra, tornou-a instrumento teórico válido para o estudo do
capitalismo em quaisquer países e circunstâncias concretas, sob a con-dição de não se perder de vista a relação entre os procedimentos lógico
e histórico de abordagem científica, imposta pela metodologia dialético-materialista. Se o modo de produção capitalista possui as mesmas ca-tegorias
e leis em toda parte, o curso do desenvolvimento capitalista não pode deixar de se diferenciar conforme a acumulação originária
do capital se tenha efetivado a partir do feudalismo, como na Europa, ou a partir do escravismo colonial, como no Brasil.


Jacob Gorender
Jacob Gorender (Salvador, BA, 1923) é um estudioso do marxismo,
principalmente em seus aspectos de filosofia e teoria econômica. Histo-riador
da economia brasileira, é au-tor dos livros O Escravismo Colonial
(1978) e A Burguesia Brasileira (1981). Entre artigos e ensaios em
revistas e coletâneas, escreveu: O Conceito do Modo de Produção e Pes-quisa
Histórica (1980); Gênese e De-senvolvimento do Capitalismo no
Campo Brasileiro (1980); Questiona-mentos sobre a Teoria Econômica do
Escravismo Colonial (1983). Dedi-cou-se também às atividades de con-ferencista
universitário, jornalista e militante político.


OS ECONOMISTAS


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OS ECONOMISTAS


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69#
SALÁRIO, PREÇO E LUCRO 1
Tradução de Leandro Konder


1 Informe pronunciado por Marx nos dias 20 a 27 de junho de 1865 nas sessões do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores. Publicado pela primeira
vez em folheto
à parte, em Londres, 1898, com o título Value, Price and Profit. (N. do T.)
70#
OBSERVAÇÕES PRELIMINARES
Cidadãos!
Antes de entrar no assunto, permiti que faça algumas observações preliminares.
Reina atualmente no Continente uma verdadeira epidemia de greves e se levanta um clamor geral por aumentos de salários. O pro-blema
há de ser levantado no nosso Congresso. Vós, como dirigentes da Associação Internacional, deveis manter um critério firme perante
esse problema fundamental. De minha parte, julguei-me, por isso, no dever de entrar a fundo na matéria, embora com risco de submeter
vossa paciência a uma dura prova. Outra observação prévia tenho a fazer com respeito ao cidadão
Weston. Atento ao que julga ser do interesse da classe operária, ele não somente expôs perante vós, como também defendeu, publicamente,
opiniões que ele sabe serem profundamente impopulares no seio da classe operária. 2 Essa demonstração de coragem moral deve calar fundo
em todos nós. Confio em que, apesar do estilo desataviado de minha conferência, o cidadão Weston me verá afinal de acordo com a acertada
idéia que, no meu entender, serve de base às suas teses, as quais. contudo, na sua forma atual, não posso deixar de considerar teorica-mente
falsas e perigosas na prática. Com isso, passo diretamente ao mérito da questão.


I [Produção e Salários]


O argumento do cidadão Weston baseia-se, na realidade, em duas premissas:


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2 O operário inglês John Weston defendia no Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores a tese de que a elevação dos salários não pode melhorar
a situação dos
operários e que deve ser considerada prejudicial à atividade das tradeunions. (N. do T.)
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1) que o volume da produção nacional é algo de fixo, uma quan-tidade ou grandeza constante, como diriam os matemáticos;
2) que o montante dos salários reais, isto é, dos salários medidos pelo volume de mercadorias que permitem adquirir, é também uma
soma fixa, uma grandeza constante.
Pois bem, a sua primeira asserção é manifestamente falsa. Podeis ver que o valor e o volume da produção aumentam de ano para ano,


que as forças produtivas do trabalho nacional crescem e que a quan-tidade de dinheiro necessário para pôr em circulação essa crescente
produção varia sem cessar. O que é exato no fim de cada ano e para diferentes anos comparados entre si também o é com respeito a cada
dia médio do ano. O volume ou grandeza da produção nacional varia continuamente. Não é uma grandeza constante, mas variável, e assim
tem que ser, mesmo sem levar em conta as flutuações da população, devido às contínuas mudanças que se operam na acumulação de capital
e nas forças produtivas do trabalho. É inteiramente certo que, se hoje houvesse um aumento da taxa geral de salários, esse aumento por si
só, quaisquer que fossem os seus resultados ulteriores, não alteraria imediatamente o volume da produção. Em primeiro lugar, teria que
brotar do estado de coisas existente. E, se a produção nacional, antes da elevação dos salários, era variável, e não fixa, ela continuaria a
sê-lo, também, depois da alta.
Admitamos, porém, que o volume da produção nacional fosse cons-tante em vez de variável. Ainda nesse caso, aquilo que o nosso amigo


Weston considera uma conclusão lógica permaneceria como uma afir-mação gratuita. Se tomo um determinado número, digamos 8, os limites
absolutos desse algarismo não impedem que variem os limites relativos de seus componentes. Por exemplo: se o lucro fosse igual a 6 e os
salários a 2, estes poderiam aumentar até 6 e o lucro baixar a 2, que o número resultante não deixaria por isso de ser 8. Dessa maneira, o
volume fixo da produção jamais conseguirá provar que seja fixo o mon-tante dos salários. Como, então, nosso amigo Weston demonstra essa
fixidez? Simplesmente, afirmando-a.
Mas mesmo dando como boa a sua afirmativa, ela teria efeito em dois sentidos, ao passo que ele quer fazê-la vigorar apenas em um.


Se o volume dos salários representa uma quantidade constante, não poderá aumentar, nem diminuir. Portanto, se os operários agem como
tolos ao arrancarem um aumento temporário de salários, não menos tolamente estariam agindo os capitalistas ao impor uma baixa tempo-rária
dos salários. Nosso amigo Weston não nega que, em certas cir-cunstâncias, os operários podem arrancar aumentos de salários; mas,
segundo ele, como por lei natural a soma dos salários é fixa, este aumento provocará, necessariamente, uma reação. Por outro lado, ele
sabe também que os capitalistas podem, do mesmo modo, impor uma baixa de salários, e tanto assim que o estão tentando continuamente.


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De acordo com o princípio do nível constante dos salários, neste caso deveria ter lugar uma reação, exatamente como no anterior. Por con-seguinte,
os operários agiriam com acerto reagindo contra as baixas de salários ou contra as tentativas em tal sentido. Procederiam, por-tanto,
acertadamente, ao arrancar aumentos de salários, pois toda rea-ção contra uma baixa de salários é uma ação a favor do seu aumento.
Logo, mesmo que aceitássemos o princípio do nível constante de salários, como sustenta o cidadão Weston, vemos que os operários devem, em
certas circunstâncias, unir-se e lutar pelo aumento de salários. Para negar essa conclusão ele teria que renunciar à premissa
em que se baseia. Não deveria dizer que o volume dos salários é uma grandeza constante, mas sim que, embora não possa nem deva aumen-tar,
pode e deve baixar todas as vezes que o capital sinta vontade de diminuí-lo. Se o capitalista quer vos alimentar com batatas, em vez
de carne, ou com aveia, em vez de trigo, deveis acatar a sua vontade como uma lei da economia política e vos submeter a ela. Se num país,
por exemplo, nos Estados Unidos, as taxas de salários são mais altas do que em outro, por exemplo, na Inglaterra, deveis explicar essa di-ferença
no nível dos salários como uma diferença entre a vontade do capitalista norte-americano e a do capitalista inglês; método este que,
sem dúvida, simplificaria imensamente não apenas o estudo dos fenô-menos econômicos, como também o de todos os demais fenômenos.
Ainda assim caberia perguntar: Por que a vontade do capitalista norte-americano difere da do capitalista inglês? E para responder a
essa questão, não teriam outro remédio senão ir além dos domínios da vontade. É possível que venha um padre dizer-me que Deus quer na
França uma coisa e na Inglaterra outra. E se o convido a explicar essa dualidade de vontade, ele poderá ter a imprudência de responder que
está nos desígnios de Deus ter uma vontade na França e outra na Ingla-terra. Mas nosso amigo Weston será, com certeza, a última pessoa a
converter em argumento essa negação completa de todo raciocínio. Sem sombra de dúvida, a vontade do capitalista consiste em en-cher
os bolsos, o mais que possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse
poder e o caráter desses limites.
II [Produção, Salários e Lucros]


A conferência proferida pelo cidadão Weston poderia ser conden-sada a ponto de caber numa casca de noz.
Toda a sua argumentação reduz-se ao seguinte: se a classe ope-rária obriga a classe capitalista a pagar-lhe, sob a forma de salário
em dinheiro, 5 xelins em vez de 4, o capitalista devolver-lhe-á, sob a forma de mercadorias, o valor de 4 xelins em vez do valor de 5. Então
a classe operária terá de pagar 5 xelins pelo que antes da alta de


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salários lhe custava apenas 4. E por que ocorre isso? Por que o capi-talista só entrega o valor de 4 xelins por 5? Porque o montante dos
salários é fixo. Mas por que fixo precisamente no valor de 4 xelins em mercadorias? Por que não em 3, em 2, ou outra qualquer quantia? Se
o limite do montante dos salários está fixado por uma lei econômica, independente tanto da vontade do capitalista como da do operário, a
primeira coisa que deveria ter feito o cidadão Weston era expor e de-monstrar essa lei. Deveria provar, além disso, que a soma de salários
efetivamente pagos em cada momento dado corresponde sempre, exa-tamente, à soma necessária dos salários, e nunca se desvia dela. Em
compensação, se o limite dado da soma de salários depende da simples vontade do capitalista, ou das proporções da sua avareza, trata-se de
um limite arbitrário, que nada tem em si de necessário. Tanto pode ser modificado pela vontade do capitalista, como também se pode fazê-lo
variar contra a sua vontade.
O cidadão Weston ilustrou a sua teoria dizendo-nos que se uma terrina contém determinada quantidade de sopa, destinada a deter-minado


número de pessoas, a quantidade de sopa não aumentará se se aumentar o tamanho das colheres. Seja-me permitido considerar
esse exemplo pouco substancioso. Ele me faz lembrar um pouco aquele apólogo de que se valeu Menênio Agripa. 3 Quando a plebe romana
entrou em luta contra os patrícios, o patrício Agripa disse-lhes que a pança patrícia é que alimentava os membros plebeus do organismo
político. Mas Agripa não conseguiu demonstrar como se alimentam os membros de um homem quando se enche a barriga de outro. O cidadão
Weston, por sua vez, se esquece de que a terrina da qual comem os operários contém todo o produto do trabalho nacional, e o que os impede
de tirar dela uma ração maior não é nem o tamanho reduzido da terrina nem a escassez do seu conteúdo, mas unicamente a pequena
dimensão de suas colheres.
Graças a que artifício consegue o capitalista devolver um valor de 4 xelins por aquilo que vale 5? A alta dos preços das mercadorias que


vende. Mas, então, a alta dos preços, ou falando em termos mais gerais, as variações nos preços das mercadorias, os próprios preços destas, por-ventura
dependem da simples vontade do capitalista? Ou, ao contrário, são necessárias determinadas circunstâncias para que prevaleça essa von-tade?
Se não fosse assim, as altas e baixas, as incessantes oscilações dos preços no mercado seriam um enigma indecifrável.
Se admitimos que não se operou em absoluto alteração alguma, nem nas forças produtivas do trabalho, nem no volume do capital e
do trabalho empregados, ou no valor do dinheiro em que se expressam os valores dos produtos, mas que se alteraram tão-somente as taxas


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3 Menênio Agripa, cônsul romano em 502 a. C., que, ao intervir numa revolta da plebe, fez um apelo à concórdia baseada no ardiloso apólogo de "Os Membros e o Estômago".
(N. do E.)
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de salários, de que maneira poderia essa alta de salários influir nos preços das mercadorias? Somente influindo na proporção real entre a
oferta e a procura dessas mercadorias. É inteiramente certo que a classe operária, considerada em con-junto,
gasta e será forçosamente obrigada a gastar a sua receita em artigos de primeira necessidade. Uma alta geral na taxa de salários
provocaria, portanto, um aumento da procura de artigos de primeira necessidade e, conseqüentemente, um aumento de seus preços no mer-cado.
Os capitalistas que produzem esses artigos de primeira necessi-dade compensariam o aumento de salários por meio dos preços dessas
mercadorias. Mas que sucederia com os demais capitalistas que não produzem artigos de primeira necessidade? E podeis estar certos que
o seu número não é pequeno. Se levardes em conta que duas terças partes da produção nacional são consumidas por um quinto da popu-lação
— um deputado da Câmara dos Comuns declarou, recentemente, que tais consumidores constituem apenas a sétima parte da população
—, podereis imaginar que enorme parcela da produção nacional se destina a objetos de luxo, ou a ser trocada por objetos de luxo, e que
imensa quantidade de artigos de primeira necessidade se desperdiça em criadagem, cavalos, gatos etc., esbanjamento este que, como nos
ensina a experiência, diminui cada vez mais, com a elevação dos preços dos artigos de primeira necessidade.
Pois bem, qual seria a situação desses capitalistas que não pro-duzem artigos de primeira necessidade? Não poderiam compensar a
queda na taxa de lucro, após uma alta geral de salários, elevando os preços de suas mercadorias, visto que a procura destas não teria au-mentado.
A sua renda diminuiria; e com essa renda diminuída teriam de pagar mais pela mesma quantidade de artigos de primeira neces-sidade,
que subiriam de preço. Mas a coisa não pararia aí. Diminuída a sua renda, menos teriam para gastar em artigos de luxo, com o que
também se reduziria a procura de suas respectivas mercadorias. E, como conseqüência dessa diminuição da procura, cairiam os preços das
suas mercadorias. Portanto, nestes ramos da indústria, a taxa de lucros cairia, não só em proporção simplesmente ao aumento geral da taxa
de salários, como, também, essa queda seria proporcional à ação con-junta da alta geral de salários, do aumento de preços dos artigos de
primeira necessidade e da baixa de preços dos artigos de luxo. Qual seria a conseqüência dessa diferença entre os taxas de lucro
dos capitais colocados nos diversos ramos da indústria? Ora, a mesma que se produz sempre que, seja qual for a causa, se verificam diferenças
nas taxas médias de lucro dos diversos ramos da produção. O capital e o trabalho deslocar-se-iam dos ramos menos remunerativos para os
que fossem mais; e esse processo de deslocamento iria durar até que a oferta em um ramo industrial aumentasse a ponto de se nivelar com
a maior procura e nos demais ramos industriais diminuísse proporcio-


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nalmente à menor procura. Uma vez operada essa mudança, a taxa geral de lucro voltaria a igualar-se nos diferentes ramos da indústria.
Como todo esse desarranjo obedecia originariamente a uma simples mudança na relação entre a oferta e a procura de diversas mercadorias,
cessando a causa, cessariam também os efeitos, e os preços voltariam ao seu antigo nível e ao antigo equilíbrio. A redução da taxa de lucro,
por efeito dos aumentos de salários, em vez de limitar-se a uns quantos ramos da indústria, tornar-se-ia geral. Segundo a suposição de que
partimos, nenhuma alteração ocorreria nas forças produtivas do tra-balho, nem no volume global da produção, sendo que aquele volume
dado de produção apenas teria mudado de forma. Uma maior parte do volume de produção estaria representada por artigos de primeira
necessidade, ao passo que diminuiria a parte dos artigos de luxo, ou, o que vem a ser o mesmo, diminuiria a parte destinada à troca por
artigos de luxo importados do estrangeiro e consumida dessa forma; ou, o que ainda é o mesmo, em outros termos, uma parte maior da
produção nacional seria trocada por artigos importados de primeira necessidade, em lugar de ser trocada por artigos de luxo. Isso quer
dizer que, depois de transtornar temporariamente os preços do mercado, a alta geral da taxa de salários só conduziria a uma baixa geral da
taxa de lucro, sem introduzir nenhuma alteração permanente nos pre-ços das mercadorias.
Se me disserem que, na anterior argumentação, dou por estabe-lecido que todo o aumento de salários se gasta em artigos de primeira
necessidade, replicarei que fiz a suposição mais favorável ao ponto de vista do cidadão Weston. Se o aumento dos salários fosse aplicado em
objetos que antes não entravam no consumo dos trabalhadores, seria inútil que nos detivéssemos a demonstrar que seu poder aquisitivo
havia experimentado um aumento real. Sendo, porém, mera conse-qüência da elevação de salários, esse aumento do poder aquisitivo dos
operários terá de corresponder, exatamente, à diminuição do poder aquisitivo dos capitalistas. Vale dizer, portanto, que a procura global
de mercadorias não aumentaria, e apenas mudariam os elementos in-tegrantes dessa procura. O incremento da procura de um lado seria
contrabalançado pela diminuição da procura do outro lado. Desse modo, como a procura global permaneceria invariável, não se operaria mu-dança
de cunho algum nos preços das mercadorias. Chegamos, assim, a um dilema: ou o incremento dos salários se
gasta por igual em todos os artigos de consumo, caso em que o aumento da procura por parte da classe operária tem que ser compensado pela
diminuição da procura por parte da classe capitalista, ou o incremento dos salários só se gasta em determinados artigos cujos preços no mer-cado
aumentarão temporariamente. Nesse caso, a conseqüente elevação da taxa de lucro em alguns ramos da indústria e a conseqüente baixa
da taxa de lucro em outros provocarão uma mudança na distribuição


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do capital e do trabalho, que persiste até que a oferta se tenha ajustado à maior procura em alguns ramos da indústria e à menor procura nos
outros. Na primeira hipótese não se produzirá nenhuma mudança nos preços das mercadorias. Na outra, após algumas oscilações dos preços
do mercado, os valores de troca das mercadorias baixarão ao nível anterior. Em ambos os casos, chegaremos à conclusão de que a alta
geral da taxa de salários conduzirá, afinal de contas, a nada menos que uma baixa geral da taxa de lucro.
Para espicaçar o vosso poder de imaginação, o cidadão Weston vos convidava a pensar nas dificuldades que acarretaria à Inglaterra
uma alta geral de 9 para 18 xelins nas jornadas dos trabalhadores agrícolas. Meditai, exclamou ele, no enorme acréscimo da procura de
artigos de primeira necessidade que isso implicaria e, como conseqüên-cia, na terrível ascensão dos preços a que daria lugar! Pois bem, todos
sabeis que os salários médios dos trabalhadores agrícolas da América do Norte são mais do dobro dos salários dos trabalhadores agrícolas
ingleses, apesar de os preços dos produtos da lavoura serem mais baixos nos Estados Unidos do que na Grã-Bretanha, apesar de reinarem nos
Estados Unidos as mesmas relações gerais entre o capital e o trabalho que na Inglaterra e apesar de o volume anual da produção norte ame-ricana
ser muito mais reduzido que o da inglesa. Por que, então, o nosso amigo toca com tanto vigor este sino? Simplesmente para desviar
a nossa atenção do verdadeiro problema. Um aumento repentino de 9 para 18 xelins nos salários representaria um acréscimo repentino de
100%. Ora, não estamos discutindo aqui se seria possível duplicar na Inglaterra, de súbito, a taxa dos salários. Não nos interessa em nada
a grandeza do aumento, que em cada caso concreto depende de deter-minadas circunstâncias e tem que se adaptar a elas. Apenas nos in-teressa
investigar quais os efeitos em que se traduziria uma alta geral da taxa dos salários, mesmo que não fosse além de 1%.
Pondo de lado esse aumento imaginário de 100% do amigo Wes-ton, desejo chamar vossa atenção para o aumento efetivo de salários
operado na Grã-Bretanha de 1849 a 1859.
Todos vós conheceis a Lei das Dez Horas, 4 ou, mais precisamente, das Dez Horas e Meia, promulgada em 1848. Foi uma das maiores


modificações econômicas que já presenciamos. Representou um aumen-to súbito e obrigatório de salários não em umas quantas indústrias
locais, porém nos ramos industriais mais eminentes, por meio dos quais a Inglaterra domina os mercados do mundo. Foi uma alta de salários
em circunstâncias singularmente desfavoráveis. O dr. Ure, o prof. Se-nior e todos os demais porta-vozes oficiais da burguesia no campo da
economia demonstraram, e, devo dizer, com razões muito mais sólidas


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4 A Lei das Dez Horas, que reduziu e regulamentou a duração da jornada de trabalho, representou, na época, uma vitória da classe operária inglesa. (N. do E.)
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do que as do nosso amigo Weston, que aquilo era o dobre de finados da indústria inglesa. Demonstraram que não se tratava de um simples
aumento de salários, mas de um aumento de salários provocado pela redução da quantidade de trabalho empregado e nela fundamentado.
Afirmaram que a duodécima hora que se queria arrebatar ao capitalista era justamente aquela em que este obtinha o seu lucro. Ameaçaram
com o decréscimo da acumulação, a alta dos preços, a perda dos mer-cados, a redução da produção, a conseqüente reação sobre os salários
e, enfim, a ruína. Sustentavam que a lei de Maximiliano Robespierre sobre os limites máximos 5 era uma ninharia comparada com essa outra;
e, até certo ponto, tinham razão. Mas qual foi, na realidade, o resultado? Os salários em dinheiro dos operários fabris aumentaram, apesar de
se haver reduzido a jornada de trabalho; cresceu consideravelmente o número de operários em atividade nas fábricas; baixaram constante-mente
os preços dos seus produtos; desenvolveram-se às mil maravilhas as forças produtivas do seu trabalho e se expandiram progressivamente,
em proporções nunca vistas, os mercados para os seus artigos. Em Manchester, na assembléia da Sociedade pelo Progresso da Ciência,
em 1860, eu próprio ouvi o sr. Newman confessar que ele, o dr. Ure, o prof. Senior e todos os demais representantes oficiais da ciência eco-nômica
se haviam equivocado, ao passo que o instinto do povo não falhara. Cito neste passo o sr. W. Newman 6 e não o prof. Francis
Newman, porque ele ocupa na ciência econômica um lugar proeminente, como colaborador e editor da History of Prices (História dos Preços)
da autoria do sr. Thomas Tooke, esta obra magnífica, que retrata a história dos preços desde 1793 a 1856. Se a idéia fixa de nosso amigo
Weston acerca do volume fixo dos salários, de um volume de produção fixo, de um grau fixo de produtividade do trabalho, de uma vontade
fixa e constante dos capitalistas, e tudo o mais que há de fixo e imutável em Weston, fossem exatos, o prof. Senior teria acertado em seus som-brios
presságios e Robert Owen ter-se-ia equivocado, ele que, já em 1816, pedia uma limitação geral da jornada de trabalho como primeiro
passo preparatório para a emancipação da classe operária, implantan-do-a, efetivamente, por conta e risco próprios, na sua fábrica têxtil de
New Lanark, contra o preconceito generalizado. 7 Na mesmíssima época em que entrava em vigor a Lei das Dez
Horas e se produzia o subseqüente aumento dos salários, ocorreu na


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5 A lei sobre os limites máximos, dita Lei do Máximo, foi promulgada pela Convenção Jacobina de 1793, durante a revolução burguesa da França. Fixava, rigidamente,
os limites dos
preços das mercadorias e dos salários. (N. do T.) 6 Marx se equivocou no nome do editor da obra de Thomas Tooke, que foi W. Newmarch e
não W. Newman. (N. do T.) 7 Robert Owen (1771-1858) foi um industrial britânico que se tornou "socialista utópico". Intro-duziu
em sua fábrica a jornada de dez horas de trabalho e organizou um seguro por doença, sociedades cooperativas de produtores, etc. Veja-se a obra de ENGELS. Do Socialismo
Utópico
ao Socialismo Científico. Rio de Janeiro, Editorial Vitória Ltda., 1962. p. 37. (N. do E.)
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Grã-Bretanha, por motivo que não vem ao caso relatar, uma elevação geral dos salários dos trabalhadores agrícolas.
Conquanto isso não seja indispensável ao meu objetivo imediato, desejo fazer algumas observações preliminares, para vos colocar melhor
no assunto. Se um homem percebe 2 xelins de salário por semana e seu
salário aumenta para 4 xelins, a taxa do salário aumentará 100%. Isso, expresso como aumento da taxa de salário, pareceria algo mara-vilhoso,
ainda que, na realidade, a quantia efetiva do salário, ou seja, os 4 xelins por semana, continue a ser um ínfimo, um mísero salário
de fome. Portanto, não vos deveis fascinar pelas altissonantes percen-tagens da taxa de salário. Deveis perguntar sempre: qual era a quantia
original? Outra coisa que também compreendereis é que, se há dez operários que ganham cada um 2 xelins por semana, cinco ganhando
5 xelins cada um e outros 5 que ganhem 11, eles, os 20, ganharão 100 xelins, ou 5 libras esterlinas por semana. Logo, se a soma global desses
salários semanais aumenta, digamos, de uns 20%, haverá uma melhora de 5 para 6 libras. Tomando a média, poderíamos dizer que a taxa
geral de salários aumentou de 20%, embora na realidade os salários de 10 dos operários variassem, os salários de um dos dois grupos de
5 operários só aumentassem de 5 para 6 xelins por cabeça e os do outro grupo de 5 operários se elevassem, ao todo, de 55 para 70 xelins. 8
Metade dos operários não melhoraria absolutamente nada de situação, a quarta parte deles teria uma melhoria insignificante e somente a
quarta parte restante obteria um benefício sensível. Calculando, porém, a média, a soma global dos salários desses 20 operários aumentaria
de 20% e, no que se refere ao capital global, para o qual trabalham, bem como no concernente aos preços das mercadorias que produzem,
seria exatamente o mesmo como se todos participassem por igual na elevação média dos salários. No caso dos trabalhadores agrícolas, como
os salários médios pagos nos diversos condados da Inglaterra e Escócia diferem consideravelmente, o aumento foi muito desigual.
Enfim, durante a época em que se processou aquele aumento de salários, manifestaram-se, também, influências que o contrabalançavam,
tais como os novos impostos lançados no cortejo da Guerra da Criméia, 9 a demolição extensiva das habitações dos trabalhadores agrícolas, etc.


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8 O salário de 25 + 55 xelins teria subido para 30 + 70, isto é, ao todo, de 80 para 100 ou 25%. É verdade que os salários de 2 xelins, que ficaram na mesma para
as dez pessoas
do primeiro grupo, não foram contados. Senão seria preciso, para obter um aumento médio de salários de 25%, elevar os salários do último grupo de 55 a 75 xelins,
ou fazer passar
o salário de cinco operários de 11 a 15 xelins cada um. (N. da Ed. Francesa.) 9 A Guerra da Criméia durou de 1854 a 1856 e teve a participação de tropas britânicas,
francesas, turcas e sardas contra os exércitos do czar Nicolau I. Com essa guerra a Grã-Bretanha procurou conter as arremetidas expansionistas do czar, em direção
ao estreito
do Bósforo, que eram tidas como uma ameaça ao imperialismo britânico no Mediterrâneo. (N. do E.)
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Feitas essas reservas, vou agora prosseguir, para constatar que de 1849 a 1859 a taxa média dos salários agrícolas na Grã-Bretanha
registrou um aumento de cerca de 40%. Poderia dar-vos amplos detalhes em apoio à minha afirmação, mas para o objetivo em mira creio que
bastará indicar-vos a obra de crítica, tão conscienciosa, lida em 1860 pelo finado sr. John C. Morton, na Sociedade de Artes e Ofícios de
Londres, sobre As Forças Empregadas na Agricultura. O sr. Morton expõe os dados estatísticos colhidos nas contas e outros documentos
autênticos de uns 100 agricultores, aproximadamente, em 12 condados da Escócia e 35 da Inglaterra.
Segundo o ponto de vista do nosso amigo Weston, e em harmonia com a alta simultânea operada nos salários dos operários de fábrica,
durante o período 1849/ 59, os preços dos produtos agrícolas deveriam ter registrado um aumento enorme. Mas o que aconteceu realmente?
Apesar da Guerra da Criméia e das péssimas colheitas consecutivas de 1854 a 1856, os preços médios do trigo, o produto agrícola mais
importante da Inglaterra, baixaram de cerca de 3 libras esterlinas por quarter, 10 como eram cotados de 1838 a 1848, para cerca de 2 libras
e 10 xelins por quarter, nas cotações do período de 1849 a 1859. Re-presenta isso uma baixa de mais de 16% no preço do trigo, em simul-taneidade
com um aumento médio de 40% nos salários agrícolas. Du-rante a mesma época, se compararmos o seu final com o começo, quer
dizer, o ano de 1859 com o de 1849, a cifra do pauperismo oficial desce de 934 419 a 860 470, o que supõe uma diferença de 73 949 pobres;
reconheço que é um decréscimo muito pequeno, e que se voltou a perder nos anos seguintes, mas, em todo caso, é sempre diminuição.
Pode-se objetar que, em conseqüência de anulação das leis sobre os cereais, 11 a importação de trigo estrangeiro mais que duplicou, no
período de 1849/ 59, comparada à de 1838/ 48. E que significa isso? Do ponto de vista do cidadão Weston, dever-se-ia supor que essa enorme
procura, repentina e sem cessar crescente, sobre os mercados estran-geiros tivesse feito subir a uma altura espantosa os preços dos produtos
agrícolas, posto que os efeitos de uma crescente procura são os mesmos, quer venham de fora ou de dentro do país. Mas o que ocorreu na
realidade? Afora alguns anos de colheitas decepcionantes, durante todo esse período a ruinosa baixa no preço do trigo constituiu um motivo
permanente de queixas, na França; os norte-americanos viram-se várias vezes obrigados a queimar excedentes da produção e a Rússia, se acre-ditarmos
no sr. Urquhart, atiçou a guerra civil nos Estados Unidos,


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10 Quarter, medida inglesa de capacidade que equivale a 8 bushels, ou seja, cerca de 290 litros. (N. do E.)
11 As leis sobre o comércio de cereais, ditas em inglês Corn Laws, foram abolidas pelo pri-meiro-ministro Robert Peel, em 1846. Os cereais importados do estrangeiro
passaram a
pagar uma taxa aduaneira reduzida, em 1849, apenas 1 xelim por quarter. A revogação das Corn Laws abriu, de fato, as alfândegas inglesas aos cereais importados.
(N. do E.)
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porque a concorrência ianque nos mercados da Europa paralisava a sua exportação de produtos agrícolas.
Reduzido à sua forma abstrata, o argumento do cidadão Weston traduzir-se-ia no seguinte: todo aumento da procura se opera sempre
à base de um dado volume de produção. Portanto, não pode fazer au-mentar nunca a oferta dos artigos procurados, mas unicamente fazer
subir o seu preço em dinheiro. Ora, a mais comum observação demonstra que, em alguns casos, o aumento da procura deixa inalterados os preços
das mercadorias e provoca, em outros casos, uma alta passageira dos preços do mercado, à qual se seque um aumento da oferta, por sua
vez seguido pela queda dos preços até o nível anterior e, em muitos casos, abaixo dele. Que o aumento da procura obedeça à alta dos sa-lários,
ou a outra causa qualquer, isso em nada modifica os dados do problema. Do ponto de vista do cidadão Weston, tão difícil é explicar
o fenômeno geral como o que se revela sob as circunstâncias excepcio-nais de um aumento de salários. Portanto, a sua argumentação não
tem nenhum valor para o assunto de que tratamos. Apenas exprimiu a sua perplexidade entre as leis em virtude das quais um acréscimo
da procura engendra um acréscimo da oferta, em vez de um aumento definitivo dos preços no mercado.


III [Salários e Dinheiro]
No segundo dia de debate, nosso amigo Weston vestiu as suas velhas afirmativas com novas formas. Disse ele: Ao verificar-se uma
alta geral dos salários em dinheiro, será necessária maior quantidade de moeda corrente para pagar os ditos salários. Sendo fixa a quantidade
de moeda em circulação, como podeis pagar, com essa soma fixa de moeda circulante, um montante maior de salários em dinheiro? Pri-meiro,
a dificuldade surgia de que, embora subisse o salário em dinheiro do operário, a quantidade de mercadorias que lhe cabia era fixa; e,
agora, surge do aumento de salários em dinheiro, a despeito do volume fixo de mercadorias. Naturalmente, se rejeitardes o seu dogma original,
desaparecerão também as dificuldades dele resultantes. Vou demonstrar, contudo, que esse problema da moeda não tem
absolutamente nada a ver com o tema em questão. No vosso país, o mecanismo dos pagamentos está muito mais
aperfeiçoado do que em qualquer outro país da Europa. Graças à ex-tensão e à concentração do sistema bancário, necessita-se de muito
menos moeda para pôr em circulação a mesma quantidade de valores e realizar o mesmo, ou um maior número de negócios. No que, por
exemplo, concerne aos salários, o operário fabril inglês entrega sema-nalmente o seu salário ao vendeiro, que semanalmente o envia ao
banqueiro, o qual o devolve semanalmente ao fabricante, que volta a pagá-lo a seus operários, e assim por diante. Graças a esse processo,


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o salário anual de um operário, que se eleva, vamos supor, a 52 libras esterlinas, pode ser pago com um único "soberano", 12 que todas as semanas
percorra o mesmo ciclo. Na própria Inglaterra, esse mecanismo de paga-mento não é tão perfeito como na Escócia, nem apresenta a mesma per-feição
em todos os lugares; por isso vemos que, por exemplo, em alguns distritos agrícolas, comparados com os distritos fabris, muito mais moeda
é necessária para fazer circular um menor volume de valores. Se atravessardes a Mancha, observais que no Continente os sa-lários
em dinheiro são muito mais baixos do que na Inglaterra, e, apesar disso, na Alemanha, na Itália, na Suíça e na França, esses
salários são postos em circulação mediante uma quantidade muito maior de moeda. O mesmo "soberano" não é interceptado com tanta
rapidez pelo banqueiro, nem retorna com tanta presteza ao capitalista industrial; por isso, em vez de um "soberano" fazer circular 52 libras
anualmente, talvez sejam necessários três "soberanos" para movimen-tar um salário anual no montante de 25 libras. Desse modo, ao comparar
os países do Continente com a Inglaterra, vereis, em seguida, que salários baixos em dinheiro podem exigir, para a sua circulação, quan-tidades
muito maiores de moeda do que salários altos e que isso, na realidade, é uma questão meramente técnica e, como tal, estranha ao
nosso assunto. De acordo com os melhores cálculos que conheço, a renda anual
da classe operária deste país pode ser estimada nuns 250 milhões de libras esterlinas. Essa soma imensa se põe em circulação com uns 3
milhões de libras. Suponhamos que se verifique um aumento de salários de 50%. Em vez de 3 milhões seriam precisos 4,5 milhões de libras
em dinheiro circulante. Como uma parte considerável dos gastos diários do operário é coberta em prata e cobre, isto é, em meros signos mo-netários,
cujo valor relativo ao ouro é arbitrariamente fixado por lei, tal como o papel-moeda inconversível, resulta que essa alta de 50%
nos salários em dinheiro exigiria, em caso extremo, a circulação adi-cional, digamos, de 1 milhão de "soberanos". Lançar-se-ia em circulação
1 milhão, que está inativo, em barras de ouro ou em metal amoedado, nos subterrâneos do Banco da Inglaterra ou de bancos particulares.
Poder-se-ia inclusive poupar-se, e efetivamente poupar-se-ia, o insig-nificante gasto na cunhagem suplementar, ou o maior desgaste desse
milhão de moedas, se a necessidade de aumentar a moeda em circulação ocasionasse algum desgaste. Todos vós sabeis que a moeda deste país
se divide em dois grandes grupos. Uma parte, suprida em notas de banco de diversas categorias, é usada nas transações entre comercian-tes,
e também entre comerciantes e consumidores, para saldar os pa-gamentos mais importantes; enquanto outra parte do meio circulante,


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12 Moeda inglesa de ouro, com o valor nominal de 1 libra esterlina. (N. do E.)
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a moeda metálica, circula no comércio varejista. Conquanto distintas, essas duas classes de moeda misturam-se e combinam-se mutuamente.
Assim, as moedas de ouro circulam em boa proporção, inclusive em pagamentos importantes, para cobrir as quantias fracionárias inferiores
a 5 libras. Se amanhã se emitissem notas de 4 libras, de 3 libras ou de 2 libras, o ouro que enche esses canais de circulação seria imedia-tamente
expulso deles, refluindo para os canais em que fosse necessário a fim de atender ao aumento dos salários em dinheiro. Com esse pro-cesso
poderia ser mobilizado o milhão adicional exigido por um aumento de 50% nos salários, sem que se acrescentasse um único "soberano"
ao meio circulante. E o mesmo resultado seria obtido sem que fosse preciso emitir uma só nota de banco adicional, com o simples aumento
de circulação de letras de câmbio, conforme ocorreu no Lancashire, durante muito tempo.
Se uma elevação geral da taxa de salários, vamos dizer, de uns 100%, como supõe o cidadão Weston relativamente aos salários agrí-colas,
provocasse uma grande alta nos preços dos artigos de primeira necessidade e exigisse, segundo os seus conceitos, uma soma adicional
de meios de pagamento, que não se poderia conseguir logo, uma redução geral de salários deveria provocar o mesmo resultado em idêntica pro-porção,
se bem que em sentido contrário. Pois bem, sabeis todos que os anos de 1858 a 1860 foram os mais favoráveis para a indústria
algodoeira e que, sobretudo, o ano de 1860 ocupa a esse respeito um lugar único nos anais do comércio; foi também um ano de grande pros-peridade
para os outros ramos industriais. Em 1860, os salários dos operários do algodão e dos demais trabalhadores relacionados com essa
indústria chegaram ao seu ponto mais elevado até então. Veio, porém, a crise norte-americana e todos esses salários viram-se de pronto re-duzidos
aproximadamente à quarta parte do seu montante anterior. Em sentido inverso isso teria significado um aumento de 300%. Quando
os salários sobem de 5 para 20 xelins dizemos que sobem 300%; se baixam de 20 para 5, dizemos que caem 75%, mas a quantia do ascenso
num caso, e da baixa, no outro, é a mesma, a saber: 15 xelins. Sobreveio, assim, uma repentina mudança nas taxas dos salários como jamais se
conhecera anteriormente, e essa mudança afetou um número de ope-rários que — não incluindo apenas aqueles que trabalham diretamente
na indústria algodoeira, mas também os que indiretamente dependiam dessa indústria — excedia em cerca de metade o número de trabalha-dores
agrícolas. Acaso baixou o preço do trigo? Ao contrário, subiu de 47 xelins e 8 pence, 13 por quarter, preço médio no triênio de 1858/ 60,
para 55 xelins, e 10 pence o quarter, segundo a média anual referente ao triênio de 1861/ 63. Pelo que diz respeito aos meios de pagamento,


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13 O penny (singular de pence) corresponde a 1/ 12 do xelim. (N. do E.)
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durante o ano de 1861, cunharam-se na Casa da Moeda 8 673 232 libras contra 3 378 102 cunhadas em 1860. Vale dizer que em 1861
cunharam-se mais 5 295 130 libras que em 1860. É certo que o volume da circulação de papel-moeda, em 1861, foi inferior em 1 319 000 libras
ao de 1860. Mas, mesmo deduzindo essa soma, ainda persiste, para o ano de 1861, comparado com o ano anterior de prosperidade, 1860,
um excesso de moeda no valor de 3 976 130 libras, ou quase 4 milhões; em troca, a reserva de ouro do Banco da Inglaterra nesse
período de tempo diminuiu não exatamente na mesma proporção, mas aproximadamente.
Comparai agora o ano de 1862 com o de 1842. Sem contar o formidável aumento do valor e do volume de mercadorias em circulação,
o capital desembolsado apenas para cobrir as transações regulares, ações de empréstimo, etc., de valores das ferrovias, ascendeu, na In-glaterra
e Gales, em 1862, à soma de 320 milhões de libras esterlinas, cifra que em 1842 parecia fabulosa. E, no entanto, as somas globais
de moeda foram aproximadamente as mesmas nos anos de 1862 e 1842; e, em termos gerais, haveis de verificar, ante um aumento enorme
de valor não só das mercadorias como em geral das operações em dinheiro, uma tendência à diminuição progressiva dos meios de paga-mento.
Do ponto de vista do nosso amigo Weston, isso é um enigma indecifrável.
Se se aprofundasse um pouco mais no assunto, contudo, ele teria visto que, independentemente dos salários e supondo que estes per-maneçam
invariáveis, o valor e o volume das mercadorias postas em circulação e, em geral, o montante das transações concertadas em di-nheiro,
variam diariamente; que o montante das notas de banco emi-tidas varia diariamente; que o montante dos pagamentos efetuados
sem ajuda de dinheiro, por meio de letras de câmbio, cheques, créditos escriturais, clearing-house 14 etc., varia diariamente; que, na medida
em que se necessita efetivamente de moeda metálica, a proporção entre as moedas que circulam e as moedas e lingotes guardados de reserva,
ou entesourados nos subterrâneos bancários, varia diariamente; que a soma do ouro absorvido pela circulação nacional e a soma enviada ao
estrangeiro para fins de circulação internacional variam diariamente. Teria percebido que o seu dogma de um volume fixo dos meios de
pagamento é um erro monstruoso, incompatível com a realidade coti-diana. Ter-se-ia informado das leis que permitem aos meios de paga-mento
adaptar-se a condições que variam de maneira tão constante em lugar de converter a sua falsa concepção das leis da circulação
monetária em argumento contra o aumento dos salários.


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14 Bancos de compensação por intermédio dos quais se efetuam certos pagamentos. (N. da Ed. Francesa.)
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IV [Oferta e Procura]
Nosso amigo Weston faz seu o provérbio latino repetitio est mater studiorum, que significa: "a repetição é a mãe do estudo", razão pela
qual nos repete o seu dogma inicial sob a nova forma de que a redução dos meios de pagamento, resultante de um aumento dos salários, de-terminaria
uma diminuição do capital etc. Depois de haver tratado de sua fantasiosa teoria da moeda, considero de todo inútil deter-me a
examinar as conseqüências imaginárias que ele crê necessário deduzir de sua imaginária catástrofe dos meios de pagamento. Passo, pois,
imediatamente, a reduzir à forma teórica mais simples o seu dogma, que é sempre um e o mesmo, embora repetido sob tantas formas diversas.
Uma única observação evidenciará a ausência de sentido crítico com que ele trata o tema. Declara-se contrário ao aumento de salários,
ou aos salários altos, obtidos em conseqüência desse aumento. Pois bem, pergunto eu: o que são salários altos e o que são salários baixos?
Por que, por exemplo, 5 xelins semanais são considerados um salário baixo e 20, por semana, são reputados um salário alto? Se um salário
de 5 é baixo, em comparação com um de 20, o de 20 será todavia mais baixo, comparado com um de 200. Se alguém fizesse uma conferência
sobre o termômetro e se pusesse a declamar sobre graus altos e graus baixos, nada nos ensinaria. A primeira coisa que teria de explicar é
como se encontra o ponto de congelamento e o ponto de ebulição, e como estes dois pontos-padrão obedecem às leis naturais e não à fan-tasia
dos vendedores ou dos fabricantes de termômetros. Ora, pelo que se refere a salários e lucros, o cidadão Weston não só se esqueceu de
deduzir das leis econômicas esses pontos-padrão, mas também não sentiu sequer a necessidade de indagá-los. Contenta-se em admitir as
expressões vulgares e correntes de alto e baixo, como se estes termos tivessem significado fixo, apesar de que salta à vista que os salários
só podem ser qualificados de altos ou baixos quando comparados a alguma norma que nos permita medir a sua grandeza.
O cidadão Weston não poderá dizer-me por que se paga uma determinada soma de dinheiro por uma determinada quantidade de
trabalho. Se me contestasse que isso corre por conta da lei da oferta e da procura, eu lhe pediria, antes de mais nada, que me dissesse
qual a lei que, por sua vez, regula a da oferta e da procura. E essa réplica pô-lo-ia imediatamente fora de combate. As relações entre a
oferta e a procura de trabalho acham-se sujeitas a constantes modifi-cações e com elas flutuam os preços do trabalho no mercado. Se a
procura excede a oferta, sobem os salários; se a oferta supera a procura, os salários baixam, ainda que em certas circunstâncias possa ser ne-cessário
comprovar o verdadeiro estado da procura e da oferta por uma greve, por exemplo, ou outro procedimento qualquer. Mas, se to-


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mardes a oferta e a procura como lei reguladora dos salários, seria tão pueril quanto inútil clamar contra uma elevação de salários, visto que,
de acordo com a lei suprema que invocais, as altas periódicas dos salários são tão necessárias e tão legítimas como as suas baixas periódicas. E se
não considerais a oferta e a procura como lei reguladora dos salários, então repito minha pergunta: por que se dá uma determinada soma de
dinheiro por uma determinada quantidade de trabalho? Mas para focalizar as coisas com maior amplidão: equivocar-vos-eis
por inteiro, caso acrediteis que o valor do trabalho ou de qualquer outra mercadoria se determina, em última análise, pelo jogo da procura
e da oferta. A oferta e a procura só regulam as oscilações temporárias dos preços no mercado. Explicam por que o preço de um artigo no
mercado se eleva acima ou desce abaixo do seu valor, mas não explicam jamais esse valor em si mesmo. Vamos supor que oferta e a procura
se equilibrem ou, como dizem os economistas, se cubram mutuamente. No preciso instante em que essas duas forças contrárias se nivelam,
elas se paralisam mutuamente, deixam de atuar num ou noutro sentido. No mesmo instante em que a oferta e a procura se equilibram e deixam,
portanto, de atuar, o preço de uma mercadoria no mercado coincide com o seu valor real, com o preço normal em torno do qual oscilam
seus preços no mercado. Por conseguinte, se queremos investigar o caráter desse valor, não nos devemos preocupar com os efeitos tran-sitórios
que a oferta e a procura exercem sobre os preços do mercado. E outro tanto caberia dizer dos salários e dos preços de todas as demais
mercadorias.
V [Salários e Preços]


Reduzidos a sua expressão teórica mais simples, todos os argu-mentos de nosso amigo se traduzem num só e único dogma: "Os preços
das mercadorias são determinados ou regulados pelos salários". Ante essa heresia antiquada e desacreditada, eu poderia invocar
a observação prática. Poderia dizer-vos que os operários fabris, os mi-neiros, os construtores navais e outros trabalhadores ingleses, cujo
trabalho é relativamente bem pago, vencem a todas as demais nações pela barateza de seus produtos, enquanto, por exemplo, o trabalhador
agrícola inglês, cujo trabalho é relativamente mal pago, é batido por quase todos os demais países, em conseqüência da carestia de seus
produtos. Comparando uns artigos com outros, dentro do mesmo país, e as mercadorias de distintos países entre si, poderia demonstrar que,
se abstrairmos algumas exceções mais aparentes que reais, em termo médio o trabalho que recebe alta remuneração produz mercadorias
baratas e o trabalho que recebe baixa remuneração, mercadorias caras. Isso, naturalmente, não demonstraria que o elevado preço do trabalho
em certos casos e, em outros, o seu preço baixo, sejam as respectivas


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causas desses efeitos diametralmente opostos mas em todo caso serviria para provar que os preços das mercadorias não são governados pelos
preços do trabalho. Todavia, prescindiremos perfeitamente desse mé-todo empírico.
Poder-se-ia, talvez, negar que o cidadão Weston sustente o dogma de que "os preços das mercadorias se determinam ou regulam pelos
salários". De fato, ele jamais formulou esse dogma. Disse, ao contrário, que o lucro e a renda do solo são também partes integrantes dos preços
das mercadorias, visto que destes têm de sair não só os salários dos operários como os lucros do capitalista e as rendas do proprietário da
terra. Porém, a seu modo de ver, como se formam os preços? Formam-se, em primeiro lugar, pelos salários; em seguida, somam-se ao preço um
tanto por cento adicional em benefício do capitalista e outro tanto por cento adicional em benefício do proprietário da terra. Suponhamos que
os salários do trabalho invertido na produção de uma mercadoria as-cendem a 10. Se a taxa de lucro fosse de 100%, o capitalista acres-centaria
10 aos salários desembolsados, e, se a taxa de renda fosse também de 100% sobre os salários, ter-se-ia que ajuntar mais 10, com
o que o preço total da mercadoria viria a cifrar-se em 30. Semelhante determinação do preço, porém, estaria presidida simplesmente pelos
salários. Se estes, no nosso exemplo, subissem a 20, o preço da mer-cadoria elevar-se-ia a 60 e assim sucessivamente. Eis por que todos
os escritores antiquados de economia política que alvitravam a tese de que os salários regulam os preços intentavam prová-la apresentando
o lucro e a renda do solo como simples percentagens adicionais sobre os salários. Nenhum deles era, naturalmente, capaz de reduzir os li-mites
dessas percentagens a uma lei econômica. Pareciam, ao contrário, acreditar que os lucros se fixavam pela tradição, costume, vontade do
capitalista, ou por qualquer outro método igualmente arbitrário e inex-plicável. Quando afirmavam que os lucros se determinam pela concor-rência
entre os capitalistas, portanto, não explicavam absolutamente nada. Essa concorrência por certo nivela as diferentes taxas de lucros
das diversas indústrias, ou seja, as reduz a um nível médio, porém jamais pode determinar esse nível, ou a taxa geral de lucro.
Que queremos dizer quando afirmamos que os preços das mer-cadorias são determinados pelos salários? Como o salário não é mais
do que uma denominação do preço do trabalho, queremos dizer com isso que os preços das mercadorias regulam-se pelo preço do trabalho.
E como "preço" é valor de troca — e quando falo de valor refiro-me sempre ao valor de troca —, a saber: valor de troca expresso em dinheiro,
aquela afirmativa equivale a esta outra: "O valor dos mercadorias é determinado pelo valor do trabalho", ou, o que vem a dar no mesmo,
"O valor do trabalho é a medida geral do valor". Mas, por sua vez, como se determina o "valor do trabalho"? Aqui,
chegamos a um ponto morto. A um ponto morto, sem dúvida, se ten-


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87#
tarmos raciocinar logicamente. Porém, os proponentes dessa teoria não
têm lá grandes escrúpulos em matéria de lógica. Tomemos o nosso amigo Weston, como exemplo. Primeiro, dizia-nos que os salários re-gulavam


os preços das mercadorias e que, portanto, quando os salários
subiam, estes deviam subir também. Depois, dava meia-volta para nos demonstrar que um aumento de salários não serviria para nada, visto


que também subiriam os preços das mercadorias e os salários se me-diam,
na realidade, pelos preços das mercadorias com eles compradas. Assim, partindo da afirmativa de que o valor do trabalho determina


o valor da mercadoria, viemos parar na afirmativa de que o valor da
mercadoria determina o valor do trabalho. Nada mais fizemos do que nos mover num círculo vicioso, sem chegar a nenhuma conclusão.


No geral, é evidente que, tomando o valor de uma mercadoria,
por exemplo, o trabalho, o trigo ou outra mercadoria qualquer, como medida e regulador geral do valor, apenas desviamos a dificuldade, já


que determinamos um valor por outro, que por sua vez também ne-cessita
ser determinado. Expresso em sua forma mais abstrata, o dogma de que "os salários


determinam os preços das mercadorias" equivale a dizer que "o valor
se determina pelo valor", e essa tautologia só demonstra, na realidade, que nada sabemos a respeito do valor. Se admitíssemos semelhante


premissa, toda argumentação acerca das leis gerais da economia política
converter-se-ia em mera tagarelice. Por isso deve-se reconhecer a Ri-cardo 15 o grande mérito de haver destruído até os fundamentos, com


a sua obra sobre os Princípios da Economia Política, publicada em
1817, o velho erro, tão divulgado e gasto de que "os salários determinam os preços", falácia já rechaçada por Adam Smith 16 e seus predecessores


franceses na parte verdadeiramente científica de suas investigações,
mas que, não obstante, eles reproduziram nos seus capítulos mais su-perficiais e de vulgarização.


VI [Valor e Trabalho]


Cidadãos! Cheguei ao ponto em que devo necessariamente entrar
no verdadeiro desenvolvimento do tema. Não posso asseverar que o faça de maneira muito satisfatória, pois isso me obrigaria a percorrer


OS ECONOMISTAS


90
15 David Ricardo (1772-1823) foi um dos primeiros teóricos da Economia Política clássica. Escreveu um grande número de ensaios e deixou uma obra de larga projeção,
intitulada
Principles of Political Economy and Taxation, tida em grande apreço por Marx, que lhe salientou os aspectos idealistas. (N. do E.)
16 Adam Smith (1723-1790), grande sistematizador do pensamento econômico burguês, o pri-meiro a considerar, realmente, o trabalho fonte da riqueza. Em sua obra An
Inquiry into
the Nature and Causes of the Wealth of Nations defende, essencialmente, o princípio da organização espontânea do mundo econômico sob a ação do interesse pessoal.
(N. do E.)
88#
todo o campo da economia política. Apenas posso, como diria o francês, effleurer la question, 17 tocar os aspectos fundamentais.
A primeira pergunta que temos de fazer é esta: Que é o valor de uma mercadoria? Como se determina esse valor?
À primeira vista, parecerá que o valor de uma mercadoria é algo completamente relativo, que não se pode determinar sem pôr uma mer-cadoria
em relação com todas as outras. Com efeito, quando falamos do valor, do valor de troca de uma mercadoria, entendemos as quan-tidades
proporcionais nas quais é trocada por todas as demais merca-dorias. Isso, porém, conduz-nos a perguntar: como se regulam as pro-porções
em que umas mercadorias se trocam por outras? Sabemos por experiência que essas proporções variam ao infinito.
Tomemos uma única mercadoria, por exemplo, o trigo, e veremos que um quarter de trigo se permuta, numa série quase infinita de graus
de proporção, por diferentes mercadorias. E, sem embargo, como o seu valor é sempre o mesmo, quer se expresse em seda, em ouro, ou outra
qualquer mercadoria, esse valor tem que ser alguma coisa de distinto e independente dessas diversas proporções em que se troca por outros
artigos. Necessariamente há de ser possível exprimir, de uma forma muito diferente, essas diversas equações com várias mercadorias.
De resto, quando digo que um quarter de trigo se troca por ferro numa determinada proporção ou que o valor de um quarter de trigo
se expressa numa determinada quantidade de ferro, digo que o valor do trigo ou seu equivalente em ferro são iguais a uma terceira coisa,
que não é trigo nem ferro, pois suponho que ambos exprimem a mesma grandeza sob duas formas distintas. Portanto, cada um desses dois
objetos, tanto o trigo como o ferro, deve poder reduzir-se, independen-temente um do outro, àquela terceira coisa, que é a medida comum
de ambos. Para esclarecer esse ponto, recorrerei a um exemplo geométrico
muito simples. Quando comparamos a área de vários triângulos das mais diversas formas e grandezas, ou quando comparamos triângulos
com retângulos, ou com outra qualquer figura retilínea, qual é o pro-cesso que empregamos? Reduzimos a área de um triângulo qualquer
a uma expressão completamente distinta de sua forma visível. E como, pela natureza do triângulo, sabemos que a área dessa figura geométrica
é sempre igual à metade do produto de sua base pela sua altura, isso nos permite comparar entre si os diversos valores de toda classe de
triângulos e de todas as figuras retilíneas, já que todas elas podem reduzir-se a um certo número de triângulos.
Temos que seguir o mesmo processo para os valores das merca-dorias. Temos que poder reduzi-los todos a uma expressão comum,


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17 Em francês, no original: tocar de leve na questão. (N. do E.)
89#
distinguindo-os unicamente pela proporção em que contêm essa mesma e idêntica medida. Como os valores de troca das mercadorias não pas-sam
de funções sociais delas, e nada têm a ver com suas propriedades naturais, devemos antes de mais nada perguntar: Qual é a substância
social comum a todas as mercadorias? É o trabalho. Para produzir uma mercadoria tem-se que inverter nela, ou a ela incorporar, uma
determinada quantidade de trabalho. E não simplesmente trabalho, mas trabalho social. Aquele que produz um objeto para seu uso pessoal
e direto, para consumi-lo, cria um produto, mas não uma mercadoria. Como produtor que se mantém a si mesmo, nada tem com a sociedade.
Mas, para produzir uma mercadoria, não só se tem de criar um artigo que satisfaça a uma necessidade social qualquer, como também o tra-balho
nele incorporado deverá representar uma parte integrante da soma global de trabalho invertido pela sociedade. Tem que estar su-bordinado
à divisão de trabalho dentro da sociedade. Não é nada sem os demais setores do trabalho, e, por sua vez, é chamado a integrá-los.
Quando consideramos as mercadorias como valores, vemo-las somente sob o aspecto de trabalho social realizado, plasmado ou, se assim qui-serdes,
cristalizado. Consideradas desse modo, só podem distinguir-se umas das outras enquanto representem quantidades maiores ou me-nores
de trabalho; assim, por exemplo, num lenço de seda pode encer-rar-se uma quantidade maior de trabalho do que em um tijolo. Mas
como se medem as quantidades de trabalho? Pelo tempo que dura o trabalho, medindo este em horas, em dias etc. Naturalmente, para
aplicar essa medida, todas as espécies de trabalho se reduzem a tra-balho médio, ou simples, como a sua unidade.
Chegamos, portanto, a esta conclusão. Uma mercadoria tem um valor por ser uma cristalização de um trabalho social. A grandeza de
seu valor, ou seu valor relativo, depende da maior ou menor quantidade dessa substância social que ela encerra, quer dizer, da quantidade
relativa de trabalho necessário à sua produção. Portanto, os valores relativos dos mercadorias se determinam pelas correspondentes quan-tidades
ou somas de trabalho invertidas, realizadas, plasmadas nelas. As quantidades correspondentes de mercadorias que foram produzidas
no mesmo tempo de trabalho são iguais. Ou, dito de outro modo, o valor de uma mercadoria está para o valor de outra, assim como a
quantidade de trabalho plasmada numa está para a quantidade de trabalho plasmada na outra.
Suspeito que muitos de vós perguntareis: existe então uma di-ferença tão grande, supondo que exista alguma, entre a determinação
dos valores das mercadorias na base dos salários e sua determinação pelas quantidades relativas de trabalho necessárias à sua produção?
Não deveis perder de vista que a retribuição do trabalho e a quantidade de trabalho são coisas perfeitamente distintas. Suponhamos, por exem-plo,
que num quarter de trigo e numa onça de ouro se plasmam quan-


OS ECONOMISTAS


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90#
tidades iguais de trabalho. Valho-me desse exemplo porque já foi em-pregado por Benjamin Franklin 18 no seu primeiro ensaio, publicado
em 1729, sob o título de Uma Modesta Investigação Sobre a Natureza e a Necessidade do Papel-Moeda, que é um dos primeiros livros em
que se reconhece a verdadeira natureza do valor. Pois bem, suponha-mos, como ficou dito, que um quarter de trigo e uma onça de ouro são
valores iguais ou equivalentes, por serem cristalizações de quantidades
iguais de trabalho médio, de tantos dias, ou tantas semanas de trabalho plasmado em cada uma delas. Acaso, ao determinar assim os valores


relativos do ouro e do trigo, fazemos qualquer referência aos salários que percebem os operários agrícolas e os mineiros? Em absoluto, nem
por sombra. Não dizemos, sequer remotamente, como se paga o trabalho diário ou semanal desses obreiros, nem ao menos dizemos se aqui se
emprega, ou não, trabalho assalariado. Ainda supondo que se empregue trabalho assalariado, os salários podem ser muito desiguais. Pode acon-tecer
que o operário cujo trabalho se plasma no quarter de trigo só
perceba por ele dois bushels, 19 enquanto o operário na mina pode ter percebido pelo seu trabalho metade da onça de ouro. Ou, supondo que


os seus salários sejam iguais, podem diferir nas mais diversas propor-ções dos valores das mercadorias por ele produzidas. Podem representar
a metade, a terça, quarta ou quinta parte, ou outra fração qualquer
daquele quarter de trigo, ou daquela onça de ouro. Naturalmente, os seus salários não podem exceder os valores das mercadorias por eles


produzidas, não podem ser maiores que estas, mas podem, sim, ser inferiores em todos os graus imagináveis. Seus salários achar-se-ão
limitados pelos valores dos produtos, mas os valores de seus produtos não se acharão limitados pelos salários. E sobretudo aqueles valores,
os valores relativos do trigo e do ouro, por exemplo, se terão fixado sem atentar em nada no valor do trabalho invertido neles, isto é, sem
atender em nada aos salários. A determinação dos valores das mer-cadorias pelas quantidades relativas de trabalho nelas plasmado difere,
como se vê, radicalmente, do método tautológico da determinação dos valores das mercadorias pelo valor do trabalho, ou seja, pelos salários.
Contudo, no decurso de nossa investigação, teremos oportunidade de esclarecer ainda mais esse ponto. Para calcular o valor de troca de
uma mercadoria, temos de acrescentar à quantidade de trabalho in-vertida nela, em último lugar, a que antes se incorporou nas maté-rias-
primas com que se elaborou a mercadoria e o trabalho aplicado aos meios de trabalho — ferramentas, maquinaria e edifícios — que


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18 Benjamin Franklin (1706-1790), filósofo e estadista norte-americano, tornou-se conhecido desde a publicação do seu primeiro ensaio: A Modest Inquiry into the
Nature and Necessity
of a Paper Currency. (N. do E.) 19 Medida inglesa para secos, equivalente, nos Estados Unidos, a 35,238 litros, e, na Inglaterra,
a 36,367 litros. (N. do T.)
91#
serviram para esse trabalho. 20 Por exemplo, o valor de uma determi-nada quantidade de fio de algodão é a cristalização da quantidade de
trabalho incorporada ao algodão durante o processo de fiação e, além disso, da quantidade de trabalho anteriormente plasmado nesse algo-dão,
da quantidade de trabalho encerrada no carvão, no óleo e em outras matérias auxiliares empregadas, bem como da quantidade de
trabalho materializado na máquina a vapor, nos fusos, no edifício da fábrica etc. Os meios de trabalho propriamente ditos, tais como ferra-mentas,
maquinaria e edifícios, utilizam-se constantemente, durante um período de tempo mais ou menos longo, em processos repetidos de
produção. Se se consumissem de uma vez, como acontece com as ma-térias-primas, transferir-se-ia imediatamente todo o seu valor à mer-cadoria
que ajudam a produzir. Mas como um fuso, por exemplo, só se desgasta aos poucos, calcula-se um termo médio tomando por base
a sua duração média, o seu aproveitamento médio ou a sua deterioração ou desgaste durante um determinado tempo, digamos, um dia. Desse
modo calculamos qual a parte do valor dos fusos que passa ao fio fabricado durante um dia e que parte, portanto, dentro da soma global
de trabalho realizado, por exemplo, numa libra de fio, corresponde à quantidade de trabalho anteriormente incorporado nos fusos. Para o
objetivo a que visamos é necessário insistir mais nesse ponto. Poderia parecer que, se o valor de uma mercadoria se determina
pela quantidade de trabalho que se inverte na sua produção, quanto mais preguiçoso ou inábil seja um operário, mais valiosa será a mer-cadoria
por ele produzida, pois que o tempo de trabalho necessário para produzi-la será proporcionalmente maior. Mas aquele que assim
pensa incorre num lamentável erro. Lembrai-vos que eu empregava a expressão "trabalho social" e nessa denominação de "social" cabem mui-tas
coisas. Ao dizer que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho incorporado ou cristalizado nela, queremos
referir-nos à quantidade de trabalho necessário para produzir essa mer-cadoria num dado estado social e sob determinadas condições sociais
médias de produção, com uma dada intensidade social média e com uma destreza média no trabalho que se emprega. Quando, na Ingla-terra,
o tear a vapor começou a competir com o tear manual, para converter uma determinada quantidade de fio numa jarda de tecido
de algodão, ou pano, bastava a metade da duração de trabalho que anteriormente se invertia. Agora, o pobre tecelão manual tinha que
trabalhar 17 ou 18 horas diárias, em vez das 9 ou 10 de antes. Não obstante, o produto de suas 20 horas de trabalho só representava 10
horas de trabalho social; isto é, as 10 horas de trabalho socialmente necessárias para converter uma determinada quantidade de fio em


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20 Ver RICARDO, David. Princípios de Economia Política. Cap. 1, sec. IV. (N. do T.)
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artigos têxteis. Portanto, seu produto de 20 horas não tinha mais valor do que aquele que antes elaborava em 10.
Se, então, a quantidade de trabalho socialmente necessário, ma-terializado nas mercadorias, é o que determina o valor de troca destas,
ao crescer a quantidade de trabalho exigível para produzir uma mer-cadoria aumenta necessariamente o seu valor e vice-versa, diminuindo
aquela, baixa este. Se as respectivas quantidades de trabalho necessário para pro-duzir
as respectivas mercadorias permanecessem constantes, seriam também constantes seus valores relativos. Porém, assim não sucede.
A quantidade de trabalho necessário para produzir uma mercadoria
varia constantemente, ao variarem as forças produtivas do trabalho aplicado. Quanto maiores são as forças produtivas do trabalho, mais


produtos se elaboram num tempo de trabalho dado; e quanto menores são, menos se produzem na mesma unidade de tempo. Se, por exemplo,
ao crescer a população, se fizesse necessário cultivar terras menos fér-teis, teríamos que inverter uma quantidade maior de trabalho para
obter a mesma produção, e isso faria subir, por conseguinte, o valor dos produtos agrícolas. Por outro lado, se um só fiandeiro, com os
modernos meios de produção, ao fim do dia converte em fio mil vezes
mais algodão que antes fiava no mesmo espaço de tempo com auxílio da roca, é evidente que, agora, cada libra de algodão absorverá mil


vezes menos trabalho de fiação que dantes e, por conseqüência, o valor que o processo de fiação incorpora em cada libra de algodão será mil
vezes menor. E na mesma proporção baixará o valor do fio. À parte as diferenças nas energias naturais e na destreza ad-quirida
para o trabalho entre os diversos povos, as forças produtivas do trabalho dependerão, principalmente:
1 — Das condições naturais do trabalho: fertilidade do solo, ri-queza das jazidas minerais, etc.
2 — Do aperfeiçoamento progressivo das forças sociais do trabalho
por efeito da produção em grande escala, da concentração do capital, da combinação do trabalho, da divisão do trabalho, maquinaria, melhoria


dos métodos, aplicação dos meios químicos e de outras forças naturais, redução do tempo e do espaço graças aos meios de comunicação e de
transporte, e todos os demais inventos pelos quais mais a ciência obriga
as forças naturais a servir ao trabalho, e pelos quais desenvolve o caráter social ou cooperativo do trabalho. Quanto maior é a força produtiva do


trabalho, menos trabalho se inverte numa dada quantidade de produtos e, portanto, menor é o valor desses produtos. Quanto menores são as
forças produtivas do trabalho, mais trabalho se emprega na mesma quan-tidade
de produtos e, por conseqüência, maior é o seu valor. Podemos, então, estabelecer como lei geral o seguinte:


Os valores das mercadorias estão na razão direta do tempo de


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93#
trabalho invertido em sua produção e na razão inversa das forças pro-dutivas do trabalho empregado.
Como até aqui só temos falado do valor, acrescentarei al-gumas palavras acerca do preço, que é uma forma particular to-mada
pelo valor. Em si mesmo, o preço outra coisa não é senão a expressão em
dinheiro do valor. Os valores de todas as mercadorias deste país se exprimem, por exemplo, em preços-ouro, enquanto no Continente se
expressam quase sempre em preços-prata. O valor do ouro, ou da prata, se determina como o de qualquer mercadoria, pela quantidade de tra-balho
necessário à sua extração. Permutais uma certa soma de vossos produtos nacionais, na qual se cristaliza uma determinada quantidade
de vosso trabalho nacional, pelos produtos dos países produtores de ouro e prata, nos quais se cristaliza uma determinada quantidade de
seu trabalho. É por esse processo, na verdade pela simples troca, que aprendeis a exprimir em ouro e prata os valores de todas as merca-dorias,
isto é, as quantidades respectivas de trabalho empregadas na sua produção. Se vos aprofundardes mais na expressão em dinheiro do
valor, ou, o que vem a ser o mesmo, na conversão do valor em preço, vereis que se trata de um processo por meio do qual dais aos valores
de todas as mercadorias uma forma independente e homogênea, por meio da qual exprimis esses valores como quantidades de igual trabalho
social. Na medida em que é apenas a expressão em dinheiro do valor, o preço foi denominado preço natural, por Adam Smith, e prix néces-saire,
21 pelos fisiocratas franceses.
Que relação guardam, pois, o valor e os preços do mercado ou os preços naturais e os preços do mercado? Todos sabeis que o preço do


mercado é o mesmo para todas as mercadorias da mesma espécie, por muito que variem as condições de produção dos produtores individuais.
Os preços do mercado não fazem mais que expressar a quantidade social média de trabalho, que, nas condições médias de produção, é
necessária para abastecer o mercado com determinada quantidade de um certo artigo. Calcula-se tendo em vista a quantidade global de uma
mercadoria de determinada espécie. Até agora o preço de uma mercadoria no mercado coincide com
o seu valor. Por outra parte, as oscilações dos preços do mercado que umas vezes excedem o valor, ou preço natural, e outras vezes ficam
abaixo dele dependem das flutuações da oferta e da procura. Os preços do mercado se desviam constantemente dos valores, mas, como diz
Adam Smith:
"O preço natural é (...) o preço central em torno do qual gra-vitam constantemente os preços das mercadorias. Circunstâncias


OS ECONOMISTAS


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21 Em francês, no original, "preço necessário". (N. do E.)
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diversas os podem manter erguidos muito acima desse ponto e, por vezes, precipitá-los um pouco abaixo. Quaisquer, porém, que
sejam os obstáculos que os impeçam de se deter nesse centro de repouso e estabilidade, eles tendem continuamente para lá". 22


Não posso agora esmiuçar esse assunto. Basta dizer que, se a oferta e a procura se equilibram, os preços das mercadorias no mercado
corresponderão a seus preços naturais, isto é, a seus valores, os quais se determinam pelas respectivas quantidades de trabalho necessário
para a sua produção. Mas a oferta e a procura devem constantemente tender para o equilíbrio, embora só o alcancem compensando uma flu-tuação
com a outra, uma alta com uma baixa e vice-versa. Se, em vez de considerar somente as flutuações diárias, analisardes o movimento
dos preços do mercado durante um espaço de tempo bastante longo, como o fez, por exemplo, o sr. Tooke, na sua História dos Preços, des-cobrireis
que as flutuações dos preços no mercado, seus desvios dos valores, suas altas e baixas, se compensam umas com as outras e se
neutralizam de tal maneira que, postas à margem a influência exercida pelos monopólios e algumas outras restrições que aqui temos de passar
por alto, vemos que todas as espécies de mercadorias se vendem, em termo médio, pelos seus respectivos valores ou preços naturais. Os
períodos médios de tempo, durante os quais se compensam entre si as flutuações dos preços no mercado, diferem segundo as distintas es-pécies
de mercadorias, porque numas é mais fácil que em outras adaptar a oferta à procura.
Se, então, falando de um modo geral e abarcando períodos de tempo bastante longos, todas as espécies de mercadorias se vendem
pelos seus respectivos valores, é absurdo supor que o lucro — não em casos isolados, mas o lucro constante e normal das diversas indústrias
— brota de uma majoração dos preços das mercadorias, ou do fato de que se vendam por um preço que exceda consideravelmente o seu valor.
O absurdo dessa idéia evidencia-se desde que a generalizamos. O que alguém ganhasse constantemente como vendedor, haveria de perder
constantemente como comprador. De nada serve dizer que há pessoas que compram sem vender, consumidores que não são produtores. O
que estes pagassem ao produtor, teriam antes de recebê-lo dele grátis. Se uma pessoa recebe o vosso dinheiro e logo vo-lo devolve compran-do-
vos as vossas mercadorias, por esse caminho nunca enriquecereis por mais caro que vendais. Essa espécie de negócios poderá reduzir
uma perda, mas jamais contribuir para realizar um lucro. Portanto, para explicar o caráter geral do lucro não tereis outro remédio senão
partir do teorema de que as mercadorias se vendem, em média, pelos seus verdadeiros valores e que os lucros se obtêm vendendo as merca-


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22 SMITH, Adam. The Wealth of Nations. Nova York, 1931. t. I. cap. 7, p. 57. (N. do T.)
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dorias pelo seu valor, isto é, em proporção à quantidade de trabalho nelas materializado. Se não conseguistes explicar o lucro sobre essa
base, de nenhum outro modo conseguireis explicá-lo. Isso parece um paradoxo e contrário à observação de todos os dias. Parece também
paradoxal que a Terra gire ao redor do Sol e que a água seja formada por dois gases altamente inflamáveis. As verdades científicas serão
sempre paradoxais, se julgadas pela experiência de todos os dias, a qual somente capta a aparência enganadora das coisas.


VII Força de Trabalho
Depois de termos analisado, na medida em que podíamos fazê-lo, em um exame tão rápido, a natureza do valor, do valor de uma mer-cadoria
qualquer, devemos volver nossa atenção para o valor específico do trabalho. E aqui tenho eu, novamente, que vos surpreender com
outro aparente paradoxo. Todos vós estais completamente convencidos de que aquilo que vendeis todos os dias é vosso trabalho: de que, por-tanto,
o trabalho tem um preço e que, embora o preço de uma merca-doria mais não seja que a expressão em dinheiro do seu valor, deve
existir, sem dúvida alguma, qualquer coisa parecida com o valor do trabalho. E, não obstante, não existe tal coisa como o valor do trabalho,
no sentido corrente da palavra. Vimos que a quantidade de trabalho necessário cristalizado numa mercadoria constitui o seu valor. Apli-cando
agora esse conceito do valor, como poderíamos determinar o valor de uma jornada de trabalho de 10 horas, por exemplo? Quanto
trabalho está contido nessa jornada? Dez horas de trabalho. Se dis-séssemos que o valor de uma jornada de trabalho de 10 horas equi-vale
a 10 horas de trabalho, ou à quantidade de trabalho contido nela, faríamos uma afirmação tautológica e, além disso, sem sentido.
Naturalmente, depois de haver desentranhado o sentido verdadeiro, porém oculto, da expressão valor do trabalho, estaremos em condi-ções
de interpretar essa aplicação irracional e aparentemente im-possível do valor, do mesmo modo que estamos em condições de
explicar os movimentos, aparentes ou somente perceptíveis em certas formas, dos corpos celestes, depois de termos descoberto os seus
movimentos reais. O que o operário vende não é diretamente o seu trabalho, mas
a sua força de trabalho, cedendo temporariamente ao capitalista o di-reito de dispor dela. Tanto é assim que, não sei se as leis inglesas,
mas, desde logo, algumas leis continentais fixam o máximo de tempo pelo qual uma pessoa pode vender a sua força de trabalho. Se lhe
fosse permitido vendê-la sem limitação de tempo, teríamos imediata-mente restabelecida a escravatura. Semelhante venda, se o operário
se vendesse por toda a vida, por exemplo, convertê-lo-ia sem demora em escravo do patrão até o final de seus dias.


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Thomas Hobbes, 23 um dos economistas mais antigos e dos mais originais filósofos da Inglaterra, já havia assinalado em seu Leviatã,
instintivamente, esse ponto que escapou a todos os seus sucessores. Dizia ele:


"O valor de um homem é, como para todas as outras coisas, o seu preço; quer dizer, o que se pagaria pelo uso de sua força".
Partindo dessa base podemos determinar o valor do trabalho, como o de todas as outras mercadorias.
Mas, antes de fazê-lo, poderíamos perguntar: de onde provém esse fenômeno singular de que no mercado nós encontremos um grupo
de compradores, que possuem terras, maquinaria, matérias-primas e meios de vida, coisas essas que, exceto a terra, em seu estado bruto,
são produtos de trabalho, e, por outro lado, um grupo de vendedores que nada têm a vender senão sua força de trabalho, os seus braços
laboriosos e cérebros? Como se explica que um dos grupos compre constantemente para realizar lucro e enriquecer-se, enquanto o outro
grupo vende constantemente para ganhar o pão de cada dia? A inves-tigação desse problema seria uma investigação do que os economistas
chamam "acumulação prévia ou originária", 24 mas que deveria cha-mar-se expropriação originária. E veremos que essa chamada acumu-lação
originária não é senão uma série de processos históricos que resultaram na decomposição da unidade originária existente entre o
homem trabalhador e seus instrumentos de trabalho. Essa observação cai, todavia, fora da órbita do nosso tema atual. Uma vez consumada
a separação entre o trabalhador e os instrumentos de trabalho, esse estado de coisas se manterá e se reproduzirá em escala sempre crescente, até
que uma nova e radical revolução do sistema de produção a deite por terra e restaure a primitiva unidade sob uma forma histórica nova.
Que é, pois, o valor da força de trabalho?
Como o de toda outra mercadoria, esse valor se determina pela quantidade de trabalho necessário para produzi-la. A força de trabalho


de um homem consiste, pura e simplesmente, na sua individualidade viva. Para poder crescer e manter-se, um homem precisa consumir
uma determinada quantidade de meios de subsistência; o homem, como a máquina, se gasta e tem que ser substituído por outro homem. Além
da soma de artigos de primeira necessidade exigidos para o seu próprio sustento, ele precisa de outra quantidade dos mesmos artigos para
criar determinado número de filhos, que hão de substituí-lo no mercado de trabalho e perpetuar a descendência dos trabalhadores. Ademais,


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23 Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, empírico e sensualista, ideólogo da nobreza aburguesada. Defendeu o poder ilimitado do Estado em suas obras, sobretudo
no Leviatã,
escrito em 1651, que foi queimado em público, após a restauração dos Stuarts. (N. do E.) 24 O mesmo que "acumulação primitiva", como Marx diria em O Capital. (N.
do E.)
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tem que gastar outra soma de valores no desenvolvimento de sua força de trabalho e na aquisição de uma certa habilidade. Para o nosso
objetivo bastar-nos-á considerar o trabalho médio, cujos gastos de edu-cação e aperfeiçoamento são grandezas insignificantes. Devo, sem em-bargo,
aproveitar a ocasião para constatar que, assim como diferem os custos de produção de força de trabalho de diferente qualidade,
assim têm que diferir, também, os valores das forças de trabalho apli-cadas nas diferentes indústrias. Por conseqüência, o grito pela igual-dade
de salários assenta num erro, é um desejo oco, que jamais se realizará. É um rebento desse falso e superficial radicalismo que admite
as premissas e procura fugir às conclusões. Dentro do sistema do sa-lariado, o valor da força de trabalho se fixa como o de outra mercadoria
qualquer; e, como distintas espécies de força de trabalho possuem dis-tintos valores ou exigem para a sua produção distintas quantidades
de trabalho, necessariamente têm que ter preços distintos no mercado de trabalho. Pedir uma retribuição igual ou simplesmente uma retri-buição
justa, na base do sistema do salariado, é o mesmo que pedir liberdade na base do sistema da escravatura. O que pudésseis consi-derar
justo ou eqüitativo não vem ao caso. O problema está em saber o que vai acontecer necessária e inevitavelmente dentro de um dado
sistema de produção.
Depois do que dissemos, o valor da força de trabalho é determi-nado pelo valor dos artigos de primeira necessidade exigidos para pro-duzir,


desenvolver, manter e perpetuar a força de trabalho.
VIII A Produção da Mais-Valia


Suponhamos agora que a quantidade média diária de artigos de primeira necessidade imprescindíveis à vida de um operário exija 6
horas de trabalho médio para a sua produção. Suponhamos, além disso, que essas 6 horas de trabalho médio se materializem numa quantidade
de ouro equivalente a 3 xelins. Nestas condições, os 3 xelins seriam o preço ou a expressão em dinheiro do valor diário da força de trabalho
desse homem. Se trabalhasse 6 horas diárias, ele produziria diaria-mente um valor que bastaria para comprar a quantidade média de
seus artigos diários de primeira necessidade ou para se manter como operário.
Mas o nosso homem é um obreiro assalariado. Portanto, precisa vender a sua força de trabalho a um capitalista. Se a vende por 3
xelins diários, ou por 18 semanais, vende-a pelo seu valor. Vamos supor que se trata de um fiandeiro. Trabalhando 6 horas por dia, incorporará
ao algodão, diariamente, um valor de 3 xelins. Esse valor diariamente incorporado por ele representaria um equivalente exato do salário, ou
preço de sua força de trabalho, que recebe cada dia. Mas nesse caso


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não iria para o capitalista nenhuma mais-valia ou sobreproduto algum. É aqui, então, que tropeçamos com a verdadeira dificuldade.
Ao comprar a força de trabalho do operário e ao pagá-la pelo seu valor, o capitalista adquire, como qualquer outro comprador, o direito
de consumir ou usar a mercadoria comprada. A força de trabalho de um homem é consumida, ou usada, fazendo-o trabalhar, assim como
se consome ou se usa uma máquina fazendo-a funcionar. Portanto, o capitalista, ao comprar o valor diário, ou semanal, da força de trabalho
do operário, adquire o direito de servir-se dela ou de fazê-la funcionar durante todo o dia ou toda a semana. A jornada de trabalho, ou a
semana de trabalho, têm naturalmente certos limites, mas a isso vol-veremos, em detalhe, mais adiante.
No momento, quero chamar-vos a atenção para um ponto decisivo. O valor da força de trabalho se determina pela quantidade de
trabalho necessário para a sua conservação, ou reprodução, mas o uso dessa força só é limitado pela energia vital e a força física do operário.
O valor diário ou semanal da força de trabalho difere completamente do funcionamento diário ou semanal dessa mesma força de trabalho;
são duas coisas completamente distintas, como a ração consumida por um cavalo e o tempo em que este pode carregar o cavaleiro. A quan-tidade
de trabalho que serve de limite ao valor da força de trabalho do operário não limita de modo algum a quantidade de trabalho que
sua força de trabalho pode executar. Tomemos o exemplo do nosso fiandeiro. Vimos que, para recompor diariamente a sua força de tra-balho,
esse fiandeiro precisava reproduzir um valor diário de 3 xelins, o que realizava com um trabalho diário de 6 horas. Isso, porém, não
lhe tira a capacidade de trabalhar 10 ou 12 horas e mais, diariamente. Mas o capitalista, ao pagar o valor diário ou semanal da força de
trabalho do fiandeiro, adquire o direito de usá-la durante todo o dia ou toda a semana. Fá-lo-á trabalhar, portanto, digamos, 12 horas diá-rias,
quer dizer, além das 6 horas necessárias para recompor o seu salário, ou o valor de sua força de trabalho, terá de trabalhar outras
6 horas, a que chamarei de horas de sobretrabalho, e esse sobretrabalho irá traduzir-se em uma mais-valia e em um sobreproduto. Se, por exem-plo,
nosso fiandeiro, com o seu trabalho diário de 6 horas, acrescenta ao algodão um valor de 3 xelins, valor que constitui um equivalente
exato de seu salário, em 12 horas acrescentará ao algodão um valor de 6 xelins e produzirá a correspondente quantidade adicional de fio.
E, como vendeu sua força de trabalho ao capitalista, todo o valor, ou todo o produto, por ele criado pertence ao capitalista, que é dono de
sua força de trabalho, pro tempore. Por conseguinte, desembolsando 3 xelins, o capitalista realizará o valor de 6, pois com o desembolso de
um valor no qual se cristalizam 6 horas de trabalho receberá em troca um valor no qual estão cristalizadas 12 horas. Se repete, diariamente,
essa operação, o capitalista desembolsará 3 xelins por dia e embolsará


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6, cuja metade tornará a inverter no pagamento de novos salários, enquanto a outra metade formará a mais-valia, pela qual o capitalista
não paga equivalente algum. Esse tipo de intercâmbio entre o capital e o trabalho é o que serve de base à produção capitalista, ou ao sistema
do salariado, e tem que conduzir, sem cessar, à constante reprodução do operário como operário e do capitalista como capitalista.
A taxa de mais-valia dependerá, se todas as outras circunstâncias permanecerem invariáveis, da proporção existente entre a parte da
jornada que o operário tem que trabalhar para reproduzir o valor da força de trabalho e o sobretempo ou sobretrabalho realizado para o
capitalista. Dependerá, por isso, da proporção em que a jornada de trabalho se prolongue além do tempo durante o qual o operário, com
o seu trabalho, se limita a reproduzir o valor de sua força de trabalho ou a repor o seu salário.


IX O Valor do Trabalho


Devemos voltar agora à expressão "valor ou preço do trabalho". Vimos que, na realidade, esse valor nada mais é que o da força de
trabalho, medido pelos valores das mercadorias necessárias à sua ma-nutenção. Mas, como o operário só recebe o seu salário depois de realizar
o seu trabalho e como, ademais, sabe que o que entrega realmente ao capitalista é o seu trabalho, ele necessariamente imagina que o valor
ou preço de sua força de trabalho é o preço ou valor do seu próprio trabalho. Se o preço de sua força de trabalho é 3 xelins, nos quais se
materializam 6 horas de trabalho, e ele trabalha 12 horas, forçosamente o operário considerará esses 3 xelins como o valor ou preço de 12 horas
de trabalho, se bem que estas 12 horas representem um valor de 6 xelins. Donde se chega a um duplo resultado:
Primeiro: O valor ou preço da força de trabalho toma a aparência do preço ou valor do próprio trabalho, ainda que a rigor as expressões
de valor e preço do trabalho careçam de sentido.
Segundo: Ainda que só se pague uma parte do trabalho diário do operário, enquanto a outra parte fica sem remuneração, e ainda


que esse trabalho não remunerado ou sobretrabalho seja precisamente o fundo de que se forma a mais-valia ou lucro, fica parecendo que todo
o trabalho é trabalho pago.
Essa aparência enganadora distingue o trabalho assalariado das outras formas históricas do trabalho. Dentro do sistema do salariado,


até o trabalho não remunerado parece trabalho pago. Ao contrário, no trabalho dos escravos parece ser trabalho não remunerado até a parte
do trabalho que se paga. Claro está que, para poder trabalhar, o escravo tem que viver e uma parte de sua jornada de trabalho serve para
repor o valor de seu próprio sustento. Mas, como entre ele e seu senhor


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não houve trato algum, nem se celebra entre eles nenhuma compra e venda, todo o seu trabalho parece dado de graça.
Tomemos, por outro lado, o camponês servo, tal como existia, quase diríamos ainda ontem mesmo, em todo o oriente da Europa.
Este camponês, por exemplo, trabalhava três dias para si, na sua pró-pria terra, ou na que lhe havia sido atribuída, e nos três dias seguintes
realizava um trabalho compulsório e gratuito na propriedade de seu senhor. Como vemos, aqui as duas partes do trabalho, a paga e a não
paga, aparecem visivelmente separadas, no tempo e no espaço, e os nossos liberais podem estourar de indignação moral ante a idéia dis-paratada
de que se obrigue um homem a trabalhar de graça. Mas, na realidade, tanto faz uma pessoa trabalhar três dias na
semana para si, na sua própria terra, e outros três dias de graça na gleba do senhor como trabalhar diariamente na fábrica, ou na oficina,
6 horas para si e 6 horas para o seu patrão; ainda que nesse caso a parte do trabalho pago e a do não remunerado apareçam inseparavel-mente
confundidas e o caráter de toda a transação se disfarce por completo com a interferência de um contrato e o pagamento recebido
no fim da semana. No primeiro caso, o trabalho não remunerado é visivelmente arrancado pela força; no segundo, parece entregue volun-tariamente.
Eis a única diferença. Sempre que eu empregue, portanto, a expressão "valor do tra-balho",
empregá-la-ei como termo popular, sinônimo de "valor de força de trabalho".


X O Lucro Obtém-se Vendendo uma Mercadoria pelo seu Valor


Suponhamos que uma hora de trabalho médio materialize um valor de 6 pence ou 12 horas de trabalho médio, um valor de 6 xelins.
Suponhamos, ainda, que o valor do trabalho represente 3 xelins ou o produto de 6 horas de trabalho. Se nas matérias-primas, maquinaria
etc., consumidas para produzir uma determinada mercadoria, se ma-terializam 24 horas de trabalho médio, o seu valor elevar-se-á a 12
xelins. Se, além disso, o operário empregado pelo capitalista junta a esses meios de produção 12 horas de trabalho, teremos que essas 12
horas se materializam num valor adicional de 6 xelins. Portanto, o valor do produto se elevará a 36 horas de trabalho materializado, equi-valente
a 18 xelins. Porém, como o valor do trabalho ou o salário recebido pelo operário só representa 3 xelins, decorre daí que o capi-talista
não pagou equivalente algum pelas 6 horas de sobretrabalho realizado pelo operário e materializadas no valor da mercadoria. Ven-dendo
essa mercadoria pelo valor, por 18 xelins, o capitalista obterá, portanto, um valor de 3 xelins, para o qual não pagou equivalente.
Esses 3 xelins representarão a mais-valia ou lucro que o capitalista embolsa. O capitalista obterá, por conseqüência, um lucro de 3 xelins,


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não por vender a sua mercadoria a um preço que exceda o seu valor, mas por vendê-la pelo seu valor real.
O valor de uma mercadoria se determina pela quantidade total de trabalho que encerra. Mas uma parte dessa quantidade de trabalho
representa um valor pelo qual se pagou um equivalente em forma de salários; outra parte se materializa num valor pelo qual nenhum equi-valente
foi pago. Uma parte do trabalho incluído na mercadoria é tra-balho remunerado; a outra parte, trabalho não remunerado. Logo, quan-do
o capitalista vende a mercadoria pelo seu valor, isto é, como cris-talização da quantidade total de trabalho nela invertido, o capitalista
deve forçosamente vendê-la com lucro. Vende não só o que lhe custou um equivalente, como também o que não lhe custou nada, embora
haja custado o trabalho do seu operário. O custo da mercadoria para o capitalista e o custo real da mercadoria são coisas inteiramente dis-tintas.
Repito, pois, que lucros normais e médios se obtêm vendendo as mercadorias não acima do que valem e sim pelo seu verdadeiro valor.


XI As Diversas Partes em que se Divide a Mais-valia
À mais-valia, ou seja, àquela parte do valor total da mercadoria em que se incorpora o sobretrabalho, ou trabalho não remunerado, eu
chamo lucro. Esse lucro não o embolsa na sua totalidade o empregador capitalista. O monopólio do solo permite ao proprietário da terra em-bolsar
uma parte dessa mais-valia, sob a denominação de renda ter-ritorial, quer o solo seja utilizado na agricultura ou se destine a cons-truir
edifícios, ferrovias, ou a outro qualquer fim produtivo. Por outro lado, o fato de ser a posse dos meios de trabalho o que possibilita ao
empregador capitalista produzir mais-valia, ou, o que é o mesmo, apro-priar-se de uma determinada quantidade de trabalho não remunerado,
é precisamente o que permite ao proprietário dos meios de trabalho, que os empresta total ou parcialmente ao empregador capitalista, numa
palavra, ao capitalista que empresta o dinheiro, reivindicar para si mesmo outra parte dessa mais-valia sob o nome de juro, de modo que
ao capitalista empregador, como tal, só lhe sobra o chamado lucro industrial ou comercial. A questão de saber a que leis está submetida
essa divisão da importância total da mais-valia entre as três categorias de pessoas aqui mencionadas é inteiramente estranha ao nosso tema.
Mas, do que deixamos exposto depreende-se, pelo menos, o seguinte: A renda territorial, o juro e o lucro industrial nada mais são que
nomes diferentes para exprimir as diferentes partes da mais-valia de uma mercadoria ou do trabalho não remunerado, que nela se materia-liza,
e todos provêm por igual dessa fonte e só dessa fonte. Não provêm do solo, como tal, nem do capital em si; mas o solo e o capital permitem
a seus possuidores obter a sua parte correspondente na mais-valia que o empregador capitalista extorque ao operário. Para o operário mesmo,


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é uma questão de importância secundária que essa mais-valia, fruto de seu sobretrabalho, ou trabalho não remunerado, seja exclusivamente
embolsada pelo empregador capitalista ou que este se veja obrigado a ceder parte a terceiros, com o nome de renda do solo, ou juro. Supo-nhamos
que o empregador utiliza apenas capital próprio e seja ele mesmo o proprietário do solo; nesse caso, toda a mais-valia irá parar
em seu bolso.
É o empregador capitalista quem extrai diretamente do operário essa mais-valia, seja qual for a parte que, em última análise, possa


reservar para si. Por isso, dessa relação entre o empregador capitalista e o operário assalariado dependem todo o sistema do salariado e todo
o regime atual de produção. Alguns dos cidadãos que intervieram em nosso debate, ao intentarem atenuar as proporções das coisas e apre-sentar
essa relação fundamental entre o empregador capitalista e o operário como uma questão secundária, cometeram, portanto, um erro,
embora, por outro lado, tivessem razão ao afirmar que, em dadas cir-cunstâncias, um aumento dos preços pode afetar de um modo muito
desigual o empregador capitalista, o dono da terra, o capitalista que empresta dinheiro e, se quereis, o arrecadador de impostos.
Do exposto resulta ainda outra conseqüência.
A parte do valor da mercadoria que representa unicamente o valor das matérias-primas e das máquinas, numa palavra, o valor dos


meios de produção consumidos, não gera nenhum rendimento, mas se limita a repor o capital. Mas, afora isso, é falso que a outra parte do
valor da mercadoria, que forma o rendimento ou pode ser gasta sob a forma de salário, lucro, renda territorial e juro, seja constituída pelo
valor dos salários, pelo valor da renda territorial, pelo valor do lucro etc. Por ora deixaremos de lado os salários e só trataremos do lucro
industrial, do juro e da renda territorial. Acabamos de ver que a mais-valia contida na mercadoria, ou a parte do valor desta na qual está
incorporado o trabalho não remunerado, por sua vez se decompõe em várias partes, designadas por três nomes diferentes. Afirmar, porém,
que seu valor se acha integrado ou formado pela soma total dos valores independentes dessas três partes constituintes seria afirmar o inverso
da verdade.
Se 1 hora de trabalho se realiza num valor de 6 pence e se a jornada de trabalho do operário é de 12 horas e a metade desse tempo


for trabalho não pago, esse sobretrabalho acrescentará à mercadoria uma mais-valia de 3 xelins, isto é, um valor pelo qual não se paga
nenhum equivalente. Essa mais-valia de 3 xelins representa todo o fundo que o empregador capitalista pode repartir, na proporção que
for, com o dono da terra e com o emprestador de dinheiro. O valor desses 3 xelins forma o limite do valor que eles podem repartir entre
si. Mas não é o empregador capitalista que acrescenta ao valor da mercadoria um valor arbitrário para seu lucro, acrescentando em se-


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guida outro valor para o proprietário da terra e assim por diante, de tal maneira que a soma desses valores arbitrariamente fixados cons-tituísse
o valor total. Vedes, portanto, o erro da idéia correntemente exposta, que confunde a divisão de um dado valor em três partes, com
a formação desse valor mediante a soma de três valores independentes, convertendo dessa maneira numa grandeza arbitrária o valor total, de
onde saem a renda territorial, o lucro e o juro. Se o lucro total obtido por um capitalista for de 100 libras es-terlinas,
chamamos a essa soma, considerada grandeza absoluta, o montante do lucro. Mas, se calculamos a proporção entre essas 100
libras e o capital desembolsado, a essa grandeza relativa chamamos taxa de lucro. É evidente que se pode expressar essa taxa de lucro sob
duas formas. Vamos supor seja de 100 libras o capital desembolsado em salários.
Se a mais-valia obtida for também de 100 libras — o que nos demonstraria que a metade da jornada do operário se compõe de trabalho não remu-nerado
— e se medíssemos esse lucro pelo valor do capital desembolsado em salários, diríamos que a taxa de lucro 25 era de 100%. Já que o valor
desembolsado seria 100 e o valor produzido 200. Se, por outro lado, não só considerássemos o capital desembolsado
em salários mas todo o capital desembolsado, digamos, por exemplo, 500 libras, das quais 400 representam o valor das matérias-primas,
maquinaria, etc., diríamos que a taxa de lucro apenas se elevara a 20%, visto o lucro de 100 não ser mais que a quinta parte do capital
total desembolsado. O primeiro modo de expressar a taxa de lucro é o único que nos
revela a proporção real entre o trabalho pago e o não remunerado, o grau real da exploitation 26 do trabalho (permiti-me o uso dessa palavra
francesa). A outra forma é a usual, e para certos fins é, com efeito, a mais indicada. Em todo caso, prova ser muito útil, por ocultar o grau
em que o capitalista arranca do operário trabalho gratuito. Nas observações que ainda me restam por fazer, empregarei a pa-lavra
lucro para exprimir o montante total de mais-valia extorquida pelo capitalista, sem me preocupar com a divisão dessa mais-valia entre as
diversas partes interessadas, e quando usar o termo taxa de lucro medirei sempre o lucro pelo valor do capital desembolsado em salário.


XII A Relação Geral entre Lucros, Salários e Preços


Se do valor de uma mercadoria descontarmos a parte que se limita a repor o das matérias-primas e outros meios de produção em-


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25 Mais tarde, em O Capital, Marx diria "taxa de mais-valia". Nessa obra só se emprega a expressão "taxa de lucro" como a relação entre o lucro e o capital total.
(N. da Ed. Francesa.)
26 Exploração. (N. do E.)
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pregados, isto é, se descontarmos o valor que representa o trabalho pretérito nela encerrado, o valor restante reduzir-se-á à quantidade de
trabalho acrescentada pelo operário que por último se ocupa nela. Se esse operário trabalha 12 horas diárias, e 12 horas de trabalho médio
cristalizam-se numa soma de ouro igual a 6 xelins, esse valor adicional de 6 xelins será o único valor criado por seu trabalho. Esse valor dado,
determinado por seu tempo de trabalho, é o único fundo do qual tanto ele como o capitalista têm de retirar a respectiva participação ou di-videndo,
é o único valor a ser dividido entre salários e lucros. É evidente que esse valor não será em si mesmo alterado pelas pro-porções
variáveis em que possa dividir-se entre ambas as partes. E tampouco haverá alteração se, em vez de um operário isolado, pormos
toda a população trabalhadora, 12 milhões de jornadas de trabalho, por exemplo, em vez de uma.
Como o capitalista e o operário só podem dividir esse valor li-mitado, isto é, o valor medido pelo trabalho total do operário, quanto
mais perceba um deles, menos obterá o outro, e reciprocamente. Par-tindo de uma dada quantidade, uma das partes aumentará sempre na
mesma proporção em que a outra diminui. Se os salários se modificam, modificar-se-ão em sentido oposto aos lucros. Se os salários baixam,
subirão os lucros; e, se os salários sobem, baixarão os lucros. Se o operário, na nossa suposição anterior, ganha 3 xelins, equivalentes à
metade do valor criado por ele, ou se a metade da sua jornada de trabalho total é trabalho pago e a outra metade trabalho não remu-nerado,
a taxa de lucro será de 100%, visto que o capitalista obterá também 3 xelins. Se o operário só recebe 2 xelins, ou só trabalha para
ele a terça parte da jornada total, o capitalista obterá 4 xelins e a taxa de lucro será, nesse caso, de 200%. Se o operário percebe 4 xelins,
o capitalista só poderá embolsar 2, e a taxa de lucro descerá, portanto, a 50%. Mas todas essas variações não influem no valor da mercadoria.
Logo, um aumento geral de salários determinaria uma diminuição da taxa geral do lucro, mas não afetaria os valores.
No entanto, embora os valores das mercadorias, que, em última instância, hão de regular seus preços no mercado, estejam determinados
exclusivamente pela quantidade total de trabalho plasmado nelas, e não pela divisão dessa quantidade em trabalho pago e trabalho não
remunerado, daqui não se deduz, de modo algum, que os valores das diversas mercadorias ou lotes de mercadorias fabricadas em 12 horas,
por exemplo, sejam sempre os mesmos. O número, ou a massa das mercadorias fabricadas num determinado tempo de trabalho, ou me-diante
uma determinada quantidade de trabalho, depende da força produtiva do trabalho empregado e não da sua extensão ou duração.
Com um dado grau das forças produtivas do trabalho de fiação, por exemplo, poderão produzir-se, numa jornada de trabalho de 12 horas,
12 libras-peso de fio; com um grau mais baixo de força produtiva pro-


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duzir-se-ão tão-somente 2. Portanto, no primeiro caso, se as 12 horas de trabalho médio se materializam num valor de 6 xelins, as 12 li-bras-
peso de fio custarão 6 xelins, justamente o que custariam, no segundo caso, as 2 libras. Quer dizer que, no primeiro caso, a libra-peso
de fio sairá por 6 pence e, no segundo, por 3 xelins. Essa diferença de preço seria uma conseqüência da diferença existente entre as forças
produtivas do trabalho empregado. Com a maior força produtiva, 1 hora de trabalho materializar-se-ia em 1 libra-peso de fio, ao passo
que, com a força produtiva menor, para obter 1 libra de fio haveria necessidade de 6 horas de trabalho. No primeiro caso, o preço da libra
de fio não excederia 6 pence, apesar de os salários serem relativamente altos e a taxa de lucro, baixa; no segundo caso, elevar-se-ia a 3 xelins,
mesmo com salários baixos e com uma taxa de lucro elevada. Assim sucederia porque o preço da libra-peso de fio é determinado pelo total
de trabalho que encerra e não pela proporção em que esse total se divide em trabalho pago e não pago. O fato, antes apontado por mim,
de que um trabalho bem pago pode produzir mercadorias baratas, e um mal pago, mercadorias caras, perde, com isso, a sua aparência
paradoxal. Não é mais que a expressão da lei geral de que o valor de uma mercadoria se determina pela quantidade de trabalho nela inver-tido
e de que essa quantidade de trabalho invertido depende exclusi-vamente da força produtiva do trabalho empregado, variando, por con-seguinte,
ao variar a produtividade do trabalho.
XIII Casos Principais de Luta pelo Aumento de Salários ou


Contra a sua Redução
Examinemos agora seriamente os casos principais em que se intenta obter um aumento dos salários, ou se opõe uma resistência à sua redução.


1 — Vimos que o valor da força de trabalho, ou, em termos mais populares, o valor do trabalho, é determinado pelo valor dos artigos
de primeira necessidade ou pela quantidade de trabalho necessária à sua produção. Por conseguinte, se num determinado país o valor dos
artigos de primeira necessidade, em média diária consumidos por um operário, representa 6 horas de trabalho, expressa em 3 xelins, esse
trabalhador terá de trabalhar 6 horas por dia a fim de produzir um equivalente do seu sustento diário. Sendo de 12 horas a jornada de
trabalho, o capitalista pagar-lhe-ia o valor de seu trabalho entregan-do-lhe 3 xelins. Metade da jornada de trabalho será trabalho não re-munerado
e, portanto, a taxa de lucro se elevará a 100%. Mas vamos supor agora que, em conseqüência de uma diminuição da produtividade,
se necessite de mais trabalho para produzir, digamos, a mesma quan-tidade de produtos agrícolas que dantes, com o que o preço médio dos
víveres diariamente necessários subirá de 3 para 4 xelins. Nesse caso, o valor do trabalho aumentaria de um terço, ou seja, de 33,3%. A fim


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de produzir o equivalente do sustento diário do trabalhador, dentro do padrão de vida anterior, seriam precisas 8 horas de jornada de
trabalho. Logo, o sobretrabalho diminuiria de 6 para 4 horas e a taxa de lucro reduzir-se-ia de 100 para 50%. O trabalhador que nessas con-dições
pedisse um aumento de salário limitar-se-ia a exigir que lhe pagassem o valor incrementado de seu trabalho, como qualquer outro
vendedor de uma mercadoria que, quando aumenta o custo de produção desta, age de modo a conseguir que o comprador lhe pague esse in-cremento
do valor. E, se os salários não sobem, ou não sobem em proporções suficientes para compensar o incremento do valor dos artigos
de primeira necessidade, o preço do trabalho descerá abaixo do valor do trabalho e o padrão de vida do trabalhador piorará.
Mas também pode operar-se uma mudança em sentido contrário. Ao elevar-se a produtividade do trabalho pode acontecer que a mesma
quantidade de artigos de primeira necessidade, consumidos em média, diariamente, baixe de 3 para 2 xelins, ou que, em vez de 6 horas de
jornada de trabalho, bastem 4 para produzir o equivalente do valor dos artigos de primeira necessidade consumidos num dia. O operário
poderia, então, comprar por 2 xelins exatamente os mesmos artigos de primeira necessidade que antes lhe custavam 3. Na realidade teria
baixado o valor do trabalho; mas esse valor diminuído disporia da mesma quantidade de mercadorias que antes. O lucro subiria de 3
para 4 xelins e a taxa de lucro, de 100 para 200%. Ainda que o padrão de vida absoluto do trabalhador continuasse sendo o mesmo, seu salário
relativo, e portanto a sua posição social relativa, comparada com a do capitalista, teria piorado. Opondo-se a essa redução de seu salário re-lativo,
o trabalhador não faria mais que lutar para obter uma parte das forças produtivas incrementadas do seu próprio trabalho e manter
a sua antiga situação relativa na escala social. Assim, após a abolição das Leis Cerealistas e violando, flagrantemente, as promessas solenís-simas
que haviam feito, em sua campanha de propaganda contra aque-las leis, os donos das fábricas inglesas diminuíram, em geral, os salários
de 10%. A princípio, a oposição dos trabalhadores foi frustrada; porém, mais tarde, logrou-se a recuperação dos 10% perdidos, em conseqüência
de circunstâncias que não me posso deter a examinar agora.
2 — Os valores dos artigos de primeira necessidade e, por con-seguinte, o valor do trabalho podem permanecer invariáveis, mas o
preço deles em dinheiro pode sofrer alteração, desde que se opere uma prévia modificação no valor do dinheiro.
Com a descoberta de jazidas mais abundantes, etc., 2 onças de ouro, por exemplo, não suporiam mais trabalho do que antes exigia a
produção de 1 onça. Nesse caso, o valor do ouro baixaria à metade, a 50%. E como, em conseqüência disso, os valores das demais mercadorias
expressar-se-iam no dobro do seu preço em dinheiro anterior, o mesmo


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aconteceria com o valor do trabalho. As 12 horas de trabalho, que
antes se expressavam em 6 xelins, agora expressar-se-iam em 12. Logo, se o salário do operário continuasse a ser de 3 xelins, em vez de ir a


6, resultaria que o preço em dinheiro do seu trabalho só corresponderia
à metade do valor do seu trabalho, e seu padrão de vida pioraria as-sustadoramente. O mesmo ocorreria, em grau maior ou menor, se seu


salário subisse, mas não proporcionalmente à baixa do valor do ouro. Em tal caso, não se teria operado a menor mudança, nem nas forças
produtivas do trabalho, nem na oferta e procura, nem tampouco nos
valores. Só teria mudado o nome em dinheiro desses valores. Dizer, nesse caso, que o operário não deve lutar pelo aumento proporcional


do seu salário equivale a pedir-lhe que se resigne a que se lhe pague o seu trabalho com nomes, não com coisas. Toda a história do passado
prova que, sempre que se produz uma depreciação do dinheiro, os
capitalistas se aprestam para tirar proveito da conjuntura e enganar os operários. Uma grande escola de economistas assevera que, em con-seqüência


das novas descobertas de terras auríferas, da melhor explo-ração das minas de prata e do barateamento do fornecimento do mer-cúrio,
voltou a se depreciar o valor dos metais preciosos. Isso explicaria
as tentativas generalizadas e simultâneas que se fazem no Continente 27 para conseguir um aumento de salários.


3 — Até aqui partimos da suposição de que a jornada de trabalho tem limites dados. Mas, na realidade, essa jornada, em si mesma, não
tem limites constantes. O capital tende constantemente a dilatá-la ao máximo de sua possibilidade física, já que na mesma proporção au-menta
o sobretrabalho e, portanto, o lucro que dele deriva. Quanto mais êxito tiverem as pretensões do capital para alongar a jornada de
trabalho, maior será a quantidade de trabalho alheio de que se apro-priará. Durante o século XVII, e até mesmo durante os primeiros dois
terços do século XVIII, a jornada normal de trabalho, em toda a In-glaterra, era de 10 horas. Durante a guerra contra os jacobitas, 28 que
foi, na realidade, uma guerra dos barões ingleses contra as massas trabalhadoras inglesas, o capital viveu dias de orgia e prolongou a
jornada de 10 para 12, 14 e 18 horas. Malthus, 29 que não pode preci-


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27 Refere-se Marx aos países do continente europeu. (N. do E.) 28 Jacobitas eram chamados os partidários de Jacques II (do latim Jacobus) e da Casa dos
Stuarts, afastados pela revolução de 1688. Tentaram apoderar-se do poder em diversas ocasiões, a última das quais em 1745, mas sem o menor êxito. (N. do E.)
29 Thomas Robert Malthus (1766-1834) é principalmente conhecido pelo seu Essay on the Principles of Population as it Affects the Future Improvement of Society (Ensaio
Sobre o Princípio da
População na Medida em Que Afeta a Futura Melhoria da Sociedade), no qual conclui pela fórmula pessimista de que a população tenderia a aumentar em progressão geométrica,
enquanto
os meios de subsistência crescem em progressão aritmética, devendo-se atingir um ponto em que não seria mais possível arranjar alimentos para todos. Essa concepção,
profunda-mente
reacionária, ainda hoje figura, em primeiro plano, no arsenal ideológico do impe-rialismo. (N. do E.)
108#
samente infundir suspeitas de terno sentimentalismo, declarou num folheto, publicado por volta de 1815, que a vida da nação estava amea-çada
em suas raízes, caso as coisas continuassem assim. Alguns anos antes da generalização dos novos inventos mecânicos, cerca de 1765,
veio à luz na Inglaterra um folheto intitulado An Essay on Trade (Um Ensaio Sobre o Comércio). O anônimo autor desse folheto, inimigo ju-rado
da classe operária, clama pela necessidade de estender os limites da jornada de trabalho. Entre outras coisas, propõe criar, com esse
objetivo, casas de trabalho para pobres, que, diz ele, deveriam ser "casas de terror". E qual é a duração da jornada de trabalho proposta
para estas "casas de terror"? Doze horas, quer dizer, precisamente a jornada que, em 1832, os capitalistas, os economistas e os ministros
declaravam não só vigente de fato, mas também o tempo de trabalho necessário para as crianças menores de 12 anos.
Ao vender a sua força de trabalho — e o operário é obrigado a fazê-lo, no regime atual —, ele cede ao capitalista o direito de empregar
essa força, porém dentro de certos limites racionais. Vende a sua força de trabalho para conservá-la ilesa, salvo o natural desgaste, porém
não para destruí-la. E como a vende por seu valor diário, ou semanal, se subentende que num dia ou numa semana não se há de arrancar
à sua força de trabalho um uso, ou desgaste de dois dias ou duas semanas. Tomemos uma máquina que valha 1 000 libras. Se ela se
usa em 10 anos, acrescentará no fim de cada ano 100 libras ao valor das mercadorias que ajuda a produzir. Se se usa em 5 anos, o valor
acrescentado por ela será de 200 libras anuais, isto é, o valor de seu desgaste anual está em razão inversa à rapidez com que se esgota.
Mas isso distingue o operário da máquina. A maquinaria não se esgota exatamente na mesma proporção em que se usa. Ao contrário, o homem
se esgota numa proporção muito superior à que a mera soma numérica do trabalho acusa.
Nas tentativas para reduzir a jornada de trabalho à sua antiga duração racional, ou, onde não podem arrancar uma fixação legal da
jornada normal de trabalho, nas tentativas para contrabalançar o tra-balho excessivo por meio de um aumento de salário, aumento que não
basta esteja em proporção com o sobretrabalho que os exaure, e deve, sim, estar numa proporção maior, os operários não fazem mais que
cumprir um dever para com eles mesmos e a sua descendência. Limi-tam-se a refrear as usurpações tirânicas do capital. O tempo é o campo
do desenvolvimento humano. O homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida, afora as interrupções puramente físicas do sono,
das refeições, etc. está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma simples máquina,
fisicamente destroçada e espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia. E, no entanto, toda a história da moderna indústria
demonstra que o capital, se não se lhe põe um freio, lutará sempre,


MARX


111
109#
implacavelmente, e sem contemplações, para conduzir toda a classe operária a esse nível de extrema degradação.
Pode acontecer que o capital, ao prolongar a jornada de trabalho, pague salários mais altos e que, sem embargo, o valor do trabalho
diminua, se o aumento dos salários não corresponde à maior quantidade de trabalho extorquido e ao mais rápido esgotamento da força de tra-balho
que daí resultará. Isso pode ainda ocorrer de outro modo. Vossos estatísticos burgueses vos dirão, por exemplo, que os salários médios
das famílias que trabalham nas fábricas do Lancashire subiram. Mas se esqueceram de que agora, em vez de ser só o homem, o cabeça da
família, são também sua mulher e, talvez, três ou quatro filhos que se vêem lançados sob as rodas do carro de Jaguernaut 30 do capital e
que a alta dos salários totais não corresponde à do sobretrabalho total arrancado à família.
Mesmo com uma jornada de trabalho de limites determinados, como existe hoje em dia em todas as indústrias sujeitas às leis fabris,
pode-se tornar necessário um aumento de salários, ainda que somente seja com o fito de manter o antigo nível do valor do trabalho. Mediante
o aumento da intensidade do trabalho, pode-se fazer com que um homem gaste em 1 hora tanta força vital como antes, em 2. É o que se tem
produzido nas indústrias submetidas às leis fabris, até certo ponto, acelerando a marcha das máquinas e aumentando o número de má-quinas
de trabalho a que deve atender agora um só indivíduo. Se o aumento da intensidade do trabalho ou da quantidade de trabalho
despendida em 1 hora se mantém abaixo da diminuição da jornada de trabalho, sairá então ganhando o operário. Se se ultrapassa esse
limite, perderá por um lado o que ganhar por outro, e 10 horas de trabalho o arruinarão tanto como antes 12. Ao contrabalançar essa
tendência do capital, por meio da luta pela alta dos salários, na medida correspondente à crescente intensidade do trabalho, o operário não faz
mais que se opor à depreciação do seu trabalho e à degeneração da sua descendência.
4 — Sabeis todos que, por motivos que não me cabe aqui explicar, a produção capitalista move-se através de determinados ciclos perió-dicos.
Passa por fases de calma, de animação crescente, de prosperidade, de superprodução, de crise e de estagnação. Os preços das mercadorias
no mercado e a taxa de lucro no mercado seguem essas fases; ora descendo abaixo de seu nível médio ora ultrapassando-o. Se conside-rardes
todo o ciclo, vereis que uns desvios dos preços do mercado são compensados por outros e que, tirando a média do ciclo, os preços das
mercadorias do mercado se regulam por seus valores. Pois bem. Durante


OS ECONOMISTAS


112
30 Jaguernaut é o nome das imagens do deus indiano Vixnu. Nas festas em honra a essa divindade, celebrava-se uma procissão acompanhando o carro do deus, debaixo
do qual se
atiravam e pereciam muitos fanáticos. (N. do T.)
110#
as fases de baixa dos preços no mercado e durante as fases de crise de estagnação, o operário, se é que não o põem na rua, pode estar
certo de ver rebaixado o seu salário. Para que não o enganem, mesmo com essa baixa de preços no mercado, ver-se-á compelido a discutir
com o capitalista em que proporção se torna necessário reduzir os salários. E se durante a fase de prosperidade, na qual o capitalista
obtém lucros extraordinários, o operário não lutar por uma alta de salários, ao tirar a média de todo o ciclo industrial, veremos que ele
nem sequer percebe o salário médio, ou seja, o valor do seu trabalho. Seria o cúmulo da loucura exigir que o operário, cujo salário se vê
forçosamente afetado pelas fases adversas do ciclo, renunciasse ao di-reito de ser compensado durante as fases prósperas. Geralmente, os
valores de todas as mercadorias só se realizam por meio da compensação que se opera entre os preços constantemente variáveis do mercado,
variação proveniente das flutuações constantes da oferta e da procura. No âmbito do sistema atual, o trabalho é uma mercadoria como outra
qualquer. Tem, portanto, que passar pelas mesmas flutuações, até obter o preço médio que corresponde ao seu valor. Seria um absurdo consi-derá-
lo mercadoria para certas coisas e, para outras, querer excetuá-lo das leis que regem os preços das mercadorias. O escravo obtém uma
quantidade constante e fixa de meios de subsistência; o operário as-salariado, não. Ele não tem outro recurso senão tentar impor, em alguns
casos, um aumento dos salários, ainda que seja apenas para compensar a baixa em outros casos. Se espontaneamente se resignasse a acatar
a vontade, os ditames do capitalista, como uma lei econômica perma-nente, compartilharia de toda a miséria do escravo, sem compartilhar,
em troca, da segurança deste. 5 — Em todos os casos que considerei, e que representam 99 em
100, vistes que a luta pelo aumento de salários vai sempre na pista de modificações anteriores e é o resultado necessário das modificações
prévias operadas no volume de produção, nas forças produtivas do trabalho, no valor deste, no valor do dinheiro, na maior extensão ou
intensidade do trabalho extorquido nas flutuações dos preços do mer-cado, que dependem das flutuações da oferta e da procura e se verificam
em função das diversas fases do ciclo industrial; numa palavra, é a reação dos operários contra a ação anterior do capital. Se focalizássemos
a luta pelo aumento de salários fazendo caso omisso de todas essas circunstâncias, apenas considerando as modificações operadas nos sa-lários
e passando por cima de modificações outras, das quais elas pro-vêm, partiríamos de uma falsa premissa para chegar a conclusões falsas.


XIV A Luta Entre o Capital e o Trabalho e seus Resultados


1 — Após demonstrar que a resistência periódica que os traba-lhadores opõem à redução dos salários e suas tentativas periódicas


MARX


113
111#
para conseguir um aumento de salários são fenômenos inseparáveis do sistema do salariado e ditadas pelo próprio fato de o trabalho se achar
equiparado às mercadorias, por conseguinte submetido às leis que regulam o movimento geral dos preços, tendo demonstrado, ainda, que um aumento
geral de salários resultaria numa diminuição da taxa geral de lucro, sem afetar, porém, os preços médios das mercadorias, nem os seus valores —
surge a questão de saber até que ponto, na luta incessante entre o capital e o trabalho, tem este possibilidade de êxito.
Poderia responder com uma generalização, dizendo que o preço do trabalho no mercado, da mesma forma que o das demais mercadorias,
tem que se adaptar, no decorrer do tempo, ao seu valor, que, portanto, a despeito de todas as altas e baixas e do que possa fazer, o operário
acabará recebendo sempre, em média, somente o valor de seu trabalho, que se reduz ao valor da sua força de trabalho, a qual, por sua vez,
é determinada pelo valor dos meios de subsistência necessários à sua manutenção e reprodução, valor esse regulado, em última análise, pela
quantidade de trabalho necessário para produzi-los.
Mas há certos traços peculiares que distinguem o valor da força de trabalho dos valores de todas as demais mercadorias. O valor da


força de trabalho é formado por dois elementos, um dos quais puramente físico, o outro de caráter histórico e social.
Seu limite mínimo é determinado pelo elemento físico, quer dizer — para poder manter-se e se reproduzir, para perpetuar a sua exis-tência
física, a classe operária precisa obter os artigos de primeira necessidade, absolutamente indispensáveis à vida e à sua multiplicação.
O valor desses meios de subsistência indispensáveis constitui, pois, o limite mínimo do valor do trabalho. Por outra parte, a extensão da
jornada de trabalho também tem seus limites máximos, se bem que sejam muito elásticos. Seu limite máximo é dado pela força física do
trabalhador. Se o esgotamento diário de suas energias vitais excede um certo grau, ele não poderá fornecê-las outra vez, todos os dias.
Mas, como dizia, esse limite é muito elástico. Uma sucessão rápida de gerações raquíticas e de vida curta manterá abastecido o mercado de
trabalho tão bem como uma série de gerações robustas e de vida longa.
Além desse mero elemento físico, na determinação do valor do trabalho entra o padrão de vida tradicional em cada país. Não se trata


somente da vida física, mas também da satisfação de certas necessi-dades que emanam das condições sociais em que vivem e se criam os
homens. O padrão de vida inglês poderia baixar ao irlandês; o padrão de vida de um camponês alemão ao de um camponês livônio. 31 A im-portância
do papel que, a esse respeito, desempenham a tradição his-tórica e o costume social podereis vê-la no livro do sr. Thornton sobre


OS ECONOMISTAS


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31 Habitante de uma antiga e atrasada província da Rússia czarista, hoje parte da Estônia e da Letônia. (N. do E.)
112#
a Superpopulação, onde ele mostra que, em distintas regiões agrícolas da Inglaterra de nossos dias, os salários médios continuam a ser hoje
diferentes, conforme as condições mais ou menos favoráveis em que essas regiões saíram da servidão.
Esse elemento histórico ou social, que entra no valor do trabalho, pode acentuar-se, ou debilitar-se e, até mesmo, extinguir-se de todo,
de tal modo que só fique de pé o limite físico. Durante a guerra contra os jacobitas, que, costumava dizer o
incorrigível devorador de impostos e prebendas, o velho George Rose, 32 foi empreendida para que esses descrentes franceses não destruíssem
os consolos da nossa santa religião — os honestos fazendeiros ingleses, a quem tratamos com tanto carinho num capítulo anterior, fizeram
baixar os salários dos trabalhadores do campo para além daquele mí-nimo estritamente físico, completando a diferença indispensável para
assegurar a perpetuação física da descendência, mediante as leis dos pobres. Era um glorioso método para converter o trabalhador assala-riado
em escravo e o orgulhoso yeoman de Shakespeare em mendigo.
Se comparais os salários normais ou valores do trabalho em di-versos países e em épocas históricas distintas, dentro do mesmo país,


vereis que o valor do trabalho não é por si uma grandeza constante, mas variável mesmo supondo que os valores das demais mercadorias
permaneçam fixos. Um estudo comparativo semelhante das taxas de lucro no mercado provaria que não só elas se modificam como também
as suas taxas médias. Mas, no que se refere ao lucro, não existe nenhuma lei que lhe
fixe o mínimo. Não podemos dizer qual seja o limite extremo de sua baixa. E por que não podemos estabelecer esse limite? Porque, embora
possamos fixar o salário mínimo, não podemos fixar o salário máximo. Só podemos dizer que, dados os limites da jornada de trabalho, o má-ximo
de lucro corresponde ao mínimo físico dos salários e que, partindo de dados salários, o máximo de lucro corresponde ao prolongamento
da jornada de trabalho na medida em que seja compatível com as forças físicas do operário. Portanto, o máximo de lucro só se acha li-mitado
pelo mínimo físico dos salários e pelo máximo físico da jornada de trabalho. É evidente que, entre os dois limites extremos da taxa
máxima de lucro, cabe uma escala imensa de variantes. A determinação de seu grau efetivo só fica assente pela luta incessante entre o capital
e o trabalho; o capitalista, tentando constantemente reduzir os salários ao seu mínimo físico e a prolongar a jornada de trabalho ao seu máximo
físico, enquanto o operário exerce constantemente uma pressão no sen-tido contrário.
A questão se reduz ao problema da relação de forças dos combatentes.


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32 George Rose, estadista inglês (1744-1818), agente dedicado de Pitt e, depois, de Jorge III. (N. do E.)
113#
2 — Pelo que concerne à limitação da jornada de trabalho, tanto na Inglaterra como em todos os outros países, nunca foi ela regula-mentada
senão por intervenção legislativa. E, sem a constante pressão dos operários agindo por fora, nunca essa intervenção dar-se-ia. Em
todo caso, esse resultado não teria sido alcançado por meio de convênios privados entre os operários e os capitalistas. E essa necessidade mesma
de uma ação política geral é precisamente o que demonstra que, na luta puramente econômica, o capital é a parte mais forte.
Quanto aos limites do valor do trabalho, sua fixação efetiva de-pende sempre da oferta e da procura, e refiro-me à procura de trabalho
por parte do capitalista e à oferta de trabalho pelos operários. Nos países coloniais, 33 a lei da oferta e da procura favorece os operários.
Daqui resulta o nível relativamente elevado dos salários nos Estados Unidos. Nesses países, faça o que fizer o capital, ele não pode nunca
evitar que o mercado de trabalho seja constantemente desabastecido pela constante transformação dos trabalhadores assalariados em la-vradores
independentes com fontes próprias de subsistência. Para gran-de parte da população norte-americana, a posição de assalariados não
é mais do que uma estação de trânsito, que estão seguros de abandonar, mais tarde ou mais cedo. Para remediar esse estado colonial de coisas,
o paternal governo britânico adotou, há tempos, a chamada teoria mo-derna da colonização, que consiste em atribuir às terras coloniais um
preço artificialmente elevado para, desse modo, obstar a transformação demasiado rápida do trabalhador assalariado em lavrador independente.
Mas passemos agora aos velhos países civilizados onde o capital domina todo o processo de produção. Tomemos, por exemplo, a elevação
dos salários agrícolas ingleses, de 1849 a 1859. Qual foi a sua conse-qüência? Os agricultores não puderam elevar o valor do trigo, como
lhes teria aconselhado nosso amigo Weston, nem sequer o seu preço no mercado. Ao contrário, tiveram que resignar-se a vê-lo baixar. Mas
durante esses onze anos introduziram máquinas de todas as classes e novos métodos científicos, transformaram uma parte das terras de
lavoura em pastagens, aumentaram a extensão de suas fazendas e, com ela, a escala de produção; e por esses e outros processos, fazendo
diminuir a procura de trabalho, graças ao aumento de suas forças produtivas, tornaram a criar um excedente relativo da população de
trabalhadores rurais. Tal é o método geral segundo o qual opera o


OS ECONOMISTAS


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33 No cap. XXV do Livro Primeiro de O Capital, onde Marx se detém a examinar minucio-samente esse problema, encontra-se a seguinte observação: "Aqui nos referimos
às verda-deiras
colônias, às terras virgens colonizadas por emigrantes livres. Os Estados Unidos, num sentido econômico, ainda são uma colônia da Europa. Quanto ao mais, isso diz
respeito,
também, àquelas antigas plantações, nas quais a abolição da escravatura transformou completamente as condições anteriores". MARX, Karl. Das Kapital. In: Marx-Engels
Werke.
Berlim, Dietz Verlag, 1977. v. 23, p. 792. Desde então, como em toda parte, a terra se converteu em propriedade privada, cerraram-se, também, as possibilidades de
transformar,
nos países coloniais, os trabalhadores assalariados em produtores livres. (N. do E.)
114#
capital nos países antigos, de bases sólidas, para reagir, mais rápida ou mais lentamente, contra os aumentos de salários. Ricardo observou,
com exatidão, que a máquina está em contínua concorrência com o trabalho e, amiúde, só pode ser introduzida quando o preço do trabalho
alcança certo limite: mas a aplicação da maquinaria é apenas um dos muitos métodos empregados para aumentar a força produtiva do tra-balho.
Esse mesmo processo, que cria uma superabundância relativa de trabalho ordinário, simplifica muito o trabalho qualificado e, por-tanto,
o deprecia. A mesma lei se faz sentir em outra forma. Com o desenvolvimento
das forças produtivas do trabalho, acelera-se a acumulação do capital, inclusive a despeito de uma taxa de salário relativamente alta. Daqui
poderia inferir-se, conforme fez Adam Smith, em cujos tempos a in-dústria moderna ainda estava na sua infância, que a acumulação ace-lerada
do capital tem forçosamente que fazer pender a balança a favor do operário, por garantir uma procura crescente de seu trabalho. Si-tuando-
se no mesmo ponto de vista, há muitos autores contemporâneos que se assombram de que, apesar de nos últimos vinte anos o capital
inglês ter crescido mais rapidamente do que a população inglesa, os salários nem por isso registram um aumento maior. Mas é que, simul-taneamente,
com a acumulação progressiva, opera-se uma mudança progressiva na composição do capital. A parte do capital global formada
por capital fixo: 34 maquinaria, matérias-primas, meios de produção de todo gênero, cresce com maior rapidez que a outra parte do capital
destinada a salários, ou seja, à compra de trabalho. Essa lei foi esta-belecida, sob uma forma mais ou menos precisa, pelos srs. Barton, Ricardo,
Sismondi, prof. Richard Jones, prof. Ramsey, Cherbuliez e outros. Se a proporção entre esses dois elementos do capital era, origi-nariamente,
de 1 para 1, com o progresso da indústria será de 5 para
1, e assim sucessivamente. Se de um capital global de 600 são desem-bolsados
300 para instrumentos, matérias-primas etc., e 300 para sa-lários,
basta dobrar o capital global para ser possível absorver 600
operários em vez de 300. Mas, se de um capital de 600 se invertem
500 em maquinaria, materiais, etc., e somente 100 em salários, este
capital precisa aumentar de 600 a 3 600, para criar uma procura de 600 operários em lugar de 300. Portanto, ao se desenvolver a indústria,


a procura de trabalho não avança com o mesmo ritmo da acumulação
do capital. Aumenta, sem dúvida, mas aumenta numa proporção cons-tantemente
decrescente, quando comparada com o incremento do ca-pital.
Essas breves indicações bastarão para demonstrar, precisamente,
que o próprio desenvolvimento da indústria moderna contribui por força


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34 Chamado mais tarde, por Marx, capital "constante" e oposto ao capital transformado em salários, ou capital "variável". (N. da Ed. Francesa.)
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para inclinar cada vez mais a balança a favor do capitalista contra o operário e que, em conseqüência disso, a tendência geral da produção
capitalista não é para elevar o nível médio normal do salário, mas, ao contrário, para fazê-lo baixar, empurrando o valor do trabalho mais
ou menos até seu limite mínimo. Porém, se tal é a tendência das coisas nesse sistema, quer isso dizer que a classe operária deva renunciar a
defender-se contra os abusos do capital e abandonar seus esforços para aproveitar todas as possibilidades que se lhe ofereçam de melhorar
em parte a sua situação? Se o fizesse, ver-se-ia degradada a uma massa informe de homens famintos e arrasados, sem probabilidade de salva-ção.
Creio haver demonstrado que as lutas da classe operária em torno do padrão de salários são episódios inseparáveis de todo o sistema do
salariado: que, em 99% dos casos, seus esforços para elevar os salários não são mais que esforços destinados a manter de pé o valor dado do
trabalho e que a necessidade de disputar o seu preço com o capitalista é inerente à situação em que o operário se vê colocado e que o obriga
a vender-se a si mesmo como uma mercadoria. Se em seus conflitos diários com o capital cedessem covardemente, ficariam os operários,
por certo, desclassificados para empreender outros movimentos de maior envergadura.
Ao mesmo tempo, e ainda abstraindo totalmente a escravização geral que o sistema do salariado implica, a classe operária não deve
exagerar a seus próprios olhos o resultado final dessas lutas diárias. Não deve esquecer-se de que luta contra os efeitos, mas não contra as
causas desses efeitos; que logra conter o movimento descendente, mas não fazê-lo mudar de direção; que aplica paliativos, mas não cura a
enfermidade. Não deve, portanto, deixar-se absorver exclusivamente por essas inevitáveis lutas de guerrilhas, provocadas continuamente
pelos abusos incessantes do capital ou pelas flutuações do mercado. A classe operária deve saber que o sistema atual, mesmo com todas as
misérias que lhe impõem, engendra simultaneamente as condições ma-teriais e as formas sociais necessárias para uma reconstrução econômica
da sociedade. Em vez do lema conservador de: "Um salário justo para uma jornada de trabalho justa!", deverá inscrever na sua bandeira
esta divisa revolucionária: "Abolição do sistema de trabalho assalariado!" Depois dessa exposição longuíssima e, receio eu, fatigante, que
julguei indispensável para esclarecer um pouco o nosso tema principal, vou concluir, propondo a aprovação da resolução seguinte:
1 — Uma alta geral da taxa de salários acarretaria uma baixa da taxa geral de lucro, mas não afetaria, em linhas gerais, os preços
das mercadorias.
2 — A tendência geral da produção capitalista não é para elevar o padrão médio de salários, mas para reduzi-lo.


3 — Os sindicatos trabalham bem como centro de resistência


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contra as usurpações do capital. Falham em alguns casos, por usar pouco inteligentemente a sua força. Mas são deficientes, de modo geral,
por se limitarem a uma luta de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em lugar de, ao mesmo tempo, se esforçarem para mudá-lo,
em lugar de empregarem suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição definitiva
do sistema de trabalho assalariado.


MARX


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A RESPEITO DA TRADUÇÃO DE O CAPITAL
Traduzir O Capital é uma tarefa incomum, como é incomum a própria obra. Trata-se de um dos textos mais importantes de toda a hu-manidade,
sem dúvida o mais lido, o mais debatido, o mais criticado e o mais endeusado dos textos científicos. É possível que também seja o mais
traduzido. Por isso tudo, vertê-lo mais uma vez apresenta certos dilemas que uma tradução comum não apresenta. Informar ao leitor mais exigente
o modo como esses dilemas foram resolvidos, na presente tradução para o português, torna-se assim imprescindível, o que justifica esta nota.
A primeira questão é obviamente a fidelidade ao original. Cada tradução não pode deixar de ser também interpretação, na medida em
que não há correspondência perfeita entre os vocábulos e a sintaxe das diferentes línguas. Cada autor luta com as limitações de sua própria língua
para exprimir com a máxima perfeição seu pensamento. Que Marx mesmo travou essa luta contra as insuficiências do alemão, língua particularmente
rica e flexível, provam as inúmeras expressões em inglês, francês, latim, grego etc. que se encontram em seus escritos, particularmente em O Ca-pital.
Quando o traduzir determinados trechos implica interpretar, colo-ca-se a questão: o que o autor de fato queria dizer? Embora nesses mo-mentos
a convicção do tradutor tenha seu peso, ele precisa seguir certas normas para que suas opções não sejam aleatórias ou inconsistentes. (Ver
a esse respeito o "Apêndice" de F. Kothe, neste volume.) Uma saída cômoda seria tornar a tradução a mais literal possível,
escolhendo as palavras e a construção das frases de modo a reproduzir com a maior perfeição original. Só que essa maneira de proceder al-gumas
vezes obscurece ou deturpa mesmo o sentido, sobretudo nas passagens mais complexas e mais densas de significado. Marx mesmo
criticou o tradutor do volume I de O Capital para o francês, por ter sido literal demais. 35 Para Marx, traduzir significa interpretar em sen-121


35 Ver o "Ao Leitor" do Posfácio da Edição Francesa, neste volume.
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tido amplo, o objetivo maior sendo o de revelar o sentido essencial do enunciado, sem manter sempre respeito absoluto à forma. Ele mesmo
procedeu assim em numerosas citações que apresenta vertidas para o alemão. Safar-se, portanto, das dificuldades apelando à autoridade do
dicionário seria uma fuga à responsabilidade de apresentar ao leitor em língua portuguesa um texto fiel ao espírito do seu autor e não
apenas a sua forma. Esse dilema se desdobra em outro: simplificar a exposição para
torná-la mais acessível ao leitor comum ou manter a magnífica com-plexidade do texto original? É preciso notar que Marx mesmo se esforçou
ao máximo para ser claro, mantendo ao mesmo tempo a elegância do estilo, em si erudito. Daí ele freqüentemente apresentar a mesma idéia
em seus vários desdobramentos tendo em vista sua completa elucidação. As primeiras traduções de O Capital, feitas ainda em vida de Marx e
de Engels, tenderam a certa simplificação, o que se justificava, ao ver deles, pela necessidade de apresentar ao público um conjunto de noções
e uma forma de interpretar a realidade que então eram inteiramente novos e inusitados. Hoje, cem anos após a morte de Marx, a situação
é completamente outra. O marxismo é amplamente divulgado e estu-dado, impregnando de mil modos não só as teorias econômicas, sociológicas,
políticas, antropológicas etc. mas também a literatura, o teatro, a poesia, a linguagem jornalística e até mesmo o linguajar comum. Conseqüente-mente,
o público está mais bem preparado do que há um século para penetrar nos meandros do pensamento de Marx, de modo que já não se
justifica fazer uma tradução simplificadora de sua obra máxima. Nesta tradução, deu-se prioridade à clareza do texto, sem, no
entanto, tentar simplificá-lo. Procurou-se, sempre que possível, traduzir tanto a forma quanto o conteúdo do texto original. Ao mesmo tempo
que se procurou a máxima fidelidade ao original, tentou-se recriar a sua beleza literária, no espírito da língua portuguesa. Esse propósito
mostrou-se menos difícil de realizar do que se pensava a princípio. A explicação provável para isso é que, com a difusão do marxismo, o
estilo da língua portuguesa foi, em alguma medida, influenciado pelas formas peculiares de Marx exprimir seu pensamento. O português que
se pratica no Brasil no final do século XX é, sem dúvida, influenciado pelas grandes correntes universais de pensamento, que aqui encontram
também sua ressonância. Cabe lembrar que textos primorosos, inspi-rados em Marx, já foram produzidos por autores em língua portuguesa.
Esses textos fazem parte da cultura viva do país e contribuem para moldar-lhe a língua. De modo que o nosso português é hoje um ins-trumento
bastante adequado para expressar a grande obra de Marx, inclusive quanto a sua qualidade literária. Muito do que é belo em
alemão pode ser devidamente apreciado em português. Passando agora aos aspectos mais técnicos da tradução, convém
informar que o original adotado foi o publicado na coleção "Karl Marx.


OS ECONOMISTAS


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Friedrich Engels Werke", volumes 23, 24 e 25, da editora Dietz Verlag, Berlim, 1977, que reproduz a 4ª edição de O Capital, revista e publicada
por Engels, em 1890. Os prefácios publicados nesse volume mostram que essa edição é a mais completa e a mais autorizada da obra. Na
tarefa de interpretar e desentranhar passagens difíceis ou obscuras, valemo-nos de traduções de O Capital em outras línguas, mas sempre
dando prioridade ao original alemão. Esta tradução não é de modo algum uma tradução de traduções, mas seria faltar à verdade negar
ou silenciar o fato de que, em vários momentos, soluções encontradas por tradutores para outras línguas foram úteis para que pudéssemos
encontrar as mais adequadas em português. Confessamos com gratidão essa dívida e esperamos que esta tradução sirva, por sua vez, de apoio
a futuras traduções de O Capital para outras línguas. Adotou-se como norma utilizar as expressões marxistas vertidas
ao português por economistas, sociólogos, filósofos etc. e de uso corrente, de modo a facilitar a compreensão do texto. Pareceu-nos que seria um
purismo injustificável retraduzir por exemplo Mehrwert por mais-valor (em analogia com mais-trabalho e mais-produto), quando a expressão
mais-valia é o vocábulo consagrado em português. Não obstante, um grande número de novas expressões — tais como produto-valor, obje-tividade
do valor, forma-valor, mercadoria monetária, giro monetário etc. — tiveram que ser criadas. É preciso notar que boa parte dos
termos técnicos de Economia, utilizados por Marx, são correntes na literatura econômica moderna e têm expressões portuguesas já consa-gradas,
que foram, por isso, sistematicamente adotadas na tradução. Em suma, a invenção de novas expressões em português foi restrita
ao indispensável, procurando-se adequá-las à terminologia corrente. Como já mencionamos, Marx, ao citar autores em outras línguas
que não o alemão, nem sempre foi completamente fiel ao original. Entendemos que não nos cabia "corrigi-lo". Todas as citações são tra-duzidas
da versão alemã de Marx. Em alguns casos foram acrescentadas "notas do tradutor" em que se apresentam traduções mais literais dos
referidos textos, de modo que o leitor possa apreciar a maneira de Marx interpretá-los.
Outro pormenor não desprezível é que o volume I de O Capital tinha, em sua 1ª edição, numerosos trechos e vocábulos em itálico. Em
edição posterior, Marx retirou os grifos. Pedro Scaron, tradutor de O Capital para o espanhol 36 alega que isso se fez para reduzir os custos
de impressão. Nas edições posteriores à primeira, do volume I, o texto foi em parte substancialmente alterado por Marx. Nesta parte do texto,
assim como nos volumes de O Capital o método de grifar extensamente não foi utilizado. Resolveu-se por isso seguir nesse particular a 4ª edição,


MARX


123
36 MARX, K. El Capital. México, Siglo Veintiuno Editores, 1975. v. I, p. XII.
120#
que não contém os grifos, de modo a preservar a unidade de estilo da obra como um todo.
Finalmente, queremos assinalar que não se pretende que esta tradução de O Capital seja definitiva ou perfeita. É provável que con-tenha
falhas e aspectos criticáveis. Pretendemos apenas ter realizado um trabalho consciencioso, visando corresponder às necessidades de
um público de estudantes e estudiosos já consideravelmente sofisticado e exigente. Traduzir O Capital é uma aventura trabalhosa e até certo
ponto esgotante, mas altamente compensadora em termos de satisfação e crescimento intelectual. Esperamos que os leitores participem da
mesma com igual proveito.
São Paulo, 19 de maio de 1983


Flávio R. Kothe Paul Singer
Regis Barbosa


OS ECONOMISTAS


124
121#
ADVERTÊNCIA DO EDITOR
Notas de rodapé
Chaves ou colchetes indicam acréscimos de Engels.


125
122#
Dedicado a meu amigo inesquecível, o corajoso, fiel e nobre pioneiro do proletariado
WILHELM WOLFF
Nascido em Tarnau, em 21 de junho de 1809. Falecido no exílio, em Manchester, em 9 de maio de 1864.
123#
PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO 37
A obra, cujo volume I entrego ao público, constitui a continuação de meu texto publicado em 1859: Contribuição à Crítica da Economia
Política. A longa pausa entre começo e continuação deve-se a uma enfermidade de muitos anos, que reiteradamente interrompeu o meu
trabalho. O conteúdo daquele texto anterior está resumido no capítulo I
deste volume. 38 Isso aconteceu não só por causa da conexão e da ne-cessidade de torná-lo completo. A exposição está aperfeiçoada. À medida
que, de algum modo, o contexto o permitiu, pontos antes apenas indi-cados foram aqui desenvolvidos, enquanto, inversamente, o que lá foi
amplamente desenvolvido é apenas indicado aqui. As partes sobre a história da teoria do valor e do dinheiro foram naturalmente elimina-das.
O leitor do texto anterior encontra, no entanto, abertas novas fontes para a história daquela teoria nas notas do capítulo I.
Todo começo é difícil; isso vale para qualquer ciência. O enten-dimento do capítulo I, em especial a parte que contém a análise da
mercadoria, apresentará, portanto, a dificuldade maior. Quanto ao que se refere mais especificamente à análise da substância do valor e da
grandeza do valor, procurei torná-las acessíveis ao máximo. 39 A forma


129
37 Para maiores esclarecimentos a respeito da obra, ver, neste volume, a Apresentação de Jacob Gorender. (N. do E.)
38 Marx refere-se aqui ao capítulo I da primeira edição (1867) e que tinha o título de "Mercadoria e Dinheiro". Para a segunda edição, Marx fez a revisão do volume
e modificou a sua es-truturação.
Subdividiu o antigo primeiro capítulo em três capítulos autônomos que, agora, com o mesmo título, constituem a Seção I. (N. da Ed. Alemã.)
39 Isso pareceu tanto mais necessário quando até mesmo a parte do ensaio de F. Lassalle contra Schulze-Delitzsch, na qual pretende expor "a quinta-essência espiritual"
de minhas
idéias sobre o assunto, contém mal-entendidos graves. En passant. * Se F. Lassalle tomou todas as teses teóricas gerais de seus trabalhos sobre Economia, como, por
exemplo, sobre
o caráter histórico do capital, sobre a conexão entre as relações de produção e o modo de produção etc. etc., de minhas obras, quase literalmente, sem citar as fontes
e até com a
terminologia elaborada por mim, esse procedimento foi com certeza determinado por objetivos de propaganda. Obviamente não estou falando das suas exposições sobre
detalhes nem das
suas aplicações práticas, com as quais nada tenho a ver. * De passagem. (N. dos T.)
124#
do valor, cuja figura acabada é a forma do dinheiro, é muito simples e vazia de conteúdo. Mesmo assim, o espírito humano tem procurado fun-damentá-
la em vão há mais de 2 000 anos, enquanto, por outro lado, teve êxito, ao menos aproximado, a análise de formas muito mais complicadas
e replenas de conteúdo. Por quê? Porque o corpo desenvolvido é mais fácil de estudar do que a célula do corpo. Além disso, na análise das formas
econômicas não podem servir nem o microscópio nem reagentes químicos. A faculdade de abstrair deve substituir ambos. Para a sociedade burguesa,
a forma celular da economia é a forma de mercadoria do produto do trabalho ou a forma do valor da mercadoria. Para o leigo, a análise parece
perder-se em pedantismo. Trata-se, efetivamente, de pedantismo, mas daquele de que se ocupa a anatomia microscópica.
Por isso, com exceção da parte relativa à forma do valor, não se poderá acusar este livro de ser de difícil compreensão. Pressuponho,
naturalmente, leitores que queiram aprender algo de novo e queiram, portanto, também pensar por conta própria.
O físico observa processos naturais seja onde eles aparecem mais nitidamente e menos turvados por influências perturbadoras, seja fa-zendo,
se possível, experimentos sob condições que assegurem o trans-curso puro do processo. O que eu, nesta obra, me proponho a pesquisar
é o modo de produção capitalista e as suas relações correspondentes de produção e de circulação. Até agora, a sua localização clássica é a
Inglaterra. Por isso ela serve de ilustração principal à minha explanação teórica. Caso o leitor alemão encolha, farisaicamente, os ombros ante
a situação dos trabalhadores ingleses na indústria e na agricultura ou, então, caso otimisticamente se assossegar achando que na Alema-nha
as coisas estão longe de estar tão ruins, só posso gritar-lhe: De te fabula narratur! 40
Em si e para si, não se trata do grau mais elevado ou mais baixo de desenvolvimento dos antagonismos sociais que decorrem das leis
naturais da produção capitalista. Aqui se trata dessas leis mesmo, dessas tendências que atuam e se impõem com necessidade férrea. O
país industrialmente mais desenvolvido mostra ao menos desenvolvido tão-somente a imagem do próprio futuro.
Deixemos, porém, isso de lado. Onde a produção capitalista se implantou plenamente entre nós, por exemplo, nas fábricas propria-mente
ditas, as condições são muito piores do que na Inglaterra, pois falta o contrapeso das leis fabris. Em todas as outras esferas, tortu-ra-
nos — assim como em todo o resto do continente da Europa ocidental — não só o desenvolvimento da produção capitalista, mas também a
carência do seu desenvolvimento. Além das misérias modernas, opri-me-nos toda uma série de misérias herdadas, decorrentes do fato de


OS ECONOMISTAS


130
40 De ti fala a fábula! — Das sátiras de Horácio. Livro Primeiro. Sátira 1. 12. (N. da Ed. Alemã).
125#
continuarem vegetando modos de produção arcaicos e ultrapassados, com o seu séquito de relações sociais e políticas anacrônicas. Somos atormentados
não só pelos vivos, como também pelos mortos. Le mort saisit le vif! 41 Comparada com a inglesa, a estatística social da Alemanha e do
resto do continente europeu ocidental é miserável. Ainda assim, levanta o véu o bastante para deixar entrever atrás do mesmo uma cabeça de
Medusa. Ficaríamos horrorizados ante a nossa própria situação caso nossos Governos e parlamentares constituíssem periodicamente, como
na Inglaterra, comissões de inquérito acerca das condições econômicas; caso essas comissões fossem investidas, como na Inglaterra, da mesma
plenitude de poderes para pesquisar a verdade; caso fosse possível encontrar, para tal missão, homens tão especializados, imparciais e
intimoratos quanto o são os inspetores de fábrica na Inglaterra e os seus relatores médicos sobre Public Health (Saúde Pública), os seus
comissários encarregados de examinar a exploração das mulheres e crianças, as condições de moradia e alimentação etc. Perseu precisava
de um capacete da invisibilidade para perseguir os monstros. Nós pu-xamos o capacete mágico a fundo sobre nossos olhos e orelhas, para
podermos negar a existência de monstros. É preciso não se enganar quanto a isso. Assim como, no século
XVIII, a Guerra da Independência americana tocou o sino de alarme para a classe média européia, no século XIX a Guerra Civil norte-americana
tocou-o para a classe operária européia. Na Inglaterra, o processo de sub-versão tornou-se palpável. Quando alcançar certa altura, há de repercutir
no continente. Ali, há de mover-se em formas mais brutais ou mais hu-manas, segundo o grau de desenvolvimento da própria classe operária.
Abstraindo motivos mais elevados, os interesses mais específicos das atuais classes dominantes obrigam-nas à eliminação de todos os empecilhos le-galmente
controláveis que inibam o desenvolvimento da classe operária. Por isso é que me estendi tanto, neste volume, sobre a história, o conteúdo
e os resultados da legislação inglesa relativa às fábricas. Uma nação deve e pode aprender das outras. Mesmo quando uma sociedade descobriu a
pista da lei natural do seu desenvolvimento — e a finalidade última desta obra é descobrir a lei econômica do movimento da sociedade moderna —,
ela não pode saltar nem suprimir por decreto as suas fases naturais de desenvolvimento. Mas ela pode abreviar e minorar as dores do parto.
Para evitar possíveis erros de entendimento, ainda uma palavra. Não pinto, de modo algum, as figuras do capitalista e do proprietário
fundiário com cores róseas. Mas aqui só se trata de pessoas à medida que são personificações de categorias econômicas, portadoras de deter-minadas
relações de classe e interesses. Menos do que qualquer outro, o meu ponto de vista, que enfoca o desenvolvimento da formação eco-


MARX


131
41 O morto se apodera do vivo. (N. dos T.)
126#
nômica da sociedade como um processo histórico-natural, pode tornar
o indivíduo responsável por relações das quais ele é, socialmente, uma
criatura, por mais que ele queira colocar-se subjetivamente acima delas. No campo da Economia Política, a livre pesquisa científica de-para-


se não só com o mesmo inimigo que em todos os outros campos. A natureza peculiar do material que ela aborda chama ao campo de
batalha as paixões mais violentas, mesquinhas e odiosas do coração humano, as fúrias do interesse privado. A Igreja Anglicana da Ingla-terra,
por exemplo, perdoaria antes o ataque a 38 de seus 39 artigos de fé do que a 1/ 39 de suas rendas monetárias. Nos dias de hoje, o
próprio ateísmo é uma culpa levis 42 se comparado com a crítica às relações tradicionais de propriedade. No entanto, aqui um avanço é
inegável. Remeto, por exemplo, ao Livro Azul 43 publicado nas últimas semanas: Correspondence with her Majesty's Missions Abroad, Regar-ding
Industrial Questions and Trades Unions. Os representantes da Coroa inglesa no exterior expõem aí, sem subterfúgios, que na Alema-nha,
na França, em suma, em todos os países cultos do continente europeu, é tão perceptível e tão inevitável uma modificação das relações
vigentes entre capital e trabalho quanto na Inglaterra. Ao mesmo tem-po, do outro lado do Atlântico, Mr. Wade, vice-presidente dos Estados
Unidos da América, declarava em reuniões públicas que, depois da abolição da escravatura, a questão posta na ordem do dia seria a mudança
das relações de capital e propriedade da terra. São esses os sinais dos tempos e que não se deixam encobrir por mantos purpúreos nem por
sotainas negras. Não significam que milagres hão de ocorrer amanhã. Indicam que nas próprias classes dominantes já se insinua o pressenti-mento
de que a atual sociedade não é um cristal sólido, mas um organismo capaz de mudar e que está em constante processo de mudança.
O segundo volume desta obra vai tratar do processo de circulação do capital (Livro Segundo) e das estruturações do processo global (Livro
Terceiro); o terceiro (Livro Quarto), da história da teoria. Todo julgamento da crítica científica será bem-vindo. Quanto aos
preconceitos da assim chamada opinião pública, à qual nunca fiz con-cessões, tomo por divisa o lema do grande florentino:
Segui il tuo corso, e lascia dir le genti! 44
Londres, 25 de julho de 1867
Karl Marx


OS ECONOMISTAS


132
42 Pecado venial. (N. dos T.) 43 Livros Azuis (Blue Books). Denominação geral das publicações de materiais do Parlamento
inglês e documentos diplomáticos do Ministério das Relações Exteriores. Os Livros Azuis, assim chamados devido a suas capas azuis, são publicados na Inglaterra desde
o século
XVII e são a fonte oficial mais importante para a história da economia e diplomacia desse país. (N. da Ed. Alemã.)
44 Segue o teu curso e deixa a gentalha falar! — Citação derivada de Dante. A Divina Comédia. "O Purgatório". Canto V. (N. da Ed. Alemã.)
127#
POSFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO 45
Antes de tudo, tenho de apresentar aos leitores da primeira edi-ção esclarecimentos quanto às modificações feitas na segunda edição.
É evidente a ordenação mais clara do livro. As notas adicionais estão sempre assinaladas como notas à segunda edição. Quanto ao próprio
texto, eis o mais importante: No capítulo I, 1, a dedução do valor por meio da análise das
equações, nas quais se exprime todo valor de troca, é realizada com rigor científico maior, assim como é destacada expressamente a conexão,
apenas indicada na primeira edição, entre a substância do valor e a determinação da grandeza do valor por meio do tempo de trabalho
social necessário. O capítulo I, 3 (A forma do valor) está totalmente reelaborado, o que já se impunha pela exposição dupla na primeira
edição. — De passagem observo que essa exposição dupla deveu-se a meu amigo, dr. L. Kugelmann de Hanover. Eu estava a visitá-lo na
primavera de 1867 quando as primeiras provas chegaram de Hamburgo e ele me convenceu de que, para a maioria dos leitores, seria necessária
uma discussão suplementar e mais didática da forma do valor. — A última parte do capítulo I, "O fetichismo da mercadoria etc.", está
grandemente modificada. O capítulo III, 1 (Medida dos valores) foi cuidadosamente revisto porque essa parte tinha sido negligenciada na
primeira edição, remetendo à discussão já feita na Contribuição à Crí-tica da Economia Política, Berlim, 1859. O capítulo VII, especialmente
a Seção II, foi reformulado de modo significativo. Seria inútil entrar detalhadamente nas modificações, muitas ve-zes
apenas estilísticas, de trechos do texto. Elas se estendem por todo o livro. Apesar disso, creio que, após a revisão da tradução francesa
a ser publicada em Paris, várias partes do original alemão exigiriam aqui uma reelaboração mais profunda, ali uma correção estilística maior


133
45 Na 4ª edição do volume I de O Capital (1890) foram deixados fora os quatro primeiros parágrafos deste prefácio. No presente volume, o prefácio é publicado integralmente.
(N.
da Ed. Alemã.)
128#
ou até mesmo a eliminação cuidadosa de descuidos ocasionais. Para tanto faltou-me tempo, pois apenas no outono de 1871, em meio a outros tra-balhos
urgentes, recebi a notícia de que o livro estava esgotado e que a impressão da segunda edição já teria de ser iniciada em janeiro de 1872.
A compreensão que O Capital rapidamente encontrou em amplos círculos da classe operária alemã é a melhor recompensa de meu tra-balho.
Um homem, economicamente situado numa perspectiva burgue-sa, o sr. Mayer, industrialista vienense, afirmou com acerto, numa
brochura publicada durante a guerra franco-alemã, que o grande senso teórico, considerado patrimônio hereditário alemão, teria desaparecido
completamente das assim chamadas classes cultas da Alemanha, para ressuscitar, em compensação, na sua classe trabalhadora.
Na Alemanha, a Economia Política continuou sendo, até agora, uma ciência estrangeira. Gustav von Güllich, na Representação Histórica dos
Ofícios etc., já discutiu em grande parte, especialmente nos dois primeiros volumes de sua obra publicados em 1830, as circunstâncias históricas que
inibiam o desenvolvimento do modo de produção capitalista entre nós e, portanto, também a construção da moderna sociedade burguesa. Faltava,
por conseguinte, o terreno vivo da Economia Política. Ela foi importada da Inglaterra e da França como mercadoria pronta e acabada; seus ca-tedráticos
alemães não passaram de estudantes. Em suas mãos, a ex-pressão teórica de uma realidade estrangeira transformou-se numa cole-tânea
de dogmas, por eles interpretada, de acordo com o mundo peque-no-burguês que os circundava, sendo portanto distorcida. Para dissimular
a sensação, não completamente reprimível, de impotência científica, bem como a má consciência de ter que lecionar numa área de fato estranha,
ostentava-se erudição histórico-literária ou misturava-se material estra-nho, emprestado às assim chamadas ciências cameralísticas, uma misce-lânea
de conhecimentos, purgatório pelo qual tem de passar o esperançoso 46 candidato à burocracia alemã.
Desde 1848, a produção capitalista tem crescido rapidamente na Alemanha, e já ostenta hoje seus frutos enganadores. Mas, para nossos
especialistas, o destino continuou adverso. Enquanto podiam tratar de Economia Política de modo descomprometido, faltavam as relações eco-nômicas
modernas à realidade alemã. Assim que essas relações vieram à luz, isso ocorreu sob circunstâncias que não mais permitiam o seu
estudo descompromissado na perspectiva burguesa. À medida que é burguesa, ou seja, ao invés de compreender a ordem capitalista como
um estágio historicamente transitório de evolução, a encara como a configuração última e absoluta da produção social, a Economia Política
só pode permanecer como ciência enquanto a luta de classes permanecer latente ou só se manifestar em episódios isolados.


OS ECONOMISTAS


134
46 Na 3ª e 4ª edições: sem esperança. (N. da Ed. Alemã.)
129#
Tomemos a Inglaterra. A sua Economia Política clássica cai no período em que a luta de classes não estava desenvolvida. O seu último
grande representante, Ricardo, toma afinal conscientemente, como pon-to de partida de suas pesquisas, a contradição dos interesses de classe,
do salário e do lucro, do lucro e da renda da terra, considerando, in-genuamente, essa contradição uma lei natural da sociedade. Com isso,
a ciência burguesa da economia havia, porém, chegado aos seus limites intransponíveis. Ainda durante a vida de Ricardo apareceu, contra ele,
a crítica na pessoa do Sismondi. 47 Na Inglaterra, o período seguinte, de 1820 a 1830, destaca-se
pela vivacidade científica no campo da Economia Política. Foi tanto o período de expansão e vulgarização da teoria de Ricardo, quanto de
sua luta contra a velha escola. Celebraram-se brilhantes torneios. Do que então se fez, pouco chegou ao conhecimento do continente europeu,
pois a polêmica encontra-se, em grande parte, esparsa em artigos de revistas, publicações ocasionais e panfletos. O caráter imparcial dessa
polêmica — ainda que a teoria de Ricardo também já tivesse sido utilizada, excepcionalmente, como arma de ataque contra a economia
burguesa — explica-se pelas circunstâncias da época. Por um lado, a grande indústria mesma apenas começava a sair da sua infância, o
que se comprova pelo fato de que só com a crise de 1825 ela inaugura o ciclo periódico de sua vida moderna. Por outro lado, a luta de classes
entre capital e trabalho ficou restrita a segundo plano; politicamente, por meio da contenda entre os governos e interesses feudais agrupados
em torno da Santa Aliança e a massa popular conduzida pela burguesia; economicamente, por meio da disputa do capital industrial com a pro-priedade
aristocrática da terra, que se escondia, na França, atrás da oposição entre minifúndio e latifúndio e que, na Inglaterra, irrompeu
abertamente desde as leis do trigo. Nesse período, a literatura sobre Economia Política lembra, na Inglaterra, o período de tempestuoso avanço
econômico ocorrido na França depois da morte do dr. Quesnay, mas apenas como nuvens ligeiras do verão tardio lembram a primavera. No ano de
1830 começou a crise que se tornou, de uma vez por todas, decisiva. A burguesia tinha conquistado poder político na França e Ingla-terra.
A partir de então, a luta de classes assumiu, na teoria e na prática, formas cada vez mais explícitas e ameaçadoras. Ela fez soar
o sino fúnebre da economia científica burguesa. Já não se tratava de saber se este ou aquele teorema era ou não verdadeiro, mas se, para
o capital, ele era útil ou prejudicial, cômodo ou incômodo, subversivo ou não. No lugar da pesquisa desinteressada entrou a espadacharia
mercenária, no lugar da pesquisa científica imparcial entrou a má cons-


MARX


135
47 Ver minha obra Zur Kritik etc. p. 39. * * Publicado em MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos e Outros Textos Escolhidos.
(N. dos T.)
130#
ciência e a má intenção da apologética. No entanto, mesmo os impor-tunos tratadozinhos que a Anti-Com-Law-League, 48 chefiada pelos in-dustrialistas
Cobden e Bright, lançava aos quatro ventos, possuíam, se não um interesse científico, ao menos histórico por sua polêmica
contra a aristocracia fundiária. Desde Sir Robert Peel, também este último esporão crítico foi extraído da economia vulgar pela legislação
livre-cambista. A revolução continental de 1848 também repercutiu na Inglaterra.
Homens que ainda pretendiam ter algum significado científico e que que-riam ser algo mais do que meros sofistas e sicofantas das classes domi-nantes
procuravam sintonizar a Economia Política do capital com as rei-vindicações não mais ignoráveis do proletariado. Daí surge um sincretismo
desprovido de espírito, cujo melhor representante é Stuart Mill. É uma declaração de falência da economia "burguesa", que o grande erudito e
crítico russo N. Tchernichveski já evidenciou magistralmente em sua obra Delineamentos da Economia Política Segundo Mill.
Na Alemanha, o modo de produção capitalista atingiu a matu-ridade depois que o seu caráter antagônico já tinha se revelado rui-dosamente
na França e na Inglaterra por meio de lutas históricas,
enquanto o proletariado alemão já possuía uma consciência teórica de
classe muito mais decidida do que a burguesia alemã. Assim que uma
ciência burguesa da Economia Política pareceu tornar-se possível aqui
[na Alemanha], ela havia-se tornado, portanto, novamente impossível. Nessas circunstâncias, seus porta-vozes dividiram-se em dois gru-pos.


Uns, astutos, ambiciosos e pragmáticos, juntaram-se sob a bandeira
de Bastiat, o mais superficial e, por isso mesmo, o mais bem-sucedido representante da economia apologética vulgar; outros, ciosos da cate-drática


dignidade de sua ciência, seguiram J. St. Mill na tentativa de
reconciliar o irreconciliável. Assim como na época clássica da economia
burguesa, também na época da sua decadência os alemães permane-ceram
meros discípulos, repetidores e imitadores, mascates modestos
do grande atacado estrangeiro. O desenvolvimento histórico peculiar da sociedade alemã excluía


a possibilidade de qualquer desenvolvimento original da economia bur-


OS ECONOMISTAS


136
48 Liga-Anti-Lei-do-Trigo. — União livre-cambista que foi fundada em 1838 em Manchester pelos fabricantes Cobden e Bright. As assim chamadas leis do trigo, que tinham
por fina-lidade
a limitação, talvez a proibição, da importação do trigo do estrangeiro, foram intro-duzidas na Inglaterra, no ano de 1815, no interesse dos latifundiários, dos lordes
da terra.
A Liga pleiteou a exigência de total liberdade de comércio e lutava em prol da eliminação das leis do trigo com a finalidade de baixar os salários dos trabalhadores
e enfraquecer
as posições políticas da aristocracia fundiária. Em sua luta contra os proprietários rurais, a Liga procurava explorar as massas operárias. Mas exatamente nessa
época os trabalha-dores
mais progressistas da Inglaterra aceitaram o caminho de um movimento operário politicamente autônomo (cartismo). A luta entre a burguesia industrial e a aristocracia
rural terminou em 1846 com a promulgação da lei sobre a eliminação das leis do trigo. Depois disso, a Liga se dissolveu. (N. da Ed. Alemã.)
131#
guesa, mas não a sua — crítica. À medida que tal crítica representa, além disso, uma classe, ela só pode representar a classe cuja missão
histórica é a derrubada do modo de produção capitalista e a abolição final das classes — o proletariado.
Os porta-vozes eruditos e não eruditos da burguesia alemã pro-curaram primeiro aniquilar O Capital por meio do silêncio, como tinham
conseguido fazer com os meus escritos anteriores. Quando essa tática já não correspondia às circunstâncias da época, passaram a redigir,
pretextando criticar meu livro, instruções "Para tranqüilizar a cons-ciência burguesa", mas encontraram na imprensa operária — vejam-se,
por exemplo, os artigos de Joseph Dietzgen no Volksstaat 49 — lutadores de maior porte, aos quais estão devendo resposta até hoje. 50
Em Petersburgo foi publicada uma excelente tradução russa de O Capital na primavera de 1872. A edição de 3 mil exemplares já se
encontra agora quase esgotada. Em 1871, o sr. N. Sieber, catedrático de Economia Política na Universidade de Kiev, em seu escrito A Teoria
de D. Ricardo do Valor e do Capital etc., já apontava a minha teoria do valor, do dinheiro e do capital como, em suas linhas básicas, con-tinuação
necessária da doutrina de Smith e de Ricardo. O que sur-preende o europeu ocidental, ao ler seu valioso livro, é a manutenção
conseqüente do ponto de vista puramente teórico. O método aplicado em O Capital foi pouco entendido, como já o
demonstram as interpretações contraditórias do mesmo. Assim, a Revue Positiviste 51 me acusa de que eu, por um lado,
trato a Economia metafisicamente e, por outro — adivinhem! —, de que eu me limitaria à mera análise crítica do dado, em vez de prescrever


MARX


137
49 O artigo de J. Dietzgen "Das Kapital. Kritik der politischen Oekonomie von Karl Marx", * Hamburgo, 1867, foi publicado no "Demokratischen Wochenblatt" ** nº 31,
34, 35 e 36. De
1869 até 1876, esse jornal apareceu com o título de "Der Volksstaat". *** (N. da Ed. Alemã.) * "O Capital. Crítica da Economia Política de Karl Marx". (N. dos T.)
** "Seminário Democrático". (N. dos T.)
*** "O Estado do Povo". (N. dos T.)


50 Os embusteiros grandiloqüentes da Economia vulgar alemã censuraram o estilo e o modo de exposição do meu livro. Ninguém pode julgar mais severamente do que eu
as carências


literárias de O Capital. Ainda assim, para alegria e proveito desses senhores e de seu público, quero citar um juízo inglês e um russo. O Saturday Review, que é
totalmente hostil
às minhas idéias, disse em sua nota sobre a primeira edição alemã: o modo de exposição "confere um charme peculiar até mesmo às questões econômicas mais áridas".
O Jornal de
São Petersburgo observa, entre outras coisas, em seu número de 20 de abril de 1872: "A exposição, excetuadas algumas partes demasiadamente especializadas, distingue-se
por sua
geral acessibilidade, pela clareza e, apesar da altura científica do objeto, pela extraordinária vivacidade. Quanto a isso (...), não existe nem de longe qualquer
semelhança do autor com
a maioria dos intelectuais alemães, que (...) escrevem os seus livros numa linguagem tão obscura e árida que faz estourar a cabeça dos mortais comuns". Aos leitores
da literatura
catedrática teuto-nacional-liberal contemporânea estoura, porém, algo completamente di-verso da cabeça.
51 La Philosophie Positive. Revue. Revista que apareceu em Paris de 1867 até 1883. No número 3 de novembro/ dezembro de 1868, ela publicou uma curta resenha sobre
o volume I de O
Capital, da pena de De Reborty, um discípulo do filósofo positivista Auguste Comte. (N. da Ed. Alemã.)
132#
receitas (comteanas?) para a cozinha do futuro. Contra a acusação de metafísica, o prof. Sieber observa:
"No que tange à teoria propriamente dita, o método de Marx é o método dedutivo de toda a escola Inglesa, cujos defeitos e
virtudes são comuns aos melhores economistas teóricos". 52
O sr. M. Block descobre em "Les Théoriciens du Socialisme en Allemagne. Extrait du Journal des Économistes, juillet et aout 1872", 53


que o meu método é analítico e, entre outras coisas, afirma que:
"Par cet ouvrage M. Marx se classe parmi les esprits analy-tiques les plus éminentes". 54


Os resenhistas alemães gritam, obviamente, contra a sofística hegeliana. O Correio Europeu, de Petersburgo, num artigo que exa-mina
exclusivamente o método de O Capital (número de maio de 1872, p. 427-436), considera o meu método de pesquisa rigorosa-mente
realista, mas o meu método de exposição desgraçadamente teuto-dialético. Ele afirma:


"À primeira vista, se julgado pela forma externa de exposição, Marx é o maior filósofo idealista, no sentido germânico, ou seja,
no mau sentido da palavra. De fato ele é, porém, infinitamente mais realista do que os seus predecessores na tarefa da crítica
econômica. (...) Não se pode, de modo algum, chamá-lo de idealista".
A melhor resposta que possa dar ao autor é mediante alguns extratos de sua própria crítica, cuja transcrição poderá interessar a


muitos dos meus leitores, para os quais o original russo não seja aces-sível. Depois de uma citação de meu prefácio da "Contribuição à Crítica
da Economia Política" (Berlim, 1859, p. IV-VII), onde eu expus a fun-damentação materialista do meu método, continua o senhor autor:


"Para Marx, só importa uma coisa: descobrir a lei dos fenô-menos de cuja investigação ele se ocupa. E para ele é importante
não só a lei que os rege, à medida que eles têm forma definida e estão numa relação que pode ser observada em determinado
período de tempo. Para ele, o mais importante é a lei de sua modificação, de seu desenvolvimento, isto é, a transição de uma
forma para outra, de uma ordem de relações para outra. Uma vez descoberta essa lei, ele examina detalhadamente as conse-qüências
por meio das quais ela se manifesta na vida social. (...)


OS ECONOMISTAS


138
52 ENGELS. Teoria do Valor e do Capital de David Ricardo em Relação com Posteriores Complementos e Esclarecimentos. Kiev, 1871, p. 170. (N. da Ed. Alemã.)
53 "Os Teóricos do Socialismo na Alemanha. Extrato do Jornal dos Economistas, julho e agosto de 1872."( N. dos T.)
54 Com esta obra, o sr. Marx se classifica entre os espíritos analíticos mais eminentes. (N. dos T.)
133#
Por isso, Marx só se preocupa com uma coisa: provar, mediante escrupulosa pesquisa científica, a necessidade de determinados
ordenamentos das relações sociais e, tanto quanto possível, cons-tatar de modo irrepreensível os fatos que lhe servem de pontos
de partida e de apoio. Para isso, é inteiramente suficiente que ele prove, com a necessidade da ordem atual, ao mesmo tempo
a necessidade de outra ordem, na qual a primeira inevitavelmente tem que se transformar, quer os homens acreditem nisso, quer
não, quer eles estejam conscientes disso, quer não. Marx considera o movimento social um processo histórico-natural, dirigido por
leis que não apenas são independentes da vontade, consciência e intenção dos homens, mas, pelo contrário, muito mais lhes de-terminam
a vontade, a consciência e as intenções. (...) Se o ele-mento consciente desempenha papel tão subordinado na história
da cultura, é claro que a crítica que tenha a própria cultura por objeto não pode, menos ainda do que qualquer outra coisa, ter
por fundamento qualquer forma ou qualquer resultado da cons-ciência. Isso quer dizer que o que lhe pode servir de ponto de
partida não é a idéia, mas apenas o fenômeno externo. A crítica vai limitar-se a comparar e confrontar um fato não com a idéia,
mas com o outro fato. Para ela, o que importa é que ambos os fatos sejam examinados com o máximo de fidelidade e que cons-tituam,
uns em relação aos outros, momentos diversos de desen-volvimento; mas, acima de tudo, importa que sejam estudadas
de modo não menos exato a série de ordenações, a seqüência e a conexão em que os estágios de desenvolvimento aparecem. Mas,
dir-se-á, as leis gerais da vida econômica são sempre as mesmas, sejam elas aplicadas no presente ou no passado. (...) É exatamente
isso o que Marx nega. Segundo ele, essas leis abstratas não exis-tem. (...) Segundo sua opinião, pelo contrário, cada período his-tórico
possui suas próprias leis. Assim que a vida já esgotou determinado período de desenvolvimento, tendo passado de de-terminado
estágio a outro, começa a ser dirigida por outras leis. Numa palavra, a vida econômica oferece-nos um fenômeno aná-logo
ao da história da evolução em outros territórios da Biologia. (...) Os antigos economistas confundiram a natureza das leis eco-nômicas
quando as compararam às leis da Física e da Química. (...) Uma análise mais profunda dos fenômenos demonstrou que
organismos sociais se distinguem entre si tão fundamentalmente quanto organismos vegetais e animais. (...) Sim, um mesmo fe-nômeno
rege-se por leis totalmente diversas em conseqüência da estrutura diversa desses organismos, da modificação em alguns
de seus órgãos, das condições diversas em que funcionam etc. Marx nega, por exemplo, que a lei da população seja a mesma
em todos os tempos e em todos os lugares. Ele assegura, pelo


MARX


139
134#
contrário, que cada estágio de desenvolvimento tem uma lei de-mográfica própria. (...) Com o desenvolvimento diferenciado da
força produtiva, modificam-se as circunstâncias e as leis que as regem. Marx, ao se colocar a meta de pesquisar e esclarecer, a
partir desta perspectiva, a ordenação econômica do capitalismo, apenas formula, com todo rigor científico, a meta que deve ter
qualquer investigação exata da vida econômica. (...) O valor cien-tífico de tal pesquisa reside no esclarecimento das leis específicas
que regulam nascimento, existência, desenvolvimento e morte de dado organismo social e a sua substituição por outro, superior.
E o livro de Marx tem, de fato, tal mérito".
Ao descrever de modo tão acertado e, tanto quanto entra em consideração a minha aplicação pessoal do mesmo, de modo tão benévolo


aquilo que o autor chama de "meu verdadeiro método", o que descreveu ele senão o método dialético?
É, sem dúvida, necessário distinguir o método de exposição for-malmente do método de pesquisa. A pesquisa tem de captar detalha-damente
a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e ras-trear sua conexão íntima. Só depois de concluído esse trabalho é que
se pode expor adequadamente o movimento real. Caso se consiga isso, e espelhada idealmente agora a vida da matéria, talvez possa parecer
que se esteja tratando de uma construção a priori. Por sua fundamentação, meu método dialético não só difere do
hegeliano, mas é também a sua antítese direta. Para Hegel, o processo de pensamento, que ele, sob o nome de idéia, transforma num sujeito
autônomo, é o demiurgo do real, real que constitui apenas a sua ma-nifestação externa. Para mim, pelo contrário, o ideal não é nada mais
que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem. Há quase trinta anos, numa época em que ela ainda estava na
moda, critiquei o lado mistificador da dialética hegeliana. Quando eu elaborava o primeiro volume de O Capital, epígonos 55 aborrecidos, ar-rogantes
e medíocres, que agora pontificam na Alemanha culta, se permitiam tratar Hegel como o bravo Moses Mendelssohn tratou Es-pinosa
na época de Lessing, ou seja, como um "cachorro morto". Por isso, confessei-me abertamente discípulo daquele grande pensador e,
no capítulo sobre o valor, até andei namorando aqui e acolá os seus modos peculiares de expressão. A mistificação que a dialética sofre
nas mãos de Hegel não impede, de modo algum, que ele tenha sido o primeiro a expor as suas formas gerais de movimento, de maneira
ampla e consciente. É necessário invertê-la, para descobrir o cerne racional dentro do invólucro místico.


OS ECONOMISTAS


140
55 Marx refere-se aí aos filósofos burgueses alemães Büchner, Lange, Dühring, Fechner e outros. (N. da Ed. Alemã.)
135#
Em sua forma mistificada, a dialética foi moda alemã porque ela parecia tornar sublime o existente. Em sua configuração racional, é
um incômodo e um horror para a burguesia e para os seus porta-vozes doutrinários, porque, no entendimento positivo do existente, ela inclui
ao mesmo tempo o entendimento da sua negação, da sua desaparição inevitável; porque apreende cada forma existente no fluxo do movi-mento,
portanto também com seu lado transitório; porque não se deixa impressionar por nada e é, em sua essência, crítica e revolucionária.
O movimento, repleno de contradições, da sociedade capitalista faz-se sentir ao burguês prático de modo mais contundente nos vaivéns
do ciclo periódico que a indústria moderna percorre e em seu ponto culminante — a crise geral. Esta se aproxima novamente, embora ainda
se encontre nos estágios preliminares, e, tanto pela sua presença por toda parte quanto pela intensidade de seus efeitos, há de enfiar a
dialética até mesmo na cabeça dos parasitas afortunadas do novo Sacro Império Teuto-Prussiano.


Londres, 24 de janeiro de 1873
Karl Marx


MARX


141
136#
PREFÁCIO DA EDIÇÃO FRANCESA
Londres, 18 de março de 1872
Ao cidadão Maurice La Châtre Caro Cidadão!


Aplaudo a sua idéia de publicar a tradução de O Capital em fascículos. Dessa forma, a obra será mais acessível à classe operária
e, para mim, isso é mais importante do que todo o resto. Esse é o lado bom, mas é preciso considerar o reverso da medalha:
o método que utilizei e que ainda não havia sido aplicado aos assuntos econômicos torna bastante árdua a leitura dos primeiros capítulos, e
é de se temer que o público francês, sempre impaciente em chegar às conclusões e ávido em conhecer a conexão entre os fundamentos gerais
e as questões imediatas que o apaixonam, venha a desanimar em pros-seguir a leitura porque tudo não se encontra logo no começo.
Essa é uma desvantagem contra a qual nada posso fazer, exceto prevenir e acautelar os leitores sequiosos da verdade. Não há entrada
já aberta para a ciência e só aqueles que não temem a fadiga de galgar suas escarpas abruptas é que têm a chance de chegar a seus cimos
luminosos.
Karl Marx


143
137#
POSFÁCIO DA EDIÇÃO FRANCESA
Ao leitor
O sr. J. Roy se propôs fazer uma tradução tão exata e até mesmo literal quanto possível; ele cumpriu com extrema exatidão a sua tarefa.
Mas essa extrema exatidão me obrigou a modificar a redação para torná-la mais acessível ao leitor. Esses remanejamentos, feitos no dia-a-
dia, pois o livro foi editado em fascículos, foram executados com cui-dado desigual e tinham de originar discrepâncias de estilo.
Uma vez empreendido esse trabalho de revisão, fui levado a apli-cá-lo também ao texto original subjacente (a segunda edição alemã),
simplificando algumas assertivas, completando outras, acrescentando material histórico ou estatístico, incorporando observações críticas etc.
Sejam quais forem as imperfeições literárias dessa edição francesa, ela possui valor científico independente do original e deve ser consul-tada
mesmo pelos leitores familiarizados com a língua alemã. Reproduzo, mais adiante, as passagens do posfácio da segunda
edição alemã relativas ao desenvolvimento da Economia Política na Alemanha e ao método empregado nesta obra.


Londres, 28 de abril de 1875
Karl Marx


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138#
PREFÁCIO DA TERCEIRA EDIÇÃO ALEMÃ
Não foi possível ao próprio Marx aprontar, para ser impressa, esta terceira edição. O poderoso pensador, ante cuja grandeza até os
adversários agora se curvam, faleceu no dia 14 de março de 1883. Sobre mim que perdi, com ele, o melhor e por quatro décadas o
mais constante dos amigos, o amigo a quem devo mais do que palavras permitem dizer, sobre mim recai agora a obrigação de providenciar
esta terceira edição, bem como preparar o segundo volume, deixado em manuscrito. Ao leitor tenho de prestar aqui contas de como desem-penhei
a primeira parte dessa obrigação. De início, Marx pretendia reelaborar grandemente o texto do vo-lume
I, formulando de modo mais preciso certos pontos teóricos, acres-centando novos e complementando, até o presente, o material histórico
e estatístico. Seu mau estado de saúde e o desejo de chegar à redação final do volume II obrigaram-no a renunciar a isso. Só o mais necessário
devia ser modificado, só deviam ser inseridos os acréscimos contidos na edição francesa (Le Capital. Par Karl Marx. Paris, Lachâtre, 1873) 56
e publicada nesse ínterim. No espólio foi encontrado também um exemplar em alemão que
havia sido corrigido por ele em alguns trechos e que tinha referências remissivas à edição francesa; encontrou-se também um exemplar em fran-cês,
no qual ele havia indicado com precisão as passagens a serem utili-zadas. Essas modificações e esses acréscimos limitam-se, com raras ex-ceções,
à última parte do livro, intitulada "O Processo de Acumulação do Capital". Aqui, o texto publicado até agora seguia mais a redação original,
enquanto os capítulos anteriores tinham sido muito mais reelaborados. O estilo era, portanto, mais vivo, mais de uma só fornada, mas também
mais descuidado, recheado de anglicismos e pouco claro em alguns trechos;


147
56 A edição francesa do volume I de O Capital apareceu em cadernos seriados de 1872 até 1875. (N. da Ed. Alemã.)
139#
o transcurso da exposição apresentava lacunas aqui e ali, enquanto alguns momentos importantes tinham sido apenas esboçados.
Quanto ao estilo, Marx havia revisto cuidadosamente vários sub-capítulos, dando-me com isso, bem como por freqüentes indicações orais,
a medida para eu saber até onde ir na eliminação de termos técnicos ingleses e de outros anglicismos. Marx teria, em todo caso, reelaborado
os acréscimos e as complementações, substituindo, além disso, o francês fluente pelo seu próprio alemão conciso; eu tive de me limitar a trans-pô-
los com o máximo de integração ao texto original. Nenhuma palavra foi, portanto, modificada nesta terceira edição
sem que eu não tivesse certeza de que o próprio autor a modificaria.
Não me passa pela cabeça introduzir em O Capital o jargão corrente
em que os economistas alemães costumam expressar-se, forma tão con-fusa
que, por exemplo, aquele que, mediante pagamento em dinheiro, faz com que outros lhe dêem trabalho é chamado de "Arbeitgeber", 57


enquanto aquele de quem o trabalho é extraído mediante salário é
chamado de "Arbeitnehmer". 58 Também em francês travail é usado, na
linguagem corrente, no sentido de "ocupação". Mas os franceses, com
razão, considerariam louco o economista que quisesse chamar o capi-talista
de donneur de travail e o trabalhador de receveur de travail. Tampouco eu me permiti reduzir o dinheiro, os pesos e as medidas


ingleses usados ao longo de todo o texto a seus equivalentes alemães atuais. Quando surgiu a primeira edição, havia na Alemanha tantos
tipos de peso e medida quantos dias no ano; além disso, havia duas espécies de marco (naqueles tempos o Reichs-mark 59 só tinha validade
na cabeça de Soetbeers, que o inventou no final dos anos 30), duas espécies de florim e ao menos três de táler, das quais uma cuja unidade
era o "novo dois terços". 60 Nas ciências naturais dominava o sistema métrico; no mercado mundial, os pesos e medidas ingleses. Nessas
circunstâncias, as unidades inglesas de medida impunham-se natural-mente a um livro que tinha de basear-se em dados factuais oriundos
quase exclusivamente de condições industriais inglesas. E esse último motivo continua válido ainda hoje, tanto mais que quase não houve
maiores modificações no mercado mundial quanto a isso, e notadamente nas indústrias mais significativas — ferro e algodão — predominam
até hoje quase exclusivamente pesos e medidas ingleses. Por fim, ainda uma palavra sobre o pouco compreendido modo
de Marx fazer citações. Quando se trata de informações e descrições apenas factuais, as citações, como, por exemplo, as dos Livros Azuis


OS ECONOMISTAS


148
57 Dador de trabalho. (N. dos T.) 58 Tomador de trabalho. (N. dos T.)
59 Marco alemão. (N. dos T.) 60 Moeda de prata no valor de 2/ 3 de táler, que circulou do final do século XVII até metade
do século XIX em diferentes territórios alemães. (N. da Ed. Alemã.)
140#
ingleses, servem evidentemente como simples elementos de comprova-ção. É diferente, porém, quando são citadas teorias de outros econo-mistas.
Nesse caso, a citação visa apenas constatar onde, quando e por quem foi claramente expresso pela primeira vez um pensamento
econômico mencionado no decorrer do desenvolvimento do texto. Im-porta aí apenas que a concepção econômica em questão tenha signifi-cado
para a história da ciência, que ela seja a expressão teórica mais ou menos adequada da situação econômica de sua época. Mas não
interessa, de modo algum, saber se essa proposição tem valor absoluto ou relativo para a perspectiva do autor ou se ela já tinha sido ultra-passada
pela História. Essas citações constituem, por conseguinte, ape-nas comentários ao longo do texto emprestados da história da ciência
econômica e patenteiam cada um dos avanços mais importantes da teoria econômica de acordo com a data e o autor. E isso era muito
necessário numa ciência cujos historiadores têm-se destacado até agora apenas pela ignorância tendenciosa e quase orgulhosa. Tornar-se-á en-tão
também compreensível por que Marx, de acordo com o posfácio da segunda edição, só muito excepcionalmente tenha chegado a citar eco-nomistas
alemães. Espero que o segundo volume possa vir a ser publicado no trans-correr
do ano de 1884.
Londres, 7 de novembro de 1883


Friedrich Engels


MARX


149
141#
PREFÁCIO DA EDIÇÃO INGLESA
A publicação de uma edição inglesa de O Capital não precisa ser justificada. Pelo contrário, pode-se esperar uma explicação do por-quê
foi retardada até agora esta edição inglesa, quando há vários anos as teorias deste livro têm sido constantemente citadas, atacadas e de-fendidas,
explicadas e distorcidas, tanto na imprensa periódica e coti-diana da Inglaterra quanto da América.
Quando, pouco após a morte do autor em 1883, se tornou claro que se tornava realmente necessária uma edição inglesa da obra, o sr.
Samuel Moore, velho amigo de Marx e do autor destas linhas, pessoa talvez a mais familiarizada com o livro do que qualquer outra, pron-tificou-
se a fazer a tradução que os testamenteiros literários de Marx instavam que fosse publicada. Ficou acertado que eu deveria comparar
o manuscrito com o original e propor as modificações que me parecessem aconselháveis. Quando pouco a pouco se mostrou que as ocupações
profissionais impediam o sr. Moore de concluir a tradução tão rapida-mente quanto todos nós desejávamos, aceitamos com alegria a oferta
do dr. Aveling de incumbir-se de parte do trabalho. Ao mesmo tempo, a sra. Aveling, a filha mais jovem de Marx, ofereceu-se para conferir
as citações e recuperar o texto original das numerosas passagens de autores ingleses e dos Livros Azuis traduzidas por Marx para o alemão.
Foram traduzidas pelo dr. Aveling as seguintes partes do livro: 1) os capítulos X (" A Jornada de Trabalho") e XI (" Taxa e Massa de
Mais-valia"); 2) a Seção VI (" O Salário"), compreendendo os capítulos XIX a XXII; 3) do capítulo XXIV, Seção IV (" Circunstâncias que" etc.)
até o final do livro, abrangendo a última parte do capítulo XXIV, ca-pítulo XXV e toda a Seção VIII (os capítulos XXVI até XXXIII); 4) os
dois prefácios do autor. Todo o resto do livro foi traduzido pelo sr. Moore. 61 Enquanto cada tradutor é responsável apenas por sua parte,
cabe-me responsabilidade geral pelo todo.


151
61 A numeração dos capítulos da edição inglesa do volume I de O Capital não coincide com a numeração das edições alemãs. (N. da E. Alemã.)
142#
A terceira edição alemã, na qual se baseou inteiramente o nosso trabalho, foi preparada por mim em 1883, levando em consideração
as notas deixadas pelo autor, que indicam as passagens da segunda edição que deveriam ser substituídas por passagens correspondentes
do texto francês publicado em 1873. 62 As modificações assim introdu-zidas no texto da segunda edição coincidiam, geralmente, com as al-terações
que Marx recomendara numa série de instruções do próprio punho para uma versão para o inglês que havia sido planejada nos
Estados Unidos há dez anos, mas da qual se desistiu principalmente por falta de um tradutor capaz e adequado. Esse manuscrito foi colocado
à nossa disposição por nosso velho amigo, o sr. F. A. Sorge, de Hoboken, New Jersey. Continha ainda a indicação de inserir alguns outros trechos
da edição francesa; mas, como ele era vários anos mais antigo do que as últimas instruções para a terceira edição, não me considerei auto-rizado
a fazer uso delas a não ser em casos excepcionais e especialmente quando nos ajudavam a superar dificuldades. Igualmente o texto fran-cês
foi usado, na maioria das passagens difíceis, para indicar o que o próprio autor estava preparado para sacrificar, sempre que algo do
sentido integral do original tivesse que ser sacrificado na tradução. Uma dificuldade persiste, no entanto, e dela não podemos poupar
o leitor: o emprego de certas expressões em sentido diferente não só do uso na linguagem cotidiana, mas também na Economia Política
usual. Isso era, porém, inevitável. Cada concepção nova de uma ciência implica uma revolução nos termos técnicos dessa ciência. Isso se evi-dencia
melhor na Química, cuja terminologia toda está sendo radical-mente alterada a cada vinte anos mais ou menos e na qual dificilmente
se pode encontrar um composto orgânico que não tenha tido toda uma série de nomes diferentes. A Economia Política geralmente tem-se con-tentado
em tomar, tal como se encontram, as expressões da vida co-mercial e industrial e operar com elas sem se dar em absoluto conta
de que ela, com isso, se restringe ao círculo estreito das idéias que essas palavras exprimem. Assim, a própria Economia Política clássica
— embora tivesse consciência plena de que tanto o lucro quanto a renda são apenas subdivisões, parcelas daquela parte não paga do
produto que o trabalhador tem de fornecer ao patrão (o primeiro que dela se apropria, ainda que não seja seu último nem único dono) —
jamais ultrapassou os conceitos usuais de lucro e renda, jamais exa-minou em seu conjunto, como um todo, essa parte não paga do produto
(que Marx chamou de mais-valia) e, por isso, ela jamais atingiu uma compreensão clara, seja de sua origem e de sua natureza, seja também
das leis que regulam a posterior repartição do seu valor. De modo


OS ECONOMISTAS


152
62 Le Capital. Par Karl Marx. Tradução de M. J. Roy, totalmente revista pelo autor, Paris, Lachâtre. Essa tradução contém, especialmente na última parte do livro,
consideráveis
mudanças e complementações em relação ao texto da 2ª edição alemã.
143#
semelhante, toda a indústria, excetuando-se a agricultura e o artesa-nato, é subsumida, sem nenhuma diferenciação, no termo "manufatura"
e, com isso, apaga-se a diferença entre dois períodos importantes e essencialmente diversos: o período da manufatura propriamente dita,
baseado na divisão do trabalho manual, e o período da indústria mo-derna, baseado na maquinaria. É no entanto evidente que uma teoria
que considera a moderna produção capitalista mera etapa de evolução da história econômica da humanidade tenha de empregar outras ex-pressões
do que aqueles autores que encaram essa forma de produção como imperecível e definitiva.
Talvez não seja inoportuna uma palavra quanto ao método de citar empregado pelo autor. Na maioria dos casos, as citações servem,
como é usual, para documentar asserções feitas no texto. Mas, em muitos casos, são transcritas passagens de economistas para mostrar
quando, onde e por quem determinado ponto de vista foi pela primeira vez claramente expresso. Isso ocorre nos casos em que a opinião trans-crita
é importante como expressão mais ou menos adequada das con-dições sociais de produção e de troca dominantes em determinada época,
independentemente do fato de Marx a aceitar ou se ela tinha validade geral. Essas citações enriquecem, portanto, o texto com um comentário
corrente extraído da história da ciência. A nossa tradução compreende apenas o Livro Primeiro da obra.
Mas esse livro é em grande medida um todo em si mesmo e, por vinte anos, passou por obra autônoma. O Livro Segundo, que editei em alemão
em 1885, fica decididamente incompleto sem o Livro Terceiro, que não poderá ser publicado antes do final de 1887. Quando sair à luz, no
original alemão, o Livro Terceiro, haverá bastante tempo para pensar em preparar uma edição inglesa de ambos.
O Capital, no continente europeu, é chamado freqüentemente de "Bíblia da classe operária". Que as conclusões sustentadas nesta obra
se tornam cada dia mais os princípios fundamentais do grande movi-mento da classe operária, não só na Alemanha e na Suíça, mas também
na França, na Holanda e na Bélgica, na América e até mesmo na Itália e na Espanha; que, por toda parte, a classe operária reconheça
cada vez mais nessas conclusões a expressão mais adequada da sua situação e dos seus anseios, isso ninguém que esteja a par desse mo-vimento
há de negar. E, neste instante, também na Inglaterra as teorias de Marx exercem influência poderosa sobre o movimento socialista,
que se expande nas fileiras das "pessoas cultas" não menos que nas fileiras da classe operária. Mas isso não é tudo. Depressa se aproxima
o tempo em que há de se impor uma investigação profunda da situação econômica da Inglaterra como uma irresistível necessidade nacional.
A marcha do sistema industrial da Inglaterra, que é impossível sem uma expansão rápida e permanente da produção e, portanto, dos mer-cados,
está emperrada. O livre-cambismo esgotou seus recursos; até


MARX


153
144#
mesmo Manchester perdeu a fé nesse seu antigo evangelho econômico. 63 A indústria estrangeira, que se desenvolve rapidamente, desafia a pro-dução
inglesa por toda parte, não só em mercados defendidos por tarifas aduaneiras, mas também em mercados neutros, até mesmo deste lado
do canal. Enquanto a força produtiva cresce em progressão geométrica, a expansão dos mercados cresce, na melhor das hipóteses, em progres-são
aritmética. O ciclo decenal de estagnação, prosperidade, superpro-dução e crise, que se repetiu sempre de 1825 a 1867, parece ter-se
esgotado; mas só para deixar-nos aterrissar no lodaçal desesperador de uma depressão crônica e duradoura. O almejado período de pros-peridade
reluta em voltar; toda vez que acreditamos divisar os sintomas que a anunciam, eles desaparecem novamente no ar. Entrementes,
cada novo inverno recoloca a questão: "O que fazer com os desempre-gados?" Mas enquanto se avoluma, a cada ano, o número de desem-pregados,
não há ninguém para responder a essa pergunta; e quase podemos calcular o momento em que os desempregados vão perder a
paciência e tomar o seu destino em suas próprias mãos. Em tal mo-mento, deveria certamente ser ouvida a voz de um homem cuja teoria
é, toda ela, o resultado de uma vida inteira de estudos da história e da situação econômica da Inglaterra, levando-o à conclusão de que, ao
menos na Europa, a Inglaterra é o único país onde a inevitável revolução social poderia realizar-se inteiramente por meios pacíficos e legais.
Certamente ele nunca se esqueceu de acrescentar que não esperava que as classes dominantes da Inglaterra se submetessem a essa revo-lução
pacífica e legal sem tentar uma proslavery rebellion. 64
5 de novembro de 1886


Friedrich Engels


OS ECONOMISTAS


154
63 Na reunião trimestral da Câmara de Comércio de Manchester, efetuada hoje à tarde, ocorreu um animado debate sobre a questão do livre-cambismo. Foi apresentada
uma re-solução
declarando que "por quarenta anos se tinha esperado em vão que outras nações seguissem o exemplo inglês do livre-cambismo e que a Câmara considera ter chegado a
hora de mudar esse ponto de vista". A resolução foi rejeitada por uma maioria de apenas um voto, havendo 21 a favor e 22 contra. (Evening Standard, 1º de novembro
de 1886.)
64 Rebelião em prol da escravatura. Levante que os donos de escravos do sul dos Estados Unidos desencadearam e que levou à Guerra Civil de 1861/ 65. (N. da Ed. Alemã.)
145#
PREFÁCIO DA QUARTA EDIÇÃO ALEMÃ
A quarta edição me obrigou a estabelecer uma versão tão defi-nitiva quanto possível do texto e das notas. Sobre como procurei fazê-lo,
algumas palavras: Depois de confrontar mais uma vez a edição francesa e as notas
manuscritas de Marx, tomei daquela alguns acréscimos para o texto alemão. Encontram-se à p. 80 (na terceira edição, p. 88), p. 458 a 460
(terceira edição, p. 509-510), p. 547-551 (terceira, p. 600), 591 a 593 (terceira, p. 644) e p. 596 (terceira, p. 648) na nota 79. De conformidade
com as edições francesa e inglesa, incorporei ao texto (quarta edição, p. 461 a 467) 65 a longa nota sobre os trabalhadores das minas (terceira
edição, p. 509 a 515). As outras pequenas modificações são de natureza puramente técnica.
Acrescentei ainda algumas notas explicativas, principalmente onde a mudança das circunstâncias históricas parecia exigi-lo. Todas
essas notas adicionais estão colocadas entre colchetes e assinaladas com minhas iniciais ou com D. H.
Uma revisão completa das numerosas citações tornou-se neces-sária devido à edição inglesa surgida nesse ínterim. Para essa edição,
a filha mais jovem de Marx, Eleanor, deu-se ao trabalho de comparar com os originais todas as passagens citadas, de modo que o próprio
texto das citações de fontes inglesas, as mais numerosas, não aparecesse numa retradução do alemão, mas com o texto inglês original. Esse
texto estava, portanto, a meu dispor para a quarta edição. Assim foram descobertas diversas pequenas imprecisões. Indicações erradas de pá-ginas,
em parte cometidas ao copiar dos cadernos, em parte devidas a erros de impressão acumulados ao longo de três edições. Aspas ou
reticências mal colocadas, como é inevitável num volume tão grande de citações tiradas de cadernos de notas, aqui e ali a tradução menos


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65 Ver v. I, t. II. (N. do E.)
146#
feliz de uma palavra. Certas citações tiradas dos velhos cadernos de Paris, de 1843 a 1845, quando Marx não sabia inglês e lia os econo-mistas
ingleses em traduções para o francês, casos em que a dupla tradução acarretava leve mudança de colorido, por exemplo, com
Steuart, Ure e outros — quando então o texto inglês tinha de ser usado. E todos os casos semelhantes de pequenos lapsos e inexatidões.
Quando agora se compara a quarta edição com as anteriores, pode-se ver que todo esse trabalhoso processo de correção nada modificou no
livro que mereça menção. Apenas uma única citação não pôde ser en-contrada, a extraída de Richard Jones (quarta edição, p. 562, nota
47); 66 Marx provavelmente se enganou ao transcrever o título do livro. Todas as demais conservam todo o seu poder comprobatório ou o re-forçam
na atual forma exata.
Aqui sou forçado, porém, a voltar a uma velha história.
Só conheço um caso em que a correção de uma citação de Marx foi posta em dúvida. Como continuou, porém, a circular mesmo depois


da morte de Marx, não posso deixar de aventá-lo aqui. 67
Em 7 de março de 1872, apareceu no Concórdia de Berlim, órgão da União dos Fabricantes Alemães, um artigo anônimo: "Como Karl


Marx cita". Nele se afirma, com um gasto enorme de indignação moral e de expressões nada parlamentares, que teria sido falsificada (na sau-dação
inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores, de 1864, 68 e repetida em O Capital I, p. 617, quarta edição e p. 670-671
da terceira edição) 69 a citação extraída do discurso pronunciado a 16 de abril de 1863 por Gladstone sobre o orçamento. Nenhuma palavra
da frase "este aumento embriagador de riqueza e poder (...) está to-talmente limitado às classes possuidoras" constaria no relatório este-nográfico
(quase-oficial) de Hansard.
"Essa frase não consta em parte alguma do discurso de Gladstone. Exatamente o contrário é que é dito." (Com negrito) "Formal e


materialmente, Marx mentiu acrescentando essa frase."
Marx, a quem esse número do Concórdia foi enviado no mês de maio seguinte, respondeu ao Anônimo no Volksstaat de 1º de junho. Como


não se lembrava mais que relato jornalístico havia citado, limitou-se, pri-meiro, a comprovar a mesma citação em duas publicações inglesas e citar,
em seguida, o relato do Times, segundo o qual Gladstone afirma:


OS ECONOMISTAS


156
66 Ver t. II. (N. do E.) 67 Engels ocupou-se com o desmascaramento de reiterados ataques difamatórios por parte de
representantes da burguesia, no sentido de que Marx teria falsificado uma citação de um discurso de Gladstone de 16 de abril de 1863, num trabalho especial: "Quando
à questão
de Brentano contra Marx por causa de pretensa falsificação de citação". Esse trabalho apareceu em Hamburgo, em 1891. Ver v. 22 da edição MEW. (N. da Ed. Alemã.)
68 Ver v. 16 da edição MEW, p. 3-13. (N. do E.) 69 Ver t. II. (N. do E.)
147#
"That is the state of the case as regards the wealth of this country. I must say for one, I should look almost with apprehension and
with pain upon this intoxicating augmentation of wealth and power, if it were my belief that it was confined to classes who are in easy
circunstances. This takes no cognizance at all of the condition of the labouring population. The augmentation I have described and
which is founded, I think, upon accurate returns, is an augmentation entirely confined to classes of property". 70


Gladstone afirma aqui, por conseguinte, que lastimaria se assim fosse, mas que é assim: que esse aumento embriagador de riqueza e
poder está totalmente limitado às classes possuidoras. E quanto ao quase-oficial Hansard, Marx acrescenta:


"Aqui, Mr. Gladstone, em edição posteriormente ajeitada, foi bastante esperto para fazer sumir a passagem que seria compro-metedora
na boca de um Chanceler do Tesouro inglês. Esse é, aliás, um consagrado costume parlamentar britânico e, de modo
algum, uma invenção do pequeno Lasker contra Bebel". 71
O Anônimo se irrita cada vez mais. Desprezando as fontes de segunda mão em sua resposta no Concórdia de 4 de julho, sugere
envergonhadamente que é "costume" citar discursos parlamentares se-gundo o registro estenográfico; mas também o relato do Times (no qual
está a frase "mentirosamente acrescentada") e o de Hansard (no qual ela não está) "coincidem inteiramente no plano material", e mesmo o
relato do Times conteria "diretamente o oposto daquela famigerada passagem do discurso inaugural", com o que o homem cuidadosamente
silencia que, ao lado desse pretenso "oposto", ele contém expressamente "aquela famigerada passagem". Apesar de tudo isso, o Anônimo sente
que está encalhado e que só um novo subterfúgio pode salvá-lo. Por-tanto, enquanto ele criva seu artigo "atrevidamente mentiroso", como
foi mostrado há pouco, de edificantes xingamentos como "Mala fides", 72


MARX


157
70 Essa é a situação do caso no que concerne à riqueza deste país. Devo dizer por mim que eu veria com apreensão e com dor esse embriagador acúmulo de riqueza e
poder se eu
acreditasse estar ele confinado às classes abastadas. Isso não toma absolutamente conhe-cimento das condições da população trabalhadora. O aumento que acabo de descrever
e
que se fundamenta, creio, em informes exatos, é um aumento inteiramente confinado às classes proprietárias. (N. dos T.)
71 Na sessão parlamentar de 8 de novembro de 1871, o deputado liberal nacionalista Lasker declarou, numa polêmica contra Bebel, que se os trabalhadores alemães pusessem
na cabeça
imitar o exemplo dos integrantes da Comuna de Paris, o honesto proprietário burguês iria "matá-lo a porretaço". O orador não se decidiu, porém, a publicar essas
formulações e já
no registro estenográfico constavam, em vez de "matá-lo a porretaço", as palavras "subju-gá-los com poder próprio". Bebel descobriu essa falsificação. Lasker tornou-se
objeto de
escárnio entre os operários. Por causa de sua estatura diminuta, deu-se-lhe o apelido de "pequeno Lasker". (N. da Ed. Alemã.)
72 Má fé. (N. dos T.)
148#
"desonestidade", "assertiva mentirosa", "aquela citação mentirosa", "mentira deslavada", "uma citação completamente forjada", "esta fal-sificação",
"simplesmente infame" etc., considera necessário deslocar a questão para outro terreno e promete, portanto, "explicar num próximo
artigo o sentido que nós (o não-" mentiroso" Anônimo) damos ao conteúdo das palavras de Gladstone". Como se essa sua opinião sem autoridade
tivesse o mínimo a ver com a coisa! Esse segundo artigo está no Con-córdia de 11 de julho.
Marx respondeu mais uma vez no Volksstaat de 7 de agosto, trazendo os relatos do Morning Star e do Morning Advertiser 73 de 17
de abril de 1863. De acordo com ambos, Gladstone diz que veria com preocupação etc. esse aumento embriagador de riqueza e poder se o
acreditasse limitado às classes realmente abastadas (classes in easy circunstances). Mas que esse aumento estaria realmente limitado a
classes possuidoras de propriedades (entirely confined to classes pos-sessed of property). Portanto, também esses relatos reproduzem de modo
literal a frase considerada "mentirosamente acrescentada". Além disso, confrontando os textos do Times e de Hansard, Marx novamente cons-tatou
que nos relatos de três jornais, independentes entre si, publicados na manhã seguinte, estava a mesma frase como tendo sido realmente
dita, faltando ela no texto de Hansard porque revisto segundo o notório "costume", ou seja, Gladstone "escamoteou-a posteriormente", segundo
as palavras de Marx, que, para concluir, declarava não ter mais tempo para perder com o Anônimo. Este parecia também estar saturado; ao
menos não foram enviados a Marx números posteriores do Concórdia.
Com isso, a coisa parecia estar morta e enterrada. Desde então chegaram-nos, no entanto, uma ou duas vezes, por meio de pessoas


que tinham relações com a Universidade de Cambridge, rumores quanto a um inominável crime literário que Marx teria cometido em O Capital;
mas, apesar de todas as nossas investigações, nada se conseguiu apurar de concreto. De repente, em 26 de novembro de 1883, oito meses depois
da morte de Marx, apareceu no Times uma carta, oriunda do Trinity College, Cambridge, e assinada por Sedley Taylor, na qual o homen-zinho,
que mexe com o tipo mais inofensivo de cooperativismo, de súbito, inoportunamente, lançou-nos luz afinal não só sobre a boataria de Cam-bridge,
como também sobre o Anônimo do Concórdia:
"O que parece extraordinário ao extremo", diz o homenzinho do Trinity College, "é ter sido reservado ao prof. dr. Brentano


(na ocasião, em Breslau, hoje, em Estrasburgo) (...) revelar a Mala fides que, evidentemente, ditou aquela citação do discurso
de Gladstone na oração" (inaugural). "O sr. Karl Marx, que (...) procurou defender a citação, teve a audácia de afirmar — em


OS ECONOMISTAS


158
73 Morning Star. Estrela da Manhã. — Morning Advertiser. Anunciador da Manhã. (N. dos T.)
149#
meio aos estertores mortais a que rapidamente o lançaram os ataques magistrais de Brentano — que o sr. Gladstone teria re-tocado
o relato do seu discurso no Times de 17 de abril de 1863, antes de ser publicado em Hansard, para fazer sumir uma pas-sagem
que seria um tanto comprometedora para um Chanceler do Tesouro inglês. Quando Brentano, por meio de uma compa-ração
minuciosa dos textos, provou que os relatos do Times e de Hansard coincidiam em excluírem de modo absoluto o sentido
que a citação ladinamente isolada imputava às palavras de Glads-tone, então Marx bateu em retirada sob o pretexto de falta de tempo!"


Esse era, finalmente, o osso enterrado! E assim se refletiu, glorio-samente, na fantasia cooperativista de Cambridge, a campanha anônima
do sr. Brentano no Concórdia! Assim se postava ele, e assim ele brandia a sua espada, 74 "num ataque conduzido magistralmente", este São Jorge
da União dos Fabricantes Alemães, enquanto o dragão dos infernos, Marx, estertorava a seus pés "rapidamente em meio a agonias mortais".
No entanto, toda essa descrição épica a Ariosto só serve para encobrir os truques desse São Jorge. Aqui já não se fala de "acréscimos
mentirosos", de "falsificação", mas de "citação capciosamente isolada" (craftily isolated quotation). Toda a questão tinha sido deslocada, e
São Jorge e seu escudeiro cambridgeano sabiam muito bem por quê.
Como o Times recusou publicar a réplica, Eleanor Marx encami-nhou-a à revista mensal To-Day de fevereiro de 1884, reconduzindo o


debate ao único ponto de que se tratava: Marx havia ou não "acres-centado mentirosamente aquela frase"? O sr. Sedley replicou:


"A questão de saber se determinada frase constou ou não no discurso do sr. Gladstone era", na sua opinião, "de importância
muito subalterna" na disputa entre Marx e Brentano, "se com-parada com a questão de saber se a citação fora feita com a
intenção de reproduzir ou de deformar o sentido de Gladstone".
E, então, ele admite que o relato do Times "contém de fato uma contradição nas palavras"; mas, o resto do contexto explicaria, mos-traria,
corretamente, isto é, no sentido liberal-gladstoniano, o que o sr. Gladstone teria desejado dizer (To-Day, março de 1884). O cômico
é que o nosso homenzinho de Cambridge empenha-se agora em não citar o discurso conforme Hansard, como seria "costumeiro", segundo
o anônimo Brentano, mas conforme o relato do Times, designado pelo mesmo Brentano como "necessariamente malfeito". Naturalmente, já
que a frase fatal falta no Hansard!


MARX


159
74 Engels faz aí uma variação em torno das palavras do fanfarrão e covarde Falstaff, que conta como ele teria, sozinho, lutado contra cinqüenta pessoas. (SHAKESPEARE.
Henrique
IV. Parte Primeira. Ato II. Cena IV.) (N. da Ed. Alemã.)
150#
Foi fácil a Eleanor Marx, no mesmo número do To-Day, reduzir essa argumentação a pó. Ou o sr. Taylor tinha lido a controvérsia de
1872 e, nesse caso, tinha agora "mentido", não só "acrescentando", mas também "indo além". Ou não a tinha lido e, então, era sua obrigação
calar a boca. De um modo ou de outro, ficou claro que ele não ousou, em nenhum momento, manter de pé a acusação do seu amigo Brentano
de que Marx teria "acrescentado mentiras". Pelo contrário, agora Marx não teria acrescentado mentiras, mas teria deixado fora uma frase
importante. Mas essa mesma frase é citada à p. 5 do Discurso Inaugural, poucas linhas antes do que teria sido "acrescentado mentirosamente".
E no que se refere à "contradição" no discurso de Gladstone, quem é senão exatamente Marx quem fala, na nota 105 75 de O Capital, à p.
618 (terceira edição, p. 672), das "sucessivas e gritantes contradições nos discursos de Gladstone sobre os orçamentos de 1863 e 1864"! Só
que Marx não se lança à maneira de Sedley Taylor a diluí-los em amabilidades liberais. E o resumo conclusivo, na resposta de E. Marx,
afirma então:
"Pelo contrário, Marx nada ocultou digno de menção nem acres-centou a mínima mentira. Mas ele reconstituiu e arrancou do


esquecimento determinada frase do discurso de Gladstone que indubitavelmente foi dita, mas que, de um jeito ou de outro,
encontrou o seu caminho — para fora de Hansard".
Com isso, o sr. Sedley Taylor também achou que bastava, e desse conluio de catedráticos tramado durante duas décadas e em dois gran-des


países resultou que não mais se ousou questionar a probidade literária de Marx, enquanto o sr. Sedley, a partir de então, há de
confiar tão pouco nos boletins de guerra do sr. Brentano quanto o sr. Brentano na infalibilidade papal de Hansard.


Londres, 25 de junho de 1890
F. Engels


OS ECONOMISTAS


160
75 Ver t. 2. (N. do E.)
151#
LIVRO PRIMEIRO
O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO CAPITAL
152#
SEÇÃO I
MERCADORIA E DINHEIRO
153#
CAPÍTULO I A MERCADORIA
1. Os dois fatores da mercadoria: Valor de uso e valor (substância do valor, grandeza do valor)


A riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma "imensa coleção de mercadorias" 76 e a
mercadoria individual como sua forma elementar. Nossa investigação começa, portanto, com a análise da mercadoria.
A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qual-quer
espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa. 77 Aqui também
não se trata de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se ime-diatamente, como meio de subsistência, isto é, objeto de consumo, ou
se indiretamente, como meio de produção. Cada coisa útil, como ferro, papel etc., deve ser encarada sob duplo
ponto de vista, segundo qualidade e quantidade. Cada uma dessas coisas é um todo de muitas propriedades e pode, portanto, ser útil, sob diversos
aspectos. Descobrir esses diversos aspectos e, portanto, os múltiplos modos de usar as coisas é um ato histórico. 78 Assim como também o é a descoberta
de medidas sociais para a quantidade das coisas úteis. A diversidade das medidas de mercadorias origina-se em parte da natureza diversa dos ob-jetos
a serem medidos, em parte de convenção.


165
76 MARX, Karl. Zur Kritik der politischen Oekonomie. Berlim, 1859, p. 3. 77 "Desejo inclui necessidade, é o apetite do espírito e tão natural como a fome para o
corpo.
(...) a maioria (das coisas) tem seu valor derivado da satisfação das necessidades do espírito." (BARBON, Nicholas. A Discourse on Coining the New Money Lighter.
In Answer to Mr.
Locke's Considerations etc. Londres, 1696. p. 2-3.) 78 "Coisas têm uma intrinsick vertue" (isto para Barbon é a específica designação para valor
de uso) "que é igual em toda parte, assim como a do ímã de atrair o ferro" (op. cit., p. 6). A propriedade do ímã de atrair ferro só se tornou útil depois de descobrir-se
por meio dela
a polaridade magnética.
154#
A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso. 79 Essa utili-dade, porém, não paira no ar. Determinada pelas propriedades do corpo
da mercadoria, ela não existe sem o mesmo. O corpo da mercadoria mesmo, como ferro, trigo, diamante etc. é, portanto, um valor de uso
ou bem. Esse seu caráter não depende de se a apropriação de suas propriedades úteis custa ao homem muito ou pouco trabalho. O exame
dos valores de uso pressupõe sempre sua determinação quantitativa, como dúzia de relógios, vara de linho, tonelada de ferro etc. Os valores
de uso das mercadorias fornecem o material de uma disciplina própria, a merceologia. 80 O valor de uso realiza-se somente no uso ou no con-sumo.
Os valores de uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social desta. Na forma de sociedade a ser
por nós examinada, eles constituem, ao mesmo tempo, os portadores materiais do — valor de troca.
O valor de troca aparece, de início, como a relação quantitativa, a proporção na qual valores de uso de uma espécie se trocam 81 contra
valores de uso de outra espécie, uma relação que muda constantemente no tempo e no espaço. O valor de troca parece, portanto, algo casual
e puramente relativo; um valor de troca imanente, intrínseco à mer-cadoria (valeur intrensèque), portanto uma contradictio in adjecto. 82
Observemos a coisa mais de perto. Determinada mercadoria, 1 quarter de trigo, por exemplo, troca-se
por x de graxa de sapato, ou por y de seda, ou por z de ouro etc., resumindo por outras mercadorias nas mais diferentes proporções. As-sim,
o trigo possui múltiplos valores de troca em vez de um único. Porém, sendo x de graxa, assim como y de seda ou z de ouro o valor
de troca de 1 quarter de trigo, x de graxa, y de seda, z de ouro etc. têm de ser valores de troca permutáveis uns pelos outros ou iguais
entre si. Por conseguinte, primeiro: os valores de troca vigentes da mesma mercadoria expressam algo igual. Segundo, porém: o valor de
troca só pode ser o modo de expressão, a "forma de manifestação" de um conteúdo dele distinguível.


OS ECONOMISTAS


166
79 "O worth natural de cada coisa consiste em sua aptidão para satisfazer as necessidades ou servir às comodidades da vida humana." (LOCKE, John. Some Considerations
on the
Consequences of the Lowering of Interest. 1691. In: Works. Edit. Londres, 1777. v. II, p. 28.) No século XVII encontramos ainda, com freqüência, nos escritores ingleses,
worth para
valor de uso e value para valor de troca, totalmente no espírito de um idioma que gosta de expressar as coisas diretas com um termo germânico, e as coisas refletidas
com um
termo românico. 80 Na sociedade burguesa domina a fictio juris, que cada pessoa, como comprador, possui um
conhecimento enciclopédico das mercadorias. 81 "O valor consiste na relação de troca que se estabelece entre uma coisa e outra, entre a
quantidade de um produto e a de outro." (LE TROSNE. "De l'Intérêt Social". In: Physiocrates. Ed. Daire, Paris, 1846. p. 889.)
82 "Nada pode ter um valor de troca intrínseco" (BARBON, N. Op. cit., p. 6), ou, como diz Butler: "O valor de uma coisa é justamente tanto quanto ela renda." *
* Modificação de um citado da epopéia Hudibras de Samuel Butler. Parte Segunda. Canto
I. (N. da Ed. Alemã.)
155#
Tomemos ainda duas mercadorias, por exemplo, trigo e ferro. Qualquer que seja sua relação de troca, poder-se-á, sempre, represen-tá-
la por uma equação em que dada quantidade de trigo é igualada a alguma quantidade de ferro, por exemplo, 1 quarter de trigo = a quintais
de ferro. Que diz essa equação? Que algo em comum da mesma grandeza existe em duas coisas diferentes, em 1 quarter de trigo e igualmente
em a quintais de ferro. Ambas são, portanto, iguais a uma terceira, que em si e para si não é nem uma nem outra. Cada uma das duas,
enquanto valor de troca, deve, portanto, ser redutível a essa terceira. Um simples exemplo geométrico torna isso evidente. Para deter-minar
e comparar as áreas de todas as figuras retilíneas tem-se que decompô-las em triângulos. O triângulo, por sua vez, reduz-se a uma
expressão completamente diferente de sua figura visível — a metade do produto de sua base pela sua altura. O mesmo ocorre com os valores
de troca das mercadorias: tem-se que reduzi-los a algo comum, do qual eles representam um mais ou um menos.
Esse algo em comum não pode ser uma propriedade geométrica, física, química ou qualquer outra propriedade natural das mercadorias.
Suas propriedades corpóreas só entram em consideração à medida que elas lhes conferem utilidade, isto é, tornam-nas valor de uso. Por outro
lado, porém, é precisamente a abstração de seus valores de uso que caracteriza evidentemente a relação de troca das mercadorias. Dentro
da mesma um valor de uso vale exatamente tanto como outro qualquer, desde que esteja disponível em proporção adequada. Ou como diz o
velho Barbon:
"Uma espécie de mercadoria é tão boa quanto a outra se o seu valor de troca for igual. Pois não existe nenhuma diferença


ou distinção entre coisas de valor de troca igual". 83
Como valores de uso, as mercadorias são, antes de mais nada, de diferente qualidade, como valores de troca só podem ser de quantidade


diferente, não contendo, portanto, nenhum átomo de valor de uso. Deixando de lado então o valor de uso dos corpos das mercadorias,
resta a elas apenas uma propriedade, que é a de serem produtos do trabalho. Entretanto, o produto do trabalho também já se transformou
em nossas mãos. Se abstraímos o seu valor de uso, abstraímos também os componentes e formas corpóreas que fazem dele valor de uso. Deixa
já de ser mesa ou casa ou fio ou qualquer outra coisa útil. Todas as suas qualidades sensoriais se apagaram. Também já não é o produto


MARX


167
83 "One sort of wares are as good as another, if the value be equal. There is no difference or distinction in things of equal value. (...) One hundred pounds worth
of lead or iron, is of
as great a value as one hundred pounds worth of silver and gold." * (BARBON, N. Op. cit., p. 53 e 7.)
* "... 100 libras esterlinas de chumbo ou ferro têm o mesmo valor que 100 libras esterlinas
de ouro ou prata." (N. dos T.)
156#
do trabalho do marceneiro ou do pedreiro ou do fiandeiro ou de qualquer outro trabalho produtivo determinado. Ao desaparecer o caráter útil
dos produtos do trabalho, desaparece o caráter útil dos trabalhos neles representados, e desaparecem também, portanto, as diferentes formas
concretas desses trabalhos, que deixam de diferenciar-se um do outro para reduzir-se em sua totalidade a igual trabalho humano, a trabalho
humano abstrato.
Consideremos agora o resíduo dos produtos do trabalho. Não res-tou deles a não ser a mesma objetividade fantasmagórica, uma simples


gelatina de trabalho humano indiferenciado, isto é, do dispêndio de força de trabalho humano, sem consideração pela forma como foi des-pendida.
O que essas coisas ainda representam é apenas que em sua produção foi despendida força de trabalho humano, foi acumulado tra-balho
humano. Como cristalizações dessa substância social comum a todas elas, são elas valores — valores mercantis.
Na própria relação de troca das mercadorias seu valor de troca apareceu-nos como algo totalmente independente de seu valor de uso.
Abstraindo-se agora, realmente, o valor de uso dos produtos do trabalho obtém-se seu valor total como há pouco ele foi definido. O que há de
comum, que se revela na relação de troca ou valor de troca da mer-cadoria, é, portanto, seu valor. O prosseguimento da investigação nos
trará de volta ao valor de troca, como a maneira necessária de expressão ou forma de manifestação do valor, o qual deve ser, por agora, consi-derado
independentemente dessa forma.
Portanto, um valor de uso ou bem possui valor, apenas, porque nele está objetivado ou materializado trabalho humano abstrato. Como


medir então a grandeza de seu valor? Por meio do quantum nele contido da "substância constituidora do valor", o trabalho. A própria quantidade
de trabalho é medida pelo seu tempo de duração, e o tempo de trabalho possui, por sua vez, sua unidade de medida nas determinadas frações
do tempo, como hora, dia etc.
Se o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho despendido durante a sua produção, poderia parecer que


quanto mais preguiçoso ou inábil seja um homem, tanto maior o valor de sua mercadoria, pois mais tempo ele necessita para terminá-la. O
trabalho, entretanto, o qual constitui a substância dos valores, é tra-balho humano igual, dispêndio da mesma força de trabalho do homem.
A força conjunta de trabalho da sociedade, que se apresenta nos valores do mundo das mercadorias, vale aqui como uma única e a mesma
força de trabalho do homem, não obstante ela ser composta de inúmeras forças de trabalho individuais. Cada uma dessas forças de trabalho
individuais é a mesma força de trabalho do homem como a outra, à medida que possui o caráter de uma força média de trabalho social,
e opera como tal força de trabalho socialmente média, contanto que na produção de uma mercadoria não consuma mais que o trabalho em


OS ECONOMISTAS


168
157#
média necessário ou tempo de trabalho socialmente necessário. Tempo de trabalho socialmente necessário é aquele requerido para produzir
um valor de uso qualquer, nas condições dadas de produção socialmente normais, e com o grau social médio de habilidade e de intensidade de
trabalho. Na Inglaterra, por exemplo, depois da introdução do tear a vapor, bastava talvez somente metade do trabalho de antes para trans-formar
certa quantidade de fio em tecido. O tecelão manual inglês precisava para essa transformação, de fato, do mesmo tempo de tra-balho
que antes, porém agora o produto de sua hora de trabalho in-dividual somente representava meia hora de trabalho social e caiu,
portanto, à metade do valor anterior.
É, portanto, apenas o quantum de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário para produção de um


valor de uso o que determina a grandeza de seu valor. 84 A mercadoria individual vale aqui apenas como exemplar médio de sua espécie. 85
Mercadorias que contêm as mesmas quantidades de trabalho ou que podem ser produzidas no mesmo tempo de trabalho, têm, portanto, a
mesma grandeza de valor. O valor de uma mercadoria está para o valor de cada uma das outras mercadorias assim como o tempo de
trabalho necessário para a produção de uma está para o tempo de trabalho necessário para a produção de outra.


"Enquanto valores todas as mercadorias são apenas medidas determinadas de tempo de trabalho cristalizado." 86
A grandeza de valor de uma mercadoria permaneceria portanto constante, caso permanecesse também constante o tempo de trabalho
necessário para sua produção. Este muda, porém, com cada mudança na força produtiva do trabalho. A força produtiva do trabalho é deter-minada
por meio de circunstâncias diversas, entre outras pelo grau médio de habilidade dos trabalhadores, o nível de desenvolvimento da
ciência e sua aplicabilidade tecnológica, a combinação social do processo de produção, o volume e a eficácia dos meios de produção e as condições
naturais. Assim, por exemplo, o mesmo quantum de trabalho em con-dições climáticas favoráveis, se representa em 8 bushels de trigo, em


MARX


169
84 Nota à 2ª edição. "The value of them (the necessaries of life) when they are exchanged the one for another, is regulated by the quantity of labour necessarily
required, and commonly
taken in producing them." "O valor de objetos de uso, tão logo eles são trocados entre si, é determinado pelo quantum de trabalho necessariamente exigido e habitualmente
usado
para sua produção." (Some Thoughts on the Interest of Money in General, and Particularly in the Public Funds etc. Londres. p. 36-37). Esse notável escrito anônimo
do século passado
não traz data. De seu conteúdo deduz-se, entretanto, que ele apareceu sob Jorge II, por volta de 1739 ou 1740.
85 "Todos os produtos da mesma espécie formam propriamente apenas uma massa, cujo preço é determinado de forma geral e sem consideração às situações especiais."
(LE TROSNE,
Op. cit., p. 893.) 86 MARX, K. Op. cit., p. 6.
158#
condições climáticas desfavoráveis, em somente 4. A mesma quantidade
de trabalho fornece mais metais em minas ricas do que em minas
pobres etc. Diamantes aparecem muito raramente na crosta terrestre; encontrá-los custa, portanto, em média, muito tempo de trabalho. Em


conseqüência representam, em pouco volume, muito trabalho. Jacob
duvida que o ouro tenha alguma vez pago seu valor total. 87 Com maior razão, vale isso para o diamante. Segundo Eschwege, em 1823 a ex-ploração


de oitenta anos das minas de diamante, no Brasil, não al-cançava
sequer o preço do produto médio de 1,5 ano das plantações
brasileiras de açúcar ou café, apesar de que ela representava muito mais trabalho e, portanto, mais valor. Com minas mais ricas o mesmo


quantum de trabalho representar-se-ia em mais diamantes, e diminui-ria
o seu valor. Caso se conseguisse, com pouco trabalho, transformar carvão em diamante, o valor deste poderia cair abaixo do de tijolos.


Genericamente, quanto maior a força produtiva do trabalho, tanto me-nor
o tempo de trabalho exigido para a produção de um artigo, tanto menor a massa de trabalho nele cristalizada, tanto menor o seu valor.


Inversamente, quanto menor a força produtiva do trabalho, tanto maior
o tempo de trabalho necessário para a produção de um artigo, tanto
maior o seu valor. A grandeza do valor de uma mercadoria muda na razão direta do quantum, e na razão inversa da força produtiva do


trabalho que nela se realiza. 88 Uma coisa pode ser valor de uso, sem ser valor. É esse o caso,
quando a sua utilidade para o homem não é mediada por trabalho. Assim, o ar, o solo virgem, os gramados naturais, as matas não culti-vadas
etc. Uma coisa pode ser útil e produto do trabalho humano, sem ser mercadoria. Quem com seu produto satisfaz sua própria necessidade
cria valor de uso mas não mercadoria. Para produzir mercadoria, ele não precisa produzir apenas valor de uso, mas valor de uso para outros,
valor de uso social. {E não só para outros simplesmente. O camponês da Idade Média produzia o trigo do tributo para o senhor feudal, e o
trigo do dízimo para o clérigo. Embora fossem produzidos para outros, nem o trigo do tributo nem o do dízimo se tornaram por causa disso
mercadorias. Para tornar-se mercadoria, é preciso que o produto seja transferido a quem vai servir como valor de uso por meio da troca.} 89
Finalmente, nenhuma coisa pode ser valor, sem ser objeto de uso.


OS ECONOMISTAS


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87 JACOB, William. An Historical Inquiry into the Production and Consumption of the Precious Metals. Londres, 1831. (N. da Ed. Alemã.)
88 Na 1ª edição segue: Conhecemos agora a substância do valor. É o trabalho. Conhecemos sua medida de grandeza. É o tempo de trabalho. Sua forma, que justamente
cunha o valor
ao valor de troca, resta ainda para analisar. Antes, porém, é necessário desenvolver mais de perto as determinações já encontradas. (N. da Ed. Alemã.)
89 Nota à 4ª edição. Eu introduzo o trecho entre chaves porque sua omissão tem freqüentemente originado o mal-entendido de considerar que, para Marx, vale como mercadoria
todo produto
que é consumido por outro, que não o produtor. — F. E.
159#
Sendo inútil, do mesmo modo é inútil o trabalho nela contido, não conta como trabalho e não constitui nenhum valor.
2. Duplo caráter do trabalho representado nas mercadorias
A mercadoria apareceu-nos, inicialmente, como algo dúplice, valor de uso e valor de troca. Depois mostrou-se que também o trabalho, à
medida que é expresso no valor, já não possui as mesmas características que lhe advêm como produtor de valores de uso. Essa natureza dupla da
mercadoria foi criticamente demonstrada pela primeira vez por mim. 90 Como esse ponto é o ponto crucial em torno do qual gira a compreensão
da Economia Política, ele deve ser examinado mais de perto. Tomemos duas mercadorias, digamos um casaco e 10 varas de
linho. Que a primeira tenha o dobro do valor da última, de modo que, se 10 varas de linho = W, o casaco = 2W.
O casaco é um valor de uso que satisfaz a uma necessidade es-pecífica. Para produzi-lo, precisa-se de determinada espécie de atividade
produtiva. Ela é determinada por seu fim, modo de operar, objeto, meios e resultado. O trabalho cuja utilidade representa-se, assim, no
valor de uso de seu produto ou no fato de que seu produto é um valor de uso chamamos, em resumo, trabalho útil. Sob esse ponto de vista
é considerado sempre em relação a seu efeito útil.
Como casaco e linho são valores de uso qualitativamente dife-rentes, assim os trabalhos aos quais devem sua existência são também


qualitativamente diferentes — o trabalho de alfaiataria e o de tecela-gem. Se aquelas coisas não fossem valores de uso qualitativamente
diferentes e, por isso, produtos de trabalhos úteis qualitativamente diferentes, elas não poderiam, de nenhum modo, confrontar-se como
mercadorias. Casaco não se troca por casaco, o mesmo valor de uso pelo mesmo valor de uso.
Na totalidade dos vários tipos de valores de uso ou corpos de mercadorias aparece uma totalidade igualmente diversificada, de acor-do
com gênero, espécie, família, subespécie, variedade, de diferentes trabalhos úteis — uma divisão social do trabalho. Ela é condição de
existência para a produção de mercadorias, embora, inversamente, a produção de mercadorias não seja a condição de existência para a di-visão
social do trabalho. Na antiga comunidade hindu o trabalho é socialmente dividido sem que os produtos se tornem mercadorias. Ou,
um exemplo mais próximo, em cada fábrica o trabalho é sistematica-mente dividido, mas essa divisão não se realiza mediante a troca, pelos
trabalhadores, de seus produtos individuais. Apenas produtos de tra-balhos privados autônomos e independentes entre si confrontam-se
como mercadorias.


MARX


171
90 Op. cit., p. 12-13 et passim.
160#
Viu-se, portanto: o valor de uso de cada mercadoria encerra de-terminada atividade produtiva adequada a um fim, ou trabalho útil.
Valores de uso não podem defrontar-se como mercadoria, caso eles não contenham trabalhos úteis qualitativamente diferentes. Numa socie-dade
cujos produtos assumem, genericamente, a forma de mercadoria, isto é, numa sociedade de produtores de mercadorias, desenvolve-se
essa diferença qualitativa dos trabalhos úteis, executados independen-temente uns dos outros, como negócios privados de produtores autô-nomos,
num sistema complexo, numa divisão social do trabalho. Para o casaco, tanto faz ser usado pelo alfaiate ou pelo freguês do
alfaiate. Em ambos os casos ele funciona como valor de uso. Tampouco a relação entre o casaco e o trabalho que o produz muda, em si e para
si, pelo fato de a alfaiataria tornar-se uma profissão específica, um elo autônomo da divisão social do trabalho. Onde a necessidade de vestir o
obrigou, o homem costurou durante milênios, antes de um homem tor-nar-se um alfaiate. Mas a existência do casaco, do linho, de cada elemento
da riqueza material não existente na natureza, sempre teve de ser mediada por uma atividade especial produtiva, adequada a seu fim, que assimila
elementos específicos da natureza a necessidades humanas específicas.
Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas


de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana.
Os valores de uso casaco, linho etc., enfim, os corpos das mer-cadorias, são ligações de dois elementos, matéria fornecida pela natu-reza
e trabalho. Subtraindo-se a soma total de todos os trabalhos úteis contidos no casaco, linho etc., resta sempre um substrato material que
existe sem ação adicional do homem, fornecido pela natureza. Ao pro-duzir, o homem só pode proceder como a própria natureza, isto é,
apenas mudando as formas das matérias. 91 Mais ainda. Nesse trabalho de formação ele é constantemente amparado por forças naturais. Por-tanto,
o trabalho não é a única fonte dos valores de uso que produz, da riqueza material. Dela o trabalho é o pai, como diz William Petty,
e a terra a mãe. 92


OS ECONOMISTAS


172
91 "Todas as manifestações do universo, sejam elas causadas pela mão do homem ou pelas leis gerais da Física, não são realmente novas criações, apenas pura e simplesmente
uma
transformação da matéria. Associação e dissociação são os únicos elementos que o espírito humano encontra sempre de novo ao analisar a idéia da reprodução; e do
mesmo modo
comporta-se com a reprodução do valor" (valor de uso, apesar de que aqui Verri, em sua polêmica contra os fisiocratas, não sabe ao certo de que espécie de valor
ele fala) "e da
riqueza, quando terra, ar e água transformam-se em cereais sobre os campos ou também quando pela mão do homem a secreção de um inseto transforma-se em seda, ou algumas
partezinhas de metal ordenam-se para formarem um relógio de repetição." (VERRI, Pietro. Meditazioni sulla Economia Politica. Impresso primeiro em 1771, na edição
dos economistas
italianos, de Custodi. Parte Moderna, v. XV, p. 21-22.) 92 PETTY, W. A Treatise of Taxes and Contributions. Londres, 1667, p. 47. (N. da Ed. Alemã)
161#
Passemos, agora, da mercadoria, enquanto objeto de uso, para o valor-mercadoria.
Segundo nosso suposto, o casaco tem o dobro do valor do linho. Isto é, porém, só uma diferença quantitativa que por agora não nos
interessa ainda. Recordemos, por isso, que, se um casaco vale duas vezes mais que 10 varas de linho, 20 varas de linho têm a mesma
grandeza de valor de um casaco. Enquanto valores, casaco e linho são coisas de igual substância, expressões objetivas do mesmo tipo de tra-balho.
Mas a alfaiataria e a tecelagem são trabalhos qualitativamente diferentes. Existem, entretanto, circunstâncias sociais em que a mesma
pessoa, alternadamente, costura e tece. Esses dois modos diferentes de trabalho são, por isso, apenas modificações do trabalho do mesmo
indivíduo, e ainda não funções fixas, específicas de indivíduos diferen-tes, assim como o casaco feito, hoje, por nosso alfaiate, e as calças que
ele faz amanhã somente pressupõem variações do mesmo trabalho in-dividual. A evidência ensina ainda que em nossa sociedade capitalista,
conforme a mutável orientação da procura de trabalho, dada porção do trabalho humano deverá ser alternadamente oferecida ora sob a
forma de alfaiataria, ora sob a forma de tecelagem. Essa variação da forma do trabalho pode não transcorrer sem atritos, mas ela tem de
ocorrer. Abstraindo-se da determinação da atividade produtiva e, por-tanto, do caráter útil do trabalho, resta apenas que ele é um dispêndio
de força humana de trabalho. Alfaiataria e tecelagem, apesar de serem atividades produtivas qualitativamente diferentes, são ambas dispêndio
produtivo de cérebro, músculos, nervos, mãos etc. humanos, e nesse sentido são ambas trabalho humano. São apenas duas formas diferentes
de despender força humana de trabalho. Contudo, para poder ser des-pendido dessa ou daquela forma, precisa a força humana de trabalho
estar mais ou menos desenvolvida. Mas o valor da mercadoria repre-senta simplesmente trabalho humano, dispêndio de trabalho humano
sobretudo. Assim como na sociedade burguesa um general ou banqueiro desempenha um grande papel, enquanto o homem simples, ao contrário,
desempenha um papel ordinário, 93 assim é também aqui com o trabalho humano. Ele é dispêndio da força de trabalho simples que em média
toda pessoa comum, sem desenvolvimento especial, possui em seu or-ganismo físico. Embora o próprio trabalho médio simples mude seu
caráter, em diferentes países ou épocas culturais, ele é porém dado em uma sociedade particular. Trabalho mais complexo vale apenas
como trabalho simples potenciado ou, antes, multiplicado, de maneira que um pequeno quantum de trabalho complexo é igual a um grande
quantum de trabalho simples. Que essa redução ocorre constantemente, mostra-o a experiência. Uma mercadoria pode ser o produto do trabalho


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173
93 Ver HEGEL. Philosophie des Rechts. * Berlim, 1840. p. 250, § 190. * Filosofia do Direito.
162#
mais complexo, seu valor a equipara ao produto do trabalho simples e, por isso, ele mesmo representa determinado quantum de trabalho
simples. 94 As diferentes proporções, nas quais as diferentes espécies de trabalho são reduzidas a trabalho simples como unidade de medida,
são fixadas por meio de um processo social por trás das costas dos produtores e lhes parecem, portanto, ser dadas pela tradição. Para
efeitos de simplificação valerá a seguir cada espécie de força de trabalho, diretamente, como força de trabalho simples, com o que apenas se
poupa o esforço de redução. Assim como nos valores casaco e linho é abstraída a diferença
de seus valores de uso, também nos trabalhos que se representam nesses valores abstrai-se a diferença de suas formas úteis, a alfaiataria
e a tecelagem. Assim como os valores de uso casaco e linho resultam de ligações de atividades produtivas internacionais com tecido e fio,
os valores casaco e linho são, ao contrário, simples gelatinas homogê-neas de trabalho, assim os trabalhos contidos nestes valores não valem
devido à relação produtiva que mantêm com tecido e fio, mas apenas como dispêndios de força de trabalho do homem. Alfaiataria e tecelagem
são elementos formadores dos valores de uso, casaco e linho, graças às suas diferentes qualidades; elas somente são substâncias do valor
do casaco e do valor do linho na medida em que se abstrai sua qualidade específica e ambas possuem a mesma qualidade, a qualidade do tra-balho
humano. Casaco e linho não são apenas valores ao todo, mas valores de
determinada grandeza, e segundo nossa suposição, o casaco tem o dobro do valor de 10 varas de linho. De onde vem essa diferença de suas gran-dezas
de valor? De que o linho só contém metade do trabalho que o casaco, pois para a produção do último a força de trabalho precisa ser
despendida durante o dobro do tempo que para a produção do primeiro. Se, portanto, em relação ao valor de uso o trabalho contido na
mercadoria vale apenas qualitativamente, em relação à grandeza do valor ele vale só quantitativamente, depois de já reduzido a trabalho
humano, sem outra qualidade. Lá, trata-se do como e do quê do tra-balho, aqui do seu quanto, da sua duração temporal. Como a grandeza
do valor de uma mercadoria representa apenas o quantum de trabalho nela contido, mercadorias devem, em determinadas proporções, ser sem-pre
valores da mesma grandeza. Permanecendo inalterada a força produtiva, digamos, de todos
os trabalhos úteis necessários à produção de um casaco, a grandeza de valor do casaco sobe com a sua própria quantidade. Se um casaco


OS ECONOMISTAS


174
94 O leitor deve estar atento para o fato de aqui não se falar de salário ou valor, que o trabalhador obtém aproximadamente por um dia de trabalho, mas sim do valor
de mer-cadorias
em que se materializa seu dia de trabalho. A categoria salário ainda não existe de forma alguma nesta altura de nossa apresentação.
163#
representa x dias de trabalho, dois casacos representam 2 x e assim por diante. Suponha, porém, que o trabalho necessário para a produção
de um casaco suba para o dobro ou caia para metade. No primeiro caso um casaco possui tanto valor quanto antes dois casacos, no segundo
caso dois casacos apenas tanto valor quanto anteriormente um, apesar de que em ambos os casos um casaco, tanto depois como antes, presta
os mesmos serviços e da mesma forma o trabalho útil nele contido permanece, tanto antes como depois, com a mesma qualidade. Mudou,
porém, o quantum de trabalho despendido em sua produção. Um quantum maior de valor de uso representa em si e para si
maior riqueza material, dois casacos mais que um. Com dois casacos podem-se vestir duas pessoas, com um casaco, somente uma pessoa
etc. Entretanto, à crescente massa de riqueza material pode corres-ponder um decréscimo simultâneo da grandeza de valor. Esse movi-mento
contraditório origina-se do duplo caráter do trabalho. Força pro-dutiva é sempre, naturalmente, força produtiva de trabalho útil con-creto,
e determina, de fato, apenas o grau de eficácia de uma atividade produtiva adequada a um fim, num espaço de tempo dado. O trabalho
útil torna-se, portanto, uma fonte mais rica ou mais pobre de produtos, em proporção direta ao aumento ou à queda de sua força produtiva.
Ao contrário, uma mudança da força produtiva não afeta, em si e para si, de modo algum o trabalho representado no valor. Como a força
produtiva pertence à forma concreta útil do trabalho, já não pode esta, naturalmente, afetar o trabalho, tão logo faça-se abstração da sua forma
concreta útil. O mesmo trabalho proporciona, portanto, nos mesmos espaços de tempo, sempre a mesma grandeza de valor, qualquer que
seja a mudança da força produtiva. Mas ele fornece, no mesmo espaço de tempo, quantidades diferentes de valores de uso; mais, quando a
força produtiva sobe, e menos, quando ela cai. A mesma variação da força produtiva, a qual aumenta a fecundidade do trabalho e, portanto,
a massa de valores de uso por ela fornecida, diminui, assim, a grandeza de valor dessa massa global aumentada, quando ela encurta a soma
do tempo de trabalho necessário à sua produção. E vice-versa. Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do
homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da mercadoria. Todo
trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de
trabalho concreto útil produz valores de uso. 95


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95 Nota à 2ª edição. Para provar "que o trabalho, sozinho, é a medida real e definitiva com o que se avalia e pode ser comparado o valor de todas as mercadorias
em todos os tempos",
diz A. Smith: "Quantidades iguais de trabalho precisam em todos os tempos e em todos os lugares ter para o próprio trabalhador o mesmo valor. Em seu estado normal
de saúde,
força e atividade, e com o grau médio de habilidade, que ele possua, precisa ceder a mesma porção de seu sossego, sua liberdade e sua felicidade". (Wealth of Nations.
v. I, cap. V, [p.
164#
3. A forma de valor ou o valor de troca
As mercadorias vêm ao mundo sob a forma de valores de uso ou
de corpos de mercadorias, como ferro, linho, trigo etc. Essa é a sua forma natural com que estamos habituados. Elas são só mercadorias,


entretanto, devido à sua duplicidade, objetos de uso e simultaneamente portadores de valor. Elas aparecem, por isso, como mercadoria ou pos-suem
a forma de mercadoria apenas na medida em que possuem forma
dupla, forma natural e forma de valor. A objetividade do valor das mercadorias diferencia-se de Wittib


Hurtig, pois não se sabe por onde apanhá-la. 96 Em direta oposição à palpável e rude objetividade dos corpos das mercadorias, não se encerra
nenhum átomo de matéria natural na objetividade de seu valor. Po-demos virar e revirar uma mercadoria, como queiramos, como coisa
de valor ela permanece imperceptível. Recordemo-nos, entretanto, que
as mercadorias apenas possuem objetividade de valor na medida em que elas sejam expressões da mesma unidade social de trabalho hu-mano,


pois sua objetividade de valor é puramente social e, então, é evidente que ela pode aparecer apenas numa relação social de merca-doria
para mercadoria. Partimos, de fato, do valor de troca ou da relação
de troca das mercadorias para chegar à pista de seu valor aí oculto. Nós precisamos agora voltar a essa forma de manifestação do valor.


Toda pessoa sabe, ainda que não saiba mais do que isso, que as
mercadorias possuem uma forma comum de valor, que contrasta de
maneira muito marcante com a heterogeneidade das formas naturais
que apresentam seus valores de uso — a forma dinheiro. Aqui cabe,
no entanto, realizar o que não foi jamais tentado pela economia bur-guesa,
isto é, comprovar a gênese dessa forma dinheiro, ou seja, acom-


OS ECONOMISTAS


176
104-105].) De um lado, confunde A. Smith aqui (nem sempre) a determinação do valor pelo quantum de trabalho despendido na produção da mercadoria com a determinação
dos valores
das mercadorias pelo valor do trabalho, e procura, portanto, comprovar que as mesmas quantidades de trabalho têm sempre o mesmo valor. Por outro lado, pressente
ele que o
trabalho, na medida em que se representa no valor das mercadorias, vale apenas como dispêndio de força de trabalho, mas capta esse dispêndio apenas como sacrifício
do sossego,
liberdade e felicidade, e não como uma atividade também normal de vida. Na realidade, ele tem em vista o trabalhador assalariado moderno. — Muito mais preciso, diz
o antecessor
anônimo de A. Smith, citado anteriormente: "Um homem empregou uma semana no fabrico deste objeto necessário (...) e aquele que lhe dará outro objeto em troca não
pode estimar
melhor o que seria um equivalente apropriado, senão por meio do cômputo do que lhe custa a mesma quantidade de trabalho e tempo. Isso significa de fato a troca do
trabalho
que uma pessoa, em determinado tempo, empregou em um objeto, pelo trabalho de outra, no mesmo tempo aplicado a outro objeto." (Some Thoughts on the Interest of Money
in
General etc. p. 39.) — {À 4ª edição: A língua inglesa tem a vantagem de possuir duas palavras distintas para esses dois aspectos diferentes do trabalho. O trabalho
que gera
valores de uso e é qualitativamente determinado chama-se de work, em oposição a labour; o trabalho que cria valor e é medido apenas quantitativamente chama-se labour,
em oposição
a work. Ver nota à p. 14 da tradução inglesa. — F. E.} 96 SHAKESPEARE. Henrique IV. Parte Primeira. Ato III. Cena III. (N. da Ed. Alemã.)
165#
panhar o desenvolvimento da expressão do valor contida na relação de valor das mercadorias, de sua forma mais simples e sem brilho até
a ofuscante forma dinheiro. Com isso desaparece o enigma do dinheiro. A relação mais simples de valor é evidentemente a relação de valor
de uma mercadoria com uma única mercadoria de tipo diferente, não importa qual ela seja. A relação de valor entre duas mercadorias fornece,
por isso, a expressão mais simples de valor para uma mercadoria.
A) Forma Simples, Singular ou Acidental de Valor
x mercadoria A = y mercadoria B, ou: x mercadoria A vale y mercadoria B.


(20 varas de linho = 1 casaco, ou: 20 varas de linho valem 1 casaco.)


1) Os dois pólos da expressão de valor: forma relativa de valor e forma equivalente
O segredo de toda forma de valor encerra-se nessa forma simples de valor. Na sua análise reside a verdadeira dificuldade.
Duas mercadorias diferentes, A e B, em nosso exemplo linho e casaco, representam aqui, evidentemente, dois papéis distintos. O linho
expressa seu valor no casaco, o casaco serve de material para essa expressão de valor. A primeira mercadoria representa um papel ativo,
a segunda um papel passivo. O valor da primeira mercadoria é apre-sentado como valor relativo ou ela encontra-se sob forma relativa de
valor. A segunda mercadoria funciona como equivalente ou encontra-se em forma equivalente.
Forma relativa de valor e forma equivalente pertencem uma à outra, se determinam reciprocamente, são momentos inseparáveis, po-rém,
ao mesmo tempo, são extremos que se excluem mutuamente ou se opõem, isto é, pólos da mesma expressão de valor; elas se repartem
sempre entre as diversas mercadorias relacionadas entre si pela ex-pressão de valor. Eu não posso, por exemplo, expressar o valor do
linho em linho. 20 varas de linho = 20 varas de linho não é nenhuma expressão de valor. A equação diz, ao contrário: 20 varas de linho são
nada mais que 20 varas de linho, um quantum determinado do objeto de uso linho. O valor do linho pode assim ser expresso apenas relati-vamente,
isto é, por meio de outra mercadoria. A forma relativa de valor do linho supõe, portanto, que alguma outra mercadoria a ela se
oponha na forma equivalente. Por outro lado, essa outra mercadoria, que figura como equivalente, não pode ao mesmo tempo encontrar-se
em forma relativa de valor. Não é ela que expressa seu valor. Ela fornece apenas o material à expressão do valor de outra mercadoria.
É verdade que a expressão 20 varas de linho = 1 casaco, ou 20 varas de linho valem 1 casaco, encerra também as relações contrárias:
1 casaco = 20 varas de linho, ou 1 casaco vale 20 varas de linho.


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166#
Porém, assim preciso inverter a equação para poder expressar o valor relativo do casaco, e tão logo eu faço isso, torna-se o linho equivalente
em vez do casaco. A mesma mercadoria não pode, portanto, aparecer, ao mesmo tempo, sob ambas as formas na mesma expressão de valor.
Essas formas antes excluem-se polarmente. Se uma mercadoria encontra-se sob a forma relativa de valor ou
sob a forma oposta, a forma equivalente, depende exclusivamente da posição que essa mercadoria ocupe na expressão de valor, em cada
momento, ou seja, se é a mercadoria cujo valor é expresso ou aquela na qual é expresso o valor.


2) A forma relativa de valor
a) Conteúdo da forma relativa de valor
Para descobrir como a expressão simples do valor de uma mer-cadoria se esconde na relação de valor entre duas mercadorias, deve-se


considerar essa relação, de início, totalmente independente de seu lado quantitativo. Procede-se, na maioria das vezes, justamente ao contrário,
e vê-se na relação de valor apenas a proporção na qual determinados quanta de duas espécies de mercadoria se equiparam. Perde-se de vista
que as grandezas de coisas diferentes tornam-se quantitativamente comparáveis só depois de reduzidas à mesma unidade. Somente como
expressões da mesma unidade, são elas homônimas, por conseguinte, grandezas comensuráveis. 97
Se 20 varas de linho = 1 casaco ou = 20 ou = x casacos, isto é, se dado quantum de linho vale muitos ou poucos casacos, cada uma
dessas proporções implica sempre que linho e casaco, como grandezas de valor, sejam expressões da mesma unidade, coisas da mesma na-tureza.
Linho = casaco é o fundamento da equação. Mas as duas mercadorias quantitativamente equiparadas não de-sempenham
o mesmo papel. Apenas o valor do linho é expresso. E como? Por meio de sua relação com o casaco como seu "equivalente",
ou seu "permutável". Nessa relação, o casaco vale como forma de exis-tência de valor, como coisa de valor, pois apenas como tal é o mesmo
que o linho. Por outro lado, a própria existência do valor do linho vem à tona ou obtém uma expressão autônoma, pois somente como valor
pode o linho relacionar-se com o casaco como equivalente ou com ele permutável. Assim, o ácido butírico é um corpo diferente do formiato
de propilo. Ambos, entretanto, são constituídos das mesmas substâncias químicas — carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio (O), combinadas na


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97 Os poucos economistas que, como S. Bailey, se ocuparam com a análise da forma de valor não podiam chegar a nenhum resultado, primeiro porque confundem forma de
valor e
valor, segundo porque eles, sob a influência crua do burguês prático, de início, consideram exclusivamente a determinação quantitativa. "A disposição sobre a quantidade
(...) faz o
valor." (Money and its Vicissitudes. Londres, 1837. p. 11.) Autor S. Bailey.
167#
mesma percentagem, a saber, C4H8O2. Se fossem equiparados ácido butírico e formiato de propilo, valeria nessa relação, primeiro, o formiato
de propilo como simples forma de existência do C4H8O2, e segundo, seria dito que o ácido butírico compõe-se também de C4H8O2. Pela
equiparação do formiato de propilo com o ácido butírico seria expressa portanto sua substância química em contraste com sua forma corpórea.
Digamos: como valores, as mercadorias são meras gelatinas de trabalho humano, então a nossa análise reduz as mesmas à abstração
de valor, sem dar-lhes, porém, qualquer forma de valor diferente de suas formas naturais. A coisa é diferente na relação de valor de uma
mercadoria à outra. Seu caráter de valor revela-se aqui por meio de sua própria relação à outra mercadoria.
Ao equiparar-se, por exemplo, o casaco, como coisa de valor, ao linho, é equiparado o trabalho inserido no primeiro com o trabalho
contido neste último. Na verdade, a alfaiataria que faz o casaco é uma espécie de trabalho concreto diferente da tecelagem que faz o linho.
Porém, a equiparação com a tecelagem reduz a alfaiataria realmente àquilo em que ambos são iguais, a seu caráter comum de trabalho
humano. Indiretamente é então dito que também a tecelagem, contanto que ela teça valor, não possui nenhuma característica que a diferencie
da alfaiataria, e é, portanto, trabalho humano abstrato. Somente a expressão de equivalência de diferentes espécies de mercadoria revela
o caráter específico do trabalho gerador de valor, ao reduzir, de fato, os diversos trabalhos contidos nas mercadorias diferentes a algo comum
neles, ao trabalho humano em geral. 98 Não basta, porém, expressar o caráter específico do trabalho em
que consiste o valor do linho. A força de trabalho do homem em estado líquido ou trabalho humano cria valor, porém não é valor. Ele torna-se
valor em estado cristalizado, em forma concreta. Para expressar o valor do linho como gelatina de trabalho humano, ele deve ser expresso
como uma "objetividade" concretamente diferente do linho mesmo e simultaneamente comum ao linho e a outra mercadoria. A tarefa já
está resolvida. Na relação de valor do linho vale o casaco como seu igual em
qualidade, como coisa da mesma natureza, porque é um valor. Ele vale aqui, portanto, como coisa, na qual aparece valor ou a qual em
sua forma natural palpável representa valor. Na verdade, o casaco, o


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98 Nota à 2ª edição. Um dos primeiros economistas que após William Petty enfocou a natureza do valor, o famoso Franklin, diz: "Uma vez que o comércio nada mais é
que a troca de um
trabalho por outro, o valor de todas as coisas será avaliado mais justamente em trabalho". (The Works of B. Franklin etc. Edit. por Sparks, Boston, 1836. v. II,
p. 267.) Ao avaliar o valor
de todas as coisas "em trabalho", Franklin não está consciente de que abstrai a diversidade dos trabalhos trocados — e assim os reduz a trabalho humano igual. Diz
contudo o que não
sabe. Ele fala primeiro de "um trabalho", depois de "outro trabalho" e finalmente de "trabalho" sem outra qualificação, como substância do valor de todas as coisas.
168#
corpo da mercadoria casaco, é um mero valor de uso. Um casaco ex-pressa tão pouco valor quanto qualquer peça de linho. Isso comprova
apenas que ele significa mais dentro da relação de valor com o linho que fora dela, assim como algumas pessoas significam mais dentro de
um casaco com galões que fora dele.
Na produção do casaco foi realmente despendida força de trabalho humana sob a forma de alfaiataria. É, portanto, trabalho humano nele


acumulado. Por esse lado, é o casaco "portador de valor", ainda que essa sua propriedade não se veja mesmo através de sua forma mais
puída. E na relação de valor do linho ele vale apenas segundo esse lado, portanto como valor corporificado, como corpo de valor. Apesar
de sua aparição abotoada, o linho reconheceu nele a bela alma de valor de origem comum. O casaco, em relação ao linho, não pode representar
valor, sem que para este o valor assuma simultaneamente a forma de um casaco. Assim o indivíduo A não pode comportar-se para o indivíduo
B como uma majestade, sem que para A majestade assuma simultanea-mente a forma corpórea de B e, portanto, que modifique feições, cabelos
e várias outras características cada vez que muda o pai do povo.
Na relação de valor, na qual o casaco constitui o equivalente do linho, vale, portanto, a forma de casaco como forma de valor. O valor


da mercadoria linho é assim expresso no corpo da mercadoria casaco, o valor de uma mercadoria no valor de uso da outra. Como valor de
uso é o linho uma coisa fisicamente diferente do casaco, como valor é algo igual ao casaco e parece, portanto, como um casaco. Assim, o linho
recebe uma forma de valor diferente de sua forma natural. Sua existência de valor aparece em sua igualdade com o casaco, assim como a natureza
de carneiro do cristão em sua igualdade com o cordeiro de Deus.
Vê-se, tudo que nos disse antes a análise do valor das mercadorias, diz-nos o linho logo que entra em relação com outra mercadoria, o casaco.


Só que ele revela seu pensamento em sua linguagem exclusiva, a lingua-gem das mercadorias. Para dizer que o seu próprio valor foi gerado pelo
trabalho em sua abstrata propriedade de trabalho humano, ele diz que o casaco, na medida em que ele lhe equivale, portanto é valor, compõe-se
do mesmo trabalho que o linho. Para dizer que a sua sublime objetividade de valor é distinta de seu corpo entretelado, ele diz que o valor se parece
com um casaco e que, portanto, ele mesmo, como coisa de valor, iguala-se ao casaco, como um ovo ao outro. Diga-se de passagem que a linguagem
das mercadorias, além do hebraico, possui também muitos outros idiomas mais ou menos corretos. A palavra alemã Wertsein (valer) expressa, por
exemplo, com menos acerto que o verbo romano valere, valer, valoir, que a equiparação da mercadoria B com A é a própria expressão de valor da
mercadoria A. Paris vaut bien une messe. 99


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99 "Paris vale bem uma missa", teria dito Henrique IV em 1593 quando de sua conversão ao catolicismo, em favor de uma política nacional. (N. da Ed. Alemã.)
169#
Por meio da relação de valor, a forma natural da mercadoria B torna-se a forma de valor da mercadoria A ou o corpo da mercadoria
B o espelho do valor da mercadoria A. 100 Ao relacionar-se com a mer-cadoria B como corpo de valor, como materialização de trabalho hu-mano,
a mercadoria A torna o valor de uso de B material de sua própria expressão de valor. O valor da mercadoria A, assim expresso
no valor de uso da mercadoria B, possui a forma do valor relativo.
b) Determinação quantitativa da forma de valor relativa
Toda mercadoria, cujo valor deve ser expresso, é um objeto de uso em dado quantum, 15 arrobas de trigo, 100 libras de café etc. Esse


dado quantum de mercadoria contém determinado quantum de trabalho humano. A forma de valor tem de expressar não só valor em geral,
mas também valor determinado quantitativamente, ou grandeza de valor. Na relação de valor da mercadoria A com a mercadoria B, do
linho com o casaco, é equiparada não apenas qualitativamente ao linho a espécie de mercadoria casaco como corpo de valor em geral, mas
determinado quantum de linho, por exemplo 20 varas, equipara-se a determinado quantum do corpo de valor ou equivalente, por exemplo
1 casaco. A equação: "20 varas de linho = 1 casaco, ou: 20 varas de linho
valem 1 casaco" pressupõe que 1 casaco contém tanta substância de valor quanto 20 varas de linho, que ambas as quantidades de merca-dorias
custam assim o mesmo trabalho ou igual quantidade de tempo de trabalho. O tempo de trabalho necessário para a produção de 20
varas de linho ou 1 casaco altera-se, porém, com cada alteração na força produtiva da tecelagem ou da alfaiataria. A influência de tais
mudanças sobre a expressão relativa da grandeza de valor deve agora ser examinada mais de perto.


I. Que mude o valor do linho, 101 enquanto o valor do casaco per-manece constante. Se o tempo de trabalho necessário para a produção
do linho dobra, talvez em conseqüência de crescente infertilidade do solo em que se produz o linho, então duplica seu valor. Em vez de 20
varas de linho = 1 casaco, teríamos 20 varas de linho = 2 casacos, pois 1 casaco contém agora apenas metade do tempo de trabalho das 20
varas de linho. Ao contrário, se diminui à metade o tempo de trabalho


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100 De certa forma, sucede ao homem como à mercadoria. Pois ele não vem ao mundo nem com um espelho, nem como um filósofo fichtiano: eu sou eu, o homem se espelha
primeiro
em outro homem. Só por meio da relação com o homem Paulo, como seu semelhante, reconhece-se o homem Pedro a si mesmo como homem. Com isso vale para ele também o
Paulo, com pele e cabelos, em sua corporalidade paulínica, como forma de manifestação do gênero humano.
101 A expressão "valor", como já ocorreu anteriormente algumas vezes, é usada aqui para valor quantitativamente determinado, portanto, para grandeza de valor.
170#
necessário para a produção do linho em conseqüência, por exemplo, da melhoria dos teares, cai também o valor do linho pela metade.
Conseqüentemente, agora: 20 varas de linho = 1/ 2 casaco. O valor relativo da mercadoria A, isto é, seu valor expresso na mercadoria B,
sobe e cai, portanto, diretamente com o valor da mercadoria A, enquanto permanece o mesmo o valor da mercadoria B.


II. Que o valor do linho permaneça constante, enquanto muda o valor do casaco. Duplica, sob essas circunstâncias, o tempo de trabalho
necessário para a produção do casaco, eventualmente, em conseqüência de uma tosquia desfavorável, então temos em vez de 20 varas de linho
= 1 casaco, agora: 20 varas de linho = 1/ 2 casaco. Se, ao contrário, o valor do casaco cai à metade, então 20 varas de linho = 2 casacos.
Permanecendo constante o valor da mercadoria A, cai ou sobe, portanto, seu valor relativo expresso na mercadoria B, em relação inversa à
mudança de valor de B. Ao se compararem os diferentes casos, sob I e II, resulta que a
mesma mudança de grandeza do valor relativo pode provir de causas totalmente opostas. Assim 20 varas de linho = 1 casaco se transforma
em: 1) a equação 20 varas de linho = 2 casacos, ou porque o valor do linho duplica-se, ou porque o valor dos casacos cai à metade; e 2) a
equação 20 varas de linho = 1/ 2 casaco, ou porque o valor do linho cai à metade ou porque o valor do casaco sobe ao dobro.


III. As quantidades de trabalho necessárias para a produção de linho e casaco podem variar simultaneamente, na mesma direção e na
mesma proporção. Nesse caso, depois como antes, 20 varas de linho = 1 casaco, quaisquer que sejam as mudanças de seus valores. Descobre-se
sua mudança de valor tão logo se as compare com uma terceira mer-cadoria, cujo valor permaneceu constante. Subissem ou caíssem os va-lores
de todas as mercadorias simultaneamente e na mesma proporção, então seus valores relativos permaneceriam imutáveis. Sua real mu-dança
de valor seria inferida do fato de que no mesmo tempo de trabalho seria agora fornecido, em geral, um quantum maior ou menor de mer-cadorias
do que antes.


IV. Os tempos de trabalho necessários à produção de linho e casaco, respectivamente, e, portanto, seus valores, podem variar si-multaneamente,
na mesma direção, porém em grau diferente, ou em direção contrária etc. A influência de todas as possíveis espécies de
combinações sobre o valor relativo de uma mercadoria obtém-se pela simples aplicação dos casos I, II e III.
As mudanças reais na grandeza de valor não se refletem nem clara nem completamente, em sua expressão relativa ou na grandeza
do valor relativo. O valor relativo de uma mercadoria pode mudar,


OS ECONOMISTAS


182
171#
apesar de seu valor permanecer constante. Seu valor relativo pode
permanecer constante, apesar de mudar seu valor e, finalmente, não
necessitam, de nenhuma forma, coincidir as mudanças simultâneas
em sua grandeza de valor e na expressão relativa dessa grandeza. 102


3) A forma equivalente
Viu-se: ao expressar uma mercadoria A (o linho) seu valor no
valor de uso de uma mercadoria diferente B (o casaco) imprime a esta
última uma forma peculiar de valor, a de equivalente. A mercadoria
linho traz sua própria qualidade de ter valor à luz, pelo fato de que
o casaco, sem assumir uma forma de valor diferente de sua forma
corpórea, se lhe equipara. O linho exprime assim, de fato, sua própria
qualidade de ter valor na circunstância de que o casaco é com ele
diretamente permutável. A forma equivalente de uma mercadoria é
conseqüentemente a forma de sua permutabilidade direta com outra
mercadoria. Quando uma espécie de mercadoria, como casaco, serve de equi-valente


a outra espécie de mercadoria, como linho, e por conseguinte
casacos receberam a propriedade característica de se encontrarem em
forma permutável direta com o linho, não é dada, de nenhuma maneira,
a proporção na qual o linho e o casaco são trocáveis. Ela depende da
grandeza de valor dos casacos, já que a grandeza de valor do linho é
dada. Se se expressa o casaco como equivalente e o linho como valor
relativo, ou ao contrário, o linho como equivalente e o casaco como
valor relativo, sua grandeza de valor permanece, depois como antes,
determinada pelo tempo de trabalho necessário para sua produção,
portanto, independente de sua forma de valor. Tão logo, porém, a es-pécie
de mercadoria casaco assume na expressão de valor o lugar de
equivalente, sua grandeza de valor não adquire nenhuma expressão


MARX


183
102 Nota à 2ª edição. Essa incongruência entre grandeza de valor e sua expressão relativa foi explorada com habitual sagacidade pela economia vulgar. Por exemplo:
"Admita que A
baixa, porque B, com o que é trocado, sobe, embora na ocasião não decresça o trabalho despendido em A, e seu princípio geral de valor cai por terra (...) Quando
se admite que o
valor de B cai relativamente ao de A porque o valor de A sobe em relação ao de B, destrói-se a base sobre a qual Ricardo estabelece sua grande proposição de que
o valor de uma
mercadoria é sempre determinado pelo quantum de trabalho nela incorporado; pois quando uma mudança nos custos de A altera não somente seu próprio valor em relação
a B, com
o que se troca, mas também o valor de B relativamente ao de A, sem ter ocorrido nenhuma mudança no quantum de trabalho requerido para a produção de B, então cai
por terra não
apenas a doutrina que assegura que a quantidade de trabalho despendida em um artigo regula seu valor, mas também a doutrina que assegura que os custos de produção
de um
artigo regulam seu valor". (BROADHURST, J. Political Economy. Londres, 1842. p. 11-14.) O sr. Broadhurst poderia também dizer: Considere-se as frações 10/ 20, 10/
50, 10/ 100 etc.
O número 10 permanece inalterado e apesar disso decresce constantemente sua grandeza proporcional, sua grandeza relativa aos denominadores, 20, 50, 100. Assim, cai
por terra
o grande princípio de que a grandeza de um número inteiro, como 10, por exemplo, é "regulada" por meio da quantidade de unidades nela contidas.
172#
como grandeza de valor. Ela figura na equação de valor muito mais apenas como determinado quantum de uma coisa.
Por exemplo: 40 varas "valem" — o quê? Dois casacos. Como a espécie de mercadoria casaco desempenha aqui o papel de equivalente,
o valor de uso em face do linho como corpo de valor, basta também determinado quantum de casacos para expressar determinado quantum
de valor de linho. Dois casacos podem expressar, portanto, a grandeza de valor de 40 varas de linho, mas não podem nunca expressar sua
própria grandeza de valor, a grandeza de valor de casacos. A inter-pretação superficial dessa realidade, que o equivalente sempre possui
na equação de valor apenas a forma de simples quantum de uma coisa, de um valor de uso, induziu Bailey, como muitos de seus antecessores
e sucessores, a ver na expressão de valor apenas uma relação quan-titativa. Pelo contrário, a forma equivalente de uma mercadoria não
contém nenhuma determinação quantitativa de valor.
A primeira peculiaridade que chama a atenção quando se observa a forma equivalente é esta: o valor de uso torna-se forma de manifes-tação


de seu contrário, do valor.
A forma natural da mercadoria torna-se forma de valor. Porém, nota bene, esse qüiproqüó ocorre para uma mercadoria B (casaco ou


trigo ou ferro etc.) apenas internamente à relação de valor, na qual outra mercadoria qualquer A (linho etc.) junta-se a ela, apenas no
interior dessa relação. Como nenhuma mercadoria pode figurar como equivalente de si mesma, portanto tão pouco podendo fazer de sua
própria pele natural expressão de seu próprio valor, ela tem de rela-cionar-se como equivalente a outra mercadoria, ou fazer da pele natural
de outra mercadoria sua própria forma de valor.
Que nos ilustre isso o exemplo de uma medida que se aplica aos corpos de mercadorias como corpos de mercadorias, isto é, como valores


de uso. Um pão de açúcar sendo corpo é pesado e tem, portanto, peso, porém não se pode ver ou servir o peso de nenhum pão de açúcar.
Tomemos então pedaços diferentes de ferro, cujo peso foi determinado antes. Considerada em si, a forma do ferro é tão pouco forma de ma-nifestação
do peso quanto a do pão de açúcar. Contudo, para expressar o pão de açúcar como peso, nós o colocamos numa relação de peso com
o ferro. Nessa relação o ferro figura como um corpo, que nada representa além de peso. Quantidades de ferro servem, portanto, como medida
de peso do açúcar e representam perante o corpo do açúcar mera fi-guração do peso, forma de manifestação de peso. O ferro desempenha
esse papel apenas dentro dessa relação, na qual entra o açúcar ou qualquer outro corpo, cujo peso deve ser encontrado. Caso ambas as
coisas não fossem pesadas, não poderiam entrar nessa relação, e um não poderia sentir, portanto, de expressão do peso do outro. Lancemos
ambos sobre uma balança, e veremos de fato que eles enquanto peso são o mesmo e, portanto, em proporção determinada, são do mesmo


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peso. Como medida de peso, o ferro representa em confronto com o pão de açúcar apenas peso, e assim, em nossa expressão de valor, o
corpo do casaco representa em relação ao linho apenas valor. Aqui termina, entretanto, a analogia. O ferro representa na ex-pressão
de peso do pão de açúcar uma propriedade natural comum a ambos os corpos, seu peso, enquanto o casaco representa na expressão
de valor do linho uma propriedade sobrenatural a ambas as coisas: seu valor, algo puramente social.
Expressando a forma relativa de valor de uma mercadoria, por exemplo do linho, sua qualidade de ter valor como algo inteiramente
distinto de seu corpo e suas propriedades, por exemplo, como algo igual a um casaco, essa expressão mesma indica que nela se oculta
uma relação social. Com a forma equivalente se dá o contrário. Ela consiste justamente em que um corpo de mercadoria, como o do casaco,
tal qual ela é, expressa valor, possuindo portanto, por natureza, forma de valor. É verdade que isso vale apenas internamente à relação de
valor, na qual a mercadoria linho está relacionada à mercadoria casaco enquanto equivalente. 103 Como, porém, as propriedades de uma coisa
não se originam de sua relação com outras coisas, antes apenas atuam em tal relação, parece também que o casaco possui, por natureza, sua
forma equivalente, sua propriedade de ser diretamente trocável, tanto quanto sua propriedade de ser pesado ou de manter alguém aquecido.
Daí o enigmático da forma equivalente, que de início fere o olhar bur-guês rústico de economista político, tão logo esta se apresenta a ele,
já pronta, sob a forma dinheiro. Então, ele busca explicações que po-nham de lado o caráter místico de ouro e prata, substituindo-os por
mercadorias menos ofuscantes, e salmodiando, com sempre renovado prazer, o catálogo das mercadorias vulgares, que em outros tempos
desempenharam o papel do equivalente de mercadorias. Ele não sus-peita que a mais simples expressão de valor, como 20 varas de linho
= 1 casaco, já dá a solução do enigma da forma equivalente. O corpo da mercadoria que serve de equivalente figura sempre
como corporificação do trabalho humano abstrato e é sempre o produto de determinado trabalho concreto, útil. Esse trabalho concreto torna-se
portanto expressão de trabalho humano abstrato. Se o casaco figura, por exemplo, como simples realização, então a alfaiataria, a qual nele
realmente se realiza, vale como simples forma de realização do trabalho humano abstrato. Na expressão de valor do linho, a utilidade da al-faiataria
não consiste em fazer roupas, portanto também pessoas, mas sim em que ela faz um corpo em que é visível que é valor, por conse-guinte,
gelatina de trabalho, que em nada se diferencia do trabalho


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103 Em geral, essas determinações reflexivas são muito peculiares. Esse homem, por exemplo, é rei apenas porque outros homens comportam-se como súditos diante dele.
Eles pensam,
ao contrário, que são súditos porque ele é rei.
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objetivado no valor do linho. Para fazer tal espelho do valor, é preciso que a alfaiataria mesma não reflita nada a não ser sua propriedade
abstrata de ser trabalho humano. Na forma de alfaiataria como na forma de tecelagem é despendida
força de trabalho do homem. Ambas as atividades possuem, portanto, a propriedade geral do trabalho humano e, por conseguinte, em deter-minados
casos, como, por exemplo, na produção de valor, podem ser consideradas somente sob esse ponto de vista. Tudo isso não é miste-rioso.
Mas na expressão de valor da mercadoria a coisa torna-se dis-torcida. Por exemplo, para expressar que a tecelagem, não em sua
forma concreta como tecelagem, mas sim em sua propriedade geral como trabalho humano, gera o valor do linho, ela é confrontada com
a alfaiataria, o trabalho concreto que produz o equivalente do linho, como a forma de realização palpável do trabalho humano abstrato.
É portanto uma segunda peculiaridade da forma equivalente que trabalho concreto se converta na forma de manifestação de seu con-trário,
trabalho humano abstrato. Mas na medida em que esse trabalho concreto, a alfaiataria, funciona
como mera expressão de trabalho humano indiferenciado, possui ele a forma da igualdade com outro trabalho, o trabalho contido no linho, e é,
portanto, ainda que trabalho privado, como todos os outros, trabalho que produz mercadorias, por conseguinte, trabalho em forma diretamente so-cial.
Por isso mesmo, apresenta-se ele num produto que é diretamente trocável por outra mercadoria. É, portanto, uma terceira peculiaridade
da forma equivalente que trabalho privado se converta na forma de seu contrário, trabalho em forma diretamente social.
As duas peculiaridades da forma equivalente desenvolvidas por úl-timo tornam-se ainda mais palpáveis, quando retornamos ao grande pes-quisador
que primeiramente analisou a forma de valor, assim como muitas formas de pensamento, de sociedade e da natureza. Este é Aristóteles.
De início declara Aristóteles claramente que a forma dinheiro da mercadoria é apenas a figura mais desenvolvida da forma simples
de valor, isto é, da expressão do valor de uma mercadoria em outra mercadoria qualquer. Pois ele diz:


"5 almofadas = 1 casa"
(" ")
"não se diferencia" de:
"5 almofadas = tanto dinheiro"


(" ... ")
Ele reconhece, ademais, que a relação de valor, em que essa expressão de valor está contida, condiciona por seu lado que a casa é


OS ECONOMISTAS


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equiparada qualitativamente à almofada e que essas coisas percepti-velmente diferentes, sem tal igualdade de essências, não poderiam ser
relacionadas entre si, como grandezas comensuráveis.
"A troca", diz ele, "não pode existir sem a igualdade, nem a igual-dade sem a comensurabilidade" ("
' µ µ µ ")


Mas aqui ele se detém desconfiado e renuncia a seguir, analisando a forma de valor.


É, porém, em verdade, impossível (" µ ") que coisas de espécies tão diferentes sejam comensuráveis, isto é,
qualitativamente iguais. Essa equiparação pode apenas ser algo es-tranho à verdadeira natureza das coisas, por conseguinte, somente
um artifício para a necessidade prática." 104
O próprio Aristóteles nos diz em que fracassa o prosseguimento de sua análise, a saber, na falta do conceito de valor. Que é o igual,


isto é, a substância comum que a casa representa para a almofada na expressão de valor da almofada? Tal coisa não pode "em verdade exis-tir",
diz Aristóteles. Por quê? A casa representa, contraposta à almofada, algo igual, na medida em que represente o que é realmente igual em
ambas, a almofada e a casa. E isso é — trabalho humano. Que na forma dos valores de mercadorias todos os trabalhos são
expressos como trabalho humano igual, e portanto como equivalentes, não podia Aristóteles deduzir da própria forma de valor, porque a
sociedade grega baseava-se no trabalho escravo e tinha, portanto, por base natural a desigualdade entre os homens e suas forças de trabalho.
O segredo da expansão de valor, a igualdade e a equivalência de todos os trabalhos, porque e na medida em que são trabalho humano em
geral, somente pode ser decifrado quando o conceito da igualdade hu-mana já possui a consciência de um preconceito popular. Mas isso só
é possível numa sociedade na qual a forma mercadoria é a forma geral do produto de trabalho, por conseguinte também a relação das pessoas
umas com as outras enquanto possuidoras de mercadorias é a relação social dominante. O gênio de Aristóteles resplandece justamente em
que ele descobre uma relação de igualdade na expressão de valor das mercadorias. Somente as limitações históricas da sociedade, na qual
ele viveu, o impediram de descobrir em que consiste "em verdade" essa relação de igualdade.


4) O conjunto da forma simples de valor
A forma simples de valor de uma mercadoria está contida em


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104 Marx cita aqui a obra de Aristóteles Ethica Nicomachea de "Aristotelis opera ex recensione Immanuelis Bekkeri", v. 9. Oxonii, 1837. p. 99-100. (N. da Ed. Alemã.)
176#
sua relação de valor com outra mercadoria de tipo diferente, ou na relação de troca com a mesma. O valor da mercadoria A é expresso
quantitativamente por meio da permutabilidade direta da mercadoria B com a mercadoria A. Ele é expresso qualitativamente por meio da
permutabilidade de um quantum determinado da mercadoria B por dado quantum da mercadoria A. Em outras palavras: o valor de uma
mercadoria tem expressão autônoma por meio de sua representação como "valor de troca". Quando no início deste capítulo, para seguir a
maneira ordinária de falar, havíamos dito: A mercadoria é valor de uso e valor de troca, isso era, a rigor, falso. A mercadoria é valor de
uso ou objeto de uso e "valor". Ela apresenta-se como esse duplo, que ela é, tão logo seu valor possua uma forma rápida de manifestação,
diferente da sua forma natural, a do valor de troca, e ela jamais possui essa forma quando considerada isoladamente, porém sempre apenas
na relação de valor ou de troca com uma segunda mercadoria de tipo diferente. No entanto, uma vez conhecido isso, aquela maneira de falar
não causa prejuízo, mas serve como abreviação. Nossa análise provou que a forma de valor ou a expressão de
valor da mercadoria origina-se da natureza do valor das mercadorias, e não, ao contrário, que valor e grandeza de valor tenham origem em
sua expressão como valor de troca. Essa é, entretanto, a ilusão, tanto dos mercantilistas e seus modernos requentadores, como Ferrier, Ga-millo
etc. 105 quanto também de seus antípodas, os modernos commis-voyageurs do livre-cambismo, como Bastiat e consortes. Os mercanti-listas
dão a maior importância ao lado qualitativo da expressão de valor, portanto, na forma equivalente da mercadoria, que possui no
dinheiro sua forma completa — os modernos mascates do livre-cam-bismo, que necessitam desembaraçar-se de suas mercadorias a qualquer
preço ressaltam, ao contrário, exclusivamente o lado quantitativo da forma relativa de valor. Para eles não existem, em conseqüência, nem
valor nem grandeza de valor da mercadoria, exceto na expressão por meio da relação de troca, portanto, apenas no boletim diário dos preços.
O escocês Macleod, em sua função de ordenar a adornar, com a maior erudição possível, as confusas idéias de Lombardstreet, 106 forma a sín-tese
bem-sucedida entre os mercantilistas supersticiosos e os mascates esclarecidos do livre-cambismo.
O exame mais pormenorizado da expressão de valor da merca-doria A, contida na relação de valor com a mercadoria B, demonstrou
que dentro da mesma a forma natural da mercadoria A funciona apenas


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105 Nota à 2ª edição. FERRIER, F. L. A. (sous-inspecteur des douanes * . Du Gouvernement Considéré dans ses Rapports avec le Commerce. Paris, 1805; e GANILH, Charles.
Des
Systèmes d'Économie Politique. 2ª ed., Paris, 1821. * Subinspetor de aduanas. (N. dos T.)
106 Lombardstreet. Rua na "City" de Londres onde se encontram as mais significativas empresas bancárias e comerciais da Inglaterra. (N. da Ed. Alemã.)
177#
como figuração de valor de uso, a forma natural da mercadoria B apenas como forma valor ou figuração de valor. A antítese interna entre valor
de uso e valor, oculta na mercadoria, é, portanto, representada por meio de uma antítese externa, isto é, por meio da relação de duas mercadorias,
na qual uma delas, cujo valor deve ser expresso, funciona diretamente apenas como valor de uso; a outra, ao contrário, na qual o valor é expresso
vale diretamente apenas como valor de troca. A forma simples de valor de uma mercadoria é, por conseguinte, a forma simples de manifestação
da antítese entre valor de uso e valor, nela contida.
O produto de trabalho é em todas as situações sociais objeto de uso, porém apenas uma época historicamente determinada de desen-volvimento


— a qual apresenta o trabalho despendido na produção de um objeto de uso como sua propriedade "objetiva", isto é, como seu
valor — transforma o produto de trabalho em mercadoria. Segue daí que a forma simples de valor da mercadoria é ao mesmo tempo a
forma mercadoria simples do produto do trabalho e, que, portanto, também o desenvolvimento da forma mercadoria coincide com o de-senvolvimento
da forma valor. O primeiro olhar mostra a insuficiência da forma simples de valor,
esta forma embrionária que somente amadurece por meio de uma série de metamorfoses até a forma preço.
A expressão em qualquer mercadoria B distingue o valor da mer-cadoria A apenas de seu próprio valor de uso e a coloca, portanto,
numa relação de troca com alguma espécie individual de mercadoria, diferente dela mesma, em vez de representar sua igualdade qualitativa
e sua proporcionalidade quantitativa com todas as outras mercadorias. A forma simples de valor relativo de uma mercadoria corresponde à
forma de equivalente individual de outra mercadoria. Assim o casaco possui, na expressão relativa de valor do linho, apenas a forma de
equivalente ou a forma de permutabilidade direta com relação a essa espécie individual de mercadoria, o linho.
Entretanto, a forma individual de valor passa por si mesma a uma forma mais completa. Por meio da mesma, o valor de uma mer-cadoria
A é certamente expresso apenas em uma mercadoria de outro tipo. Qual é, porém, a espécie dessa segunda mercadoria, se casaco,
se ferro, se trigo etc., é totalmente indiferente. Assim, conforme ela entre numa relação de valor com esta ou aquela outra espécie de mer-cadoria,
surgem diferentes expressões simples de valor, de uma mesma mercadoria. 107 O número de suas possíveis expressões de valor é apenas
limitado pelo número de espécies de mercadorias diferentes dela. Sua expressão individualizada de valor converte-se, portanto, em uma série
constantemente ampliável de suas diferentes expressões simples de valor.


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107 Nota à 2ª edição. Em Homero, por exemplo, o valor de uma coisa é expresso numa série de coisas diferentes.
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B) Forma de Valor Total ou Desdobrada
z mercadoria A = u mercadoria B ou = v mercadoria C ou = w mercadoria D ou = x mercadoria E ou = etc.


(20 varas de linho = 1 casaco ou = 10 libras de chá ou = 40 libras de café ou = 1 quarter de trigo ou = 2 onças de ouro ou = 1/ 2
tonelada de ferro ou = etc.)
1) A forma relativa de valor desdobrada
O valor de uma mercadoria, do linho, por exemplo, é agora ex-presso em inumeráveis outros elementos do mundo das mercadorias.


Qualquer outro corpo de mercadorias torna-se espelho do valor do li-nho. 108 Assim, aparece esse valor mesmo pela primeira vez verdadei-ramente
como gelatina de trabalho humano indiferenciado. Pois o tra-balho que o gera é agora expressamente representado como trabalho
equiparado a qualquer outro trabalho humano, seja qual for a forma natural que ele possua e se, portanto, se objetiva em casaco ou trigo
ou ferro ou ouro etc. Por meio de sua forma valor, o linho se encontra portanto agora também em relação social não mais apenas com outra
espécie individual de mercadoria, mas sim com o mundo das merca-dorias. Como mercadoria, ele é cidadão deste mundo. Ao mesmo tempo,
depreende-se da interminável série de suas expressões que é indiferente ao valor mercantil a forma específica do valor de uso na qual ele se
manifesta. Na primeira forma: 20 varas de linho = 1 casaco, pode ser casual
que essas duas mercadorias sejam permutáveis em determinada relação quantitativa. Na segunda forma, ao contrário, transparece imediata-mente
um fundamento essencialmente diferente da manifestação casual e que a determina. O valor do linho permanece de igual tamanho, seja
ele representado em casaco, ou café, ou ferro etc., em inumeráveis mercadorias que pertencem aos mais diferentes proprietários. Desa-parece
a relação eventual de dois donos individuais de mercadorias.


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108 Fala-se, por isso, do valor do linho em casaco, quando seu valor se representa em casacos, de seu valor em grão, quando em grão etc. Cada expressão dessas diz
que é o seu valor
o que se manifesta nos valores de uso casaco, grão etc. "Como o valor de cada mercadoria denomina sua relação na troca, podemos tratá-lo como (...) valor em grão,
valor em pano,
segundo a mercadoria com a qual ela é comparada; e, portanto, existem milhares de dife-rentes espécies de valores, tanto quanto as mercadorias existentes, e todas
são igualmente
reais e igualmente nominais." (A Critical Dissertation on the Nature, Measures and Causes of Value; chiefly in reference to the writings of Mr. Ricardo and his followers.
By the Author
of Essays on the Formation etc. of Opinions. Londres, 1825. p. 39.) S. Bailey, o autor desse escrito anônimo, que a seu tempo causou muita celeuma na Inglaterra,
imagina ter destruído
toda determinação de conceito do valor, por meio dessa indicação sobre as variadas ex-pressões relativas do mesmo valor mercantil. Que ele, de resto, apesar de sua
própria
estreiteza, tenha tocado em feridas da teoria ricardiana, é comprovado pela irritação com que a escola ricardiana o atacou, por exemplo, na Westminster Review.
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Evidencia-se que não é a troca que regula a grandeza de valor, mas, ao contrário, é a grandeza de valor da mercadoria que regula suas
relações de troca.
2) A forma equivalente particular
Cada mercadoria, casaco, trigo, chá, ferro etc., vale na expressão de valor do linho como equivalente e, portanto, como corpo de valor.


A forma natural determinada de cada uma dessas mercadorias é agora uma forma equivalente particular ao lado de muitas outras. Do mesmo
modo, as variadas espécies de trabalho, determinadas, concretas, úteis, contidas nos diferentes corpos de mercadorias figuram, agora, como
outras tantas formas particulares de efetivação ou de manifestação do trabalho humano como tal.


3) Insuficiências da forma de valor total ou desdobrada
Primeiro, a expressão relativa de valor da mercadoria é incom-pleta, porque sua série de representações não termina nunca. A corrente


em que uma equiparação de valor se liga à outra permanece sempre prolongável por meio de cada nova espécie de mercadoria que surge,
a qual fornece o material para nova expressão de valor. Segundo, ela forma um mosaico colorido de expressões de valor, desconexas e dife-renciadas.
Se finalmente, como deve ocorrer, o valor relativo de cada mercadoria for expresso nessa forma desdobrada, então a forma relativa
de valor de cada mercadoria é uma série infinita de expressões de valor, diferente da forma relativa de valor de qualquer outra merca-doria.
As insuficiências da forma relativa de valor desdobrada refle-tem-se na sua forma equivalente correspondente. Como aqui a forma
natural de cada espécie particular de mercadoria é uma forma equi-valente particular ao lado de inumeráveis outras formas equivalentes
particulares, existem, em geral, apenas formas equivalentes limitadas, das quais cada uma exclui a outra. Do mesmo modo, é a espécie de
trabalho determinada, concreta, útil, contida em cada mercadoria equi-valente particular, apenas forma de manifestação particular — portanto
não exaustiva — do trabalho humano. Este possui, em verdade, sua forma de manifestação completa ou total no ciclo inteiro daquelas for-mas
particulares de manifestação. Porém, assim ele não possui nenhu-ma forma de manifestação unitária.
A forma relativa de valor desdobrada consiste numa soma de expressões de valor ou equações da primeira forma, como:


20 varas de linho = 1 casaco 20 varas de linho = 10 libras de chá etc.
Cada uma dessas equações contém, reciprocamente, a equação idêntica:


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1 casaco = 20 varas de linho 10 libras de chá = 20 varas de linho etc.
De fato: quando um homem troca seu linho por muitas outras mercadorias e, portanto, expressa seu valor numa série de outras mer-cadorias,
então necessariamente os muitos outros possuidores de mer-cadorias precisam também trocar as suas mercadorias por linho e, por
conseguinte, expressar os valores de suas diferentes mercadorias na mesma terceira mercadoria em linho. — Invertamos, portanto a série:
20 varas de linho = 1 casaco ou = 10 libras de chá = etc., isto é, expressemos a relação recíproca implicitamente já contida na série,
então obtemos:
C) Forma Geral de Valor
1 casaco = 10 libras de chá =


40 libras de café = 1 quarter de trigo = 20 varas de linho
2 onças de ouro = 1/ 2 tonelada de ferro =
x mercadoria A = etc. mercadoria =


1) Caráter modificado da forma valor
As mercadorias representam agora seus valores 1) de modo sim-ples, porque na mesma mercadoria, e 2) de modo unitário, porque na


mesma mercadoria. Sua forma valor é simples e comum a todas, por-tanto, geral.
As formas I e II chegaram ambas a expressar apenas o valor de uma mercadoria como algo distinto de seu próprio valor de uso ou de
seu corpo de mercadoria. A primeira forma resultou em equações de valor como: 1 casaco =
20 varas de linho, 10 libras de chá = 1/ 2 tonelada de ferro etc. O valor do casaco se expressa como algo igual ao linho, o valor do chá como algo
igual ao ferro etc., mas algo igual ao linho e algo igual ao ferro, estas expressões de valor do casaco e do chá são tão diferentes quanto linho e
ferro. Essa forma evidentemente só se encontra na prática dos primeiros começos, quando produtos de trabalho se transformam em mercadorias
por meio de troca casual e ocasional. A segunda forma distingue o valor de uma mercadoria de seu
próprio valor de uso de maneira mais completa, pois o valor do casaco, por exemplo, confronta agora sua forma natural em todas as formas
possíveis, como algo igual ao linho, ao ferro, ao chá etc., como tudo mais, exceto algo igual ao casaco. Por outro lado, toda expressão comum
de valor é aqui diretamente excluída, pois na expressão de valor de


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uma mercadoria aparecem agora todas as outras mercadorias apenas sob a forma de equivalentes. A forma de valor desdobrada encontra-se,
de fato, pela primeira vez tão logo um produto do trabalho, gado, por exemplo, seja trocado por diversas outras mercadorias, não mais por
exceção mas habitualmente.
A forma obtida por último expressa os valores do mundo das mercadorias numa e mesma espécie de mercadoria, isolada das outras,


por exemplo, no linho, e representa assim os valores de todas as mer-cadorias por meio de sua igualdade com o linho. Como algo igual ao
linho, o valor de cada mercadoria não apenas distingue-se de seu próprio valor de uso, mas de qualquer valor de uso e justamente por isso ele
é expresso como aquilo que ela tem em comum com todas as merca-dorias. Essa forma é a primeira portanto a relacionar realmente as
mercadorias entre si como valores, ou as deixa aparecer reciprocamente como valores de troca.
As duas formas anteriores expressam o valor de cada mercadoria, seja numa única mercadoria de espécie diferente, seja numa série de
muitas mercadorias diferentes dela. Em ambos os casos é, por assim dizer, questão particular da mercadoria individual dar-se uma forma
valor e ela o realiza sem que contribuam as outras mercadorias. Estas desempenham, contrapostas a ela, o papel meramente passivo do equi-valente.
A forma valor geral surge, ao contrário, apenas como obra comum do mundo das mercadorias. Uma mercadoria só ganha a ex-pressão
geral do valor porque simultaneamente todas as demais mer-cadorias expressam seu valor no mesmo equivalente e cada nova espécie
de mercadoria que aparece tem que fazer o mesmo. Evidencia-se, com isso, que a objetividade do valor das mercadorias, por ser a mera "exis-tência
social" dessas coisas, somente pode ser expressa por sua relação social por todos os lados, e sua forma, por isso, tem de ser uma forma
socialmente válida.
Na forma de igual ao linho, todas as mercadorias aparecem agora não só qualitativamente iguais, como valores sobretudo, mas também,


ao mesmo tempo, como grandezas de valor quantitativamente compa-ráveis. Ao espelhar suas grandezas de valor num único material, no
linho, essas grandezas de valor refletem-se mutuamente. Por exemplo, 10 libras de chá = 20 varas de linho, e 40 libras de café = 20 varas
de linho. Então, 10 libras de chá = 40 libras de café. Ou, 1 libra de café contém apenas 1/ 4 da substância de valor, trabalho, contida em
1 libra de chá.
A forma valor geral relativa do mundo das mercadorias imprime à mercadoria equivalente, excluída dele, ao linho, o caráter de equi-valente


geral. Sua própria forma natural é a figura de valor comum a esse mundo, o linho sendo, por isso, diretamente trocável por todas
as outras mercadorias. Sua forma corpórea passa pela encarnação vi-sível, pela crisálida social geral de todo trabalho humano. A tecelagem,


MARX


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182#
o trabalho privado que produz linho, encontra-se, ao mesmo tempo, em forma social geral, na forma da igualdade com todos os outros
trabalhos. As inumeráveis equações em que consiste a forma valor geral equiparam, sucessivamente, o trabalho realizado no linho a cada
trabalho contido em outra mercadoria e tornam, com isso, a tecelagem a forma geral de manifestação do trabalho humano enquanto tal. Assim,
o trabalho objetivado no valor das mercadorias não se representa ape-nas de um modo negativo, como trabalho em que todas as formas
concretas e propriedades úteis dos trabalhos reais são abstraídas. Sua própria natureza positiva é expressamente ressaltada. Ele é a redução
de todos os trabalhos reais à sua característica comum de trabalho humano, ao dispêndio de força de trabalho do homem.
A forma valor geral, que representa os produtos de trabalho como meras gelatinas de trabalho humano indiferenciado, mostra por meio
de sua própria estrutura que é a expressão social do mundo das mer-cadorias. Assim, ela evidencia que no interior desse mundo o caráter
humano geral do trabalho constitui seu caráter especificamente social.
2) Relação de desenvolvimento da forma valor relativa e da forma equivalente


Ao grau de desenvolvimento da forma valor relativa corresponde o grau de desenvolvimento da forma equivalente. Mas é de se notar
que o desenvolvimento da forma equivalente é apenas expressão e resultado do desenvolvimento da forma valor relativa.
A forma valor relativa simples ou individualizada de uma mer-cadoria faz de outra mercadoria equivalente individual. A forma des-dobrada
do valor relativo, esta expressão do valor de uma mercadoria em todas as outras mercadorias, imprime nelas a forma de equivalentes
particulares de diferentes espécies. Por fim, uma espécie particular de mercadoria recebe a forma geral de equivalente, porque todas as outras
mercadorias fazem dela o material de sua forma valor unitário e geral. No mesmo grau, porém, em que se desenvolve a forma valor em
geral, desenvolve-se também a antítese entre ambos os pólos, a forma valor relativa e a forma equivalente.
Já a primeira forma — 20 varas de linho = 1 casaco — contém essa antítese, mas não a fixa. Conforme se leia essa mesma equação
de frente para trás ou de trás para frente, cada uma das duas mer-cadorias extremas, como linho e casaco, encontra-se na mesma medida,
ora na forma valor relativa, ora na forma equivalente. Aqui ainda requer esforço fixar a antítese polar.
Na forma II, só uma das espécies de mercadoria pode de cada vez desdobrar totalmente seu valor, ou ela mesma possui apenas a
forma valor relativa desdobrada, porque e na medida em que todas as outras mercadorias se encontram, em confronto com ela, na forma equi-valente.
Aqui não se pode mais inverter os dois lados da equação de


OS ECONOMISTAS


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183#
valor — como 20 varas de linho = 1 casaco ou = 10 libras de chá ou = 1 quarter de trigo etc. — sem modificar seu caráter global e trans-formá-
la da forma valor total na geral. A última forma, a forma III, por fim, dá ao mundo das mercadorias
forma valor relativa social geral, porque e na medida em que, com uma única exceção, todas as mercadorias que lhe pertencem são ex-cluídas
de forma equivalente geral. Uma mercadoria, o linho, encon-tra-se, pois, na forma de permutabilidade direta em todas as outras
mercadorias ou na forma diretamente social, porque e na medida em que todas as demais mercadorias não se encontram nela. 109
E, inversamente, a mercadoria que figura como equivalente geral é excluída da forma valor relativa unitária e, portanto, geral do mundo
das mercadorias. Para que o linho, isto é, qualquer mercadoria que se encontra na forma equivalente geral, possa, ao mesmo tempo, participar
da forma valor relativa geral, ela teria de servir de equivalente a si mesma. Nós obteríamos então: 20 varas de linho = 20 varas de linho,
uma tautologia, em que não se expressa nem valor nem grandeza de valor. Para expressar o valor relativo do equivalente geral temos so-bretudo
de inverter a forma III. Ele não possui nenhuma forma valor relativa em comum com as outras mercadorias, mas seu valor se ex-pressa
relativamente na série infinita de todos os outros corpos de mercadorias. Assim apresenta-se agora a forma valor relativa desdo-brada
ou a forma II como forma valor relativa específica da mercadoria equivalente.


3) Transição da forma valor geral para a forma dinheiro
A forma equivalente geral é uma forma do valor em si. Ela pode ser recebida, portanto, por qualquer mercadoria. Por outro lado, uma


mercadoria encontra-se apenas na forma equivalente geral (forma III),


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195
109 De fato, a forma de permutabilidade direta geral não sugere, de modo algum, que é uma forma mercantil antitética, tão inseparável da forma de permutabilidade
não direta como
a positividade de um pólo magnético da negatividade do outro. Pode-se, portanto, imaginar que se possa imprimir ao mesmo tempo a toda mercadoria o carimbo de permutabilidade
direta, da mesma maneira como se poderia imaginar que se possa fazer de todos os católicos papas. Para o pequeno burguês, que vê na produção de mercadorias o nec
plus ultra * da
liberdade humana e da independência individual, seria naturalmente muito desejável que ele estivesse livre das calamidades ligadas a essa forma, a saber, também
da permutabilidade
não direta das mercadorias. A descrição dessa utopia filistéia constitui o socialismo de Proudhon, que como já demonstrei em outra parte ** nem possui o mérito da
originalidade,
pois muito antes dele foi mais bem desenvolvida por Gray, Bray e outros. Isso não impede, hoje em dia, tal sabedoria de grassar em certos círculos sob o nome de
science. Jamais
uma escola alardeou mais a palavra "science" que a proudhoniana, pois "onde conceitos faltam,
ali encaixa-se no momento certo uma palavra". *** * A expressão máxima. (N. dos T.)
** MARX, Karl. Misère de la Philosophie. Réponse à la Philosophie de la Misère de M.
Proudhon. Paris, Bruxelas, 1847. Cap. 1. (N. da Ed. Alemã.) *** Modificação de um citado do Fausto de Goethe. Parte Primeira. "Quarto de Estudos".


(N. da Ed. Alemã.)
184#
porque e na medida em que é excluída por todas as demais mercadorias como equivalentes. E só a partir do momento em que essa exclusão
se limita definitivamente a um gênero específico de mercadorias, a forma valor relativa unitária do mundo das mercadorias adquire con-sistência
objetiva e validade social geral. Então, o gênero específico de mercadoria, com cuja forma natural
a forma equivalente se funde socialmente, torna-se mercadoria dinheiro ou funciona como dinheiro. Torna-se sua função especificamente social
e, portanto, seu monopólio social, desempenhar o papel de equivalente geral dentro do mundo das mercadorias. Entre as mercadorias que na
forma II figuram como equivalentes particulares do linho, e na forma III expressam em comum seu valor relativo em linho, determinada
mercadoria conquistou historicamente essa posição privilegiada, o ouro. Se substituímos, pois, na forma III, a mercadoria linho pela mercadoria
ouro, obtemos:
D) Forma Dinheiro
20 varas de linho = 1 casaco =


10 libras de chá = 40 libras de café =2 o nças de ouro
1 quarter de trigo = 1/ 2 tonelada de ferro =
x mercadoria A =
Ocorrem modificações essenciais na transição da forma I para a forma II, da forma II para a forma III. Em compensação, a forma IV
não difere em nada da forma III, a não ser que agora, em vez do linho, possui o ouro a forma de equivalente geral. O ouro se torna na forma
IV o que o linho era na forma III — equivalente geral. O progresso apenas consiste em que a forma de permutabilidade direta geral ou a
forma equivalente geral se fundiu agora definitivamente, por meio do hábito social, com a forma natural específica da mercadoria ouro.
O ouro só se confronta com outras mercadorias como dinheiro por já antes ter-se contraposto a elas como mercadoria. Igual a todas
as outras mercadorias funcionou também como equivalente, seja como equivalente individual em atos isolados de troca, seja como equivalente
particular ao lado de outros equivalentes mercantis. Pouco a pouco, passou a funcionar, em círculos mais estreitos ou mais extensos, como
equivalente geral. Tão logo conquistou o monopólio dessa posição na expressão de valor do mundo das mercadorias, torna-se mercadoria
dinheiro, e só a partir do momento em que já se converteu em mer-cadoria dinheiro distingue-se a forma IV da forma III, ou a forma
valor geral se transforma em forma dinheiro. A expressão relativa simples de valor de uma mercadoria, por


OS ECONOMISTAS


196
185#
exemplo, do linho, na mercadoria que já funciona como mercadoria dinheiro, por exemplo, o ouro, é a forma preço. A "forma preço" do
linho é, pois:
20 varas de linho = 2 onças de ouro


ou, se 2 libras esterlinas foi o nome monetário de 2 onças de ouro,
20 varas de linho = 2 libras esterlinas
A dificuldade no conceito da forma dinheiro se limita à com-preensão da forma equivalente geral, portanto, da forma valor geral


como tal, da forma III. A forma III se resolve, retroativamente, na forma II, a forma valor desdobrada e seu elemento constitutivo é forma
I: 20 varas de linho = 1 casaco, ou x mercadoria A = y mercadoria B. A forma mercadoria simples é, por isso, o germe da forma dinheiro.


4. O caráter fetichista da mercadoria e seu segredo
À primeira vista, a mercadoria parece uma coisa trivial, evidente. Analisando-a, vê-se que ela é uma coisa muito complicada, cheia de


sutileza metafísica e manhas teológicas. Como valor de uso, não há nada misterioso nela, quer eu a observe sob o ponto de vista de que
satisfaz necessidades humanas pelas suas propriedades, ou que ela somente recebe essas propriedades como produto do trabalho humano.
É evidente que o homem por meio de sua atividade modifica as formas das matérias naturais de um modo que lhe é útil. A forma da madeira,
por exemplo, é modificada quando dela se faz uma mesa. Não obstante, a mesa continua sendo madeira, uma coisa ordinária física. Mas logo
que ela aparece como mercadoria, ela se transforma numa coisa fisi-camente metafísica. Além de se pôr com os pés no chão, ela se põe
sobre a cabeça perante todas as outras mercadorias e desenvolve de sua cabeça de madeira cismas muito mais estranhas do que se ela
começasse a dançar por sua própria iniciativa. 110 O caráter místico da mercadoria não provém, portanto, de seu
valor de uso. Ele não provém, tampouco, do conteúdo das determinações de valor. Pois, primeiro, por mais que se diferenciem os trabalhos úteis
ou atividades produtivas, é uma verdade fisiológica que eles são funções do organismo humano e que cada uma dessas funções, qualquer que
seja seu conteúdo ou forma, é essencialmente dispêndio de cérebro,


MARX


197
110 Recorda-se que a China e as mesas começaram a dançar, quando todo o resto do mundo parecia estar tranqüilo — pour encourager les autres. *
* Para encorajar os outros. — Depois da derrota das revoluções de 1848/ 49 começou na
Europa um período da mais obscura política reacionária. Enquanto, neste tempo, as rodas aristocráticas e também as burguesas se entusiasmaram pelo espiritismo, especialmente


por fazer a mesa andar, desenvolveu-se na China um poderoso movimento de libertação antifeudal, particularmente entre os camponeses, que entrou para a História como
a revo-lução
de Taiping. (N. da Ed. Alemã.)
186#
nervos, músculos, sentidos etc. humanos. Segundo, quanto ao que serve de base à determinação da grandeza de valor, a duração daquele dis-pêndio
ou a quantidade do trabalho, a quantidade é distinguível até pelos sentidos da qualidade do trabalho. Sob todas as condições, o
tempo de trabalho, que custa a produção dos meios de subsistência, havia de interessar ao homem, embora não igualmente nos diferentes
estágios de desenvolvimento. 111 Finalmente, tão logo os homens tra-balham uns para os outros de alguma maneira, seu trabalho adquire
também uma forma social. De onde provém, então, o caráter enigmático do produto do tra-balho,
tão logo ele assume a forma mercadoria? Evidentemente, dessa forma mesmo. A igualdade dos trabalhos humanos assume a forma
material de igual objetividade de valor dos produtos de trabalho, a medida do dispêndio de força de trabalho do homem, por meio da sua
duração, assume a forma da grandeza de valor dos produtos de trabalho, finalmente, as relações entre os produtores, em que aquelas caraterís-ticas
sociais de seus trabalhos são ativadas, assumem a forma de uma relação social entre os produtos de trabalho.
O misterioso da forma mercadoria consiste, portanto, simples-mente no fato de que ela reflete aos homens as características sociais
do seu próprio trabalho como características objetivas dos próprios pro-dutos de trabalho, como propriedades naturais sociais dessas coisas e,
por isso, também reflete a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social existente fora deles, entre objetos. Por
meio desse qüiproqüó os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas físicas metafísicas ou sociais. Assim, a impressão luminosa de
uma coisa sobre o nervo ótico não se apresenta como uma excitação subjetiva do próprio nervo, mas como forma objetiva de uma coisa fora
do olho. Mas, no ato de ver, a luz se projeta realmente a partir de uma coisa, o objeto externo, para outra, o olho. É uma relação física
entre coisas físicas. Porém, a forma mercadoria e a relação de valor dos produtos de trabalho, na qual ele se representa, não têm que ver
absolutamente nada com sua natureza física e com as relações materiais que daí se originam. Não é mais nada que determinada relação social
entre os próprios homens que para eles aqui assume a forma fantas-magórica de uma relação entre coisas. Por isso, para encontrar uma
analogia, temos de nos deslocar à região nebulosa do mundo da religião. Aqui, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria,
figuras autônomas, que mantêm relações entre si e com os homens.


OS ECONOMISTAS


198
111 Nota à 2ª edição. Entre os antigos germanos o tamanho de um Morgen * de terra era calculado segundo o trabalho de um dia, e daí denominado Morgen Tagwerk (também
Tagwanne) (jurnale ou jurnalis, terra jurnalis, jornalis ou diurnalis), Mannwerk, Manns-kraft, Mannsmaad, Mannhauet etc. Ver MAURER, Georg Ludwig von. Einletung
zur Ges-chichte
der Mark-, Hofit-, usw. Verfassung. Munique, 1854, p. 129 et seqs. * Jeira. (N. dos T.)
187#
Assim, no mundo das mercadorias, acontece com os produtos da mão humana. Isso eu chamo o fetichismo que adere aos produtos de trabalho,
tão logo são produzidos como mercadorias, e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias.
Esse caráter fetichista do mundo das mercadorias provém, como a análise precedente já demonstrou, do caráter social peculiar do tra-balho
que produz mercadorias. Objetos de uso se tornam mercadorias apenas por serem produtos
de trabalhos privados, exercidos independentemente uns dos outros. O complexo desses trabalhos privados forma o trabalho social total.
Como os produtores somente entram em contato social mediante a troca de seus produtos de trabalho, as características especificamente
sociais de seus trabalhos privados só aparecem dentro dessa troca. Em outras palavras, os trabalhos privados só atuam, de fato, como membros
do trabalho social total por meio das relações que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por meio dos mesmos, entre os pro-dutores.
Por isso, aos últimos aparecem as relações sociais entre seus trabalhos privados como o que são, isto é, não como relações diretamente
sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, senão como relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas.
Somente dentro da sua troca, os produtos recebem uma objeti-vidade de valor socialmente igual, separada da sua objetividade de
uso, fisicamente diferenciada. Essa cisão do produto de trabalho em coisa útil e coisa de valor realiza-se apenas na prática, tão logo a troca
tenha adquirido extensão e importância suficientes para que se pro-duzam coisas úteis para serem trocadas, de modo que o caráter de
valor das coisas já seja considerado ao serem produzidas. A partir desse momento, os trabalhos privados dos produtores adquirem real-mente
duplo caráter social. Por um lado, eles têm de satisfazer deter-minada necessidade social, como trabalhos determinados úteis, e assim
provar serem participantes do trabalho total, do sistema naturalmente desenvolvido da divisão social do trabalho. Por outro lado, só satisfazem
às múltiplas necessidades de seus próprios produtores, na medida em que cada trabalho privado útil particular é permutável por toda outra
espécie de trabalho privado, portanto lhe equivale. A igualdade de trabalhos toto coelo 112 diferentes só pode consistir numa abstração de
sua verdadeira desigualdade, na redução ao caráter comum que eles possuem como dispêndio de força de trabalho do homem, como trabalho
humano abstrato. O cérebro dos produtores privados apenas reflete esse duplo caráter social de seus trabalhos privados sob aquelas formas
que aparecem na circulação prática, na troca dos produtos — o caráter socialmente útil de seus trabalhos privados, portanto, sob aquela forma


MARX


199
112 Totalmente. (N. dos T.)
188#
que o produto de trabalho tem de ser útil, isto é, útil aos outros — o caráter social da igualdade dos trabalhos de diferentes espécies sob a
forma do caráter do valor comum a essas coisas materialmente dife-rentes, os produtos de trabalho.
Portanto, os homens relacionam entre si seus produtos de tra-balho como valores não porque consideram essas coisas meros envol-tórios
materiais de trabalho humano da mesma espécie. Ao contrário. Ao equiparar seus produtos de diferentes espécies na troca, como va-lores,
equiparam seus diferentes trabalhos como trabalho humano. Não o sabem, mas o fazem. 113 Por isso, o valor não traz escrito na testa o
que ele é. O valor transforma muito mais cada produto de trabalho em um hieroglifo social. Mais tarde, os homens procuram decifrar o
sentido do hieroglifo, descobrir o segredo de seu próprio produto social, pois a determinação dos objetos de uso como valores, assim como a
língua, é seu produto social. A tardia descoberta científica, de que os produtos de trabalho, enquanto valores, são apenas expressões mate-riais
do trabalho humano despendido em sua produção, faz época na história do desenvolvimento da humanidade, mas não dissipa, de modo
algum, a aparência objetiva das características sociais do trabalho. O que somente vale para esta forma particular de produção, a produção
de mercadorias, a saber, o caráter especificamente social dos trabalhos privados, independentes entre si, consiste na sua igualdade como tra-balho
humano e assume a forma de caráter de valor dos produtos de trabalho, parece àqueles que estão presos às circunstâncias de produção
mercantil, antes como depois dessa descoberta, tão definitivo quanto a decomposição científica do ar em seus elementos deixa perdurar a
forma do ar, enquanto forma de corpo físico. O que, na prática, primeiro interessa aos que trocam produtos
é a questão de quantos produtos alheios eles recebem pelo seu, em quais proporções, portanto, se trocam os produtos. Tão logo essas pro-porções
amadurecem, alcançando certa estabilidade costumeira, elas parecem provir da natureza dos produtos de trabalho, de modo que,
por exemplo, 1 tonelada de ferro e 2 onças de ouro têm o mesmo valor, como 1 libra de ouro e 1 libra de ferro têm, apesar de suas diferentes
propriedades físicas e químicas, o mesmo peso. De fato, o caráter de valor dos produtos de trabalho apenas se consolida mediante sua efe-tivação
como grandezas de valor. As últimas variam sempre, indepen-dentemente da vontade, da previsão e da ação dos que trocam. Seu
próprio movimento social possui para eles a forma de um movimento de coisas, sob cujo controle se encontram, em vez de controlá-las. É


OS ECONOMISTAS


200
113 Nota à 2ª edição. Quando, portanto, Galiani diz: O valor é uma relação entre pessoas — "La Ricchezza è una ragione tra due persone" —, ele deveria ter acrescentado:
uma relação
oculta sob uma capa material. (GALLIANI. Della Moneta. p. 221, t. III da coleção de Custodi. "Scrittori Classici Italiani di Economia Politica". Parte Moderna, Milão,
1803.)
189#
mister uma produção de mercadorias totalmente desenvolvida antes que da experiência mesma nasça o reconhecimento científico, que os
trabalhos privados, empreendidos de forma independente uns dos ou-tros, mas universalmente interdependentes como membros natural-mente
desenvolvidos da divisão social do trabalho, são o tempo todo reduzidos à sua medida socialmente proporcional porque, nas relações
casuais e sempre oscilantes de troca dos seus produtos, o tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção se impõe com violência
como lei natural reguladora, do mesmo modo que a lei da gravidade, quando a alguém a casa cai sobre a cabeça. 114 A determinação da
grandeza de valor pelo tempo de trabalho é, por isso, um segredo oculto sob os movimentos manifestos dos valores relativos das mercadorias.
Sua descoberta supera a aparência da determinação meramente casual das grandezas de valor dos produtos de trabalho, mas de nenhum
modo sua forma material. A reflexão sobre as formas de vida humana, e, portanto, também
sua análise científica, segue sobretudo um caminho oposto ao desen-volvimento real. Começa post festum e, por isso, com os resultados
definitivos do processo de desenvolvimento. As formas que certificam os produtos do trabalho como mercadorias e, portanto, são pressupostos
da circulação de mercadorias, já possuem a estabilidade de formas naturais da vida social, antes que os homens procurem dar-se conta
não sobre o caráter histórico dessas formas, que eles antes já consi-deram imutáveis, mas sobre seu conteúdo. Assim, somente a análise
dos preços das mercadorias levou à determinação da grandeza do valor, somente a expressão monetária comum das mercadorias levou à fixação
de seu caráter de valor. É exatamente essa forma acabada — a forma dinheiro — do mundo das mercadorias que objetivamente vela, em vez
de revelar, o caráter social dos trabalhos privados e, portanto, as re-lações sociais entre os produtores privados. Quando eu digo casaco,
botas etc. se relacionam ao linho como a corporificação geral de trabalho humano abstrato, salta aos olhos o absurdo dessa expressão. Mas quan-do
os produtores de casaco, botas etc. relacionam essas mercadorias ao linho — ou ao ouro e à prata, que em nada muda a coisa — como
equivalente geral, a relação dos seus trabalhos privados com o trabalho social total lhes aparece exatamente nessa forma absurda.
Tais formas constituem pois as categorias da economia burguesa. São formas de pensamento socialmente válidas e, portanto, objetivas
para as condições de produção desse modo social de produção, histo-ricamente determinado, a produção de mercadorias. Todo o misticismo


MARX


201
114 "Que se deve pensar de uma lei que se pode impor apenas por meio de revoluções periódicas? É, pois, uma lei natural, que se baseia na inconsciência dos participantes."
(ENGELS,
Friedrich. "Umrisse zu einer Kritik der Nationaloekonomie". In: Deutsch-Franzoesische Jahr-buecher. Editado por Arnold Ruge e Karl Marx, Paris, 1844.)
190#
do mundo das mercadorias, toda a magia e a fantasmagoria que ene-voam os produtos de trabalho na base da produção de mercadorias
desaparecem, por isso, imediatamente, tão logo nos refugiemos em ou-tras formas de produção.
Como a Economia Política gosta de robinsonadas, 115 aparece pri-meiro Robinson em sua ilha. Moderado por origem, ele precisa satis-fazer,
entretanto, a várias necessidades e, por isso, tem de executar trabalhos úteis de diferentes espécies, fazer ferramentas, fabricar mó-veis,
domesticar lhamas, pescar, caçar etc. Não falamos aqui das orações e coisas semelhantes, porque nosso Robinson se compraz nelas e con-sidera
tais atividades recreio. Apesar da diversidade de suas funções produtivas ele sabe que elas são apenas diferentes formas da atividade
do mesmo Robinson, portanto, somente modos diferentes de trabalho humano. A própria necessidade o obriga a distribuir seu tempo minu-ciosamente
entre suas diferentes funções. Se uma ocupa mais, outra menos espaço na sua atividade total depende da maior ou menor di-ficuldade
que se tem de vencer para conseguir o efeito útil pretendido. A experiência lhe ensina isso, e nosso Robinson, que salvou do naufrágio
o relógio, o livro razão, tinta e caneta, começa, como bom inglês, logo a escriturar a si mesmo. Seu inventário contém uma relação dos objetos
de uso que ele possui, das diversas operações requeridas para sua produção e, finalmente, do tempo de trabalho que em média lhe custam
determinadas quantidades desses diferentes produtos. Todas as rela-ções entre Robinson e as coisas que formam sua riqueza, por ele mesmo
criada, são aqui tão simples e transparentes que até o sr. M. Wirth deveria entendê-las, sem extraordinário esforço intelectual. E todavia
já contém todas as características essenciais do valor. Desloquemo-nos da ilha luminosa de Robinson à sombria Idade
Média européia. Em vez do homem independente, encontramos aqui
todos dependentes — servos e senhores feudais, vassalos e suseranos,
leigos e clérigos. A dependência pessoal caracteriza tanto as condições
sociais da produção material quanto as esferas de vida estruturadas
sobre ela. Mas, justamente porque relações de dependência pessoal
constituem a base social dada, os trabalhos e produtos não precisam


OS ECONOMISTAS


202
115 Nota à 2ª edição. Ricardo também não está livre de sua robinsonada. "Ele faz imediatamente o pescador e o caçador primitivos, como possuidores de mercadorias,
trocar o peixe e a
caça, em proporção ao tempo de trabalho materializado nesses valores de troca. Nessa oportunidade ele cai no anacronismo de fazer com que pescadores e caçadores
primitivos,
para calcular o valor de seus instrumentos de trabalho, utilizem as tabelas de anuidades de uso corrente em 1817 na Bolsa de Londres. Os 'paralelogramos do sr. Owen'
* parecem
ser a única forma de sociedade que ele conhecia além da burguesa." (MARX, Karl. Zur Kritik etc. p. 38-39.)
* Ricardo menciona os "paralelogramos do sr. Owen" em seu escrito On Protection to Agri-culture.
4ª ed., Londres, 1822. p. 21. Em seus planos utópicos de uma reforma social, Owen procurou comprovar que tanto sob o aspecto da rentabilidade como da vida doméstica
seria


mais conveniente assentar uma colônia em forma de um paralelogramo. (N. da Ed. Alemã.)
191#
adquirir forma fantástica, diferente de sua realidade. Eles entram na engrenagem social como serviços e pagamentos em natura. A forma natural
do trabalho, sua particularidade, e não, como na base da produção de mercadorias, a sua generalidade, é aqui sua forma diretamente social. A
corvéia mede-se tanto pelo tempo quanto o trabalho que produz merca-dorias, mas cada servo sabe que é certa quantidade de sua força pessoal
de trabalho que ele despende no serviço do seu senhor. O dízimo, a ser pago ao cura, é mais claro que a bênção do cura. Portanto, como quer
que se julguem as máscaras que os homens, ao se defrontarem aqui, vestem, as relações sociais entre as pessoas em seus trabalhos aparecem
em qualquer caso como suas próprias relações pessoais, e não são disfar-çadas em relações sociais das coisas, dos produtos de trabalho.
Para observar o trabalho comum, isto é, o trabalho diretamente socializado, não precisamos voltar à forma naturalmente desenvolvida
do mesmo que encontramos no limiar da história de todos os povos civilizados. 116 A indústria rural patriarcal de uma família camponesa,
que produz para seu próprio uso cereais, gado, fio, linho, peças de roupa etc., constitui um exemplo mais próximo. Essas diversas coisas
defrontam-se à família como produtos diferentes de seu trabalho fa-miliar mas não se relacionam entre si como mercadorias. Os trabalhos
diferentes que criam esses produtos, lavoura, pecuária, fiação, tecela-gem, costura etc., são na sua forma natural funções sociais, por serem
funções da família, que possui sua própria divisão de trabalho natu-ralmente desenvolvida, assim como a tem a produção de mercadorias.
Diferenças de sexo e idade e as condições naturais do trabalho, que mudam com as estações do ano, regulam sua distribuição dentro da família e o
tempo de trabalho dos membros individuais da família. O dispêndio das forças individuais de trabalho, medido pela sua duração, aparece aqui,
porém, desde sua origem como determinação social dos próprios trabalhos, porque as forças de trabalho individuais a partir de sua origem só atuam
como órgãos da força comum de trabalho da família.
Imaginemos, finalmente, para variar, uma associação de homens livres, que trabalham com meios de produção comunais, e despendem


suas numerosas forças de trabalho individuais conscientemente como uma única força social de trabalho. Repetem-se aqui todas as deter-minações
do trabalho de Robinson, só que de modo social em vez de


MARX


203
116 Nota à 2ª edição. "É um preconceito ridículo, difundido recentemente, de que a forma de propriedade comunal que se desenvolveu de modo natural seja especificamente
forma eslava,
até mesmo exclusivamente forma russa. Ela é a forma original, que podemos comprovar entre romanos, germanos, celtas, da qual, porém, um mostruário completo com múltiplas
provas se encontra ainda hoje entre os hindus, mesmo que parcialmente em ruínas. Um estudo mais exato das formas asiáticas de propriedade comunal, especialmente
das indianas,
comprovaria como das distintas formas de propriedade comunal desenvolvida naturalmente resultam diferentes formas de sua dissolução. Assim podem ser derivados, por
exemplo, os
diferentes tipos originais de propriedade privada romana e germânica das diferentes formas de propriedade coletiva indiana." (MARX, Karl. Zur Kritik etc. p. 10.)
192#
individual. Todos os produtos de Robinson eram exclusivamente pro-duto pessoal seu, e, por isso, diretamente objetos de uso para ele. O
produto total da associação é um produto social. Parte desse produto serve novamente como meio de produção. Ela permanece social. Mas
parte é consumida pelos sócios como meios de subsistência. Por isso, tem de ser distribuída entre eles. O modo dessa distribuição variará
com a espécie particular do próprio organismo social de produção e o correspondente nível de desenvolvimento histórico dos produtores. Só
para fazer um paralelo com a produção de mercadorias, pressupomos que a parte de cada produtor nos meios de subsistência seja determi-nada
pelo seu tempo de trabalho. O tempo de trabalho desempenharia, portanto, duplo papel. Sua distribuição socialmente planejada regula
a proporção correta das diferentes funções de trabalho, conforme as diversas necessidades. Por outro lado, o tempo de trabalho serve si-multaneamente
de medida da participação individual dos produtores no trabalho comum e, por isso, também na parte a ser consumida
individualmente do produto comum. As relações sociais dos homens com seus trabalhos e seus produtos de trabalho continuam aqui trans-parentemente
simples tanto na produção quanto na distribuição. Para uma sociedade de produtores de mercadorias, cuja relação
social geral de produção consiste em relacionar-se com seus produtos como mercadorias, portanto como valores, e nessa forma reificada re-lacionar
mutuamente seus trabalhos privados como trabalho humano igual, o cristianismo, com seu culto do homem abstrato, é a forma de
religião mais adequada, notadamente em seu desenvolvimento burguês, o protestantismo, o deísmo etc. Nos modos de produção da velha Ásia
e da Antiguidade etc., a transformação do produto em mercadoria, e, portanto, a existência dos homens como produtores de mercadorias,
desempenha papel subordinado, que porém se torna tanto mais im-portante quanto mais as comunidades entram na fase de declínio. Povos
propriamente comerciantes só existem nos intermúndios do mundo an-tigo, como os deuses de Epicuro 117 ou como os judeus nos poros da
sociedade polonesa. Aqueles antigos organismos sociais de produção são extraordinariamente mais simples e transparentes que o organismo
burguês mas eles baseiam-se na imaturidade do homem individual, que não se desprendeu do cordão umbilical da ligação natural aos
outros do mesmo gênero, ou em relações diretas de domínio e servidão. Eles são condicionados por um baixo nível de desenvolvimento das
forças produtivas do trabalho e relações correspondentemente limitadas dos homens dentro do processo material da produção de sua vida, por-tanto,
entre si e com a natureza. Essa restrição real se reflete ideal-


OS ECONOMISTAS


204
117 Segundo a idéia do antigo filósofo grego Epicuro, os deuses existiram nos intermúndios, os espaços entre os mundos; eles não têm nenhuma influência nem sobre
o desenvolvimento
do universo nem sobre a vida do homem. (N. da Ed. Alemã.)
193#
mente nos cultos da Natureza e nas religiões populares da Antiguidade. O reflexo religioso do mundo real somente pode desaparecer quando as
circunstâncias cotidianas, da vida prática, representarem para os homens relações transparentes e racionais entre si e com a natureza. A figura do
processo social da vida, isto é, do processo da produção material, apenas se desprenderá do seu místico véu nebuloso quando, como produto de
homens livremente socializados, ela ficar sob seu controle consciente e planejado. Para tanto, porém, se requer uma base material da sociedade
ou uma série de condições materiais de existência, que, por sua vez, são
o produto natural de uma evolução histórica longa e penosa. A Economia Política analisou, de fato, embora incompletamen-te,


118 valor e grandeza de valor e o conteúdo oculto nessas formas.
Mas nunca chegou a perguntar por que esse conteúdo assume aquela
forma, por quê, portanto, o trabalho se representa pelo valor e a medida do trabalho, por meio de sua duração, pela grandeza do valor do produto


de trabalho. 119 Fórmulas que não deixam lugar a dúvidas de que per-


MARX


205
118 A insuficiência da análise de Ricardo da grandeza de valor — e ela é a melhor — será demonstrada nos Livros Terceiro e Quarto desse escrito. Quanto ao valor
em geral, a Eco-nomia
Política clássica, em lugar algum, distingue expressamente e com consciência clara o trabalho, como ele se representa no valor, do mesmo trabalho, como ele se representa
no
valor de uso de seu produto. Naturalmente, ela faz de fato essa distinção, pois por um lado considera o trabalho sob o aspecto quantitativo, por outro sob o aspecto
qualitativo. Não
lhe ocorre, porém, que a mera diferença quantitativa entre os trabalhos pressupõe sua unidade ou igualdade qualitativa, portanto, sua redução a trabalho humano abstrato.
Ri-cardo,
por exemplo, declara-se de acordo com Destutt de Tracy, quando este diz: "Visto que é seguro que somente nossas capacidades físicas e espirituais são nossa riqueza
original,
é o uso dessas capacidades, certa espécie de trabalho, nosso tesouro original; é sempre esse uso aquele que cria todas aquelas coisas, que denominamos riqueza. (...)
Além disso é sabido
que todas essas coisas representam apenas o trabalho que as criou, e se elas têm um valor ou até mesmo dois valores diferentes, então apenas podem tê-los a partir
(do valor) do
trabalho do qual eles se originam". (RICARDO. The Principles of Pol. Econ. 3ª ed., Londres, 1821. p. 334. * ) Apenas indicamos que Ricardo atribui a Destutt seu
próprio sentido mais
profundo. Destutt, de fato, diz, por um lado, que todas as coisas que formam a riqueza "representam o trabalho que as criou", por outro lado, porém, que elas recebem
seus "dois
valores diferentes" (valor de uso e valor de troca) do "valor do trabalho". Ele cai assim na superficialidade da economia vulgar, que pressupõe o valor de uma mercadoria
(aqui do
trabalho) para por meio disso determinar depois o valor das outras mercadorias. Ricardo o lê de tal forma que, tanto no valor de uso como no valor de troca, representa-se
trabalho
(não o valor do trabalho). Ele mesmo, porém, distingue tão pouco as duas faces do caráter do trabalho que se representa duplamente, que é obrigado por todo o capítulo
"Value
and Riches, their Distinctive Properties" a se haver, com muito esforço, com as trivia-lidades de um J.-B. Say. No fim, ele fica, portanto, todo surpreendido que
Destutt concorde
com ele sobre o trabalho como fonte de valor e ainda assim com Say, sobre o conceito de valor.
* Compare DESTUTT DE TRACY. Étéments d'Idéologie. Partes Quarta e Quinta. Paris,
1826. p. 35-36. (N. da Ed. Alemã.) 119 É uma das falhas básicas da Economia Política clássica não ter jamais conseguido descobrir,


a partir da análise da mercadoria e, mais especialmente, do valor das mercadorias, a forma valor, que justamente o torna valor de troca. Precisamente, seus melhores
representantes,
como A. Smith e Ricardo, tratam a forma valor como algo totalmente indiferente ou como algo externo à própria natureza da mercadoria. A razão não é apenas que a
análise da
grandeza de valor absorve totalmente sua atenção. É mais profunda. A forma valor do produto de trabalho é a forma mais abstrata, contudo também a forma mais geral
do modo
burguês de produção que por meio disso se caracteriza como uma espécie particular de
194#
tencem a uma formação social em que o processo de produção domina
os homens, e ainda não o homem o processo de produção, são consi-deradas
por sua consciência burguesa uma necessidade natural tão
evidente quanto o próprio trabalho produtivo. Por isso, ela trata as
formas pré-burguesas do organismo social de produção como os padres
da Igreja as religiões pré-cristãs. 120


OS ECONOMISTAS


206
produção social e, com isso, ao mesmo tempo historicamente. Se no entanto for vista de maneira errônea como a forma natural eterna de produção social, deixa-se também
neces-sariamente
de ver o específico da forma valor, portanto, da forma mercadoria, de modo mais desenvolvido da forma dinheiro, da forma capital etc. Encontram-se por isso entre
economistas, que concordam inteiramente com a medida da grandeza de valor por meio do tempo de trabalho, os mais contraditórios e confusos conceitos de dinheiro,
isto é, da
figura terminada do equivalente geral. Isso apresenta-se de forma mais cabal, por exemplo, no tratamento do sistema bancário, no qual já não bastam as definições
banais do dinheiro.
Como antítese, portanto, criou-se um mercantilismo restaurado (Ganilh etc.), o qual vê no valor apenas a forma social ou, mais precisamente, apenas sua aparência
sem substância.
— E para esclarecer de uma vez por todas, entendo como Economia Política clássica toda economia desde W. Petty que investiga o nexo interno das condições de produção
burguesas
como antítese da economia vulgar, que apenas se move dentro do nexo aparente, rumina constantemente de novo o material já há muito fornecido pela economia científica
oferecendo
um entendimento plausível dos fenômenos, por assim dizer, mais grosseiros e para o uso caseiro, da burguesia, e limita-se, de resto, a sistematizar, pedantizar e
proclamar como
verdades eternas as idéias banais e presunçosas que os agentes da produção burguesa formam sobre seu mundo, para eles o melhor possível.
120 "Os economistas têm um modo peculiar de proceder. Para eles há apenas duas espécies de instituição, as artificiais e as naturais. As instituições do feudalismo
são artificiais, as
da burguesia, naturais. Eles igualam-se nisso aos teólogos, que também distinguem dois tipos de religião. Toda religião, que não sua própria, é uma invenção dos
homens, a sua
própria no entanto uma revelação divina. — Assim portanto houve história, mas agora não há mais." (MARX, Karl. Misère de la Philosophie. Réponse a la Philosophie
de la
Misère de M. Proudhon. 1847. p. 113.) Verdadeiramente engraçado é o senhor Bastiat, que imagina que os antigos gregos e romanos teriam vivido apenas do roubo. Quando
porém
se vive muitos séculos do roubo, tem que haver constantemente algo para roubar, ou seja, o objeto do roubo tem que reproduzir-se incessantemente. Parece, portanto,
que também
os gregos e romanos tinham um processo de produção, portanto, uma economia, a qual formava a base material de seu mundo, tanto quanto a economia burguesa forma a
do
mundo atual. Ou talvez Bastiat queira dizer que um sistema de produção, que se baseia em trabalho escravo, se apóia num sistema de roubo? Ele coloca-se, então, em
terreno
perigoso. Se um gigante do pensamento como Aristóteles, em sua apreciação do trabalho escravo, errou, por que deveria um economista anão em sua apreciação do trabalho
assa-lariado
acertar? Aproveito essa oportunidade para refutar, de forma breve, uma objeção que me foi feita, quando do aparecimento de meu escrito Zur Kritik der Pol. Oekonomie,
1859, por um jornal teuto-americano. Este dizia, minha opinião, que determinado sistema de produção e as relações de produção a ele correspondentes, de cada vez,
em suma, "a
estrutura econômica da sociedade seria a base real sobre a qual levanta-se uma superes-trutura jurídica e política e à qual corresponderiam determinadas formas sociais
de cons-ciência",
que "o modo de produção da vida material condicionaria o processo da vida social, política e intelectual em geral" — tudo isso estaria até mesmo certo para o mundo
atual,
dominado pelos interesses materiais, mas não para a Idade Média, dominada pelo catoli-cismo, nem para Atenas e Roma, onde dominava a política. Em primeiro lugar,
é estranhável
que alguém prefira supor que esses lugares-comuns arquiconhecidos sobre a Idade Média e o mundo antigo sejam ignorados por alguma pessoa. Deve ser claro que a Idade
Média
não podia viver do catolicismo nem o mundo antigo da política. A forma e o modo como eles ganhavam a vida explica, ao contrário, por que lá a política, aqui o catolicismo,
de-sempenhava
o papel principal. De resto basta pouco conhecimento, por exemplo, da história republicana de Roma, para saber que a história da propriedade fundiária constitui
sua
história secreta. Por outro lado, Dom Quixote já pagou pelo erro de presumir que a cavalaria andante seria igualmente compatível com todas as formas econômicas da
sociedade.
195#
Até que ponto uma parte dos economistas é enganada pelo feti-chismo aderido ao mundo das mercadorias ou pela aparência objetiva
das determinações sociais do trabalho demonstra, entre outras coisas, a disputa aborrecida e insípida sobre o papel da Natureza na formação
do valor de troca. Como o valor de troca é uma maneira social específica de expressar o trabalho empregado numa coisa, não pode conter mais
matéria natural do que, por exemplo, a cotação de câmbio. Como a forma mercadoria é a forma mais geral e menos desen-volvida
da produção burguesa, razão por que aparece cedo, embora não da mesma maneira dominante e, portanto, característica como
hoje em dia, seu caráter fetichista parece ainda relativamente fácil de penetrar. Nas formas mais concretas desaparece mesmo essa aparência
da simplicidade. De onde provieram as ilusões do sistema monetário? Não reconheceu ao ouro e à prata que eles representam, como dinheiro,
uma relação social de produção, porém, na forma de objetos naturais com insólitas propriedades sociais. E a Economia moderna, que so-branceira
olha o sistema monetário de cima para baixo, não se torna evidente seu fetichismo logo que trata do capital? Há quanto tempo
desapareceu a ilusão fisiocrática de que a renda da terra origina-se do solo e não da sociedade?
Para não antecipar, porém, limitamo-nos aqui a dar mais um exemplo relativo à própria forma mercadoria. Se as mercadorias pu-dessem
falar, diriam: É possível que nosso valor de uso interesse ao homem. Ele não nos compete enquanto coisas. Mas o que nos
compete enquanto coisas é nosso valor. Nossa própria circulação como coisas mercantis demonstra isso. Nós nos relacionamos umas
com as outras somente como valores de troca. Ouçamos agora como a fala do economista revela a alma da mercadoria:


"Valor (valor de troca) é propriedade das coisas, riqueza (valor de uso) do homem. Valor, nesse sentido, implica necessariamente
troca, riqueza não. 121 Riqueza (valor de uso) é um atributo do homem, valor um atributo das mercadorias. Um homem, ou uma comuni-dade,
é rico; uma pérola ou um diamante, é valiosa. (...) Uma pérola ou um diamante tem valor como pérola ou diamante". 122


Até agora nenhum químico descobriu valor de troca em pérolas ou diamantes. Os descobridores econômicos dessa substância química,
que se pretendem particularmente profundos na crítica, acham, porém, que o valor de uso das coisas é independente de suas propriedades


MARX


207
121 "Value is a property of things, riches of man. Value, in this sense, necessarily implies exchanges, riches do not." (Observations on some Verbal Disputes in
Pol. Econ., Particularly
Relating to Value, and to Supply and Demand. Londres, 1821. p. 16.) 122 "Riches are the attribute of man, value is the attribute of commodites. A man or a community
is rich a pearl or a diamond is valuable. (...) A pearl or a diamond is valuable as a pearl or diamond." (BAILEY, S. Op. cit., p. 165 et seqs.)
196#
enquanto coisas, que seu valor, ao contrário, lhes é atribuído enquanto coisas. O que lhes confirma isso é a estranha circunstância que o valor
de uso das coisas se realiza para o homem sem troca, portanto, na relação direta entre coisa e homem, mas seu valor, ao contrário, se
realiza apenas na troca, isto é, num processo social. Quem não se lembra aqui do bom Dogberry, ensinando ao vigilante Seacoal: 123


"Ser um homem de boa aparência é uma dádiva das circuns-tâncias, mas saber ler e escrever provém da natureza." 124


OS ECONOMISTAS


208
123 SHAKESPEARE. Much Ado About Nothing. Ato III. Cena III. (N. da Ed. Alemã.) 124 O autor de Observations e S. Bailey acusam Ricardo de que ele teria transformado
o valor
de troca de algo apenas relativo em absoluto. Ao contrário. Ele reduziu a relatividade aparente, que estas coisas, diamante e pérola, por exemplo, possuem como valores
de troca,
à verdadeira relação, que se oculta por trás dessa aparência, à sua relatividade como meras expressões do trabalho humano. Se os ricardianos respondem a Bailey com
grosseria, mas
não com acerto, isso se deve somente a que eles não encontraram no próprio Ricardo nenhuma explicação sobre a conexão interna entre valor e forma valor ou valor
de troca.
197#
CAPÍTULO II O PROCESSO DE TROCA
As mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar. Devemos, portanto, voltar a vista para seus guardiões, os pos-suidores
de mercadorias. As mercadorias são coisas e, conseqüente-mente, não opõem resistência ao homem. Se elas não se submetem a
ele de boa vontade, ele pode usar de violência, em outras palavras, tomá-las. 125 Para que essas coisas se refiram umas às outras como
mercadorias, é necessário que os seus guardiões se relacionem entre si como pessoas, cuja vontade reside nessas coisas, de tal modo que
um, somente de acordo com a vontade do outro, portanto cada um apenas mediante um ato de vontade comum a ambos, se aproprie da
mercadoria alheia enquanto aliena a própria. Eles devem, portanto, reconhecer-se reciprocamente como proprietários privados. Essa relação
jurídica, cuja forma é o contrato, desenvolvida legalmente ou não, é uma relação de vontade, em que se reflete a relação econômica. O
conteúdo dessa relação jurídica ou de vontade é dado por meio da relação econômica mesma. 126 As pessoas aqui só existem, reciproca-209


125 No século XII, renomado por sua piedade, encontramos freqüentemente entre essas mer-cadorias coisas muito delicadas. Um poeta francês dessa época conta, por
exemplo, entre
as mercadorias que se viam no mercado de Landit, * além de tecidos, sapatos, couro, ins-trumentos agrícolas, peles etc., femmes folles de leurs corps. **
* Landit. Vila perto de Paris, onde todos os anos tinha lugar uma grande feira, do século
XII até o século IX. (N. da Ed. Alemã.) ** Mulheres de corpos fogosos. (N. dos T.)


126 Proudhon cria, primeiramente, seu ideal de justiça, da justice éternelle, * a partir das relações jurídicas correspondentes à produção de mercadorias, com o
que, diga-se de passagem,
proporciona a prova tão consoladora a todos os filisteus de que a forma de produção de mercadorias é algo tão eterno quanto a justiça. Depois inversamente, ele pretende
remodelar
a produção real de mercadorias e o direito real correspondente a ela segundo esse ideal. Que pensaríamos de um químico, que, em vez de estudar as verdadeiras leis
do meta-bolismo
e com base nelas resolver determinados problemas, resolvesse remodelar o me-tabolismo por meio das "idéias eternas", da naturalité ** e da affinité? *** Acaso sabe-se
mais sobre a "usura" quando diz-se que ela contraria a justice éternelle, a équité éternelle , **** a mutualité éternelle ***** e outras vérités éternelles, ******
do que os padres da Igreja
sabiam, quando diziam que a usura contraria a grâce éternelle, a foi éternelle e a volonté éternelle de Dieu? *******
198#
mente, como representantes de mercadorias e, por isso, como possui-dores de mercadorias. Veremos no curso do desenvolvimento, em geral,
que os personagens econômicos encarnados pelas pessoas nada mais são que as personificações das relações econômicas, como portadores
das quais elas se defrontam. O que distingue sobretudo o possuidor de mercadoria desta última


é que para ela cada outro corpo de mercadoria conta apenas como forma de manifestação de seu próprio valor. Igualitária e cínica nata,
a mercadoria está sempre disposta a trocar não só a alma, como também o corpo, com qualquer outra mercadoria, mesmo quando esta seja tão
desagradável como Maritornes. Esse sentido, que falta à mercadoria, para apreciar o concreto do corpo da mercadoria, o dono da mercadoria
supre por meio dos seus cinco ou mais sentidos. Sua mercadoria não tem para ele nenhum valor de uso direto. Do contrário não a levaria
ao mercado. Ela tem valor de uso para outros. Para ele, ela tem di-retamente apenas valor de uso de ser portadora do valor de troca e,
portanto, meio de troca. 127 Por isso, ele quer aliená-la por mercadoria cujo valor de uso o satisfaça. Todas as mercadorias são não-valores de
uso para seus possuidores e valores de uso para seus não-possuidores. Elas precisam, portanto, universalmente mudar de mãos. Mas essa
mudança de mãos constitui sua troca e essa troca as refere como valores entre si e as realiza como valores. As mercadorias têm que realizar-se,
portanto, como valores, antes de poderem realizar-se como valores de uso. Por outro lado, as mercadorias têm de comprovar-se como valores
de uso, antes de poderem realizar-se como valores. Pois o trabalho humano, despendido em sua produção, conta somente na medida em
que seja despendido de forma útil para outros. Se o trabalho é útil para outros, se, portanto, seu produto satisfaz as necessidades alheias,
somente sua troca pode demonstrar. Cada possuidor de mercadorias só quer alienar sua mercadoria
por outra mercadoria cujo valor de uso satisfaça sua necessidade. Nessa medida, a troca é para ele apenas um processo individual. Por outro
lado, ele quer realizar sua mercadoria enquanto valor, em qualquer outra mercadoria que o agrade do mesmo valor, quer a sua própria


OS ECONOMISTAS


210
* Justiça eterna. (N. dos T.)
** Naturalidade. (N. dos T.)
*** Afinidade. (N. dos T.)
**** Eqüidade eterna. (N. dos T.)
***** Reciprocidade eterna. (N. dos T.)
****** Verdades eternas. (N. dos T.)
******* A graça eterna; a fé eterna; a vontade eterna de Deus. (N. dos T.)


127 "Pois duplo é o uso de cada bem. Um é próprio à coisa, como tal, o outro não, como para uma sandália servir para calçar e ser trocável por outro objeto. Ambos
são valores


de uso da sandália, pois também quem troca a sandália por algo que lhe falta, alimento, por exemplo, usa a sandália como sandália. Porém, não em seu modo natural
de uso,
pois a sandália não existe para ser trocada." (ARISTÓTELES. De Republica. Livro Primeiro. Cap. 9.)
199#
mercadoria tenha ou não valor de uso para o possuidor da outra. Nessa medida, a troca é para ele um processo genericamente social. Mas o
mesmo processo não pode ser simultaneamente para todos os possui-dores de mercadorias apenas individual e, ao mesmo tempo, apenas
genericamente social. Vista a coisa mais de perto, percebe-se que para todo possuidor
de mercadoria toda mercadoria alheia funciona como equivalente par-ticular de sua mercadoria, sua mercadoria, portanto, como equivalente
geral de todas as outras mercadorias. Mas como todos os possuidores de mercadorias fazem o mesmo, nenhuma mercadoria é equivalente
geral e por isso as mercadorias não possuem também nenhuma forma valor geral relativa, na qual elas possam equiparar-se como valores e
comparar-se como grandezas de valor. Portanto, elas não se defrontam, de modo algum, como mercadorias, mas apenas como produtos ou va-lores
de uso. Em sua perplexidade, pensam os nossos possuidores de merca-dorias
como Fausto. No começo era a ação. Eles já agiram, portanto, antes de terem pensado. As leis da natureza das mercadorias atuam
através do instinto natural dos seus possuidores. Eles somente podem referir suas mercadorias, umas às outras, como valores, e por isso
apenas como mercadorias ao referi-las, antiteticamente, a outra mer-cadoria como equivalente geral. É o que resultou da análise da mer-cadoria.
Mas apenas a ação social pode fazer de uma mercadoria equi-valente geral. A ação social de todas as outras mercadorias, portanto,
exclui determinada mercadoria para nela representar universalmente seus valores. A forma natural dessa mercadoria vem a ser assim a
forma equivalente socialmente válida. Ser equivalente geral passa, por meio do processo social, a ser a função especificamente social da mer-cadoria
excluída. Assim ela torna-se — dinheiro.
"Illi unum consilium habent et virtutem et potestatem suam bestiae tradunt. Et ne quis possit emere aut vendere, nisi qui


habet characterem aut nomen bestiae, aut numerum nominis ejus." 128 (Apocalipse. 129 )


O cristal monetário é um produto necessário do processo de troca, no qual diferentes produtos do trabalho são, de fato, igualados entre
si e, portanto, convertidos em mercadorias. A ampliação e aprofunda-


MARX


211
128 Estes têm um desígnio e darão sua força e seu poder à besta. E que ninguém possa comprar ou vender a não ser aquele que tenha o sinal, ou seja, o nome da besta
ou o número do
seu nome." (N. dos T.) 129 Obra da literatura cristã da primeira fase, que foi incluída no Novo Testamento; a autoria
é geralmente atribuída ao Apóstolo João. O Apocalipse contém profecias místicas do "fim do mundo" e de uma "volta de Cristo", o que na Idade Média freqüentemente
levou a
movimentos populares heréticos. Posteriormente, a Igreja usava as profecias do Apocalipse ao intimidar as massas do povo. Marx cita aqui dos capítulos 17, 13 e 13,
17 do Apocalipse
de São João. (N. da Ed. Alemã.)
200#
mento históricos da troca desenvolvem a antítese entre valor de uso e valor latente na natureza da mercadoria. A necessidade de dar a
essa antítese representação externa para a circulação leva a uma forma independente do valor da mercadoria e não se detém nem descansa
até tê-la alcançado definitivamente por meio da duplicação da merca-doria em mercadoria e em dinheiro. Na mesma medida, portanto, em
que se dá a transformação do produto do trabalho em mercadoria, completa-se a transformação da mercadoria em dinheiro. 130
A troca direta de produtos possui já, por um lado, a forma da expressão simples do valor e, por outro lado, ainda não a tem. Aquela
forma era x mercadoria A = y mercadoria B. A forma da troca direta de produtos é: x objeto de uso A = y objeto de uso B. 131 As coisas A e
B não são aqui mercadorias antes da troca, mas tornam-se tais por meio da mesma. O primeiro modo, pelo qual um objeto de uso é pos-sivelmente
valor de troca, é sua existência como não-valor de uso, como quantum de valor de uso que ultrapassa as necessidades diretas
de seu possuidor. As coisas são, em si e para si, externas ao homem e, portanto, alienáveis. Para que a alienação seja recíproca, basta que
os homens se defrontem, tacitamente, como proprietários privados da-quelas coisas alienáveis e portanto, por intermédio disso, como pessoas
independentes entre si. Tal relação de estranhamento recíproco não existe, porém, para os membros de uma comunidade primitiva, tenha
ela a forma de uma família patriarcal, de uma antiga comunidade indiana, um Estado inca 132 etc. A troca de mercadorias começa onde
as comunidades terminam, em seus pontos de contato com outras co-munidades ou com membros de outras comunidades. Tão logo as coisas
se tornam mercadorias no exterior da comunidade, tornam-se também por repercussão mercadorias no interior da vida comunal. Sua relação
quantitativa de troca é por enquanto inteiramente casual. São permu-táveis pela vontade de seus possuidores de aliená-las reciprocamente.
Nesse meio tempo, se consolida, pouco a pouco, a necessidade por objetos de uso estrangeiros. A constante repetição da troca transforma-a em
um processo social regular. Com o correr do tempo, torna-se necessário,


OS ECONOMISTAS


212
130 Julgue-se, pois, a habilidade do socialismo pequeno-burguês que quer eternizar a produção de mercadorias e, ao mesmo tempo, abolir a "antítese entre dinheiro
e mercadoria" e,
portanto, o próprio dinheiro, pois este somente existe dentro dessa antítese. Do mesmo modo poder-se-ia abolir o papa e deixar permanecer o catolicismo. Ver pormenores
em
minha obra Zur Kritik der Politischen Oekonomie. p. 61 et seqs. 131 Enquanto não se trocam ainda dois diferentes objetos de uso, porém, como verificamos
freqüentemente entre selvagens, uma massa caótica de coisas é oferecida como equivalente de um terceiro, a própria troca direta está ainda em seu limiar.
132 Estado escravagista com restos significantes da sociedade primitiva. A base da organização social e econômica era a parentela ou comunidade camponesa (aylla),
que possuía terras
e gado em comum. O Estado inca viveu seu florescimento no fim do século XV até a conquista espanhola, e seu extermínio total nos anos trinta do século XVI; naquela
época
ela se estendeu sobre os territórios do Peru, Equador, Bolívia e norte do Chile, de hoje (N. da Ed. Alemã.)
201#
portanto, que parte do produto do trabalho seja intencionalmente feita para a troca. A partir desse momento, consolida-se, por um lado, a
separação entre a utilidade das coisas para as necessidades imediatas e sua utilidade para a troca. Seu valor de uso dissocia-se de seu valor
de troca. Por outro lado, torna-se a relação quantitativa, em que se trocam, dependente de sua própria produção. O costume fixa-as como
grandezas de valor. Na troca direta de produtos, cada mercadoria é diretamente meio
de troca para seu possuidor, equivalente para seu não-possuidor, mas somente enquanto for valor de uso para ele. O artigo de troca não
adquire ainda nenhuma forma valor independente de seu próprio valor de uso ou da necessidade individual dos permutantes. A necessidade
dessa forma desenvolve-se com o crescente número e variedade das mercadorias que vão entrando no processo de troca. O problema surge
simultaneamente com os meios para sua solução. Uma circulação em que possuidores de mercadorias trocam e comparam seus artigos com
outros artigos diferentes jamais se realiza sem que diferentes merca-dorias de diferentes possuidores de mercadorias em sua circulação se-jam
trocadas e comparadas como valores com uma terceira mercadoria, sempre a mesma. Tal terceira mercadoria, ao se tornar equivalente
de outras mercadorias diferentes, recebe diretamente, ainda que em limites estreitos, a forma de equivalente geral ou social. Essa forma
de equivalente geral surge e desaparece com o contato social momen-tâneo que lhe deu vida. É atribuída alternativa e transitoriamente a
esta ou àquela mercadoria. Com o desenvolvimento da troca de mer-cadorias ela se fixa exclusivamente em espécies particulares de mer-cadorias
ou se cristaliza na forma dinheiro. A que classe de mercadorias ela adere é, no início, algo ocasional. No entanto, existem duas cir-cunstâncias
que grosso modo são decisivas. A forma fixa-se ou nos artigos de troca mais importantes vindos do estrangeiro, os quais de
fato são formas de manifestação naturalmente desenvolvidas do valor de troca dos produtos locais, ou no objeto de uso que representa o
elemento principal do patrimônio local alienável, como o gado, por exem-plo. Os povos nômades são os primeiros a desenvolver a forma dinheiro,
porque todos os seus haveres e bens têm forma móvel e, portanto, diretamente alienável e porque seu modo de vida os põe em constante
contato com comunidades estrangeiras, solicitando-os à troca de pro-dutos. Os homens fizeram, freqüentemente, do próprio homem, na fi-gura
do escravo, a matéria original de dinheiro, porém nunca as terras. Tal idéia somente poderia surgir numa sociedade burguesa já desen-volvida.
Data do último terço do século XVII e só se tentou concretizá-la, em escala nacional, um século mais tarde, na revolução burguesa dos
franceses. Na mesma medida em que a troca de mercadorias rompe seus
laços apenas locais e, com isso, o valor das mercadorias se desenvolve


MARX


213
202#
para vir a ser materialização do trabalho humano em geral, a forma dinheiro transpõe-se a mercadorias que por natureza são adequadas
para a função social de equivalente geral, os metais preciosos.
Que "ouro e prata, por natureza, não sejam dinheiro, embora dinheiro, por natureza, seja de ouro e prata", 133 demonstra a congruên-cia


de suas propriedades naturais com suas funções. 134 Mas até agora conhecemos apenas uma função do dinheiro, a de servir de forma de
manifestação do valor das mercadorias ou de material, no qual as grandezas de valor das mercadorias se expressam socialmente. Forma
adequada de manifestação do valor ou materialização de trabalho hu-mano abstrato e, portanto, igual, pode ser apenas uma matéria cujos
diversos exemplares possuam todos a mesma qualidade uniforme. Por outro lado, como a diferença das grandezas de valor é puramente quan-titativa,
é necessário que a mercadoria monetária seja capaz de ex-pressar variações meramente quantitativas, portanto, possa ser divi-dida
à vontade e novamente recomposta a partir de suas partes. Ouro e prata possuem, porém, essas propriedades por natureza.
O valor de uso da mercadoria monetária dobra. Além de seu valor de uso particular como mercadoria, como ouro por exemplo serve
para obturar dentes, como matéria-prima para artigos de luxo etc., ela adquire um valor de uso formal decorrente de suas funções sociais
específicas.
Sendo todas as mercadorias meros equivalentes particulares do dinheiro e o dinheiro seu equivalente geral, elas se relacionam


como mercadorias particulares em relação ao dinheiro, como a mer-cadoria geral. 135
Viu-se que a forma dinheiro é apenas o reflexo aderente a uma única mercadoria das relações de todas as outras mercadorias. Que o
dinheiro seja mercadoria 136 é, portanto, apenas uma descoberta para aquele que parte de sua forma acabada para posteriormente analisá-la.
O processo de troca dá à mercadoria, a qual é por ele transformada em dinheiro, não o seu valor, porém sua forma valor específica. A


OS ECONOMISTAS


214
133 MARX, Karl. Op. cit., p. 135. "Os metais (...) são, por natureza, dinheiro." (GALIANI. Della Moneta. Na coleção de Custodi, Parte Moderna, t. III, p. 137.)
134 Ver mais detalhes em minha obra acima citada no capítulo "Os Metais Preciosos". 135 "O dinheiro é a mercadoria geral." (VERRI. Op. cit., p. 16.)
136 "Prata e ouro em si, aos quais podemos dar o nome geral de metais preciosos, são (...) mercadorias (...) que sobem e baixam (...) de valor. Ao metal precioso
pode-se reconhecer
um valor mais alto quando por um peso menor dele compra-se maior quantidade do produto ou manufatura do país etc." ([ CLEMENT, S.] A Discourse of the General Notions
of Money
Trade, and Exchange as they Stand in Relations to each Other. By a Merchant. Londres 1695. p. 7.) "Ainda que o ouro e a prata cunhados ou sem cunhar sejam usados
como
unidade de medida de todas as demais coisas, não são menos mercadoria que vinho, óleo, tabaco, pano ou tecido." ([ CHILD, J.] A Discourse Concerning Trade, and that
in Particular
of the East-Indies etc. Londres 1689. p. 2.) "A fortuna e a riqueza do reino tomadas com precisão não podem se limitar a dinheiro, nem o ouro nem a prata podem deixar
de ser
considerados mercadorias." [PAPILLON, Th.] The East India Trade a most Profitable Trade. Londres 1677. p. 4.)
203#
confusão entre essas duas determinações levou a considerar o valor do ouro e da prata como sendo imaginário. 137 Podendo o dinheiro ser
substituído, em certas funções, por meros signos dele mesmo, surgiu o outro erro, que ele seja mero signo. Por outro lado, essa noção im-plicava
vislumbrar que a forma dinheiro da coisa é externa a ela mesma
e mera forma de manifestação de relações humanas ocultas atrás dela. Nesse sentido, cada mercadoria seria um signo, pois, como valor, é


apenas um invólucro reificado do trabalho humano nela despendido. 138 Mas, ao considerar signos os caracteres sociais que as coisas ou os
caracteres reificados que as determinações sociais do trabalho recebem,
com base em determinado modo de produção, como meros signos, eles passam, ao mesmo tempo, a ser explicados como produto arbitrário da


reflexão dos homens. Essa era uma mania de esclarecer muito apre-ciada, no século XVIII, para eliminar pelo menos transitoriamente a
aparência estranha das formas enigmáticas de que se revestiam as con-dições
humanas, cujo processo de formação não se podia ainda decifrar. Observou-se anteriormente que a forma equivalente de uma mer-cadoria


não implica a determinação quantitativa de sua grandeza de


MARX


215
137 "O ouro e a prata têm valor como metais, antes de serem dinheiro." (GALIANI. Op. cit., [p. 72].) Locke diz: "A opinião geral das pessoas atribuiu à prata, devido
às suas qualidades
que a tornam adequada para ser dinheiro, um valor imaginário". [LOCKE, John. Some Considerations etc. 1691. In: Works. Ed. 1777. v. II p. 15.] Ao contrário, Law:
"Como poderiam
diferentes nações atribuir um valor imaginário a uma coisa qualquer (...) ou como deveria ter podido manter-se este valor?" Mas quão pouco ele mesmo entendia sobre
o assunto: "A
prata trocava-se segundo o valor de uso que possuía, ou seja, segundo seu valor real; por meio de sua determinação como dinheiro ela adquiriu um valor adicional
(une valeur ad-ditionnelle).
(LAW, Jean. Considérations sur le Numéraire et le Commerce. Na edição de E. Daire dos Économistes Financiers du XVIII Siècle, p. 469-470.)
138 "O dinheiro é seu (das mercadorias) signo." (Ver DE FORBONNAIS. Élements du Commerce. Nouv. Édit., Leyde, 1766 t. II p. 143.) "Como signo é atraído pelas mercadorias."
(Op. cit.,
p. 155.) "O dinheiro é signo de uma coisa e a representa." (MONTESQUIEU. Esprit des Lois. Oeuvres, Londres 1767. t. II p. 3.) "O dinheiro não é mero signo, ele é
por si mesmo
riqueza; ele não representa os valores, ele é o equivalente deles." (LE TROSNE. Op. cit., p. 910.) "Se examinamos o conceito de valor, a própria coisa somente é
considerada um
signo, e ela não conta como ela mesma, senão como o que vale." (HEGEL. Op. cit., p. 100.) Muito antes dos economistas, os juristas impulsionaram a idéia do dinheiro
como mero
signo e do valor simplesmente imaginário dos metais preciosos, com o que prestavam um serviço de sicofantas ao poder real, cujo direito de falsificar moeda fundamentaram,
durante
toda a Idade Média, sobre as tradições do Império Romano e os conceitos monetários das Pandectas. * Num decreto de 1346, diz seu dócil discípulo Philippe de Valois:
"Ninguém
pode nem deve levantar dúvidas de que só cabe a Nós e a Nossa Majestade real (...) a operação monetária, a fabricação, a disposição, o aprovisionamento e toda regulamentação
relativa às moedas, colocá-las em circulação assim e a tal preço, conforme nos compraza e bom nos pareça". Era dogma do direito romano que o imperador decretasse
o valor do
dinheiro. Era expressamente proibido tratar o dinheiro como mercadoria. "Não deve, en-tretanto ser permitido a ninguém comprar dinheiro, pois, tendo sido criado
para uso geral,
não deve ser mercadoria." A obra de G. F. Pagnini, Saggio Sopra il Giusto Pregio delle Cose, 1751, Ed. de Custodi, Parte Moderna, t. II, contém boa exposição a respeito.
Nota-damente
na segunda parte da obra, Pagnini polemiza contra os senhores juristas. * Pandectas (grego) ou digestos (latim). Parte principal do direito civil romano (corpus
juris
civilis). As pandectas eram uma composição de excertos das obras de juristas romanos e corresponderam aos interesses dos escravagistas. Elas foram redigidas por
incumbência do
imperador bizantino Justiniano I e proclamadas como lei no ano 533. (N. da Ed. Alemã.)
204#
valor. Sabe-se que ouro é dinheiro, sendo, portanto, diretamente per-mutável com todas as mercadorias. Mas nem por isso sabe-se quanto
valem, por exemplo, 10 libras de ouro. Como qualquer outra mercadoria, o dinheiro pode expressar sua própria grandeza de valor apenas rela-tivamente
em outras mercadorias. Seu próprio valor é determinado pelo tempo de trabalho necessário a sua produção e se expressa naquele
quantum de qualquer outra mercadoria em que está cristalizado o mesmo tempo de trabalho. 139 Essa constatação de sua grandeza relativa
de valor ocorre em sua fonte de produção, por meio da troca direta. Quando entra em circulação, como dinheiro, seu valor já está dado.
Se já nas últimas décadas do século XVII, uma vez amplamente su-perado o começo da análise do dinheiro, sabia-se que dinheiro é mer-cadoria,
isso era apenas o começo. A dificuldade não reside em com-preender que dinheiro é mercadoria, porém como, por quê, por meio
de que mercadoria é dinheiro. 140 Já vimos que na expressão mais simples de valor, x mercadoria
A = y mercadoria B, a coisa, em que a grandeza de valor de outra
coisa é representada, parece possuir sua forma equivalente indepen-dentemente
dessa relação, como uma propriedade social de sua natu-reza.
Já investigamos a consolidação dessa falsa aparência. Ela com-pletou-
se tão logo a forma de equivalente geral se fundiu com a forma
natural de uma espécie particular de mercadoria ou cristalizou-se na
forma dinheiro. Uma mercadoria não parece tornar-se dinheiro porque
todas as outras mercadorias representam nela seus valores, mas, ao
contrário, parecem todas expressar seus valores nela porque ela é di-nheiro.
O movimento mediador desaparece em seu próprio resultado
e não deixa atrás de si nenhum vestígio. As mercadorias encontram,
sem nenhuma colaboração sua, sua própria figura de valor pronta,
como um corpo de mercadoria existente fora e ao lado delas. Essas


OS ECONOMISTAS


216
139 "Se alguém pode trazer 1 onça de prata a Londres, desde as entranhas da terra no Peru, utilizando o mesmo tempo que necessitaria para produzir 1 bushel de trigo,
então um é o
preço natural do outro; se ele agora, em virtude da abertura de novas minas mais ricas, em vez de uma, conseguir 2 onças com o mesmo esforço de antes, o trigo pelo
preço de 10
xelins por bushel será tão barato agora quanto antes pelo preço de 5 xelins coeteris paribus." (PETTY, William. A Treatise on Taxes and Contributions. Londres 1667.
p. 31.)
140 Depois que o prof. Roscher nos ensinou: "As falsas definições do dinheiro podem dividir-se em dois grupos principais: aqueles que o consideram mais e aqueles
que o consideram
menos que uma mercadoria", segue um catálogo embaralhado de escritos sobre o sistema monetário, em que também não transparece a mais remota compreensão da história
real
da teoria, e então vem a moral: "De resto não se pode negar que a maioria dos economistas mais jovens não tenha considerado suficientemente as especificidades que
distinguem o
dinheiro das demais mercadorias" (portanto, apesar de tudo mais ou menos do que mer-cadoria?). "Nesse sentido, a reação semimercantilista de Ganilh (...) não é totalmente
sem
motivo." (ROSCHER, Wilhelm. Die Grundlagen der Nationaloekonomie. 3ª ed., 1858. p. 207-210.) Mais — menos — insuficiente — na medida em que — não totalmente! Que
determinações conceituais! E semelhante prosa eclética professoral o senhor Roscher batiza modestamente de "método anatômico-fisiológico" da Economia Política. Devemos-lhe,
no
entanto, uma descoberta, a saber, que o dinheiro é "uma mercadoria agradável".
205#
coisas, ouro e prata, tais como saem das entranhas da terra, são ime-diatamente a encarnação direta de todo o trabalho humano. Daí a
magia do dinheiro. A conduta meramente atomística dos homens em seu processo de produção social e, portanto, a figura reificada de suas
próprias condições de produção, que é independente de seu controle e de sua ação consciente individual, se manifestam inicialmente no fato
de que seus produtos de trabalho assumem em geral a forma merca-doria. O enigma do fetiche do dinheiro é, portanto, apenas o enigma
do fetiche da mercadoria, tornado visível e ofuscante.


MARX


217
206#
CAPÍTULO III O DINHEIRO OU A CIRCULAÇÃO DAS MERCADORIAS
1. Medida dos valores


A fim de simplificar, pressuponho sempre neste escrito o ouro como a mercadoria monetária.
A primeira função do ouro consiste em fornecer ao mundo das mercadorias o material para sua expressão de valor ou em representar
os valores das mercadorias como grandezas de mesma denominação, qualitativamente iguais e quantitativamente comparáveis. Assim, ele
funciona como medida geral dos valores e é apenas por meio dessa função que o ouro, a mercadoria equivalente específica, se torna ini-cialmente
dinheiro. Não é por meio do dinheiro que as mercadorias se tornam co-mensuráveis.
Ao contrário. Sendo todas as mercadorias, enquanto va-lores, trabalho humano objetivado, e portanto sendo em si e para si
comensuráveis, elas podem medir seus valores, em comum, na mesma mercadoria específica e com isso transformar esta última em sua me-dida
comum de valor, ou seja, em dinheiro. Dinheiro, como medida de valor, é forma necessária de manifestação da medida imanente do valor
das mercadorias: o tempo de trabalho. 141


219
141 A pergunta por que o dinheiro não representa diretamente o próprio tempo de trabalho, de forma que, por exemplo, uma nota de papel represente x horas de trabalho,
se reduz
simplesmente à pergunta por que, na base da produção de mercadorias, os produtos de trabalho precisam representar-se como mercadorias, pois a representação de mercadoria
implica sua duplicação em mercadoria e mercadoria monetária. Ou por que o trabalho privado não pode ser tratado como seu contrário, trabalho diretamente social.
Já tratei
minuciosamente, em outra parte, do utopismo superficial de uma "moeda trabalho", com base na produção de mercadorias. (Op. cit., p. 61 et seqs.) Observaria ainda
que, por exemplo,
a "moeda trabalho" de Owen é tão pouco "dinheiro" como um bilhete de teatro. Owen pressupõe trabalho diretamente socializado, uma forma de produção diametralmente
oposta
à produção de mercadorias. O certificado de trabalho constata apenas a participação individual do produtor no trabalho comum e seu direito individual à parte do
produto
comum destinada ao consumo. Porém, a Owen não ocorre pressupor a produção de mercadorias e, apesar disso, querer escamotear suas condições necessárias por meio de
artimanhas monetárias.
207#
A expressão de valor de uma mercadoria em ouro — x da mer-cadoria A = y da mercadoria monetária — é sua forma de dinheiro ou
seu preço. Uma equação isolada, como 1 tonelada de ferro = 2 onças de ouro, basta agora para representar o valor do ferro de uma maneira
socialmente válida. A equação já não tem de marchar em fila e coluna com as equações de valor das outras mercadorias, porque a mercadoria
equivalente, o ouro, já possui o caráter de dinheiro. A forma valor relativa geral das mercadorias tem assim de novo a figura de sua
forma valor relativa original, simples ou singular. Por outro lado, a expressão relativa de valor desdobrada ou a infinita série de expressões
relativas de valor torna-se a forma de valor especificamente relativa da mercadoria dinheiro. Mas essa série agora já está dada socialmente
nos preços das mercadorias. Basta ler, ao revés, as cotações de uma lista de preços, para encontrar a grandeza de valor do dinheiro, re-presentada
em todas as mercadorias possíveis. Dinheiro, por sua vez, não tem preço. Para participar dessa forma relativa unitária das outras
mercadorias, teria de ser relacionado a si mesmo, como seu próprio equivalente.
O preço ou a forma monetária das mercadorias, como sua forma valor em geral, é distinta de sua forma corpórea real e tangível, uma
forma somente ideal ou imaginária. O valor de ferro, linho, trigo etc., embora invisível, existe nessas coisas mesmas; ele é imaginado por
sua igualdade com ouro, uma relação com o ouro que, por assim dizer, só assombra suas cabeças. O guardião das mercadorias tem, por isso,
de meter sua língua na cabeça delas ou pendurar nelas pedaços de papel para comunicar seus preços ao mundo exterior. 142 Como a ex-pressão
dos valores das mercadorias em ouro é ideal, aplica-se nessa operação também somente ouro ideal ou imaginário. Cada guardião
de mercadorias sabe que ainda está longe de dourar suas mercadorias, quando dá a seu valor a forma de preço ou forma ouro imaginária e
que ele não precisa de nenhuma migalha de ouro real para avaliar, em ouro, milhões de valores mercantis. Em sua função de medida de


OS ECONOMISTAS


220
142 O selvagem ou semi-selvagem usa a língua de outro modo. O Capitão Parry observa, por exemplo, nos habitantes da costa ocidental da baía de Baffin: "Nesse caso"
(ao intercambiar
produtos) "(...) eles o lambiam" (o que lhes foi oferecido) "duas vezes com a língua, com o que pareciam considerar o negócio concluído satisfatoriamente". * Do
mesmo modo, entre
os esquimós orientais, o permutante lambia o artigo ao recebê-lo. Se a língua no norte, portanto, serve de órgão de apropriação, não é de admirar que no sul a barriga
funciona
como órgão de propriedade acumulada e que o cafre calcule a riqueza de um homem segundo a sua pança. Os cafres são tipos muito espertos, pois enquanto o relatório
oficial
inglês sobre a saúde, de 1864, deplora a falta de substâncias formadoras de gorduras em grande parte da classe trabalhadora, um certo dr. Harvey, não o que descobriu
a circulação
do sangue, no mesmo ano fez a sua fortuna por meio de receitas charlatanescas que pro-metiam livrar a burguesia e a aristocracia da carga de gordura excessiva.
* PARRY, W. E. Journal of a Voyage for the Discovery of a North-West Passage from the
Atlantic to the Pacific; Performed in the Years 1819-1820, in His Majesty's Ships Hecla and Griper, under the Orders of William Edward Parry. 2ª ed. Londres, 1821.
p. 277-278.


(N. da Ed. Alemã.)
208#
valor, o dinheiro serve, portanto, como dinheiro apenas imaginário ou ideal. Essa circunstância deu origem às mais absurdas teorias. 143 Em-bora
apenas dinheiro imaginário sirva para a função de medida do valor, o preço depende totalmente do material monetário real. O valor,
isto é, o quantum de trabalho humano contido, por exemplo, numa
tonelada de ferro, é expresso num quantum imaginário da mercadoria monetária, que contém a mesma quantidade de trabalho. Por isso,


conforme ouro, prata ou cobre sirvam de medida do valor, o valor da tonelada de ferro recebe expressões de preço inteiramente diferentes ou
é apresentado em quantidades de ouro, prata ou cobre totalmente diversas.
Se, por isso, duas mercadorias diferentes, por exemplo ouro e prata,
servem, ao mesmo tempo, de medidas de valor, então todas as mercadorias
possuem duas expressões diferentes de preços, o preço em ouro e o preço
em prata, que correm tranqüilamente um ao lado do outro, enquanto a
relação de valor entre ouro e prata ficar inalterada, por exemplo 1: 15.
Mas cada alteração dessa relação de valores perturba a relação entre os
preços em ouro e os preços em prata das mercadorias, provando assim,
de fato, que a duplicação da medida de valor contradiz sua função. 144 Todas as mercadorias com preços determinados apresentam-se


sob a forma: a mercadoria A = x ouro, b mercadoria b = z ouro, c
mercadoria C = y ouro etc., em que a, b, c representam certas quan-tidades das espécies de mercadorias A, B, C, e x, y, z certas quantidades


de ouro. Os valores das mercadorias são assim transformados em quan-tidades
imaginárias de ouro de tamanhos diferentes, portanto, apesar


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221
143 Ver MARX, Karl. Zur Kritik etc., "Theorien von der Masseinheit des Geldes", p. 53 et seqs. 144 Nota à 2ª edição. "Onde o ouro e a prata permanecem legalmente
um ao lado do outro,
como dinheiro, isto é, como medida de valor, sempre tentou-se, em vão, tratá-los como uma única e mesma matéria. Se foi admitido que o mesmo tempo de trabalho tem
que, imuta-velmente,
objetivar-se na mesma proporção de prata e de ouro, admite-se de fato que prata e ouro são a mesma matéria e que determinada quantidade do metal menos valioso, da
prata, forma uma fração imutável de determinada massa de ouro. Do governo de Eduardo III até o tempo de George II, a história do sistema monetário inglês decorre
numa série
progressiva de perturbações resultante da colisão entre a fixação legal da relação de valor entre ouro e prata e suas reais oscilações de valor. Ora era o ouro avaliado
em demasia,
ora era a prata. O metal subavaliado era retirado de circulação, fundido e exportado. A relação de valor de ambos os metais era então legalmente alterada, mas o
novo valor
nominal entrava logo no mesmo conflito com a relação de valor real, como o antigo. — Em nossa própria época, a queda muito fraca e passageira no valor do ouro em
relação à prata,
em conseqüência da demanda de prata na Índia e na China, produziu o mesmo fenômeno na maior escala, na França: exportação da prata e sua expulsão da circulação pelo
ouro.
Durante os anos de 1855, 1856 e 1857, o excedente de importação de ouro pela França sobre a exportação de ouro pela França montou a 41,58 milhões de libras esterlinas,
enquanto
o excedente de exportação de prata sobre a importação de prata foi de 34,704 milhões de libras esterlinas. De fato, nos países onde os dois metais são as medidas
legais de valor,
portanto, onde ambos têm que ser aceitos em pagamento, mas qualquer um pode pagar à vontade em ouro e prata, o metal com valor em alta porta um ágio e mede como
qualquer
outra mercadoria seu preço no metal superavaliado, enquanto o último é o único que serve de medida de valor. Toda a experiência histórica nessa área se reduz simplesmente
a que,
onde duas mercadorias estão legalmente providas com a função de medida de valor, só uma delas se impõe como tal." (MARX, Karl. Op. cit., p. 52-53.)
209#
da confusa variedade dos corpos das mercadorias, em grandezas de mesma denominação, grandezas de ouro. Como tais quantidades de
ouro, elas se comparam e medem entre si e se desenvolve tecnicamente a necessidade de relacioná-las a um quantum fixado de ouro como sua
unidade de medida. Essa mesma unidade de medida, por meio de pos-terior divisão em partes alíquotas, é transformada em padrão de me-dida.
Antes de se tornarem dinheiro, o ouro, a prata e o cobre já pos-suíam tais padrões de medida em seus pesos metálicos, de modo que,
por exemplo, uma libra serve de unidade de medida, subdividindo-a, por um lado, outra vez em onças etc., e somando-a, por outro lado, em
quintais etc. 145 Assim, em toda circulação metálica, as denominações preexistentes do padrão de peso formam também as denominações ori-ginais
do padrão monetário ou padrão de medida dos preços. Como medida dos valores e como padrão dos preços, o dinheiro
exerce duas funções inteiramente diferentes. É medida dos valores por ser a encarnação social do trabalho humano, padrão dos preços por
ser um peso fixado de metal. Como medida de valor, serve para trans-formar os valores das mais variadas mercadorias em preços, em quan-tidades
imaginárias de ouro; como padrão dos preços, mede essas quan-tidades de ouro. Na medida dos valores, as mercadorias se medem
como valores; o padrão dos preços, ao contrário, mede as quantidades de ouro em um quantum de ouro, e não o valor de um quantum de
ouro no peso do outro. Para o padrão dos preços, determinado peso de ouro tem de ser fixado como unidade de medida. Aqui, como em todas
as outras determinações de medida de grandeza de mesma denominação, a estabilidade das relações de medida torna-se decisiva. Por isso, o padrão
de preços cumpre sua função tanto melhor quanto mais invariavelmente um mesmo quantum de ouro sirva de unidade de medida. Como medida
de valores o ouro somente pode servir porque ele mesmo é produto de trabalho, sendo, portanto, um valor potencialmente variável. 146
É claro, agora, que uma mudança de valor do ouro não prejudica, de modo algum, sua função como padrão de preços. Por mais que varie
o valor do ouro, diferentes quantidades de ouro mantêm entre si sempre a mesma relação de valor. Caia de 1 000% o valor do ouro, depois
como antes, 12 onças de ouro terão 12 vezes o valor de 1 onça de ouro e no que se refere aos preços trata-se apenas das relações de várias


OS ECONOMISTAS


222
145 Nota à 2ª edição. A singularidade de, na Inglaterra, a onça de ouro como unidade do padrão monetário não estar dividida em partes alíquotas explica-se do seguinte
modo: "Nosso
sistema monetário originariamente estava adaptado apenas à utilização de prata — por-tanto, 1 onça de prata pode sempre ser dividida em determinado número alíquoto
de peças
monetárias; visto, porém, que o ouro somente foi introduzido numa época posterior num sistema de moedas que estava adaptado apenas à prata, 1 onça de ouro não poderia
ser
cunhada num número alíquoto de moedas". (MACLAREN. History of the Currency. Londres, 1858, p. 16.)
146 Nota à 2ª edição. Nos escritos ingleses é indizível a confusão sobre medida dos valores (measure of values) e padrão dos preços (standard of value). As funções
e, portanto, seus
nomes são constantemente trocados.
210#
quantidades de ouro entre si. Como, por outro lado, 1 onça de ouro não muda de nenhuma forma seu peso com a queda ou subida de seu
valor, tampouco muda o peso de suas partes alíquotas, e assim o ouro, como padrão fixo dos preços, presta sempre o mesmo serviço, qualquer
que seja a mudança do seu valor. A mudança de valor do ouro também não impede sua função de
medida de valor. Ela atinge simultaneamente todas as mercadorias, deixando assim, coeteris paribus, inalterados seus valores recíprocos
relativos, embora eles todos se expressem agora em preços de ouro mais altos ou mais baixos do que antes.
Como na representação do valor de uma mercadoria no valor de uso de qualquer outra, também na avaliação das mercadorias em ouro
somente se pressupõe que, na época dada, a produção de determinado quantum de ouro custa dado quantum de trabalho. Com relação ao
movimento dos preços das mercadorias em geral, valem as leis ante-riormente desenvolvidas da expressão relativa simples de valor.
Os preços das mercadorias só podem subir generalizadamente, per-manecendo igual o valor do dinheiro, se os valores das mercadorias sobem;
permanecendo iguais os valores das mercadorias, se cai o valor do dinheiro. E vice-versa. Os preços das mercadorias só podem cair generalizadamente,
permanecendo igual o valor do dinheiro, se caem os valores das merca-dorias; permanecendo iguais os valores das mercadorias, se sobe o valor
do dinheiro. Não segue daí, de modo algum, que uma subida do valor do dinheiro acarreta uma queda proporcional dos preços das mercadorias, e
uma queda do valor do dinheiro uma subida proporcional dos preços das mercadorias. Isso somente vale para mercadorias de valor inalterado. Mer-cadorias,
por exemplo, cujo valor sobe proporcional e simultaneamente com o valor do dinheiro mantêm os mesmos preços. Se seu valor sobe
mais lenta ou mais rapidamente que o valor do dinheiro, a queda ou a subida de seus preços será determinada pela diferença entre o movimento
do valor delas e o do dinheiro etc. Voltemos agora à observação da forma preço.
As denominações monetárias dos pesos metálicos se desligam, pouco a pouco, de suas denominações originais de peso por diferentes
motivos, sendo os seguintes os historicamente decisivos: 1) Introdução de dinheiro estrangeiro em países menos desenvolvidos; na Roma An-tiga,
por exemplo, circulavam, inicialmente, moedas de prata e de ouro, como mercadorias estrangeiras. As denominações desse dinheiro es-trangeiro
são diferentes das denominações de peso do país. 2) Com o desenvolvimento da riqueza, o metal menos nobre é deslocado da função
de medida de valor pelo mais nobre. O cobre pela prata, a prata pelo ouro, por mais que essa seqüência contradiga 147 a cronologia poética. 148


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147 De resto, ela também não possui validade histórica universal. 148 Cronologia poética. Na mitologia antiga a história da humanidade era dividida em cinco
períodos. Na idade do ouro, os homens viviam mais felizes e sem preocupações; a terra era
211#
Libra, por exemplo, era então a denominação monetária de uma ver-dadeira libra de prata. Tão logo o ouro desloca a prata da função de
medida de valor, o mesmo nome associa-se talvez a 1/ 15 etc. de 1 libra de ouro, conforme a relação de valor entre o ouro e a prata. Libra
como denominação monetária, e libra, como denominação ordinária de peso do ouro, são agora separadas. 149 3) A falsificação de dinheiro,
continuada durante séculos pelos príncipes, que do peso original das moedas deixou, de fato, apenas o nome. 150
Esses processos históricos convertem em costume popular a se-paração da denominação monetária dos pesos metálicos de sua deno-minação
corrente de peso. Como padrão monetário é, por um lado, puramente convencional e como necessita, por outro lado, de validade
geral, ele acaba sendo regulado por lei. Determinado peso do metal nobre, por exemplo, 1 onça de ouro, é oficialmente dividido em partes
alíquotas, que recebem nomes de batismo legais como libra, táler etc. Tal parte alíquota, que funciona agora como a verdadeira unidade de
medida do dinheiro, é dividida em outras partes alíquotas com nomes de batismo legais, como xelim, pêni etc. 151 Agora como antes, deter-minados
pesos metálicos permanecem como padrão do dinheiro metá-lico. O que mudou foi a divisão e a denominação.
Os preços, ou as quantidades de ouro, em que se transformam idealmente os valores reais das mercadorias, são expressos agora nas
denominações monetárias ou nas denominações de conta do padrão ouro legalmente válidos. Portanto, em lugar de dizer que o quarter de
trigo é igual a 1 onça de ouro, diríamos, na Inglaterra, que é igual a 3 libras esterlinas, 17 xelins e 10 1/ 2 pence. As mercadorias comuni-cam-
se mutuamente, assim, em suas denominações monetárias, quanto valem e o dinheiro serve de dinheiro de conta sempre que se trata de
fixar uma coisa como valor e, portanto, em forma dinheiro. 152


OS ECONOMISTAS


224
propriedade comum e produzia tudo o que era necessário à vida. A esse estado perfeito seguiu, porém, uma piora gradual do mundo, representada como idade da prata,
idade do
bronze, idade dos heróis e idade do ferro. Esta última época era caracterizada por trabalho penoso e solo infecundo; a vida era cheia de injustiça, violência e homicídio.
— A lenda
das cinco idades é retomada novamente nas obras do épico grego Hesíodo e, posteriormente, nas do poeta lírico romano Ovídio. (N. da Ed. Alemã.)
149 Nota à 2ª edição. Assim, a libra inglesa significa menos de 1/ 3 de seu peso original, a libra escocesa antes da Union * apenas 1/ 36, a libra francesa 1/ 74,
o maravedi espanhol menos
de 1/ 1 000, o real português uma proporção ainda muito menor. * A união entre Inglaterra e Escócia, que se deu em 1707, ligou a Escócia definitivamente
à Inglaterra. O Parlamento escocês foi dissolvido e todas as barreiras econômicas entre os dois países removidas. (N. da Ed. Alemã.)
150 Nota à 2ª edição. As moedas cujas denominações hoje são apenas ideais, são em todas as nações as mais antigas; outrora foram todas reais, e justamente porque
foram reais, cal-culava-
se com elas." (GALIANI. Della Moneta. Op. cit., p. 153.) 151 Nota à 2ª edição. O sr. David Urquhart observa, em suas Familiar Words, sobre a mons-truosidade
(!) de que hoje em dia 1 libra (£ St.), a unidade do padrão monetário inglês, é aproximadamente igual a 1/ 4 de onça de ouro: "Isso é falsificação de uma medida
e não
fixação de um padrão". [p. 105.] Ele vê nessa "falsa denominação" do peso do ouro, como em tudo mais, a mão falsificadora da civilização.
152 Nota à 2ª edição. Quando se perguntou a Anacharsis para que os helenos precisavam de
212#
A denominação de uma coisa é totalmente extrínseca à sua na-tureza. Eu não sei nada sobre um homem sabendo que o seu nome é
Jacobus. Do mesmo modo desaparece nos nomes monetários libra, táler, franco, ducado etc. qualquer vestígio da relação de valor. A confusão
sobre o sentido secreto desses signos cabalísticos é tanto maior na medida em que as denominações monetárias expressam ao mesmo tem-po
o valor das mercadorias e partes alíquotas de um peso metálico, do padrão monetário. 153 Por outro lado, é necessário que o valor, em
contraste com os coloridos corpos do mundo das mercadorias, evolua para essa forma reificada sem sentido próprio, mas também simples-mente
social. 154 O preço é a denominação monetária do trabalho objetivado na
mercadoria. Por isso, a equivalência da mercadoria e do quantum de dinheiro, cuja denominação é o preço dela, é uma tautologia, 155 como
a expressão relativa de valor de uma mercadoria por si é sempre a
expressão da equivalência de duas mercadorias. Mas se o preço como expoente da grandeza de valor da mercadoria é expoente de sua relação


de troca com dinheiro, não se segue, ao contrário, que o expoente de sua relação de troca com dinheiro seja necessariamente o expoente de
sua grandeza de valor. Suponhamos que o trabalho socialmente ne-cessário de igual grandeza represente-se em 1 quarter de trigo e em
2 libras esterlinas (cerca de 1/ 2 onça de ouro). As 2 libras esterlinas são a expressão monetária da grandeza de valor do quarter de trigo
ou seu preço. Se as circunstâncias permitirem sua cotação a 3 libras esterlinas ou forçarem sua cotação a 1 libra esterlina, então como ex-


MARX


225
dinheiro, respondeu ele: para fazer contas." (ATHEN[ AEUS]. Deipn. Livro Quarto, 49, v. 2, p. 120, ed. Schweighaeuser, 1802.)
153 Nota à 2ª edição. "Como o ouro, como padrão dos preços, aparece com denominações de conta iguais às dos preços das mercadorias, de forma que, por exemplo, 1
onça de ouro
tanto quanto o valor de 1 tonelada de ferro é expressa em 3 libras esterlinas, 17 xelins e 10 1/ 2 pence, essas suas denominações de conta foram designadas como
o seu preço mo-netário.
Surgiu, por isso, essa estranha concepção de que o ouro (respectivamente a prata) seria avaliado em seu próprio material e, em contraste com todas as outras mercadorias,
receberia do Estado um preço fixo. Confundiu-se a fixação dessas denominações de conta de determinados pesos de ouro com a fixação do valor desses pesos." (MARX,
Karl. Op. cit., p. 52.)
154 Ver "Teorias da Unidade de Medida do Dinheiro". In: Zur Kritik der Pol. Oekon. etc. p. 53 et seqs. As fantasias sobre o aumento ou a diminuição do "preço da
moeda", que consistem
em que as denominações monetárias legais de pesos legalmente fixados de ouro ou prata sejam transferidas, por parte do Estado, para pesos maiores ou menores, e assim
passar
a cunhar 1/ 4 de onça de ouro, em 40 xelins em vez de em 20 — essas fantasias, na medida em que não objetivem operações financeiras inábeis contra credores públicos
ou privados,
mas sim "curas milagrosas" econômicas, já foram tratadas tão exaustivamente por Petty em Quantulumcumque Concerning Money. To the Lorde Marquis of Halifax, 1682,
que seus
sucessores imediatos, Sir Dudley North e John Locke, para não falar nos posteriores, pu-deram apenas vulgarizá-lo. "Se a riqueza de uma nação", diz ele, entre outras
coisas, "pudesse
ser decuplicada por meio de um decreto, seria de estranhar que nossos governos não tivessem já há muito tempo promulgado tais decretos." (Op. cit., p. 36.)
155 "Ou então deve-se reconhecer que 1 milhão em dinheiro tem mais valor que igual valor em mercadorias" (LETROSNE, Op. cit., p. 919), portanto, "que um valor vale
mais que
outro valor igual."
213#
pressão da grandeza de valor do trigo 1 libra esterlina e 3 libras es-terlinas são ou pequenas ou grandes demais, mas mesmo assim elas
são preços do mesmo, pois são, primeiro, sua forma valor, dinheiro, e segundo, expoentes de sua relação de troca com dinheiro. Com condições
de produção constantes ou força produtiva do trabalho constante, deve-se despender para a reprodução de 1 quarter de trigo, tanto antes
como depois, a mesma quantidade de tempo social de trabalho. Essa circunstância não depende da vontade do produtor do trigo nem da de
outros possuidores de mercadorias. A grandeza de valor da mercadoria expressa, assim, uma relação necessária imanente a seu processo de
formação com o tempo de trabalho social. Com a transformação da grandeza de valor em preço, essa relação necessária aparece como re-lação
de troca de uma mercadoria com a mercadoria monetária, que existe fora dela. Mas nessa relação pode expressar-se tanto a grandeza
de valor da mercadoria como o mais ou o menos em que, sob dadas circunstâncias, ela é alienável. A possibilidade de uma incongruência
quantitativa entre o preço e a grandeza de valor ou da divergência entre o preço e a grandeza de valor é, portanto, inerente à própria
forma preço. Isso não é um defeito dessa forma, mas torna-a, ao contrário, a forma adequada a um modo de produção em que a regra somente pode
impor-se como lei cega da média à falta de qualquer regra. A forma preço, porém, não só admite a possibilidade de incon-gruência
quantitativa entre grandeza de valor e preço, isto é, entre a grandeza de valor e sua própria expressão monetária, mas pode en-cerrar
uma contradição qualitativa, de modo que o preço deixa de todo de ser expressão de valor, embora dinheiro seja apenas a forma valor
das mercadorias. Coisas que, em si e para si, não são mercadorias, como por exemplo consciência, honra etc., podem ser postas à venda
por dinheiro pelos seus possuidores e assim receber, por meio de seu preço, a forma mercadoria. Por isso, uma coisa pode, formalmente, ter
um preço, sem ter um valor. A expressão de preço torna-se aqui ima-ginária, como certas grandezas da Matemática. Por outro lado, a forma
imaginária de preço, como, por exemplo, o preço da terra não cultivada, que não tem valor, pois nela não está objetivado trabalho humano,
pode encerrar uma relação real de valor ou uma relação derivada dela. Como a forma relativa de valor em geral, o preço expressa o
valor de uma mercadoria, por exemplo, de 1 tonelada de ferro, pelo fato de que certo quantum do equivalente, por exemplo, 1 onça de
ouro, seja diretamente trocável por ferro, mas de modo algum o con-trário, que o ferro, por sua parte, seja diretamente trocável por ouro.
Portanto, para exercer praticamente a ação de valor de troca, a mer-cadoria tem de desfazer-se de seu corpo natural, transformar-se de
ouro imaginário em ouro real, ainda que essa transubstanciação lhe seja mais "árdua" do que ao "conceito" hegeliano a transição da ne-cessidade
para a liberdade, ou a uma lagosta o romper de sua casca,


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226
214#
ou ao Padre da Igreja, São Jerônimo, o despojar-se do velho Adão. 156 Além de sua forma real, por exemplo, ferro, a mercadoria pode possuir,
no preço, forma ideal de valor ou forma imaginária de ouro, mas ela não pode ser, ao mesmo tempo, realmente ferro e realmente ouro. Para
dar-lhe um preço, basta equipará-la a ouro imaginário. A fim de prestar a seu possuidor o serviço de equivalente geral, ela tem de ser substituída
por ouro. Se o possuidor do ferro confrontar-se com o possuidor de uma mercadoria mundana e o remeter ao preço do ferro, como forma
de dinheiro, o mundano responderia como no céu, São Pedro ao Dante, que lhe recita a fórmula da fé: 157


"Assai bene è trascorsa D'esta moneta già la lega e'l peso,
Ma dimmi se tu l'hai nella tua borsa." 158
A forma preço implica a alienabilidade das mercadorias contra dinheiro e a necessidade dessa alienação. Por outro lado, ouro funciona


somente como medida ideal de valor, porque já está circulando no processo de troca, como mercadoria monetária. Na medida ideal dos
valores espreita, por isso, o dinheiro sonante.
2. Meio de circulação


a) A metamorfose das mercadorias
Viu-se que o processo de troca das mercadorias encerra relações contraditórias e mutuamente exclusivas. O desenvolvimento da mer-cadoria


não suprime essas contradições, mas gera a forma dentro da qual elas podem mover-se. Esse é, em geral, o método com o qual
contradições reais se resolvem. É uma contradição, por exemplo, que um corpo caia constantemente em outro e, com a mesma constância,
fuja dele. A elipse é uma das formas de movimento em que essa con-tradição tanto se realiza como se resolve.
Na medida em que o processo de troca transfira mercadorias da mão em que elas são não-valores de uso para a mão em que elas são
valores de uso, ele é metabolismo social. O produto de uma modalidade útil de trabalho substitui o da outra. Uma vez tendo alcançado o lugar


MARX


227
156 Se São Jerônimo, em sua juventude, teve de lutar muito contra a carne material, como o demonstra sua luta no deserto com as imagens de lindas mulheres, assim,
na velhice, com
a carne espiritual. "Eu acreditei", diz ele, "estar em espírito diante do juiz do mundo." "Quem és tu?", perguntou uma voz. "Eu sou um cristão." "Tu mentes", trovejou
o juiz do
mundo. "Tu és apenas um ciceroniano." * * Marx cita aqui São Jerônimo, "Epístola a Eustóquio — sobre a conservação da virgindade".
(N. da Ed. Alemã.) 157 DANTE. A Divina Comédia. "O Paraíso". Canto XXIV. (N. da Ed. Alemã.)
158 "Cuidadosamente examinados Já estão a lei e o peso dessa moeda.
Mas, dize-me, tens dela em tua bolsa?" (N. dos T.)
215#
em que serve de valor de uso, a mercadoria cai da esfera de intercâmbio das mercadorias na esfera do consumo. Apenas a primeira é que nos
interessa aqui. Temos, por isso, de observar o processo inteiro segundo o aspecto formal, portanto somente a mudança de forma ou a meta-morfose
das mercadorias, a qual media o metabolismo social. A interpretação inteiramente defeituosa dessa mudança de forma,
deixando de lado a falta de clareza sobre o próprio conceito do valor, é devida à circunstância de que cada mudança de forma de uma mer-cadoria
realiza-se na troca de duas mercadorias, uma mercadoria co-mum e a mercadoria monetária. Atendo-se somente a esse momento
material, o intercâmbio de mercadoria por ouro, deixa-se de ver o que deve ser visto, isto é, o que ocorre com a forma. Não se percebe que
o ouro, como simples mercadoria, não é dinheiro e que as outras mer-cadorias em seus preços se relacionam a si mesmas com ouro, como
sua própria figura monetária. A princípio, as mercadorias entram no processo de intercâmbio
sem serem douradas, nem açucaradas, da forma que chegam ao mundo. Esse processo produz uma duplicação da mercadoria em mercadoria e
dinheiro, uma antítese externa, dentro da qual elas representam sua antítese imanente entre valor de uso e valor. Nessa antítese, as mer-cadorias
confrontam-se, como valores de uso, com o dinheiro, como valor de troca. Por outro lado, ambos os lados da antítese são merca-dorias,
portanto, unidades de valor de uso e valor. Mas essa unidade de diferenças se representa inversamente em cada um dos dois pólos,
e por isso representa, ao mesmo tempo, a correlação entre eles. A mercadoria é realmente valor de uso, a sua existência como valor apa-rece
apenas idealmente no preço, que a relaciona com o ouro, situado no outro pólo, como sua figura real de valor. Ao contrário, o material
ouro somente funciona como materialização do valor, dinheiro. Por isso, é realmente valor de troca. Seu valor de uso se apresenta apenas ideal-mente
na série das expressões relativas de valor em que se relaciona com as mercadorias situadas de outro lado, como o círculo de suas
figuras de uso reais. Essas formas antitéticas das mercadorias são os movimentos reais de seu processo de intercâmbio.
Acompanhemos agora um possuidor qualquer de mercadorias, por exemplo, nosso velho conhecido tecelão de linho, à cena do processo
de intercâmbio, ao mercado. Sua mercadoria, 20 varas de linho, tem preço determinado. Seu preço é 2 libras esterlinas. Ele a troca por 2
libras esterlinas e, homem de velha cepa, troca as 2 libras esterlinas, por sua vez, por uma Bíblia familiar do mesmo preço. O linho, para
ele apenas mercadoria, portador de valor, é alienado por ouro, sua figura de valor; e dessa figura volta a ser alienado por outra mercadoria,
a Bíblia, que, porém, como objeto de uso, deve ir para a casa do tecelão e lá satisfazer às necessidades de edificação. O processo de intercâmbio
da mercadoria opera-se, portanto, por meio de duas metamorfoses opos-


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228
216#
tas e reciprocamente complementares — transformação da mercadoria em dinheiro e sua retransformação de dinheiro em mercadoria. 159 Os
momentos da metamorfose da mercadoria são, ao mesmo tempo, tran-sações do possuidor de mercadoria — venda, intercâmbio da mercadoria
por dinheiro; compra, intercâmbio do dinheiro por mercadoria e unidade de ambos os atos: vender, para comprar.
Contemplando agora o resultado final da transação, o tecelão de linho possui uma Bíblia, em vez de linho, em vez de sua mercadoria
original outra do mesmo valor, mas de utilidade diferente. Do mesmo modo, ele se apropria de seus outros meios de subsistência e de pro-dução.
De seu ponto de vista, todo o processo somente media a troca de seu produto de trabalho por produto do trabalho alheio, o intercâmbio
de produtos. O processo de intercâmbio da mercadoria se completa, portanto,
na seguinte mudança de forma:
Mercadoria — Dinheiro — Mercadoria M — D — M


Segundo seu conteúdo material, o movimento é M — M, troca de mercadoria por mercadoria, metabolismo do trabalho social, em cujo
resultado o próprio processo se extingue. M — D. Primeira metamorfose da mercadoria ou venda. O salto
do valor da mercadoria, do corpo da mercadoria para o corpo do ouro, é, como o designei em outro lugar, o salto mortal da mercadoria. Caso
ele falhe, não é a mercadoria que é depenada, mas sim o possuidor dela. A divisão social do trabalho torna tão unilateral seu trabalho
quanto multilaterais suas necessidades. Por isso mesmo, seu produto serve-lhe apenas de valor de troca. Mas ele somente obtém a forma
equivalente geral, socialmente válida, como dinheiro e o dinheiro en-contra-se em bolso alheio. Para tirá-lo de lá, a mercadoria tem de ser,
sobretudo, valor de uso para o possuidor do dinheiro, que o trabalho despendido nela, portanto, tenha sido despendido em forma socialmente
útil ou que se confirme como elo da divisão social do trabalho. Mas a divisão do trabalho é um organismo de produção que se desenvolveu
naturalmente e cujos fios se teceram e continuam a tecer-se às costas dos produtores de mercadorias. Talvez a mercadoria seja produto de
uma nova modalidade de trabalho, que pretende satisfazer a uma ne-cessidade recentemente surgida ou que pretende ainda provocar por
iniciativa própria uma necessidade. Função que era ainda ontem uma entre as muitas funções do mesmo produtor de mercadorias, uma ope-ração
particular se desprende hoje desse conjunto, torna-se autônoma


MARX


229
159 "Do (...) fogo, entretanto, provém tudo, disse Heráclito, e de tudo, fogo, como do ouro, os bens e dos bens, ouro." (LASSALLE, F. Die Philosophie Herakleitos
des Dunklen. Berlim,
1858. Livro Primeiro. p. 222.) Nota de Lassalle a essa passagem, p. 224, nº 3, declara o dinheiro, incorretamente, como mero signo de valor.
217#
e, por isso, envia seu produto parcial como mercadoria independente ao mercado. As circunstâncias podem estar maduras ou imaturas para
esse processo de separação. O produto satisfaz hoje a uma necessidade social. Amanhã será, talvez, deslocado parcial ou totalmente, de seu
lugar, por uma espécie semelhante de produto. Mesmo que o trabalho, como o de nosso tecelão de linho, seja um elo patenteado da divisão
social de trabalho, não está com isso garantido, de modo algum, o valor de uso precisamente de suas 20 varas de linho. Se a necessidade
social de linho, e ela tem sua medida como tudo mais, estiver saturada por tecelões rivais, o produto de nosso amigo torna-se excedente, su-pérfluo
e com isso inútil. A cavalo dado não se olha o dente, mas ele não vai ao mercado para distribuir presentes. Suponhamos, porém,
que o valor de uso de seu produto se confirme e o dinheiro seja portanto atraído pela mercadoria. Mas agora se pergunta: Quanto dinheiro? A
resposta já está de certo modo antecipada no preço da mercadoria, no expoente de sua grandeza de valor. Deixamos de lado eventuais erros
de cálculo puramente subjetivos do possuidor de mercadorias, que são logo corrigidos objetivamente no mercado. Supomos que tenha despen-dido
em seu produto apenas a média socialmente necessária de tempo de trabalho. O preço da mercadoria é, portanto, apenas o nome mo-netário
do quantum de trabalho social objetivado nela. Mas, sem pedir licença e às costas de nosso tecelão, as condições já há muito estabelecidas,
de produção da tecelagem de linho, entraram em efervescência. O que ontem, sem dúvida, era tempo de trabalho socialmente necessário para
a produção de 1 vara de linho, hoje deixa de o ser, conforme o possuidor de dinheiro se empenhe em demonstrar com as cotações de preços de
diversos competidores de nosso amigo. Para sua infelicidade, há muitos tecelões no mundo. Admitamos, finalmente, que cada peça de linho exis-tente
no mercado contenha apenas o tempo de trabalho socialmente ne-cessário. Apesar disso, a soma total dessas peças pode conter tempo de
trabalho supérfluo. Se o estômago do mercado não pode absorver o quan-tum total de linho, ao preço de 2 xelins por vara, isso comprova que foi
despendida parte excessiva do tempo de trabalho social total em forma de tecelagem de linho. O efeito é o mesmo que se cada tecelão individual
de linho tivesse utilizado em seu produto individual mais do que o tempo de trabalho socialmente necessário. Aqui vale o ditado: Presos juntos,
juntos enforcados. 160 Todo o linho existente no mercado vale como um único artigo comercial, cada peça apenas como parte alíquota. E, de fato,
o valor de cada vara individual é somente a materialização do mesmo quantum, socialmente determinado, de trabalho humano homogêneo. 161


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160 Mitgefangen, mitgehangen. Provérbio alemão. (N. dos T.) 161 Em carta de 28 de novembro de 1878, dirigida a N. F. Damelson, o tradutor de O Capital
para o russo, Marx altera o último período nos seguintes termos: "De fato, o valor de cada vara individual não é senão a materialização de uma parte da quantidade
de trabalho
social gasta na quantidade total de varas". A mesma correção também se encontra no exemplar pessoal de Marx, na segunda edição alemã do volume I de O Capital, mas
não
anotada de próprio punho. (N. da Ed. Alemã.)
218#
Como se vê, a mercadoria ama o dinheiro, mas the course of true love never does run smooth. 162 Tão naturalmente aleatória como a quali-tativa
é a articulação quantitativa do organismo social de produção, que representa seus membra disjecta 163 no sistema da divisão do trabalho.
Nossos possuidores de mercadorias descobrem por isso que a mesma di-visão de trabalho, que os torna produtores privados independentes, torna
independentes deles mesmos o processo social de produção e suas relações dentro desse processo, e que a independência recíproca das pessoas se
complementa num sistema de dependência reificada universal. A divisão do trabalho transforma o produto do trabalho em mer-cadoria,
tornando, com isso, necessária sua transformação em dinheiro. Ao mesmo tempo, ela torna aleatório o sucesso dessa transubstanciação.
Mas temos de observar aqui o fenômeno em sua pureza, pressupondo assim seu transcurso normal. Quando, de resto, transcorre de todo,
não sendo, portanto, a mercadoria invendável, realiza-se sempre sua mudança de forma, ainda que nessa mudança de forma substância —
grandeza de valor — anormalmente possa haver prejuízo ou acréscimo. A um dos possuidores de mercadoria o ouro substitui sua mer-cadoria
e ao outro a mercadoria substitui seu ouro. O fenômeno evidente é a mudança de mãos ou de lugar de mercadoria e dinheiro, de 20
varas de linho e 2 libras esterlinas, isto é, seu intercâmbio. Mas por que coisa se troca a mercadoria? Por sua própria figura geral de valor.
E por que coisa o ouro? Por uma figura particular de seu valor de uso. Por que o ouro defronta-se com o linho como dinheiro? Porque o seu
preço, 2 libras esterlinas ou sua denominação monetária, já o refere ao ouro como dinheiro. A alienação de sua forma original de mercadoria
se realiza pela alienação da mercadoria, isto é, no momento em que seu valor de uso atrai realmente o ouro que em seu preço era apenas
imaginário. A realização do preço ou da forma valor meramente ideal da mercadoria é, por isso, simultânea e inversamente, a realização do
valor de uso somente ideal do dinheiro; a transformação de mercadoria em dinheiro é, ao mesmo tempo, transformação de dinheiro em mer-cadoria.
O processo uno é processo bilateral, do pólo do possuidor de mercadorias, venda, do pólo contrário, do possuidor de dinheiro, compra.
Ou venda é compra, M — D ao mesmo tempo D — M. 164 Não conhe-cemos, até agora, nenhuma outra relação econômica dos homens, além
da de possuidores de mercadorias, uma relação em que eles somente


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162 "O curso do verdadeiro amor nunca é suave." SHAKESPEARE. A Midsummer Night's Dream. Ato I. Cena I. (N. da Ed. Alemã.)
163 Membros dispersos. (N. dos T.) 164 "Toda venda é compra" (Dr. QUESNAY, "Dialogues sur le Commerce et les Travaux des
Artisans." In: Physiocrates. Ed. Daire, I Partie, Paris, 1846, p. 170), ou como Quesnay, em suas Maximes Générales, diz: "Vender é comprar". *
* Esse citado de Quesnay encontra-se na obra de Dupont de Nemours, "Maximes du Docteur
Quesnay, ou résumé de ses principes d'économie sociale". In: Physiocrates (...) par Eugène Daire. Parte Primeira. Paris, 1846. p. 392. (N. da Ed. Alemã.)
219#
se apropriam do produto do trabalho alheio, alienando o próprio. Por-tanto, um possuidor de mercadorias apenas pode defrontar-se com o
outro, como possuidor de dinheiro porque seu produto possui, por na-tureza, a forma monetária, portanto é monetário, ouro etc., ou porque
a sua própria mercadoria já mudou de pele e desfez-se de sua forma de uso original. Para funcionar como dinheiro, o ouro evidentemente
tem de entrar no mercado por algum ponto. Esse ponto se situa em sua fonte de produção, onde se troca como produto direto de trabalho
por outro produto de trabalho do mesmo valor. Mas, a partir desse momento, representa constantemente preços realizados de mercado-rias.
165 Exceto no momento da troca de ouro por mercadoria, em sua
fonte de produção, o ouro é na mão de cada possuidor de mercadorias a figura alienada de sua mercadoria alienada, produto da venda ou


da primeira metamorfose da mercadoria, M — D. 166 O ouro se tornou dinheiro ideal ou medida de valor porque todas as mercadorias medem
nele seus valores e, assim, o faziam a contrapartida imaginária de sua figura de uso, a sua figura de valor. Torna-se dinheiro real porque as
mercadorias, pela sua alienação universal, fazem dele sua figura de uso realmente alienada ou transformada e, por isso, sua figura real
de valor. Em sua figura de valor, a mercadoria desfaz-se de qualquer vestígio de seu valor de uso natural e do trabalho útil particular ao
qual deve sua origem, para se metamorfosear na materialização social uniforme de trabalho humano indistinto. Não se reconhece, portanto,
no dinheiro, a espécie de mercadoria nele transformada. Em sua forma monetária, uma parece exatamente igual à outra. Dinheiro, por isso,
pode ser lixo, embora lixo não seja dinheiro. Suporemos que as duas moedas de ouro pelas quais o nosso tecelão de linho aliena sua mer-cadoria
sejam a figura transformada de 1 quarter de trigo. A venda do linho, M — D, é, ao mesmo tempo, sua compra, D — M. Mas, como
venda do linho, inicia esse processo um movimento que termina com sua contrapartida, com a compra da Bíblia; como compra do linho ele
termina um movimento que começou com seu contrário, com a venda do trigo. M — D (linho — dinheiro), essa primeira fase de M — D —
M (linho — dinheiro — Bíblia), é, ao mesmo tempo, D — M (dinheiro — linho), a última fase de outro movimento M — D — M (trigo —
dinheiro — linho). A primeira metamorfose de uma mercadoria, sua transformação da forma mercadoria em dinheiro, é sempre, simulta-neamente,
a segunda metamorfose inversa de outra mercadoria, sua retransformação da forma dinheiro em mercadoria. 167


OS ECONOMISTAS


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165 "O preço de uma mercadoria pode apenas ser pago com o preço de outra mercadoria." (RIVIÈRE, Mercier de la. "L'Ordre Naturel et Essentiel des Sociétés Politiques."
In: Phy-siocrates.
Ed. Daire, Parte Segunda. p. 554.) 166 "Para ter esse dinheiro, é preciso ter vendido." (Op. cit., p. 543.)
167 Constitui exceção, como já foi observado anteriormente, o produtor de ouro (ou prata), que intercambia seu produto sem o ter vendido antes.
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D — M. Metamorfose segunda ou final da mercadoria: compra. Por ser a figura alienada de todas as outras mercadorias ou o produto
da sua alienação geral, é o dinheiro a mercadoria absolutamente alie-nável. Ele lê todos os preços ao revés e se reflete, assim, em todos os
corpos das mercadorias como o material ofertado à sua própria con-versão em mercadoria. Ao mesmo tempo, os preços, os olhos amorosos
com que as mercadorias piscam ao dinheiro, mostram o limite de sua capacidade de transformação, isto é, sua própria quantidade. Como a
mercadoria desaparece ao converter-se em dinheiro, não se reconhece no dinheiro como chegou às mãos de seu possuidor ou o que transfor-mou-
se nele. Non olet, 168 qualquer que seja sua origem. Se por um lado representa mercadoria vendida, por outro representa mercadorias
compráveis. 169 D — M, a compra, é ao mesmo tempo venda, M — D; a última
metamorfose de uma mercadoria é, por isso, simultaneamente, a pri-meira metamorfose de outra mercadoria. Para nosso tecelão de linho,
o curso da vida de sua mercadoria acaba com a Bíblia, em que ele reconverteu as 2 libras esterlinas. Mas o vendedor da Bíblia converte
as 2 libras esterlinas ganhadas do tecelão de linho em aguardente. D — M, a fase final de M — D — M (linho — dinheiro — Bíblia), é, ao
mesmo tempo, M — D, a primeira fase de M — D — M (Bíblia — dinheiro — aguardente). Como produtor de mercadorias fornece apenas
um produto unilateral, ele o vende freqüentemente em grandes quan-tidades, enquanto suas necessidades multilaterais o obrigam a frag-mentar
constantemente o preço realizado ou a soma de dinheiro rece-bida em numerosas compras. Uma venda desemboca, por isso, em mui-tas
compras de várias mercadorias. A metamorfose final de uma mer-cadoria constitui, assim, uma soma de primeiras metamorfoses de ou-tras
mercadorias. Observando, agora, a metamorfose total de uma mercadoria, por
exemplo, do linho, vemos, em primeiro lugar, que consiste em dois movimentos que se opõem e se completam, M — D e D — M. Essas
duas transformações contrapostas da mercadoria operam em dois pro-cessos sociais contrapostos do possuidor de mercadorias e se refletem
em dois caracteres econômicos contrapostos do mesmo. Como agente da venda ele se torna vendedor, como agente da compra, comprador.
Mas, como em cada transformação da mercadoria existem, ao mesmo tempo, as duas formas dela, forma mercadoria e forma dinheiro, apenas
em pólos contrapostos, assim o mesmo possuidor de mercadorias como vendedor se defronta com outro comprador e como comprador com outro


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168 "Não fede", disse o imperador romano Vespasiano (69-79) sobre o dinheiro quando seu filho o repreendeu por lançar impostos sobre as retretas públicas. (N. da
Ed. Alemã.)
169 "Se o dinheiro em nossas mãos representa as coisas que podemos desejar comprar, representa também as coisas que vendemos por esse dinheiro." (RIVIÈRE, Mercier
de la. Op. cit., p. 586.)
221#
vendedor. Como a mesma mercadoria percorre as duas transformações inversas sucessivamente — de mercadoria se torna dinheiro e de di-nheiro
mercadoria — assim o mesmo possuidor de mercadorias troca os papéis de vendedor e comprador. Esses não são, portanto, caracteres
fixos, mas que mudam constantemente de pessoa dentro da circulação de mercadorias.
A metamorfose global de uma mercadoria implica, em sua forma mais simples, quatro extremos e três personae dramatis. 170 Primeiro,
o dinheiro defronta-se à mercadoria como sua figura de valor, que no outro lado, no bolso alheio, possui realidade reificadamente contun-dente.
Assim, ao possuidor de mercadorias se defronta um possuidor de dinheiro. Tão logo a mercadoria se transforma em dinheiro, torna-se
este último a forma equivalente transitória dela, cujo valor ou conteúdo de uso existe desse lado, nos corpos das outras mercadorias. Como
ponto final de primeira transformação da mercadoria, o dinheiro é ao mesmo tempo ponto de partida da segunda. Assim, o vendedor do pri-meiro
ato torna-se comprador, no segundo, onde com ele se defronta um terceiro possuidor de mercadorias, como vendedor. 171
As duas fases inversas da metamorfose das mercadorias formam um ciclo: forma mercadoria, abandono da forma mercadoria, volta à
forma mercadoria. Aqui, no entanto, a própria mercadoria é determi-nada antiteticamente. Ela é não-valor de uso no ponto de partida,
valor de uso no ponto final para seu possuidor. Assim, o dinheiro apa-rece, primeiro, como sólido cristal de valor, no qual a mercadoria se
transforma, para diluir-se depois como simples forma equivalente dela. As duas metamorfoses que formam o ciclo de uma mercadoria
constituem, ao mesmo tempo, as metamorfoses parciais inversas de duas outras mercadorias. A mesma mercadoria (linho) inicia a série
de suas próprias metamorfoses e termina a metamorfose total de outra mercadoria (trigo). Durante sua primeira transformação, a venda, ela
desempenha esses dois papéis em pessoa. Como crisálida de ouro, ao contrário, forma em que ela cumpre o destino de toda a carne, ela
completa, ao mesmo tempo, a primeira metamorfose de uma terceira mercadoria. O ciclo descrito pela série de metamorfoses de cada mer-cadoria
entrelaça-se portanto, inextricavelmente, com os ciclos de outras mercadorias. O processo em seu conjunto apresenta-se como circulação
de mercadorias. A circulação de mercadorias distingue-se não só formalmente,
mas também essencialmente, do intercâmbio direto de produtos. Basta lançar um olhar retrospectivo ao percurso. O tecelão de linho trocou,
sem dúvida, linho por Bíblia, mercadoria própria por alheia. Mas esse


OS ECONOMISTAS


234
170 Pessoas atuantes. (N. dos T.) 171 "Existem, portanto, quatro pontos finais e três contratantes, dos quais um intervém duas
vezes." (LE TROSNE. Op. cit., p. 909.)
222#
fenômeno é verdadeiro somente para ele. O vendedor de Bíblias, que prefere o calor ao frio, não pensou trocar a Bíblia por linho, assim
como o tecelão de linho não sabe que seu linho foi trocado por trigo etc. A mercadoria de B substitui a mercadoria de A, mas A e B não
trocam suas mercadorias reciprocamente. Pode, de fato, ocorrer que A e B comprem reciprocamente um do outro, mas tal relação particular
não é condicionada, de modo algum, pelas relações gerais da circulação de mercadorias. Por um lado, vê-se aqui como o intercâmbio de mer-cadorias
rompe as limitações individuais e locais do intercâmbio direto de produtos e desenvolve o metabolismo do trabalho humano. Por outro
lado, desenvolve-se todo um círculo de vínculos naturais de caráter social, incontroláveis pelas pessoas atuantes. O tecelão somente pode
vender linho porque o camponês já vendeu trigo, o cabeça quente apenas pode vender a Bíblia porque o tecelão já vendeu linho, o destilador só
pode vender aguardente porque o outro já vendeu a água da vida eterna etc.
Por isso, o processo de circulação não se extingue, como o inter-câmbio direto de produtos, ao mudarem de lugar ou de mãos os valores
de uso. O dinheiro não desaparece, ao sair, finalmente, da série de metamorfose de uma mercadoria. Ele sempre se deposita em algum
ponto de circulação abandonado pelas mercadorias. Por exemplo, na metamorfose total do linho: linho — dinheiro — Bíblia, primeiro sai
o linho da circulação e o dinheiro ocupa seu lugar, depois sai a Bíblia e o dinheiro toma seu lugar. A substituição de mercadoria por merca-doria
deixa, ao mesmo tempo, a mercadoria monetária nas mãos de um terceiro. 172 A circulação exsuda, constantemente, dinheiro.
Nada pode ser mais ridículo que o dogma de que a circulação de mercadorias condiciona um equilíbrio necessário entre as vendas e
compras, porque cada venda é compra e vice-versa. Se isso significa que o número das vendas efetivamente realizadas é igual ao mesmo
número de compras é uma trivial tautologia. Mas a intenção é provar que o vendedor conduz seu próprio comprador ao mercado. Venda e
compra são um ato idêntico, ao constituir uma relação recíproca entre duas pessoas polarmente contrapostas, o possuidor de mercadoria e o
possuidor de dinheiro. Enquanto ações da mesma pessoa, elas formam dois atos polarmente contrapostos. A identidade de venda e compra
implica, portanto, que se torna inútil a mercadoria que, jogada na retorta alquimista da circulação, não sai como dinheiro, não sendo
vendida pelo possuidor de mercadoria, portanto tampouco comprada pelo possuidor de dinheiro. Aquela identidade compreende, além disso,
que o processo, no caso de realizar-se, constitui um ponto de repouso, uma fase da vida da mercadoria, que pode durar mais ou menos tempo.


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235
172 Nota à 2ª edição. Apesar desse fenômeno ser tão evidente, não é notado pelos economistas políticos, na maioria das vezes, nomeadamente pelo livre-cambista vulgaris.
223#
Como a primeira metamorfose da mercadoria é, ao mesmo tempo, venda e compra, esse processo parcial é, simultaneamente, um processo au-tônomo.
O comprador tem a mercadoria, o vendedor o dinheiro, isto é, uma mercadoria que conserva uma forma apta para a circulação,
quer apareça mais cedo ou mais tarde de novo no mercado. Ninguém pode vender, sem que outro compre. Mas ninguém precisa comprar
imediatamente apenas por ter vendido. A circulação rompe as limita-ções temporais, locais e individuais do intercâmbio de produtos preci-samente
porque parte a identidade imediata que existe aqui entre a alienação do próprio produto de trabalho e a aquisição do alheio, na
antítese entre venda e compra. Que os processos, que se confrontam autonomamente, formem uma unidade interna, significa por outro lado
que a sua unidade interna se move em antíteses externas. Se a auto-nomização externa dos internamente não-autônomos por serem mu-tuamente
complementares se prolonga até certo ponto, a unidade se faz valer de forma violenta, por meio de uma — crise. A antítese,
imanente à mercadoria, entre valor de uso e valor, de trabalho privado, que ao mesmo tempo tem de representar-se como trabalho diretamente
social, de trabalho concreto particular, que ao mesmo tempo funciona apenas como trabalho geral abstrato, de personificação da coisa e rei-ficação
das pessoas — essa contradição imanente assume nas antíteses da metamorfose das mercadorias suas formas desenvolvidas de movimen-tos.
Essas formas encerram, por isso, a possibilidade, e somente a possi-bilidade, das crises. O desenvolvimento dessa possibilidade até que se
realize exige todo um conjunto de condições que do ponto de vista da circulação simples de mercadorias, ainda não existem, de modo algum. 173
Como mediador da circulação das mercadorias, o dinheiro assume a função do meio circulante.


b) O curso do dinheiro
A mudança de forma, por meio da qual o metabolismo dos pro-dutos do trabalho se realiza, M — D — M, exige que o mesmo valor,


como mercadoria, forme o ponto de partida do processo e retorne ao


OS ECONOMISTAS


236
173 Compare minhas observações sobre James Mill, Zur Kritik etc. p. 74-76. Dois pontos aqui são característicos para o método da apologia economística. Primeiro,
a identificação de
circulação das mercadorias e a troca direta dos produtos por meio da simples abstração de suas diferenças. Segundo, a tentativa de escamotear as contradições do
processo de
produção capitalista ao dissolver as relações de seus agentes de produção nas relações simples que se originam da circulação de mercadorias. Produção de mercadorias
e circulação
de mercadorias são, porém, fenômenos que pertencem aos mais diferentes modos de pro-dução, embora com extensão e alcance diferentes. Não se sabe, portanto, ainda
nada sobre
a differentia specifica * desses modos de produção e não se pode, assim, julgá-los, quando apenas as categorias abstratas da circulação de mercadorias que lhes são
comuns são
conhecidas. Em nenhuma outra ciência, além da Economia Política, predomina tanta pre-tensão fundada em vulgaridades elementares. Por exemplo, J.-B. Say se arroga
julgar as
crises porque ele sabe que a mercadoria é produto. * Diferença específica. (N. dos T.)
224#
mesmo ponto como mercadoria. Esse movimento das mercadorias é, portanto, um ciclo. Por outro lado, essa mesma forma exclui o ciclo do
dinheiro. Seu resultado é o distanciamento constante do dinheiro de seu ponto de partida e não o retorno a esse mesmo ponto. Enquanto
o vendedor mantiver consigo a figura transformada de sua mercadoria, o dinheiro, a mercadoria encontra-se na fase da primeira metamorfose
ou apenas percorreu a primeira metade de sua circulação. Se o processo, vender para comprar, estiver completado, então também o dinheiro
estará outra vez afastado das mãos de seu proprietário original. Se, entretanto, o tecelão de linho, depois que comprou a Bíblia, vender
novamente linho, o dinheiro também retornará às suas mãos. Porém, ele não retorna por meio da circulação das primeiras 20 varas de linho,
por meio da qual antes afastou-se das mãos do tecelão para as mãos do vendedor de Bíblias. Ele retorna apenas pela renovação ou repetição
do mesmo processo de circulação para nova mercadoria e termina tanto aqui como lá com o mesmo resultado. Essa forma de movimento dire-tamente
conferida ao dinheiro pela circulação das mercadorias é, por-tanto, seu afastamento constante do ponto de partida, seu percurso
das mãos de um possuidor de mercadoria para as de outro ou seu curso (currency, cours de la monnaie).
O curso do dinheiro mostra uma constante, monótona repetição do mesmo processo. A mercadoria permanece sempre ao lado do ven-dedor,
o dinheiro sempre ao lado do comprador, como meio de compra. Ele funciona como meio de compra ao realizar o preço da mercadoria.
Enquanto ele o realiza, transfere a mercadoria das mãos do vendedor para as do comprador, ao passo que ele, ao mesmo tempo, se afasta
das mãos do comprador para as do vendedor, para repetir o mesmo processo com outra mercadoria. Que essa forma unilateral do movi-mento
do dinheiro nasça do movimento de forma bilateral das merca-dorias é ocultado. A natureza da própria circulação das mercadorias
produz uma aparência contrária. A primeira metamorfose da merca-doria é visível não apenas como movimento do dinheiro, mas também
como seu próprio movimento, porém sua segunda metamorfose é apenas visível como movimento do dinheiro. Na primeira metade de sua cir-culação,
a mercadoria troca de lugar com o dinheiro. E com isso, sua forma de uso sai da circulação e entra para o consumo. 174 Sua figura
de valor ou larva do dinheiro coloca-se em seu lugar. A segunda metade de sua circulação, ela percorre não mais em sua própria pele natural,
mas sim em sua pele de ouro. A continuidade do movimento fica, com isso, totalmente ao lado do dinheiro, e o mesmo movimento, que para
a mercadoria encerra dois processos contrapostos, encerra como movi-


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174 Mesmo se a mercadoria é vendida repetidas vezes, um fenômeno que não existe ainda aqui para nós, ela sai com a última venda definitiva da esfera de circulação
para a de consumo,
para servir aqui de meio de subsistência ou de meio de produção.
225#
mento próprio do dinheiro sempre o mesmo processo, sua troca de posição, cada vez com outra mercadoria. O resultado da circulação, substituição
de uma mercadoria por outra mercadoria, aparece portanto intermediado não pela própria mudança de forma, porém pela função do dinheiro como
meio circulante, o qual circula as mercadorias em si mesmas inertes, transferindo-as das mãos nas quais elas são não-valores de uso para as
mãos nas quais elas são valores de uso, sempre em direção contrária ao seu próprio curso. O dinheiro afasta as mercadorias constantemente da
esfera de circulação, ao colocar-se continuamente em seus lugares na cir-culação e, com isso, distanciando-se de seu próprio ponto de partida. Em-bora
o movimento do dinheiro seja portanto apenas a expressão da cir-culação de mercadorias, a circulação de mercadorias aparece, ao contrário,
apenas como resultado do movimento do dinheiro. 175
Por outro lado, cabe ao dinheiro a função de meio circulante somente porque é ele o valor autonomizado das mercadorias. Por isso,


seu movimento como meio circulante é, de fato, apenas o próprio mo-vimento da forma delas. Este deve, portanto, refletir-se também sen-sivelmente
no curso do dinheiro. Assim, por exemplo, o linho trans-forma, primeiro, sua forma de mercadoria em sua forma de dinheiro.
O último extremo de sua primeira metamorfose M — D, a forma di-nheiro, torna-se então o primeiro extremo de sua última metamorfose,
D — M, sua reconversão à Bíblia. Cada uma, porém, dessas duas mudanças de forma realiza-se mediante uma troca entre mercadoria
e dinheiro, mediante mudança recíproca de suas posições. As mesmas moedas chegam às mãos do vendedor como figura alienada da merca-doria
e as deixam como figura absolutamente alienável da mercadoria. Elas mudam duas vezes de posição. A primeira metamorfose do linho
traz essas moedas para o bolso do tecelão, a segunda leva-as, de novo, para fora. Ambas as mudanças opostas de forma da mesma mercadoria
refletem-se, assim, na dupla mudança de posição do dinheiro, em di-reções opostas.
Se, no entanto, só têm lugar metamorfoses unilaterais de mer-cadorias, meras compras ou meras vendas, como se queira, o mesmo
dinheiro também só muda uma vez de lugar. Sua segunda mudança de posição expressa sempre a segunda metamorfose da mercadoria,
sua reconversão em dinheiro. Na repetição freqüente da troca de posição das mesmas moedas reflete-se não somente a série de metamorfoses
de uma única mercadoria, mas também o entrelaçamento das inume-ráveis metamorfoses do mundo das mercadorias, em geral. É facilmente
compreensível que tudo isso é válido apenas para a forma simples da circulação de mercadorias, aqui considerada.
Cada mercadoria, ao dar seu primeiro passo na circulação, à sua


OS ECONOMISTAS


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175 "Ele" (o dinheiro) "não tem nenhum outro movimento além daquele que lhe é dado por meio dos produtos." (LE TROSNE. Op. cit., p. 885.)
226#
primeira mudança de forma, cai fora da circulação, na qual sempre entra nova mercadoria. O dinheiro, ao contrário, como meio circulante,
mora constantemente na esfera da circulação e movimenta-se conti-nuamente nela. Surge portanto a pergunta, quanto dinheiro essa esfera
continuamente absorve. Num país, ocorrem todos os dias, simultaneamente e portanto
correndo paralelamente no espaço, numerosas metamorfoses unilate-rais de mercadorias, ou, em outras palavras, meras vendas por um
lado, meras compras por outro. Em seus preços as mercadorias já estão equiparadas a determinadas quantidades imaginárias de dinheiro.
Como a forma direta de circulação, aqui considerada, sempre confronta entre si mercadoria e dinheiro, de forma tangível, uma no pólo da
venda, o outro no pólo oposto da compra, o volume de meio circulante requerido para o processo de circulação do mundo das mercadorias já
está determinado pela soma dos preços das mercadorias. De fato, o dinheiro representa apenas de modo real a soma de ouro já expressa
idealmente na soma dos preços das mercadorias. A igualdade dessas somas entende-se, portanto, por si mesma. Sabemos, entretanto, que,
permanecendo iguais os valores das mercadorias, seus preços variam com o valor do próprio ouro (do material monetário), proporcionalmente
subindo, quando ele cai, e caindo quando ele sobe. Conforme a soma dos preços das mercadorias assim subir ou cair, deve o volume do
dinheiro circulante subir ou cair na mesma medida. A mudança no volume do meio circulante origina-se aqui, na verdade, do próprio di-nheiro,
porém não de sua função como meio circulante, mas sim de sua função como medida de valor. O preço das mercadorias muda,
primeiro, inversamente ao valor do dinheiro, e depois muda o volume do meio circulante diretamente com o preço das mercadorias. Sucederia
o mesmo fenômeno, por exemplo, se não caísse o valor do ouro, mas que a prata o substituísse como medida de valor ou se não subisse o
valor da prata, mas que o ouro a deslocasse da função de medida de valor. Em um caso deveria circular mais prata que anteriormente ouro,
no outro menos ouro que anteriormente prata. Em ambos os casos teria mudado o valor do material monetário, isto é, da mercadoria que
funciona como medida dos valores e, por conseguinte, a expressão em preço dos valores das mercadorias e, por isso, o volume do dinheiro
circulante, que serve à realização desses preços. Viu-se que a esfera de circulação das mercadorias tem um buraco através do qual o ouro
(prata, em suma, o material monetário) nela penetra como mercadoria de dado valor. Esse valor está pressuposto na função do dinheiro como
medida de valor, portanto, na determinação de preços. Se, então, por exemplo, o valor da própria medida de valor cai, isso aparece primeiro
na mudança de preço daquelas mercadorias, que são trocadas direta-mente, nas fontes da produção dos metais nobres pelos mesmos en-quanto
mercadorias. Especialmente em estágios menos desenvolvidos


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239
227#
da sociedade burguesa, grande parte das demais mercadorias continua durante longo tempo a ser avaliada pelo valor ultrapassado e agora
ilusório da medida de valor. Entretanto, uma mercadoria contagia a outra por meio de sua relação de valor à mesma, os preços em ouro
ou em prata das mercadorias se ajustam, progressivamente, às pro-porções determinadas pelos seus valores mesmos, até que por fim todos
os valores das mercadorias são fixados de acordo com o novo valor do metal monetário. Esse processo de ajustamento é acompanhado pelo
aumento contínuo dos metais preciosos, os quais afluem em substituição às mercadorias diretamente intercambiadas por eles. Na mesma me-dida,
portanto, em que a fixação ajustada dos preços das mercadorias se generaliza, ou em que seus valores são fixados segundo o novo valor
reduzido e até certo ponto continuando a se reduzir, do metal, já está disponível uma massa adicional necessária à sua realização. Uma ob-servação
unilateral dos fatos conseqüentes à descoberta das novas fon-tes de ouro e de prata induziu, no século XVII e notadamente, no
século XVIII, à conclusão errônea de que os preços das mercadorias ter-se-iam elevado porque mais ouro e prata funcionaram como meio
circulante. No que segue, o valor do ouro é pressuposto como dado, como ele, de fato, no momento da fixação dos preços, é dado.
Sob esse pressuposto, portanto, o volume do meio circulante é determinado pela soma dos preços das mercadorias a ser realizada.
Consideremos, além disso, o preço de cada espécie de mercadoria como dado; então a soma dos preços das mercadorias depende evidentemente
da massa de mercadorias em circulação. Não se necessita quebrar a cabeça para entender que, se 1 quarter de trigo custa 2 libras esterlinas,
100 quarters custam 200 libras esterlinas, 200 quarters, 400 libras esterlinas etc.; com a massa de trigo deve, portanto, crescer a massa
do dinheiro que, na realização da venda, troca de lugar com ele. Pressuposto o volume de mercadorias como dado, a massa do
dinheiro circulante oscila para cima e para baixo com as flutuações de preços das mercadorias. Ele sobe e cai, porque a soma dos preços
das mercadorias, em conseqüência da mudança dos preços das mesmas, cresce ou diminui. Para isso, não é, de nenhuma forma, necessário que
os preços de todas as mercadorias subam ou caiam, ao mesmo tempo. O aumento de preços de certo número de artigos líderes, em um caso,
ou a queda de seus preços, em outro, basta para que a soma de preços a ser realizada de todas as mercadorias em circulação aumente ou
diminua, e portanto para colocar mais ou menos dinheiro em circulação. Quer a mudança de preços das mercadorias reflita reais mudanças de
valores ou meras oscilações dos preços de mercado, o efeito sobre o volume do meio circulante permanece o mesmo.
Seja dado certo número de vendas ou metamorfoses parciais não relacionadas, simultâneas e, portanto, espacialmente paralelas, como,
por exemplo, de 1 quarter de trigo, 20 varas de linho, 1 Bíblia, 4 galões


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240
228#
de aguardente. Se o preço de cada artigo for de 2 libras esterlinas, e a soma de preços a realizar for, por isso, de 8 libras esterlinas, deve
entrar na circulação um volume de dinheiro de 8 libras esterlinas. Mas se, ao contrário, as mesmas mercadorias formam os elos de nossa
já conhecida cadeia de metamorfoses: 1 quarter de trigo — 2 libras esterlinas — 20 varas de linho — 2 libras esterlinas — 1 Bíblia — 2
libras esterlinas — 4 galões de aguardente — 2 libras esterlinas, as 2 libras esterlinas terão feito circular as diversas mercadorias, em
série, realizando sucessivamente seus preços e, por conseguinte a soma deles, de 8 libras esterlinas, para finalmente repousar nas mãos do
destilador. Eles executam quatro cursos. Essa repetida mudança de posição das mesmas moedas representa a dupla mudança de forma da
mercadoria, seu movimento através de dois estágios opostos da circu-lação e o entrelaçamento das metamorfoses de mercadorias diferen-tes.
176 As fases opostas e mutuamente complementares, percorridas
por esse processo, não podem ocorrer paralelamente no espaço, mas apenas sucessivamente no tempo. Períodos formam, assim, a medida


de sua duração, ou o número de cursos das mesmas moedas, em dado tempo, mede a velocidade do curso do dinheiro. Que o processo de
circulação daquelas quatro mercadorias dure, por exemplo, um dia. Assim, a soma de preços a realizar importa em 8 libras esterlinas, o
número de cursos das mesmas moedas, durante o dia: 4, e o volume de dinheiro circulante, 2 libras esterlinas ou, para dado período de
tempo do processo de circulação:
Soma dos preços das mercadorias = Volume do dinheiro funcionando Número de cursos das peças como meio circulante
monetárias da mesma denominação


Essa lei vale em geral. O processo de circulação em um país, em dado período, compreende na verdade, por um lado, muitas vendas
(compras) ou metamorfoses parciais dispersas, simultâneas e espacial-mente paralelas, nas quais as mesmas moedas apenas uma vez mudam
de posição ou realizam apenas um só curso. Por outro lado, há muitas cadeias de metamorfoses, com maior ou menor número de elos, que
em parte correm paralelas, em parte entrelaçam-se e nas quais as mesmas peças monetárias percorrem cursos mais ou menos numerosos.
Do número total de cursos de todas as peças monetárias que se en-contram em circulação, com a mesma denominação, resulta, contudo,


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241
176 "São os produtos que o põem" (o dinheiro) "em movimento e o fazem circular. (...) Por meio da velocidade de seu" (isto é, do dinheiro) "movimento é complementada
sua quantidade.
Se necessário, desliza apenas de uma mão à outra, sem deter-se um momento." (LE TROSNE. Op. cit., p. 915-916.)
229#
o número médio de cursos da peça monetária individual ou a velocidade média do giro monetário. O volume de dinheiro, que, por exemplo, no
começo do processo de circulação é jogado nele, é naturalmente deter-minado pela soma dos preços das mercadorias que circulam simultânea
e paralelamente no espaço. Porém, internamente ao processo, uma peça monetária, por assim dizer, é tornada responsável pela outra.
Acelera uma a velocidade de seu curso, a outra a desacelera, ou ela cai inteiramente fora da esfera de circulação, pois esta pode apenas
absorver uma massa de ouro, a qual, multiplicada pelo número médio de cursos de seu elemento individual, é igual à soma dos preços a ser
realizada. Se, por conseguinte, o número de cursos das peças monetárias cresce, diminui o seu volume circulante. Decresce o número de seus
cursos, cresce o seu volume. Como o volume de dinheiro, que pode funcionar como meio circulante, é dado a determinada velocidade mé-dia,
tem-se, por exemplo, apenas de jogar na circulação determinada quantidade de notas de 1 libra, para expulsar outros tantos sovereigns,
proeza muito bem conhecida de todos os bancos. Como no curso do dinheiro, em geral, só aparece o processo de
circulação das mercadorias, isto é, seu ciclo através de metamorfoses opostas, assim na velocidade do giro monetário aparece a velocidade
de sua mudança de forma, o contínuo entrelaçamento das séries de metamorfoses, a pressa do metabolismo, o rápido desaparecimento das
mercadorias da esfera de circulação e sua substituição, igualmente rápida, por novas mercadorias. Na velocidade de circulação do dinheiro
aparece assim a unidade fluida das fases opostas e complementares, transformação da figura de uso em figura de valor e retransformação
de sua figura de valor em figura de uso, ou de ambos os processos de venda e compra. Inversamente, na desaceleração do curso do dinheiro
aparece o fato de esses processos se dissociarem e se tornarem anta-gonicamente autônomos, a paralisia da mudança de forma, e por con-seguinte
do metabolismo. A própria circulação, naturalmente, não nos deixa ver de onde provém essa estagnação. Ela nos mostra apenas o
próprio fenômeno. A interpretação popular, que vê, com um giro mo-netário mais lento, o dinheiro aparecer ou desaparecer menos freqüen-temente
em todos os pontos da periferia da circulação, tende a atribuir esse fenômeno à quantidade insuficiente do meio circulante. 177


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242
177 "Como o dinheiro (...) representa a medida comum para a compra e venda, qualquer um que tenha algo para vender, mas não encontra comprador, está imediatamente
propenso
a pensar que a culpa de suas mercadorias não encontrarem saída seria da falta de dinheiro no kingdom * ou no país; daí a gritaria por toda parte contra a falta de
dinheiro, o que,
entretanto, é um grande erro. (...) De que precisam essas pessoas que gritam por dinheiro? (...) O arrendatário queixa-se, (...) ele pensa, se houvesse mais dinheiro
no país, poderia
obter um preço para seus bens. (...) Então, parece que falta-lhe não dinheiro, porém um preço para seu grão e gado que ele gostaria de vender, mas não pode. (...)
Por que ele não
pode conseguir preço? (...) 1) Ou há trigo e gado demais no país e a maioria dos que vão ao mercado tem, como ele, necessidade de vender, e poucos de comprar; ou
2) a saída
230#
A quantidade global do dinheiro funcionando como meio circu-lante, em cada período, é assim determinada, por um lado, pela soma
de preços do mundo das mercadorias circulantes, por outro, pelo fluxo mais lento ou mais rápido de seus processos antitéticos de circulação,
do qual depende que fração dessa soma de preços pode ser realizada por intermédio das mesmas peças monetárias. A soma de preços das
mercadorias depende, porém, tanto do volume como dos preços de cada espécie de mercadoria. Os três fatores: o movimento dos preços, o vo-lume
de mercadorias circulantes e, finalmente, a velocidade de circu-lação do dinheiro podem no entanto mudar em direções e proporções
diferentes, de modo que a soma de preços a realizar e, por conseguinte, o volume do meio circulante por ela determinado podem, portanto,
passar por numerosas combinações. Nós enumeramos aqui apenas as mais importantes na história dos preços das mercadorias.
Permanecendo constantes os preços das mercadorias, pode crescer o volume do meio circulante, porque aumenta a massa da mercadoria
em circulação ou porque diminui a velocidade de circulação do dinheiro ou porque ambos ocorrem conjuntamente. Ao contrário, o volume do
meio circulante pode diminuir ao diminuir a massa de mercadorias ou ao aumentar a velocidade de circulação.
Subindo, em geral, os preços das mercadorias, o volume do meio circulante pode permanecer constante, se a massa das mercadorias em
circulação diminuir na mesma proporção em que seu preço aumenta ou se a velocidade de circulação do dinheiro aumentar tão rapidamente
quanto a subida dos preços, enquanto a massa de mercadorias em circulação permanecer constante. O volume do meio circulante pode
diminuir, porque a massa de mercadorias decresce mais rapidamente ou a velocidade de giro cresce mais rapidamente que os preços.
Caindo, em geral, os preços das mercadorias, o volume do meio circulante pode permanecer constante se a massa de mercadorias cres-cer
na mesma proporção em que seu preço estiver caindo ou se a ve-


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243
habitual, por meio de exportação, paralisa-se (...) ou 3) o consumo reduz-se, quando, por exemplo, as pessoas, em conseqüência da pobreza, já não despendem tanto
para a manu-tenção
doméstica como antes. Por isso, não é o aumento do dinheiro, puro e simples, que repercutiria favoravelmente sobre os bens do arrendatário, mas sim a eliminação
de uma
dessas três causas que realmente deprimem o mercado. (...) Comerciante e merceeiro ne-cessitam igualmente de dinheiro, isto é, como os mercados param, falta-lhes
a saída para
os bens, com os quais negociam. (...) Uma nação nunca prospera mais do que quando as riquezas passam rapidamente de mão em mão." (NORTH, Sir Dudley. Discourses upon
Trade. Londres, 1691, p. 11-15, passim.) Todos os embustes de Herrenschwand se resumem na idéia de que as contradições que se originam da natureza da mercadoria
e, portanto,
aparecem na circulação mercantil, podem ser suprimidas mediante aumento do meio cir-culante. Da ilusão popular que atribui a paralisação dos processos de produção
e circulação
a uma falta de meio circulante, não segue, de modo algum, o oposto, ou seja, que a falta real de meio circulante, por exemplo, em conseqüência de trapalhadas oficiais
com a regu-lation
of currency, ** não possa, por seu lado, provocar paralisações. * Reino. (N. dos T.)
** Regulação do curso monetário. (N. dos T.)
231#
locidade de circulação do dinheiro diminuir na mesma proporção que os preços. Ela pode crescer se a massa de mercadorias crescer mais
rápido ou a velocidade de circulação diminuir mais rapidamente do que os preços das mercadorias estiverem caindo.
As variações dos diferentes fatores podem compensar-se recipro-camente, de tal forma que, a despeito de sua contínua instabilidade,
a soma total dos preços das mercadorias a realizar permanece constante e, por conseqüência, também o volume de dinheiro circulante. Encon-tra-
se por isso, sobretudo ao observar períodos mais longos, um nível médio muito mais constante do volume de dinheiro circulante em cada
país assim como — com exceção de fortes perturbações que se originam periodicamente das crises da produção e do comércio, mais raramente
de uma mudança do próprio valor do dinheiro — desvios muito menores desse nível médio, do que à primeira vista seria de se esperar.
A lei, segundo a qual a quantidade do meio circulante é deter-minada pela soma de preços das mercadorias em circulação e pela
velocidade média de circulação do dinheiro, 178 pode também ser ex-pressa assim: dadas a soma de valores das mercadorias e a velocidade
média de suas metamorfoses, a quantidade do dinheiro ou do material monetário em circulação depende de seu próprio valor. A ilusão de
que, ao contrário, os preços das mercadorias são determinados pelo vo-lume do meio circulante e o último, por seu lado, pelo volume do ma-terial
monetário existente em um país 179 tem suas raízes nos repre-


OS ECONOMISTAS


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178 "Existe determinada medida e proporção de dinheiro necessárias para manter em marcha o comércio de uma nação; um mais ou menos provocar-lhe-ia uma quebra. Assim
como
num pequeno estabelecimento varejista é necessária certa quantidade de farthings para trocar moedas de prata e para fazer pagamentos que não podem ser efetuados
com as
menores moedas de prata. (...) Assim como a proporção numérica de farthings necessários para o comércio depende do número de compradores, da frequência de suas compras
e,
sobretudo, também do valor da menor moeda de prata, de modo semelhante, a proporção do dinheiro necessário para nosso comércio (moedas de ouro e prata) é determinada
pela
freqüência das transações e pelo tamanho dos pagamentos." (PETTY, William. A Treatise on Taxes and Contributions. Londres, 1667. p. 17.) A. Young defendeu a teoria
de Hume,
contra J. Steuart e outros, em seu Political Arithmetic, Londres, 1774, num capítulo próprio: "Prices Depend on Quantity of Money", p. 112 et seqs. Eu observo em
Zunt Kritik etc. p.
149: "A questão da quantidade da moeda circulante, ele (Adam Smith) suprime tacitamente, ao tratar o dinheiro de modo totalmente errôneo, como simples mercadoria".
Isso vale
apenas na medida em que A. Smith trata ex officio * do dinheiro. Ocasionalmente, entretanto, por exemplo, na crítica aos sistemas mais antigos de Economia Política,
ele se pronuncia
corretamente: "A quantidade de dinheiro cunhado de cada país é regulada por meio do valor das mercadorias, cuja circulação ela tem de mediar. (...) O valor dos bens
comprados
e vendidos anualmente num país exige certa quantidade de dinheiro para fazê-los circular e distribuí-los aos seus verdadeiros consumidores, mas não pode criar para
mais dinheiro
nenhuma aplicação. O canal da circulação atrai necessariamente uma soma que é suficiente para preenchê-lo, mas nunca absorve uma maior". (Wealth of Nations [v. III]
1. IV. cap. I
[p. 87-89].) De forma semelhante A. Smith inicia sua obra ex officio com uma apoteose da divisão do trabalho. Depois, no último livro sobre as fontes das rendas
do Estado, reproduz
ele, ocasionalmente, a denúncia da divisão do trabalho, de A. Ferguson, seu mestre. * Explicitamente. (N. dos T.)
179 "Os preços das coisas subirão seguramente em cada país, na medida em que cresce a quantidade de ouro e prata entre as pessoas; por conseguinte quando o ouro
e a prata
232#
sentantes originais da insossa hipótese de que mercadorias sem preço e dinheiro sem valor entram no processo de circulação e lá então uma
parte alíquota do angu formado pelas mercadorias é intercambiada por uma parte alíquota da montanha de metal. 180


c) A moeda. O signo do valor
Da função do dinheiro como meio circulante surge sua figura de moeda. A fração de peso do ouro, representada pelo preço ou nome
monetário das mercadorias, tem de defrontar-se com estas na circulação


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245
num país se reduzem, os preços de todas as mercadorias devem cair também proporcional-mente a essa diminuição do dinheiro." (VANDERLINT, Jacob. Money Answers all
Things.
Londres, 1734. p. 5.) Uma comparação mais pormenorizada entre Vanderlint e os "Essays" de Hume não deixa a mim a menor dúvida de que Hume conheceu e utilizou o escrito,
aliás significativo, de Vanderlint. A idéia de que o volume do meio circulante determina os preços encontra-se também em Barbon e em outros escritores ainda muito
mais antigos.
"Nenhuma inconveniência", diz Vanderlint, "pode surgir do comércio desimpedido, mas ape-nas grandes vantagens, pois quando a quantidade de dinheiro efetivo da nação
for diminuída
por meio dele, o que as medidas de proibição devem impedir, as outras nações, para as quais flui o dinheiro, verificarão certamente que os preços de todas as coisas
subirão na
medida em que nelas cresce a quantidade de dinheiro efetivo. E (...) nossos produtos de manufatura e todas as outras mercadorias logo ficarão tão baratos que a balança
comercial
outra vez se tornará favorável a nós e, em conseqüência disso, o dinheiro flui de volta para Nós." (Op. cit., p. 43-44.)
180 É evidente que cada tipo individual de mercadoria constitui, por meio de seu preço, um elemento da soma dos preços de todas as mercadorias em circulação. Porém,
como valores
de uso incomensuráveis entre si devem trocar-se en masse * com a massa de ouro ou prata existente num país é totalmente incompreensível. Se ardilosamente se converte
o mundo
das mercadorias em uma única mercadoria global, da qual cada mercadoria constitui apenas uma parte alíquota, obtém-se o lindo exemplo aritmético: Mercadoria global
= x quintais
de ouro. Mercadoria A = parte alíquota da mercadoria global = a mesma parte alíquota de x quintais de ouro. Montesquieu expressa isso honestamente: "Quando se compara
a massa
de ouro e prata existente no mundo com a soma das mercadorias existentes, do mesmo modo pode-se certamente comparar cada produto específico, isto é, mercadoria,
com uma
quantidade determinada de dinheiro. Suponhamos que exista apenas um único produto, ou seja, uma única mercadoria, no mundo, ou que apenas uma seja comprada, e que
ela
seja divisível, da mesma forma que o dinheiro: certa parte dessa mercadoria corresponderá então à parte da massa de dinheiro; a metade da totalidade das mercadorias
à metade da
massa total de dinheiro etc. (...) a determinação dos preços das mercadorias depende sempre, fundamentalmente, da relação entre a quantidade total das mercadorias
e a quantidade
total dos signos monetários". (MONTESQUIEU. Op. cit., t. III, p. 12-13.) Sobre o desen-volvimento ulterior dessa teoria, por Ricardo, seu discípulo James Mill, Lord
Overstone
etc. compare Zur Kritik etc., p. 140-146 e p. 150 et seqs. O sr. J. St. Mill consegue, com sua habitual lógica eclética, adotar o ponto de vista de seu pai, J. Mill,
e simultaneamente
o oposto. Compare-se o texto de seu compêndio Princ. of Pol. Econ. com o prefácio (primeira edição), no qual ele mesmo se anuncia como o Adam Smith contemporâneo,
então não se
sabe o que mais admirar, se a ingenuidade do homem ou a do público que o aceita credu-lamente como um Adam Smith, com o qual ele se assemelha tanto quanto o General
Williams
Kars von Kars ao Duque de Wellington. As pesquisas originais do sr. J. St. Mill, nem extensas nem ricas em conteúdo, no campo da Economia Política, desfilam todas
em formação
em sua brochurinha aparecida em 1844: Some Unsettled Questions of Political Economy. Locke enuncia diretamente a conexão entre a inexistência de valor em ouro e
prata e a
determinação de seu valor por meio da quantidade. "Tendo a humanidade acordado em conferir ao ouro e à prata um valor imaginário (...) o valor intrínseco, que se
observa nesses
metais, é nada mais que a sua quantidade." (Some Considerations etc. 1691, In: Works. Ed. 1777. v. II, p. 15.)
* Em massa. (N. dos T.)
233#
sob a forma de uma peça de ouro de igual denominação ou moeda. Assim como a fixação do padrão dos preços, a cunhagem é incumbência
do Estado. Nos diversos uniformes nacionais vestidos pelo ouro e a prata enquanto moedas e dos quais são desvestidos no mercado mun-dial,
aparece o divórcio entre as esferas internas ou nacionais de cir-culação das mercadorias e a sua esfera geral, o mercado mundial.
Moeda de ouro e barras de ouro diferenciam-se originalmente apenas pela gravação, e o ouro é suscetível de passar constantemente
de uma forma à outra. 181 Mas o caminho para deixar de ser moeda é, ao mesmo tempo, a marcha ao cadinho. Pois, na circulação, as moedas
de ouro se desgastam, uma mais, a outra menos. O título de ouro e a substância de ouro, o conteúdo nominal e conteúdo real começam
seu processo de dissociação. Moedas de ouro de mesma denominação assumem valor desigual, por terem pesos diferentes. O ouro como meio
circulante diferencia-se do ouro como padrão dos preços e deixa com isso de ser também equivalente verdadeiro das mercadorias, cujos pre-ços
realiza. A história dessa desordem forma a história das moedas da Idade Média e dos tempos modernos até o século XVIII. A tendência
naturalmente espontânea do processo de circulação de converter a es-sência áurea da moeda em aparência áurea ou a moeda num símbolo
de seu conteúdo metálico oficial é reconhecida mesmo pelas leis mais modernas sobre o grau de perda metálica que torna uma peça de ouro
incapaz de circular ou a desmonetiza. Se o próprio curso do dinheiro dissocia o conteúdo real do conteúdo
nominal da moeda, sua existência metálica de sua existência funcional, ele já contém latentemente a possibilidade de substituir o dinheiro
metálico em sua função de moeda por senhas de outro material ou por símbolos. As dificuldades técnicas para cunhar frações pequeníssimas
de peso de ouro ou prata e o fato de que originariamente se empre-gassem, como medidas de valores, e circulassem, como dinheiro, outros
metais de categoria inferior à dos metais preciosos, prata em vez de ouro e cobre em vez de prata, até o instante em que o metal precioso


OS ECONOMISTAS


246
181 Está, naturalmente, muito além do meu objetivo tratar de detalhes como cunhagem e outros semelhantes. A propósito da admiração que o sicofanta romântico Adam
Mueller
devota à "grandiosa liberalidade", com a qual "o Governo inglês cunha gratuitamente", * vejamos o seguinte parecer de Sir Dudley North: "Prata e ouro apresentam,
como outras
mercadorias, fluxo e refluxo. Quando chega um carregamento da Espanha, (...) ele é trazido ao Tower e cunhado. Não muito depois, surge procura por barras para a
exportação. Quando
no entanto não há nenhuma disponível, porque todas estão, por acaso, cunhadas, o que fazer? Fundi-las de novo; isso não significa nenhuma perda, pois cunhar não
custa nada
ao proprietário. Mas a nação tem o prejuízo, pois ela paga pelo entrançar da palha, com que se alimenta depois o burro. "Se o comerciante" (North era ele mesmo um
dos maiores
comerciantes ao tempo de Charles II) "tivesse de pagar um preço pela cunhagem, não enviaria sua prata ao Tower sem refletir, e dinheiro cunhado teria sempre um valor
mais
alto que prata não amoedada." (NORTH. Op. cit., p. 18.) * MUELLER, A. H. Die Elemente der Staatskunst. Parte Segunda. Berlim, 1809. p. 280
(N. da Ed. Alemã.)
234#
os destrona, explicam historicamente o papel das senhas de prata e cobre como substitutos da moeda de ouro. Elas substituem o ouro na-queles
setores da circulação de mercadorias em que a moeda circula com maior rapidez e, portanto, desgasta-se mais rapidamente, isto é,
onde as compras e as vendas sucedem incessantemente em proporções ínfimas. Para impedir esses satélites de ocuparem definitivamente o
lugar do ouro, a lei se encarrega de determinar as proporções muito reduzidas em que é obrigatório serem aceitas em pagamento, em lugar
de ouro. As esferas particulares, em que circulam as diversas classes de moedas, confundem-se naturalmente. A moeda divisionária aparece
ao lado do ouro, para o pagamento de frações da menor moeda de ouro; o ouro penetra constantemente na circulação varejista, mas é
daí expulso com a mesma constância mediante a troca por moedas divisionárias. 182
O conteúdo metálico das senhas de prata e de cobre é determinado de forma arbitrária pela lei. Na circulação elas se desgastam ainda
mais rapidamente que a moeda de ouro. E, portanto, sua função mo-netária torna-se, de fato, totalmente independente de seu peso, isto é,
de todo o valor. A existência do ouro como moeda dissocia-se radical-mente de sua substância de valor. Coisas relativamente sem valor,
bilhetes de papel, podem portanto funcionar, em seu lugar, como moeda. Nas senhas metálicas de dinheiro, o caráter puramente simbólico ainda
está em certa medida oculto. Na moeda papel revela-se plenamente. Como se vê, ce n'est pas que le premier pas que coûte. 183
Trata-se aqui apenas de moeda papel do Estado com curso forçado. Origina-se diretamente do curso metálico. O dinheiro de crédito pres-supõe,
ao contrário, relações que, do ponto de vista da circulação simples das mercadorias, ainda nos são inteiramente desconhecidas. Observe-mos,
porém, de passagem, que, do mesmo modo que a verdadeira moeda papel origina-se da função do dinheiro como meio circulante, o dinheiro
de crédito possui sua raiz naturalmente desenvolvida na função do dinheiro como meio de pagamento. 184


MARX


247
182 "Quando já não há dinheiro de prata além do necessário para os pequenos pagamentos, não pode ser reunido em quantidades suficientes para pagamentos maiores.
(...) O uso de
ouro para grandes pagamentos implica também, necessariamente, seu uso no comércio varejista: Quem possui moedas de ouro usa-as também para compras menores e recebe
de
volta com as mercadorias compradas o resto em prata; assim é o resto excedente em prata, que de outra maneira pesaria ao comerciante varejista, retirado deste e
lançado de volta
na circulação geral. Quando, porém, existe tanta prata que os pequenos pagamentos podem ser realizados independentemente do ouro, então o varejista receberá prata
por pequenas
compras, que será necessariamente acumulada por ele." (BUCHANAN, David. Inquiry into the Taxation and Commercial Policy of Great Britain. Edimburgo, 1844, p. 248-249.)
183 Somente o primeiro passo é que custa. (N. dos T.) 184 O mandarim das finanças Wan-mao-in se permitiu submeter ao Filho do Céu um projeto
cujo objetivo secreto era transformar os assignats imperiais chineses em notas bancárias conversíveis. No relatório do comitê de assignats de abril de 1854 recebeu
merecida repri-menda.
Se ele recebeu também as obrigatórias vergastadas de bambu, não está relatado. "O comitê", diz o final do relatório, "examinou atentamente seu projeto e acha que
tudo
235#
Bilhetes de papel que levam impressos denominações monetárias, como 1 libra esterlina, 5 libras esterlinas etc., são lançados de fora
pelo Estado no processo de circulação. Na medida em que realmente circulam em lugar da soma de ouro de mesma denominação, refletem-se
em seu movimento apenas as leis do próprio curso do dinheiro. Uma lei específica da circulação do papel somente pode originar-se de sua
relação de representatividade do ouro. E a lei é simplesmente esta: que a emissão de moeda papel deve limitar-se à quantidade na qual
o ouro (ou a prata), simbolicamente por ela representado, realmente teria que circular. É claro que a quantidade de ouro que a esfera da
circulação pode absorver oscila continuamente acima ou abaixo de de-terminado nível médio. Entretanto, o volume do meio circulante, em
dado país, nunca desce abaixo de determinado mínimo, que se fixa segundo a experiência. O fato de que essa massa mínima muda con-tinuamente
seus componentes, isto é, de que ela se compõe de peças de ouro sempre diferentes, naturalmente não altera nada em seu ta-manho
e em seu constante movimento na esfera da circulação. Ela pode, por isso, ser substituída por símbolos do papel. Se hoje todos os
canais de circulação são preenchidos com moeda papel em grau pleno de sua capacidade de absorção de dinheiro, amanhã, em virtude das
oscilações na circulação de mercadorias, eles podem estar supercheios. Perdem-se então todas as medidas. Ultrapassa o papel, porém, sua
medida, isto é, a quantidade de moeda de ouro com a mesma deno-minação que poderia circular abstraindo-se o perigo do descrédito geral,
e ele representa no mundo das mercadorias apenas a quantidade de ouro determinada pelas suas leis imanentes, portanto, somente a que
é suscetível de ser representada. Se, por exemplo, a massa de bilhetes de papel representa 2 onças de ouro, por cada onça, então 1 libra
esterlina torna-se, de fato, a denominação monetária de, digamos, 1/ 8 de onça em vez de 1/ 4 de onça. O efeito é o mesmo que se o ouro
tivesse sido modificado em sua função como medida dos preços. Os mesmos valores, portanto, que se expressavam antes no preço de 1
libra esterlina, expressam-se agora no preço de 2 libras esterlinas. A moeda papel é o signo de ouro ou signo de dinheiro. Sua relação


OS ECONOMISTAS


248
nele resulta vantajoso para os comerciantes e nada sendo de vantagem para a Coroa." (Arbeiten der Kaiserlich Russischen Gesandtschaft zu Peking ueber China. Aus
dem Rus-sischen
von dr. K. Abelund F. A. Mecklenburg. v. I, Berlim, 1858, p. 54.) Sobre a contínua desmetalização das moedas de ouro, devida a seu curso, diz um governor * do Bank
of
England, como testemunha perante o House of Lord's Committee (sobre Bankacts ** ): "Todo ano uma nova classe de sovereigns" *** (estes não políticos, pois sovereign
é o nome da libra
esterlina) "torna-se leve demais. A classe que num ano passa por ter peso pleno, perde pelo desgaste o bastante para tornar-lhe, no ano seguinte, a balança desfavorável".
(House
of Lord's Committee 1848, nº 429.) * Governador. (N. dos T.)
** Leis bancárias. (N. dos T.)
*** Um jogo de palavras: Sovereign significa "soberano", "monarca", mas é, ao mesmo tempo,


o nome de uma moeda de ouro inglesa (1 libra esterlina). (N. da Ed. Alemã.)
236#
com os valores mercantis consiste apenas em que estes estão expressos idealmente nas mesmas quantidades de ouro que são representadas sim-bólica
e sensivelmente pelo papel. Somente na medida em que representa quantidades de ouro, que são também, como todas as quantidades de
mercadorias, quantidades de valor, a moeda papel é signo de valor. 185 Pergunta-se, finalmente, por que o ouro pode ser substituído por
meros signos de si mesmo, sem valor? Porém, como já foi visto, o ouro é somente substituível na medida em que, em sua função como moeda
ou como meio circulante, é isolado ou tornado autônomo. Entretanto, essa função não se torna autônoma para moedas individuais de ouro,
embora sua autonomia apareça no fato de que peças de ouro desgas-tadas continuam a circular. As peças de ouro são simples moedas ou
meio circulante somente enquanto efetivamente circulam. O que, po-rém, não vale para uma moeda individual de ouro, é aplicável à massa
mínima de ouro substituível por moeda papel. Esta reside constante-mente na esfera de circulação, funciona continuamente como meio cir-culante
e existe, portanto, exclusivamente como portador dessa função. Seu movimento limita-se a representar as mutações recíprocas contí-nuas
que formam os processos antagônicos da metamorfose das mer-cadorias, M — D — M, em que à mercadoria se defronta sua figura
de valor para imediatamente desaparecer de novo. A representação autônoma do valor de troca da mercadoria é, aqui, apenas um momento
efêmero. É substituída de imediato por outra mercadoria. Por isso, basta que o dinheiro exista apenas de forma simbólica num processo
que o faz passar continuamente de mão em mão. Sua existência fun-cional absorve, por assim dizer, sua existência material. Reflexo obje-tivado
evanescente dos preços das mercadorias, funciona apenas como signo de si mesmo e, por isso, pode ser substituído por outros signos. 186


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249
185 Nota à 2ª edição. Como falta clareza à concepção das diferentes funções do dinheiro, mesmo nos melhores escritores sobre o sistema monetário, demonstra, por
exemplo, a seguinte
passagem de Fullarton: "Quanto à nossa troca interna, todas as funções do dinheiro, que são costumeiramente preenchidas por moedas de ouro e prata, podem ser desempenhadas
com a mesma eficácia por uma circulação de notas não conversíveis, que não têm nenhum outro valor senão esse valor artificial e fundamentado em convenção, que receberam
por
lei — um fato que, penso eu, não pode ser contestado. Um valor dessa espécie poderia servir a todos os objetivos de um valor intrínseco e até mesmo tornar supérflua
a necessidade
de um padrão de valor, desde que a quantidade de suas emissões seja mantida dentro dos limites pertinentes". (FURLLARTON. Regulation of Currencies. 2ª ed., Londres,
1845. p.
21.) Assim, como a mercadoria monetária pode ser substituída na circulação por meros signos de valor, é ela supérflua como medida dos valores e padrão dos preços!
186 Do fato de ouro e prata, enquanto moeda ou na função exclusiva de meio circulante, tor-narem-se símbolos deles mesmos, deriva Nicholas Barbon o direito dos governos
to raise
money, * isto é, por exemplo, dar a um quantum de prata, que se chamou Groschen, a denominação de um quantum maior de prata, como Taler, e assim pagar os credores
com
Groschen, em vez de Taler. "Dinheiro se desgasta e torna-se mais leve pelas múltiplas vezes que é contado. (...) É a denominação e o curso do dinheiro o que as pessoas
que
comerciam observam, e não a quantidade de prata. (...) É a autoridade do Estado que faz do metal dinheiro." (BARBON, N. Op. cit., p. 29-30, 25.)
* Elevar o dinheiro. (N. dos T.)
237#
O signo do dinheiro só necessita de sua validade social objetiva própria e esta é recebida pelo símbolo de papel mediante o curso forçado. Esse
curso forçado pelo Estado rege somente dentro das fronteiras de uma comunidade ou na esfera interna de circulação, mas também somente
aqui o dinheiro reduz-se totalmente à sua função de meio circulante ou de moeda, e pode, portanto, receber na moeda papel uma modalidade
de existência puramente funcional e exteriormente separada de sua substância metálica.


3. Dinheiro
A mercadoria que funciona como medida de valor e também, cor-poralmente ou por intermédio de representantes, como meio circulante,


é dinheiro. O ouro (ou prata) é, portanto, dinheiro. Como dinheiro funciona, por um lado, onde aparece em sua corporalidade áurea (ou prateada),
isto é, como mercadoria monetária, portanto, nem apenas de forma ideal, como na medida de valor, nem sendo suscetível de representação, como
no meio circulante; por outro lado, onde sua função, quer a execute em pessoa, quer por meio de representantes, fixa-o como figura de valor ex-clusiva
ou única existência adequada do valor de troca perante todas as demais mercadorias, enquanto simples valores de uso.


a) Entesouramento
O ciclo contínuo das duas metamorfoses contrapostas da merca-doria ou a rotação fluida de compra e venda revela-se no infatigável


curso do dinheiro ou em sua função de perpetuum mobile da circulação. O dinheiro imobiliza-se ou transforma-se, como disse Boisguillebert,
de meuble em immeuble, 187 de moeda em dinheiro, assim que se in-terrompa a série de metamorfoses e a venda não se completa com a
compra seguinte. Com o desenvolvimento inicial da própria circulação de merca-dorias,
desenvolve-se a necessidade e a paixão de fixar o produto da primeira metamorfose, a forma modificada da mercadoria ou a sua
crisálida áurea. 188 Vendem-se mercadorias não para comprar merca-dorias, mas para substituir a forma mercadoria pela forma dinheiro.
De simples intermediação do metabolismo, essa mudança de forma torna-se fim em si mesma. A figura alienada da mercadoria é impedida
de funcionar como sua figura absolutamente alienável ou como sua forma dinheiro apenas evanescente. O dinheiro petrifica-se, então, em
tesouro e o vendedor de mercadorias torna-se entesourador.


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187 Móvel em imóvel. — BOISGUILLEBERT. "Le Détail de la France". In: Économistes Fi-nanciers du XVIII e Siècle (...) par Eugène Daire. Paris, 1843. p. 213. (N. da
Ed. Alemã.)
188 "Riqueza em dinheiro nada mais é (...) que a riqueza em produtos que foram transformados em dinheiro." (RIVIÈRE, Mercier de la. Op. cit., p. 573.) "Um valor
na forma de produtos
apenas mudou de forma." (Ibid., p. 486.)
238#
Precisamente no começo da circulação de mercadorias, apenas o excesso de valores de uso converte-se em dinheiro. Ouro e prata tor-nam-
se assim, por si mesmos, expressões sociais do excedente ou da riqueza. Essa forma ingênua de entesouramento eterniza-se naqueles
povos em que o modo de produção tradicional e orientado à auto-sub-sistência corresponde a um círculo de necessidades fortemente delimi-tado.
Tal como acontece com os asiáticos, nomeadamente os indianos. Vanderlint, que acredita serem os preços das mercadorias determinados
pela massa de ouro e prata existente num país, pergunta-se por que as mercadorias indianas são tão baratas. Resposta: porque os indianos
enterram o dinheiro. De 1602 a 1734, observa, eles enterraram 150 milhões de libras esterlinas em prata, que vieram originalmente da
América para a Europa. 189 De 1856 a 1866, em dez anos, portanto, a Inglaterra exportou para a Índia e para a China (o metal exportado
para a China reflui, em grande parte, para a Índia) 120 milhões de libras esterlinas em prata, a qual, antes, havia sido trocada por dinheiro
australiano. Com a produção de mercadorias mais desenvolvida, cada produtor
de mercadorias tem de assegurar-se o nervus rerum ou o "penhor so-cial". 190 Suas necessidades renovam-se incessantemente e exigem com-pra
incessante de mercadorias alheias, enquanto a produção e venda de suas próprias mercadorias custam tempo e dependem de acasos.
Para comprar sem vender, tem de haver vendido antes, sem haver comprado. Essa operação, executada em escala geral, parece contradizer
a si mesma. Entretanto, em suas fontes de produção, os metais preciosos se trocam diretamente por outras mercadorias. Aí realizam-se vendas
(por parte dos possuidores das mercadorias) sem compras (por parte dos possuidores de ouro e prata). 191 Vendas posteriores não seguidas
de compras apenas mediam a distribuição ulterior dos metais preciosos entre todos os possuidores de mercadorias. Assim, surgem, em todos
os pontos da circulação, tesouros de ouro e prata, de tamanhos os mais diferentes. Com a possibilidade de manter a mercadoria como valor de
troca ou o valor de troca como mercadoria, desperta a cobiça pelo ouro. Com a ampliação da circulação de mercadorias, aumenta o poder do di-nheiro,
da forma sempre disponível e absolutamente social de riqueza.
"O ouro é uma coisa maravilhosa! Quem o possui é senhor de tudo o que deseja. Com o ouro pode-se até fazer entrar almas


no paraíso." (Colombo, em carta da Jamaica, 1503.)


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189 "Por meio dessa medida eles mantêm tão baixos os preços de todos os bens e manufaturados." (VANDERLINT. Op. cit., p. 95-96.)
190 "Dinheiro é um penhor." (BELLERS, John. Essays about the Poor, Manufacturers, Trade, Plantations, and Immorality. Londres, 1699. p. 13.)
191 Compra em sentido categórico pressupõe ouro ou prata como figura já transformada da mercadoria ou como produto da venda.
239#
Como ao dinheiro não se pode notar o que se transformou nele, converte-se tudo, mercadoria ou não, em dinheiro. Tudo se torna ven-dável
e comprável. A circulação torna-se a grande retorta social, na qual lança-se tudo, para que volte como cristal monetário. E não es-capam
dessa alquimia nem mesmo os ossos dos santos nem as res sacrosanctae, extra commercium hominum. 192, 193 Como no dinheiro é
apagada toda diferença qualitativa entre as mercadorias, ele apaga por sua vez, como leveller 194 radical, todas as diferenças. 195 O dinheiro
mesmo, porém, é uma mercadoria, uma coisa externa, que pode con-verter-se em propriedade privada de qualquer um. O poder social tor-na-
se, assim, poder privado da pessoa privada. A sociedade antiga o denuncia, portanto, como elemento dissolvente de sua ordem econômica
e moral. A moderna sociedade, que já em seus anos de infância arranca Plutão pelos cabelos das entranhas da Terra, 196 saúda no Graal de ouro
a resplandecente encarnação de seu mais autêntico princípio de vida. A mercadoria, como valor de uso, satisfaz a uma necessidade
particular e constitui um elemento específico da riqueza material. Mas o valor da mercadoria mede o grau de sua força de atração sobre todos
os elementos da riqueza material, portanto mede a riqueza social de


OS ECONOMISTAS


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192 Coisas sacrossantas, excluídas do comércio humano. (N. dos T.) 193 Henrique III, rei cristianíssimo da França, rouba aos mosteiros etc. suas relíquias para
convertê-las em prata. Sabe-se qual o papel que desempenhou o roubo dos tesouros do templo de Delfos pelos fócios, na história grega. Para o deus das mercadorias,
o templo,
na Antiguidade, servia de moradia. Eles eram "bancos sagrados". Aos fenícios, um povo comerciante par excellence, o dinheiro valia como a figura alienada de todas
as coisas. Era,
entretanto, lógico que as virgens que se entregavam aos estranhos por ocasião da festa da deusa do amor ofertassem à deusa a moeda recebida em pagamento.
194 Nivelador. (N. dos T.) 195 "Ouro! Ouro vermelho, fulgurante, precioso!
Uma porção dele faz do preto, branco, do feio, bonito; Do ruim, bom, do velho, jovem, do covarde, valente, do vilão, nobre.
.... Ó deuses! Por que isso? Por que isso, deuses; Ah, isso vos afasta o sacerdote e do altar;
E arranca o travesseiro do que nele repousa; Sim, esse escravo vermelho ata e desata
Vínculo sagrados; abençoa o amaldiçoado; Faz a lepra adorável; honra o ladrão,
Dá-lhe títulos, genuflexões e influência, No conselho dos senadores;
Traz à viúva carregada de anos pretendentes; ... Metal maldito,
És da humanidade a comum prostituta." (SHAKESPEARE. Timão de Atenas.)
"Nada suscitou nos homens tantas ignomínias Como o ouro. É capaz de arruinar cidades,
De expulsar os homens de seus lares; Seduz e deturpa o espírito nobre
Dos justos, levando-os a ações abomináveis; Ensina aos mortais os caminhos da astúcia e da perfídia,
E os induz a cada obra amaldiçoada pelos deuses." (SÓFOCLES. Antígona.)
196 "A avareza espera arrancar o próprio Plutão do interior da Terra." (ATHEN[ AEUS]. Deipnos.)
240#
seu possuidor. Para o barbaramente simples possuidor de mercadorias, mesmo para um camponês da Europa ocidental, o valor é inseparável
da forma valor, portanto acréscimo do tesouro e da prata é para ele acréscimo de valor. O valor do dinheiro varia, entretanto, em conse-qüência
da variação seja de seu próprio valor, seja do valor das mer-cadorias. Porém, isso não impede, por um lado, que 200 onças de ouro
continuem contendo mais valor que 100, 300 mais que 200 etc., nem impede, por outro lado, que a forma metálica natural dessa coisa con-tinue
sendo a forma equivalente geral de todas as mercadorias, a en-carnação diretamente social de todo trabalho humano. O impulso para
entesourar é por natureza sem limite. Qualitativamente ou segundo a sua forma, o dinheiro é ilimitado, isto é, representante geral da
riqueza material, pois pode trocar-se diretamente por qualquer mer-cadoria. Porém, ao mesmo tempo, toda a soma efetiva de dinheiro é
quantitativamente limitada, portanto também apenas meio de compra de eficácia limitada. Essa contradição entre a limitação quantitativa
e o caráter qualitativamente ilimitado do dinheiro impulsiona inces-santemente o entesourador ao trabalho de Sísifo da acumulação. Acon-tece
a ele como ao conquistador do mundo, que com cada novo país somente conquista uma nova fronteira.
Para reter o ouro como dinheiro e, portanto, como elemento de entesouramento, é necessário impedi-lo de circular ou de dissolver-se
como meio de compra, em artigos de consumo. O entesourador sacrifica, por isso, ao fetiche do ouro os seus prazeres da carne. Abraça com
seriedade o evangelho da abstenção. Por outro lado, somente pode sub-trair da circulação em dinheiro o que a ela incorpora em mercadoria.
Quanto mais ele produz, tanto mais pode vender. Laboriosidade, pou-pança e avareza são, portanto, suas virtudes cardeais, vender muito
e comprar pouco são o resumo de sua economia política. 197 Paralelo à forma direta do tesouro, ocorre sua forma estética, a
posse de mercadorias de ouro e prata. E esta cresce com a riqueza da sociedade burguesa. "Soyons riches ou paraissons riches." 198 (Diderot.)
Forma-se assim, em parte, um mercado cada vez mais extenso para o ouro e a prata, independentemente de suas funções como dinheiro,
em parte, uma fonte latente de oferta de dinheiro, a qual flui notada-mente em períodos de agitação social.
O entesouramento desempenha diversas funções na economia de circulação metálica. A função mais próxima decorre das condições de
curso da moeda de ouro e prata. Vimos como, com as contínuas osci-lações da circulação das mercadorias em volume, preços e velocidade,


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197 "Aumentar o mais possível o número dos vendedores de cada mercadoria, diminuir o mais possível o número dos compradores, estes são os pontos cruciais em torno
dos quais giram
todas as medidas da Economia Política." (VERRI. Op. cit., p. 52-53.) 198 Sejamos ricos ou pareçamos ricos. (N. dos T.)
241#
a quantidade de dinheiro em curso diminui e aumenta infatigavelmen-te. É necessário, portanto, que seja capaz de contrair-se e expandir-se.
Ora dinheiro tem de ser atraído como moeda; ora moeda tem de ser repelida como dinheiro. Para que a massa de dinheiro realmente cir-culante
corresponda, a todo momento, ao grau de saturação da esfera de circulação, é necessário que o quantum de ouro e prata existente
num país exceda o quantum absorvido pela função monetária. Essa condição é satisfeita por meio do dinheiro em forma de tesouro. As
reservas de tesouro servem, ao mesmo tempo, de canais de adução e de derivação do dinheiro circulante, o qual, por isso, nunca transborda
os canais de seu curso. 199
b) Meio de pagamento
Na forma direta de circulação de mercadorias, que vimos até agora, a mesma grandeza de valor está sempre presente duplamente,
mercadoria num pólo e dinheiro no pólo oposto. Os possuidores de mercadorias portanto entravam em contato apenas como representan-tes
de equivalentes reciprocamente presentes. Com o desenvolvimento da circulação de mercadorias, porém, desenvolvem-se condições em que
a alienação da mercadoria separa-se temporalmente da realização de seu preço. Basta indicar aqui a mais simples dessas condições. Uma
classe de mercadorias requer mais, outra menos, tempo para ser pro-duzida. A produção de diversas mercadorias depende das diversas es-tações
do ano. Uma mercadoria nasce no lugar de seu mercado, outra


OS ECONOMISTAS


254
199 "Para comerciar, cada nação precisa de uma soma determinada de specifick money * que varia, sendo uma vez maior, outra vez menor, conforme exijam as circunstâncias.
(...) Esses
fluxos e refluxos de dinheiro regulam-se por si mesmos, sem nenhuma ajuda dos políticos. (...) Os baldes trabalham alternadamente: quando é escasso o dinheiro, amoedam-se
barras;
sendo escassas as barras, fundem-se moedas." (NORTH, Sir D. Op. cit. [postscript.], p. 3.) John Stuart Mill, durante muito tempo funcionário da Companhia das Índias
Orientais, **
confirma que na Índia os ornamentos de prata funcionam ainda diretamente como tesouro. Os "ornamentos de prata são levados à cunhagem quando há uma alta taxa de
juros; eles
voltam quando a taxa de juros cai". (" J. St. Mill's Evidence." In: Repts. on Bankacts. 1857, nº 2 084, 2 101.) Segundo um documento parlamentar de 1864 sobre a
importação e ex-portação
de ouro e prata na Índia, *** em 1863, a importação de ouro e prata ultrapassou a exportação em 19 367 764 libras esterlinas. Nos últimos oito anos antes de 1864,
o
excedente da importação sobre a exportação dos metais preciosos montou a 109 652 917 libras esterlinas. No curso deste século, cunharam-se na Índia bem mais de 200
milhões
de libras esterlinas. * Dinheiro metálico. (N. dos T.)
** Companhia das Índias Orientais — companhia comercial inglesa que existiu de 1600 a
1858. Ela era um instrumento da política colonial de roubo da Inglaterra na Índia, China e em outros países asiáticos. Por meio dela, os colonizadores ingleses conseguiram
a pau-latina


conquista da Índia. A Companhia das Índias Orientais dispôs por muito tempo do monopólio do comércio com a Índia e tinha em suas mãos as funções administrativas
mais
importantes, nesse país. O levante para a libertação nacional na Índia (1857/ 59) forçou os ingleses a mudarem as formas de seu domínio colonial; a Companhia das
Índias Orientais
foi dissolvida e a Índia declarada posse da Coroa inglesa. (N. da Ed. Alemã.) *** "East India (Bullion). Return to an address of the Honourable House of Commons,
dated
8 February 1864." (N. da Ed. Alemã.)
242#
tem de viajar para um mercado distante. Assim, um possuidor de mer-cadorias pode apresentar-se como vendedor antes que outro como com-prador.
Com constante repetição das mesmas transações entre as mes-mas pessoas, as condições de venda das mercadorias se regulam pelas
suas condições de produção. Por outro lado, vende-se o uso de certas classes de mercadorias, por exemplo, uma casa, por determinado espaço
de tempo. Somente após o decurso do prazo fixado recebe o comprador realmente o valor de uso da mercadoria. Ele a compra, portanto, antes
de pagá-la. Um possuidor de mercadorias vende mercadorias que já existem, o outro compra como simples representante do dinheiro ou
como representante de dinheiro futuro. O vendedor torna-se credor, o comprador, devedor. Como a metamorfose da mercadoria ou o desen-volvimento
de sua forma valor se altera aqui, o dinheiro assume outra função. Converte-se em meio de pagamento. 200


O caráter de credor ou devedor origina-se aqui da circulação sim-ples de mercadorias. Sua mudança de forma imprime esse novo cunho
ao vendedor e ao comprador. Inicialmente, trata-se pois de papéis eva-nescentes e desempenhados alternadamente pelos mesmos agentes de
circulação, do mesmo modo que os de vendedor e comprador. Porém, a antítese parece agora desde sua origem menos confortável e tem
maior capacidade de cristalizar-se. 201 Mas os mesmos caracteres podem também apresentar-se em cena, independentemente da circulação de
mercadorias. Assim, por exemplo, a luta de classe no mundo antigo apresenta-se principalmente sob a forma de uma luta entre credor e
devedor e termina em Roma com a decadência do devedor plebeu, que é substituído pelo escravo. Na Idade Média essa luta termina com a
decadência do devedor feudal, que perde seu poder político com sua base econômica. Contudo, a forma dinheiro — a relação entre credor
e devedor possui a forma de uma relação monetária — somente reflete o antagonismo de condições de existências econômicas mais profundas.


Voltemos à esfera da circulação de mercadorias. Cessou o apa-recimento simultâneo dos equivalentes mercadoria e dinheiro, sobre
os dois pólos de processo de venda. O dinheiro funciona agora, primeiro, como medida de valor na determinação do preço da mercadoria vendida.
Seu preço fixado contratualmente mede a obrigação do comprador, isto


MARX


255
200 Lutero distingue dinheiro como meio de compra e como meio de pagamento. "Fazes de mim um gêmeo do avarento, de modo que não posso pagar aqui, nem comprar ali."
(LUTHER,
Martin. An die Pfarrherrn, wider den Wucher zu predigen. Wittenberg. 1540.) * 201 Sobre as relações entre devedor e credor, entre os comerciantes ingleses, no início
do século
XVIII: "Entre os comerciantes, aqui na Inglaterra, reina tal espírito de crueldade que não se encontra em nenhuma outra sociedade humana nem em nenhum outro país
do mundo."
(An Essay on Credit and the Bankrupt Act. Londres, 1707. p. 2.) * Nós citamos Lutero conforme a 4ª edição de O Capital. (N. da Ed. Alemã.)
243#
é, a soma de dinheiro, a qual ele deve em certo prazo. Segundo, funciona como meio ideal de compra. Embora apenas exista no compromisso
monetário do comprador, faz com que a mercadoria mude de mãos. Apenas ao vencer o prazo fixado para o pagamento, o meio de paga-mento
entra realmente em circulação, isto é, ele passa realmente das mãos do comprador para as do vendedor. O meio circulante converteu-se
em tesouro, ao interromper o processo de circulação em sua primeira fase ou ao ser subtraída da circulação a forma transformada da mer-cadoria.
O meio de pagamento entra na circulação, porém depois que a mercadoria já se retirou dela. O dinheiro já não media o processo.
Ele o fecha de modo autônomo, como existência absoluta do valor de troca ou mercadoria geral. O vendedor converte sua mercadoria em
dinheiro para satisfazer a uma necessidade por meio do dinheiro, o entesourador, para preservar a mercadoria em forma de dinheiro, o
comprador que ficou devendo, para poder pagar. Se não pagar, seus bens são vendidos judicialmente. A figura de valor da mercadoria, di-nheiro,
torna-se, portanto, agora um fim em si da venda, em virtude de uma necessidade social que se origina das condições do próprio
processo de circulação.


O comprador retransforma dinheiro em mercadoria antes de ter convertido mercadoria em dinheiro ou realiza a segunda metamorfose
da mercadoria antes da primeira. A mercadoria do vendedor circula, mas realiza seu preço somente sob a forma de um título de crédito de
direito privado. Converte-se em valor de uso antes de haver-se con-vertido em dinheiro. Sua primeira metamorfose somente se realiza a
posteriori. 202


Em todo período determinado do processo de circulação, as obri-gações vencidas representavam a soma de preços das mercadorias cuja
venda as fez surgir. A massa de dinheiro necessária para realizar essa soma de preços depende, antes de tudo, da velocidade de circulação
dos meios de pagamento. Esta é condicionada por duas circunstâncias: o encadeamento das relações entre credor e devedor, pelas quais A
recebe o dinheiro de seu devedor B, e paga com ele ao seu credor C etc.; e o lapso de tempo entre os diversos prazos de pagamento. Essa
cadeia em processamento de pagamentos ou das primeiras metamor-


OS ECONOMISTAS


256
202 Nota à 2ª edição. Vê-se, pela seguinte citação de meu escrito surgido em 1859, por que, no texto, não tomo em consideração uma forma oposta: "Inversamente, o
dinheiro pode,
no processo D — M, ser alienado como verdadeiro meio de compra e assim ser realizado o preço da mercadoria antes de realizar-se o valor de uso do dinheiro ou alienar-se
a
mercadoria. Isso ocorre, por exemplo, na forma costumeira dos pagamentos adiantados. Ou na forma em que o Governo inglês (...) compra o ópio dos Ryots na Índia.
Desse modo,
porém, o dinheiro atua somente na forma já conhecida como meio de compra. (...) Natu-ralmente que também se adianta capital sob a forma de dinheiro. (...) Mas esse
aspecto
não cabe no horizonte da circulação simples". (Zur Kritik etc. p. 119-120.)
244#
foses a posteriori distingue-se essencialmente do entrelaçamento das séries de metamorfoses, apreciadas anteriormente. No curso do meio
circulante a conexão entre compradores e vendedores não é apenas expressa. A própria conexão surge primeiro no curso do dinheiro e com
ele. O movimento dos meios de pagamento expressa, ao contrário, uma conexão social que já se tinha completado antes dele.


A simultaneidade e o paralelismo das vendas limitam a substi-tuição da massa de moedas mediante a velocidade de circulação. Elas
proporcionam, ao contrário, nova alavanca na economia dos meios de pagamento. Com a concentração dos pagamentos na mesma praça de-senvolvem-
se naturalmente instituições e métodos próprios para sua compensação. Assim, por exemplo, os virements de Lyon, na Idade Mé-dia.
Os créditos de A contra B, B contra C e C contra A etc. precisam apenas ser confrontados para se cancelar mutuamente, até certo total,
como grandezas positivas e negativas. Assim fica somente um saldo devedor a ser liquidado. Quanto mais maciça for a concentração de
pagamentos, tanto menor será relativamente o saldo e, portanto, a massa dos meios de pagamento em circulação.
A função do dinheiro como meio de pagamento implica uma con-tradição direta. Na medida em que os pagamentos se compensam, ele
funciona apenas idealmente, como dinheiro de conta ou medida de valor. Na medida em que tem-se de fazer pagamentos efetivos, ele não
se apresenta como meio circulante, como forma apenas evanescente e intermediária do metabolismo, senão como a encarnação individual do
trabalho social, existência autônoma do valor de troca, mercadoria ab-soluta. Essa contradição estoura no momento de crises comerciais e
de produção a que se dá o nome de crise monetária. 203 Ela ocorre somente onde a cadeia em processamento dos pagamentos e um sistema
artificial para sua compensação estão plenamente desenvolvidos. Ha-vendo perturbações as mais gerais desse mecanismo, seja qual for a
sua origem, o dinheiro se converte súbita e diretamente de figura so-mente ideal de dinheiro de conta em dinheiro sonante. Torna-se in-substituível
por mercadorias profanas. O valor de uso da mercadoria torna-se sem valor e seu valor desaparece diante de sua própria forma
de valor. Ainda há pouco o cidadão, presumindo-se esclarecido e ébrio de prosperidade, proclamava o dinheiro como uma paixão inútil. So-mente
a mercadoria é dinheiro. Apenas o dinheiro é mercadoria, cla-ma-se agora por todo o mercado mundial. E como o cervo que grita


MARX


257
203 Deve-se distinguir bem a crise monetária, definida no texto como fase particular de cada crise geral de produção e comércio, do tipo especial de crise que se
chama também de crise
monetária, mas que pode aparecer independentemente, de modo que ela só afeta indústria e comércio por repercussão. Estas são crises cujo movimento se centra no capital
monetário
e, por isso, bancos, bolsas de valores e finanças são sua esfera imediata. (Nota de Marx à 3ª edição.)
245#
por água fresca, assim grita a sua alma por dinheiro, a única riqueza. 204 Na crise, a antítese entre a mercadoria e sua figura de valor, o dinheiro,
é elevada a uma contradição absoluta. A forma de manifestação do dinheiro é aqui portanto também indiferente. A fome de dinheiro é a
mesma, quer se tenha de pagar em ouro ou em dinheiro de crédito, em notas de banco, por exemplo. 205
Se observarmos agora a soma total do dinheiro em circulação durante dado período, verificamos que, dada a velocidade de circulação
do meio circulante e dos meios de pagamento, ela é igual à soma dos preços das mercadorias a serem realizados mais a soma dos pagamentos
vencidos menos os pagamentos que se compensam e, finalmente, menos o número de giros que a mesma moeda descreve, funcionando alter-nadamente
como meio de circulação e como meio de pagamento. Assim, por exemplo, o camponês vende seu grão por 2 libras esterlinas, que
servem, desse modo, de meio circulante. No dia do vencimento, ele paga com elas o linho que lhe forneceu o tecelão. As mesmas 2 libras
esterlinas funcionam agora como meio de pagamento. O tecelão, por sua vez, compra com elas uma Bíblia e paga à vista — elas funcionam
de novo como meio circulante — etc. Mesmo sendo dados os preços, a velocidade de circulação de dinheiro e a economia dos pagamentos, já
não coincidem a massa de dinheiro que gira e a massa de mercadorias que circula durante um período, durante um dia, por exemplo. Está
em curso dinheiro que representa mercadorias retiradas há muito tem-po de circulação. Circulam mercadorias cujo equivalente em dinheiro
só aparece no futuro. Por outro lado, os pagamentos contraídos cada dia e os pagamentos que vencem nesse mesmo dia são grandezas ab-solutamente
incomensuráveis. 206


OS ECONOMISTAS


258
204 "Esse salto brusco do sistema de crédito para o sistema monetário acrescenta o susto teórico ao pânico prático: e os agentes da circulação estremecem perante
o mistério impe-netrável
de suas próprias relações." (MARX, Karl. Op. cit., p. 126.) "Os pobres não têm trabalho, porque os ricos não têm dinheiro para empregá-los, embora possuam as mesmas
terras e as mesmas forças de trabalho que antes, para poder produzir alimentos e roupas; são estas, porém, que constituem a verdadeira riqueza de uma nação e não
o dinheiro."
(BELLERS, John. Proposals for Raising a Colledge of Industry. Londres, 1696, p. 3-4.) 205 Como tais momentos são explorados pelos amis du commerce: * "Certa ocasião"
(1839) "um
velho e ávido banqueiro" (da "City") "levantou a tampa da escrivaninha, em sua sala privada, à qual ele se sentava, e exibiu a um amigo maços de notas bancárias;
com prazer
efusivo, ele contou que eram 600 mil libras esterlinas, que teriam sido retidas para tornar o dinheiro escasso e seriam todas postas em circulação depois das 3 horas,
no mesmo dia".
([ ROY, H.] The Theory of the Exchanges. The Bank Charter Act of 1844. Londres, 1864. p. 81.) O órgão semi-oficial The Observer relata que no dia 24 de abril de
1864: "Estão
circulando rumores muito estranhos sobre os meios empregados com o fim de provocar uma escassez de notas bancárias. (...) Por mais questionável que possa parecer
admitir-se
que truques desse tipo pudessem ter sido empregados, difundiu-se tanto a notícia a respeito que ela tem, de fato, de ser mencionada".
* Amigos do comércio. (N. dos T.)
206 "O volume de vendas ou contratos, realizados durante um dia determinado, não influi na quantidade de dinheiro que circula nesse dia, mas, na grande maioria dos
casos, vai se


traduzir em múltiplas emissões de letras de câmbio sobre a quantidade de dinheiro que poderá estar em curso no futuro, em dias mais ou menos distantes. As letras
concedidas
246#
O dinheiro de crédito se origina diretamente da função do dinheiro como meio de pagamento, já que são colocados em circulação os próprios
certificados de dívidas por mercadorias vendidas, para transferir os respectivos créditos. Por outro lado, ao estender-se o sistema de crédito,
estende-se a função do dinheiro como meio de pagamento. Enquanto tal, recebe forma própria da existência, na qual ocupa a esfera das
grandes transações comerciais, enquanto as moedas de ouro e prata ficam confinadas à esfera do varejo. 207
Com certo nível e volume de produção de mercadorias, a função do dinheiro como meio de pagamento ultrapassa a esfera da circulação
de mercadorias. Ele torna-se a mercadoria geral dos contratos. 208 Ren-das, impostos etc. transformam-se de entregas em natura em paga-mentos
em dinheiro. Até que ponto essa transformação é condicionada pela configuração geral do processo de produção é demonstrado, por
exemplo, pelo fato de que tenha fracassado por duas vezes a tentativa do Império Romano de cobrar todos os tributos em dinheiro. E a in-descritível
miséria da população camponesa da França, sob o reinado


MARX


259
ou créditos abertos hoje não precisam, no que diz respeito ao seu número, montante ou prazo, ter nenhuma semelhança com aqueles que foram concedidos ou aceitos para
amanhã
ou depois de amanhã; antes, pelo contrário, muitos dos créditos e das letras de hoje, quando vencidos, se cobrem com um montante de obrigações cuja origem se distribui
por uma série
de datas anteriores, totalmente indeterminadas. Letras de câmbio com prazos se 12 meses, 6, 3 ou 1 coincidem muitas vezes de tal modo que aumentam extraordinariamente
as
obrigações vencidas em determinado dia." (The Currency Theory Reviewed; a Letter to the Scotch People. By a Banker in England. Edimburgo, 1845, p. 29-30 passim.)
207 Como um exemplo de quão pequena é a quantidade de dinheiro real que entra nas verda-deiras operações comerciais, segue aqui o esquema de uma das maiores casas
de comércio
de Londres (Morrison, Dillon & Co.) sobre seus recebimentos e pagamentos monetários anuais. Suas transações, no ano de 1856, que abrangem muitos milhões de libras,
estão
reduzidas à escala de 1 milhão.


(Report from the Select Committee on the Bank Acts. Julho de 1858. p. LXXI.) 208 "O caráter do comércio mudou de tal maneira que agora, em vez da troca de bens por
bens
ou entrega e recepção, há venda e pagamento e todos os negócios (...) apresentam-se atual-mente como negócios puros de dinheiro." (DEFOE, D. An Essay upon Publick
Credit. 3ª
ed., Londres, 1710. p. 8.) * Vales postais. (N. dos T.)
247#
de Luís XIV, que com tanta eloqüência foi denunciada por Boisguille-bert, Marechal Vauban etc., não se devia somente ao montante dos
impostos, mas também à conversão dos impostos em natura em im-postos em dinheiro. 209 Por outro lado, se a forma natural da renda do
solo, que constitui, na Ásia, ao mesmo tempo, o elemento fundamental do imposto público, baseia-se lá em condições de produção que se re-produzem
com a imutabilidade de condições naturais, aquela forma de pagamento repercurte sobre a forma antiga de produção, conser-vando-
a. É um dos segredos da autoconservação do Império Turco. E se, no Japão, o comércio externo imposto pela Europa provoca a con-versão
da renda em natura em renda em dinheiro, será à custa de sua agricultura exemplar. Suas estreitas condições econômicas de exis-tência
dissolver-se-ão. Em cada país se fixam certos prazos gerais de pagamento. Esses
prazos, abstraindo outros ciclos da reprodução, obedecem em parte às condições naturais da produção, vinculadas às mudanças de estação.
Esses prazos regulam também pagamentos que não surgem direta-mente da circulação de mercadorias, tais como impostos, rendas etc.
O volume de dinheiro que é exigido, em certos dias do ano, para pa-gamentos dispersos por toda a superfície da sociedade, origina pertur-bações
periódicas, mas que são completamente superficiais, na econo-mia dos meios de pagamento. 210 Da lei que regula a velocidade de
circulação dos meios de pagamento depreende-se que para todos os pagamentos periódicos, qualquer que seja a sua origem, o volume de
meios de pagamento necessário está em proporção direta à duração dos prazos de pagamento. 211


OS ECONOMISTAS


260
209 "O dinheiro tornou-se o verdugo de todas as coisas." A arte financeira é "a retorta na qual se evaporou uma quantidade assustadora de bens e mercadorias a fim
de obter esse fatal
extrato". "O dinheiro declara guerra a todo o gênero humano." (BOISGUILLEBERT. "Dis-sertation sur la Nature des Richesses, de l'Argent et des Tributs". Edit. Daire.
Économistes
Financiers. Paris, 1843, t. I, p. 413, 417, 418, 419.) 210 "Segunda-feira de Pentecostes de 1824", conta o sr. Craig à comissão de investigação par-lamentar
de 1826, "havia uma procura tão imensa por notas bancárias em Edimburgo que às 11 horas não tínhamos mais nenhuma nota sob nossa custódia. Dirigimo-nos aos dife-rentes
bancos, um após o outro, para obter algumas emprestadas, mas não foi possível e muitas transações só puderam ser acertadas por meio de slips of paper. * Às 3 horas
da
tarde, porém, diversas notas já haviam retornado aos bancos dos quais haviam saído. Elas apenas tinham mudado de mãos." Embora a circulação média efetiva das notas
bancárias
na Escócia importe em menos de 3 milhões de libras esterlinas, são postas em atividade em diversos dias de pagamento do ano, todas as notas que se encontram na posse
dos
banqueiros, num total de cerca de 7 milhões de libras esterlinas. Nessas ocasiões, as notas têm de exercer uma função única e específica e tão logo esteja exercida,
refluem aos res-pectivos
bancos dos quais saíram." (FULLARTON, John. Regulation of Currencies. 2ª ed., Londres, 1845, nota à p. 86.) A título de esclarecimento acrescente-se que na Escócia,
ao
tempo do escrito de Fullarton, não se emitiam cheques, mas só notas para os depósitos. * Pedaços de papel. (N. dos T.)
211 À pergunta "se houvesse a necessidade de movimentar 40 milhões por ano, bastariam os mesmos 6 milhões" (ouro) "para os giros e ciclos, que se dão por exigência
do comércio"
Petty responde com sua costumeira mestria: "Eu respondo sim: para a quantia de 40 milhões bastariam 40/ 52 de 1 milhão, se os ciclos durassem um período tão curto
isto é,
248#
O desenvolvimento do dinheiro como meio de pagamento exige certa acumulação monetária, nas datas de vencimento das somas devidas. En-quanto
o entesouramento desaparece como forma autônoma de enrique-cimento, com o progresso da sociedade burguesa, ele, ao contrário, cresce
na forma de fundos de reserva dos meios de pagamento.
c) Dinheiro mundial
Ao sair da esfera interna de circulação, o dinheiro desprende-se das formas locais do padrão de preços, moeda, moeda divisionária e
signo de valor, e reassume a forma originária de barras dos metais preciosos. No comércio mundial as mercadorias desdobram seu valor
universalmente. Sua figura autônoma de valor se defronta, portanto, aqui também com elas sob a forma de dinheiro mundial. É só no mer-cado
mundial que o dinheiro funciona plenamente como mercadoria, cuja forma natural é, ao mesmo tempo, forma diretamente social de
realização do trabalho humano em abstrato. Seu modo de existir ajus-ta-se ao seu conceito.
Na esfera interna de circulação pode servir como medida de valor e, portanto como dinheiro, somente uma mercadoria. No mercado mun-dial
domina dupla medida de valor, o ouro e a prata. 212


MARX


261
semanal, como acontece com pobres artesãos e trabalhadores, que recebem e pagam todos os sábados; se, porém os prazos forem trimestrais, conforme nosso costume de
pagar ar-rendamento
e de coletar impostos, então seriam necessários 10 milhões. Se supusermos, portanto, que os pagamentos geralmente ocorrem em prazos diferentes, entre 1 e 13 semanas,
então tem-se de adicionar 10 milhões a 40/ 52, cuja metade é cerca de 5 1/ 2 milhões, de modo que 5 1/ 2 milhões seriam suficientes". (PETTY, William. Political
Anatomy of Ireland,
1672. Edit. Londres, 1691. p. 13-14.) * * Marx cita aqui o escrito de Petty "Verbum sapienti", que foi publicado como suplemento
da obra Political Anatomy of Ireland. (N. da Ed. Alemã.) 212 Daí a inadequação de qualquer legislação que prescreva aos bancos nacionais só entesou-rarem
o metal precioso que funciona como dinheiro no interior do país. Os "doces impedi-mentos" assim auto-impostos do Bank of England, por exemplo, são conhecidos. Sobre
as
grandes épocas históricas da mudança do valor relativo do ouro e da prata, ver MARX, Karl. Op. cit., p. 136 et seqs. — Aditamento à 2ª edição. Sir Robert Peel procurou
em sua
lei bancária de 1844 remediar esse mal, permitindo ao Bank of England emitir notas ga-rantidas por barras de prata, de tal maneira porém que a reserva de prata nunca
fora
mais que 1/ 4 da reserva de ouro. O valor da prata estima-se, nesse caso, segundo seu preço de mercado (em ouro) no mercado de Londres. {À 4ª edição. Encontramo-nos,
de novo, numa
época de grande mudança do valor relativo do ouro e da prata. Há cerca de 25 anos, a relação de valor do ouro à prata era de 15 1/ 2: 1, hoje é de aproximadamente
22: 1, e a
prata está caindo ainda continuamente em relação ao ouro. Isso é no essencial a conseqüência de uma mudança no modo de produção de ambos os metais. Antigamente,
extraía-se o ouro
quase exclusivamente por meio da lavagem de camadas aluviais, produtos da erosão de rochas auríferas. Agora já não basta esse método, que foi relegado a segundo
plano pelo
processamento dos próprios filões auríferos de quartzo, método que, embora bem conhecido dos antigos (DIODOR. III, 12-14), era utilizado antes apenas em segundo
lugar. Por outro
lado, não apenas descobriram-se novas jazidas imensas de prata a oeste das montanhas Rochosas americanas, mas também estas e as minas de prata mexicanas foram abertas
ao
tráfego por vias férreas, possibilitando a introdução de maquinaria moderna e de combus-tíveis e, desse modo, a extração de prata em maior escala e a custos mais
baixos. Existe,
porém, grande diferença quanto ao modo de ocorrência dos dois metais nos filões. O ouro está geralmente em estado puro, mas em compensação disperso no quartzo em
quantidades
249#
O dinheiro mundial funciona como meio geral de pagamento,
meio geral de compra e materialização social absoluta da riqueza em geral (universal wealth). A função como meio de pagamento, para a


compensação de saldos internacionais, é predominante. Daí a palavra
de ordem dos mercantilistas — balança comercial! 213 O ouro e a prata funcionam como meio internacional de compra sobretudo cada vez que


se perturba bruscamente o equilíbrio tradicional do metabolismo entre nações diferentes. Finalmente, como materialização social absoluta da
riqueza, onde não se trata nem de compras nem de pagamentos, mas


OS ECONOMISTAS


262
minúsculas; por isso, toda a ganga tem de ser triturada, extraindo-se depois o ouro por meio de lavagem ou por meio de mercúrio. Freqüentemente obtém-se de 1 milhão
de gramas
de quartzo apenas 1 a 3 gramas, muito raramente 30 a 60 gramas de ouro. A prata quase nunca ocorre pura, mas em compensação em minérios próprios, que podem ser separados
com relativa facilidade da ganga e contêm geralmente 40 a 90% de prata; ou é contida em quantidades menores nos minérios de cobre, chumbo etc., cujo processamento
já é por
si mesmo lucrativo. Daí já se vê que, enquanto o trabalho de produção do ouro tende a aumentar, ao passo que o da prata indubitavelmente diminui, a queda do valor
da última
se explica de maneira inteiramente natural. Essa queda do valor expressar-se-ia em queda ainda maior de preço, caso não se mantivesse o preço da prata elevado por
meios artificiais.
Os tesouros de prata da América, porém, só foram colocados ao alcance dos exploradores em pequena parte, e assim toda a perspectiva é de que o valor da prata continue
a
baixar por mais tempo. Contribui ainda para isso a relativa diminuição da demanda de prata para artigos de uso e de luxo, sua substituição por mercadorias prateadas,
alumínio etc. Daí avalie-se o utopismo da idéia bimetalista de que um curso forçado internacional elevaria a prata à antiga proporção de valor 1: 15 1/ 2. É mais
provável
que a prata perca também no mercado mundial, cada vez mais, sua qualidade monetária. — F. E.}
213 Os antagonistas do sistema mercantilista, que considerava a liquidação do saldo excedente da balança comercial por meio de ouro e prata como objetivo do comércio
internacional,
desconheceram totalmente, por seu lado, a função do dinheiro mundial. Como a concepção falsa das leis que regulam o volume do meio circulante se reflete na concepção
falsa sobre
o movimento internacional dos metais preciosos, demonstrei minuciosamente em Ricardo. (Op. cit., p. 150 et seqs.) Seu falso dogma: "Uma balança comercial desfavorável
só pode
originar-se de um excesso de meio circulante. (...) A exportação de moedas é devido a seu preço baixo e não é conseqüência, porém causa, de uma balança desfavorável."
* Já se
encontra em Barbon: "A balança comercial, quando existe uma, não é a causa de que o dinheiro seja exportado de um país. A exportação resulta antes da diferença de
valor dos
metais preciosos em cada país". (BARBON, N. Op. cit., p. 59.) MacCulloch em The Literature of Political Economy: a Classified Catalogue, Londres, 1845, louva Barbon
por essa ante-cipação,
mas evita prudentemente mencionar as formas ingênuas, em que aparecem ainda em B., os pressupostos absurdos do currency principle. ** A falta de crítica e mesmo
a
desonestidade desse catálogo culminam nas seções sobre a história da teoria monetária, porque aqui McCulloch está bajulando como sicofanta de Lord Overstone (o ex-banqueiro
Loyd), a quem chama "facile princeps argentariorum". *** * Marx cita aqui o livro de RICARDO, D. The High Price of Bullion a Proof of the Depreciation
of Bank Notes. 4ª ed., Londres, 1811. ** Teoria monetária muito divulgada na Inglaterra na primeira metade do século XIX, que
partiu da teoria quantitativa do dinheiro. Os representantes da teoria quantitativa afirmam que os preços das mercadorias seriam determinados pela quantidade de
dinheiro em cir-culação.
Os representantes do currency principle queriam imitar as leis da circulação me-tálica. No currency (meio circulante) incluíam, além do dinheiro metálico, também
as notas
bancárias. Eles acreditavam alcançar um curso estável do dinheiro por meio da plena cobertura em ouro das notas; a emissão devia ser regulada conforme a importação
e ex-portação
do metal precioso. As tentativas do Governo inglês (lei bancária de 1844) de basear-se nessa teoria não tiveram nenhum sucesso e somente confirmaram sua falta de
sustentação científica e sua total inutilidade para fins práticos. (N. da Ed. Alemã.) *** O reconhecido rei da gente de dinheiro. (N. dos T.)
250#
sim de transferência de riqueza de um país a outro e onde essa trans-ferência
não é permitida sob a forma de mercadoria, seja pelas con-junturas
do mercado, seja pelo fim que se busca alcançar. 214
Do mesmo modo como para sua circulação interna, necessita todo
país contar com um fundo de reserva para a circulação do mercado
mundial. As funções dos tesouros surgem, assim, em parte da função
do dinheiro como meio interno de pagamento ou de circulação, em
parte de sua função como dinheiro mundial. 215 Neste último papel sem-pre
é exigida a mercadoria monetária efetiva, o ouro e a prata em
pessoa; daí ter James Stewart expressamente caracterizado ouro e pra-ta
em contraste com suas representações puramente locais, como money
of the world. 216
O movimento do fluxo de ouro e prata é duplo. De um lado, ele
se espalha a partir de suas fontes, sobre todo o mercado mundial, onde
é absorvido, em diferentes volumes, pelas distintas esferas nacionais
de circulação, para penetrar pelos seus canais internos de circulação,
substituir moedas de ouro e prata desgastadas, fornecer material para
mercadorias de luxo e imobilizar-se como tesouros. 217 Esse primeiro
movimento é efetuado por meio do intercâmbio direto dos trabalhos
nacionais realizados em mercadorias, pelo trabalho realizado em metais
preciosos dos países produtores de ouro e prata.
Por outro lado, o ouro e a prata fluem constantemente de lá para
cá entre as diferentes esferas nacionais de circulação, um movimento
que acompanha as incessantes oscilações do curso de câmbio. 218 Os países de produção burguesa desenvolvida limitam os tesouros


MARX


263
214 Por exemplo, nos casos de subsídios, de empréstimos de dinheiro para condução de guerras ou para a retomada dos pagamentos a vista pelos bancos etc., o valor
pode ser exigido
justamente na forma de dinheiro. 215 Nota à 2ª edição. "De fato, eu não posso imaginar nenhuma prova mais convincente de que
o mecanismo do entesouramento, em países de padrão metálico, é capaz de desempenhar cada função necessária à compensação de obrigações internacionais, sem nenhum
apoio
perceptível por parte da circulação geral, do que a facilidade com que a França, ainda em vias de se recuperar do abalo de uma destruidora invasão estrangeira, conseguiu
efetuar,
num período de 27 meses, o pagamento de quase 20 milhões de indenização de guerra, imposta a elas pelas potências aliadas, sendo de se notar que parte considerável
dessa
soma em dinheiro metálico, sem restrição ou perturbação visível do curso interno do dinheiro ou sem quaisquer oscilações alarmantes de seu curso de câmbio." (FULLARTON.
Op. cit.,
p. 141.) (À 4ª edição. — Um exemplo de maior impacto temos na facilidade com que a mesma França, de 1871 a 1873, conseguiu pagar, em 30 meses, uma indenização de
guerra
mais de dez vezes superior, sendo, da mesma forma, uma parte significativa em dinheiro metálico. — F. E.}
216 Dinheiro do mundo. (N. dos T.) 217 "O dinheiro distribui-se pelas nações segundo suas necessidades (...) ao ser atraído sempre
pelos produtos." (LE TROSNE. Op. cit., p. 916.) "As minas, que estão fornecendo continua-mente ouro e prata, são suficientemente fecundas para fornecer a cada nação
esse quantum
necessário." (VANDERLINT, J. Op. cit., p. 40.) 218 "Os cursos de câmbio sobem e descem toda semana; em certos períodos do ano, sobem em
prejuízo de uma nação, em outros chegam à mesma altura em favor desta." (BARBON, N. Op. cit., p. 39.)
251#
maciçamente concentrados nas reservas bancárias ao mínimo requerido por suas funções específicas. 219 Embora haja exceções, o crescimento
extraordinário da reserva do tesouro, acima de seu nível médio, indica estancamento da circulação das mercadorias ou interrupção do fluxo
de metamorfose das mercadorias. 220


OS ECONOMISTAS


264
219 Essas funções diferentes podem entrar em conflito perigoso logo que se lhes adiciona a função de um fundo de conversão para notas bancárias.
220 "O que existe em dinheiro além do mínimo indispensável para o comércio interno representa capital morto, e não traz nenhum ganho ao país que o possui, exceto
quando ele mesmo
é exportado respectivamente importado." (BELLERS, John. Essays etc. p. 13.) "O que acon-tece se temos dinheiro cunhado em demasia? Poderemos fundir o mais pesado
e transformá-lo
em suntuosas baixelas, vasos e utensílios domésticos de ouro e prata; ou enviá-lo como mercadoria para onde há necessidade e procura por ele; ou emprestá-lo a juros,
onde se
paga alta taxa de juros." (PETTY, W. Quantulumcumque. p. 39.) "O dinheiro é apenas a gordura do corpo do Estado, e por isso seu excesso afeta tanto sua mobilidade
quanto sua
falta torna-o doente (...) como a gordura lubrifica o movimento dos músculos, substitui alimentos faltantes, aplaina desníveis e embeleza o corpo, assim o dinheiro
facilita os
movimentos do Estado, traz alimentos do exterior quando há carestia no país, paga dívidas (...) e embeleza o conjunto; porém particularmente", conclui ironicamente,
"os indivíduos
que possuem muito dele." (PETTY, W. Political Anatomy of Ireland. p. 14-15.)
252#
SEÇÃO II
A TRANSFORMAÇÃO DO DINHEIRO EM CAPITAL
253#
CAPÍTULO IV TRANSFORMAÇÃO DO DINHEIRO EM CAPITAL
1. A fórmula geral do capital


A circulação de mercadorias é o ponto de partida do capital. Produção de mercadorias e circulação desenvolvida de mercadorias,
comércio, são os pressupostos históricos sob os quais ele surge. Comércio mundial e mercado mundial inauguram no século XVI a moderna his-tória
da vida do capital. Abstraiamos o conteúdo material da circulação de mercadorias,
o intercâmbio dos diferentes valores de uso, e consideremos apenas as formas econômicas engendradas por esse processo, então encontraremos
como seu produto último o dinheiro. Esse produto último da circulação de mercadorias é a primeira forma de aparição do capital.
Historicamente, o capital se defronta com a propriedade fundiária, no início, em todo lugar, sob a forma de dinheiro, como fortuna em
dinheiro, capital comercial e capital usurário. 221 No entanto, não se precisa remontar à história da formação do capital para reconhecer o
dinheiro como a sua primeira forma de aparição. A mesma história se desenrola diariamente ante nossos olhos. Cada novo capital pisa em
primeira instância o palco, isto é, o mercado, mercado de mercadorias, mercado de trabalho ou mercado de dinheiro, sempre ainda como di-nheiro,
dinheiro que deve transformar-se em capital por meio de de-terminados processos.
Dinheiro como dinheiro e dinheiro como capital diferenciam-se primeiro por sua forma diferente de circulação.
A forma direta de circulação de mercadorias é M — D — M,


267
221 A antítese entre o poder da propriedade fundiária, repousando sobre relações pessoais de servidão e senhorio, e o poder impessoal do dinheiro, está claramente
captada em dois
ditos franceses. Nulle terre sans seigneur. * L'argent n'a pas de maître. ** * "Nenhuma terra sem senhor."( N. dos T.)
** "O dinheiro não tem mestre."( N. dos T.)
254#
transformação de mercadoria em dinheiro e retransformação de di-nheiro em mercadoria, vender para comprar. Ao lado dessa forma,
encontramos, no entanto, uma segunda, especificamente diferenciada, a forma D — M — D, transformação de dinheiro em mercadoria e
retransformação de mercadoria em dinheiro, comprar para vender. Di-nheiro que em seu movimento descreve essa última circulação trans-forma-
se em capital, torna-se capital e, de acordo com sua determinação, já é capital.
Vejamos mais de perto a circulação D — M — D. Ela percorre, como a circulação simples de mercadorias, duas fases antitéticas. Na
primeira fase, D — M, compra, o dinheiro é transformado em merca-doria. Na segunda fase, M — D, venda, a mercadoria é retransformada
em dinheiro. A unidade de ambas as fases é, porém, o movimento global, que troca dinheiro por mercadoria e, novamente, a mesma mer-cadoria
por dinheiro, compra mercadoria para vendê-la, ou, se não se consideram as diferenças formais entre compra e venda, compra mer-cadoria
com o dinheiro e dinheiro com a mercadoria. 222 O resultado, em que todo o processo se apaga, é troca de dinheiro por dinheiro, D
— D. Se com 100 libras esterlinas compro 2 000 libras de algodão e revendo as 2 000 libras de algodão por 110 libras esterlinas, então
troquei afinal 100 libras esterlinas por 110 libras esterlinas, dinheiro por dinheiro.
É agora evidente que o processo de circulação D — M — D seria insosso e sem conteúdo caso se quisesse, por intermédio de seu rodeio,
permutar o mesmo valor em dinheiro por igual valor em dinheiro, assim, por exemplo, 100 libras esterlinas por 100 libras esterlinas.
Incomparavelmente mais simples e mais seguro seria o método do entesourador, que retém as suas 100 libras esterlinas em vez de expô-las
ao perigo da circulação. Por outro lado, se o comerciante revende por 110 libras esterlinas o algodão comprado a 100 libras esterlinas ou se
é forçado a desfazer-se dele por 100 libras esterlinas ou até mesmo por 50 libras esterlinas, em qualquer circunstância seu dinheiro des-creveu
um movimento próprio e original, de espécie totalmente diversa da descrita na circulação simples de mercadorias, por exemplo, nas
mãos do camponês, que vende grão e, com o dinheiro obtido, compra roupas. Por enquanto, vale a característica das diferenças formais entre
os ciclos D — M — D e M — D — M. Com isso há de se revelar logo a diferença de conteúdo que espreita por trás dessas diferenças formais.
Examinemos, antes de tudo, o que é comum a ambas as formas. Ambos os ciclos se decompõem nas duas mesmas fases contra-postas,
M — D, venda, e D — M, compra. Em cada uma das duas fases se confrontam os mesmos dois elementos materiais, mercadoria


OS ECONOMISTAS


268
222 "Com dinheiro se compram mercadorias e com mercadorias se compra dinheiro." (RIVIÈRE, Mercier de la. L'Ordre Naturel et Essentiel des Sociétés Politiques. p.
543.)
255#
e dinheiro — e duas pessoas, nas mesmas máscaras de personagens econômicas, um comprador e um vendedor. Cada um dos dois ciclos é
a unidade das mesmas fases contrapostas e, em ambos os casos, essa unidade é mediada pelo surgimento de três contraentes, dos quais um
apenas vende, outro apenas compra, mas o terceiro alternadamente compra e vende.
O que, no entanto, separa de antemão ambos os ciclos M — D — M e D — M — D é a sucessão inversa das mesmas fases contrapostas
de circulação. A circulação simples de mercadorias começa com a venda e termina com a compra, a circulação do dinheiro como capital começa
com a compra e termina com a venda. Lá a mercadoria, aqui o dinheiro constitui o ponto de partida e o ponto de chegada do movimento. Na
primeira forma é o dinheiro, no outro, inversamente, é a mercadoria que media o transcurso global.
Na circulação M — D — M, o dinheiro é finalmente transformado em mercadoria que seria de valor de uso. O dinheiro está, pois, defi-nitivamente
gasto. Na forma inversa, D — M — D, o comprador gasta dinheiro para como vendedor receber dinheiro. Com a compra, ele lança
dinheiro na circulação, para retirá-lo dela novamente pela venda da mesma mercadoria. Ele libera o dinheiro só com a astuciosa intenção
de apoderar-se dele novamente. Ele é, portanto, apenas adiantado. 223 Na forma M — D — M, a mesma peça monetária muda duas
vezes de lugar. O vendedor a recebe do comprador e paga-a adiante a outro vendedor. O processo global, que começa com o recebimento
do dinheiro por mercadoria, termina com a entrega de dinheiro por mercadoria. Inversamente, na forma D — M — D. Não é a mesma
peça monetária que muda aqui duas vezes de lugar, mas a mesma mercadoria. O comprador a recebe das mãos do vendedor e a depõe
nas mãos de outro comprador. Assim como na circulação simples de mercadorias a dupla mudança de lugar da mesma peça monetária acar-reta
a sua transferência definitiva de uma mão para outra, assim aqui a dupla mudança de lugar da mesma mercadoria acarreta o refluxo
do dinheiro a seu primeiro ponto de partida. O refluxo do dinheiro a seu ponto de partida não depende de a
mercadoria ser vendida mais cara do que ela foi comprada. Essa cir-cunstância influi apenas na grandeza da soma de dinheiro refluente.
O próprio fenômeno do refluxo ocorre assim que a mercadoria comprada é revendida, portanto o ciclo D — M — D está completamente descrito.
Essa é, portanto, uma diferença que salta aos olhos entre a circulação do dinheiro como capital e sua circulação como mero dinheiro.


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269
223 "Se uma coisa é comprada para ser novamente vendida, chama-se a soma aplicada nisso de dinheiro adiantado; se comprada para não ser revendida, ela pode ser designada
como
gasta." (STEUART, James. Works etc. Edit. por General Sir James Steuart, seu filho. Londres, 1805. v. I, p. 274.)
256#
O ciclo M — D — M está percorrido completamente assim que a venda de uma mercadoria traga dinheiro que a compra de outra
mercadoria novamente retira. Se ainda ocorrer refluxo de dinheiro ao seu ponto de partida, isso apenas pode ser por meio da renovação ou
repetição de todo o percurso. Se vendo 1 quarter de grão por 3 libras esterlinas e compro roupas com essas 3 libras esterlinas, as 3 libras
esterlinas estão definitivamente gastas para mim. Eu nada mais tenho a fazer com elas. Elas são do comerciante de roupas. Se, agora, vendo
um segundo quarter de grão, então o dinheiro reflui para mim, mas não em conseqüência da primeira transação, e sim apenas em conse-qüência
de sua repetição. Ele se afasta novamente de mim assim que levo a cabo a segunda transação e compro de novo. Na circulação M
— D — M, o gasto do dinheiro nada tem, pois, a ver com seu refluxo. Na circulação D — M — D, pelo contrário, o refluxo do dinheiro é
determinado pelo modo de seu próprio gasto. Sem esse refluxo, a ope-ração está fracassada ou o processo interrompido e ainda não acabado,
porque falta a sua segunda fase, a venda, que complementa e completa a compra.
O ciclo M — D — M parte do extremo de uma mercadoria e se
encerra com o extremo de outra mercadoria, que sai da circulação e entra no consumo. Consumo, satisfação de necessidades, em uma pa-lavra,


valor de uso, é, por conseguinte, seu objetivo final. O ciclo D — M — D, pelo contrário, parte do extremo do dinheiro e volta finalmente
ao mesmo extremo. Seu motivo indutor e sua finalidade determinante
é, portanto, o próprio valor de troca. Na circulação simples de mercadorias, ambos os extremos têm


a mesma forma econômica. Eles são ambos mercadoria. Eles são tam-bém mercadorias de mesma grandeza de valor. Mas eles são qualita-tivamente
valores de uso diferentes, por exemplo, grão e roupas. O intercâmbio de produtos, a mudança dos diferentes materiais em que
o trabalho social se representa, constitui aqui o conteúdo do movimento. De outro modo na circulação D — M — D. Ela parece à primeira vista
sem conteúdo porque tautológica. Ambos os extremos têm a mesma forma econômica. Eles são ambos dinheiro, portanto não-valores de
uso qualitativamente diferenciados, pois dinheiro é a figura metamor-foseada das mercadorias, em que seus valores de uso específicos estão
apagados. Primeiro trocar 100 libras esterlinas por algodão e, então, trocar novamente o mesmo algodão por 100 libras esterlinas, portanto,
intercambiar por meio de um rodeio, dinheiro por dinheiro, o mesmo pelo mesmo, parece uma operação tão sem finalidade quanto insossa. 224


OS ECONOMISTAS


270
224 "Não se troca dinheiro por dinheiro", clama Mercier de la Rivière aos mercantilistas (Op. cit., p. 486). Numa obra que ex professo * trata do "comércio" e da
"especulação", lê-se: "Todo
comércio consiste na troca de coisas de espécies diferentes; e o proveito" (para o comerciante?) "se origina mesmo dessa diferença. Trocar 1 libra de pão por 1 libra
de pão não traria
257#
Uma soma de dinheiro pode diferenciar-se de outra soma de dinheiro tão somente mediante sua grandeza. Portanto, o processo D — M —
D não deve seu conteúdo a nenhuma diferença qualitativa de seus extremos, pois ambos são dinheiro, mas apenas à sua diferença quan-titativa.
No final, mais dinheiro é retirado da circulação do que foi lançado nele no começo. O algodão comprado por 100 libras esterlinas
é, por exemplo, revendido a 100 + 10 libras esterlinas, ou 110 libras esterlinas. A forma completa desse processo é, portanto, D — M —
D', em que D' = D + D, ou seja, igual à soma de dinheiro originalmente adiantado mais um incremento. Esse incremento, ou o excedente sobre
o valor original, chamo de — mais-valia (surplus value). O valor ori-ginalmente adiantado não só se mantém na circulação, mas altera
nela a sua grandeza de valor, acrescenta mais-valia ou se valoriza. E esse movimento transforma-o em capital.
É também possível que em M — D — M ambos os extremos, M, M, por exemplo, grão e roupas, sejam grandezas de valor quantitati-vamente
diferentes. O camponês pode vender seu grão acima do valor ou comprar as roupas abaixo do valor delas. Ele pode, por sua vez,
ser enganado pelo comerciante de roupas. Tal diferença de valor per-manece, no entanto, para essa mesma forma de circulação, puramente
casual. Ela não perde simplesmente sentido e entendimento como o processo D — M — D, se os dois extremos, grão e roupas, por exemplo,
são equivalentes. Sua igualdade de valor é aqui muito mais condição do transcurso normal.
A repetição ou renovação da venda para compra encontra, como este mesmo processo, medida e alvo num objetivo final situado fora
dela, o consumo, a satisfação de determinadas necessidades. Na compra para a venda, pelo contrário, começo e término são o mesmo, dinheiro,
valor de troca, e já por isso o movimento é sem fim. Sem dúvida, de D adveio D +
D, das 100 libras esterlinas, 100 + 10. Mas consideradas apenas qualitativamente, 110 libras esterlinas são o mesmo que 100


libras esterlinas, ou seja, dinheiro. E consideradas quantitativamente


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271
nenhuma vantagem (...) daí o contraste vantajoso entre comércio e jogo, sendo este apenas intercâmbio de dinheiro por dinheiro". (CORBET, Th. An Inquiry into the
Causes and
Modes of the Wealth of Individuals; or the Principles of Trade and Speculation explained". Londres, 1841. p. 5) Embora Corbet não veja que D — D, trocar dinheiro
por dinheiro, é
a forma característica de circulação não só do capital comercial, mas de todo capital, pelo menos admite que essa forma de uma espécie de comércio, da especulação,
é comum ao
jogo, mas então aparece MacCulloch e acha que comprar para vender seja especular, e que, portanto, a diferença entre especulação e comércio se desfaz. "Cada negócio
em que
uma pessoa compra um produto para revendê-lo é, de fato, uma especulação." (MACCUL-LOCH. A Dictionary, Practical etc. of Commerce. Londres, 1847. p. 1009.) Incomparavel-mente
mais ingênuo, Pinto, o Píndaro da Bolsa de Amsterdã: "O comércio é um jogo" (essa frase, emprestada de Locke) "e com mendigos não se pode ganhar nada. Se, durante
longo
tempo, se ganhasse tudo de todos, ter-se-ia, mediante acordo amigável, de devolver de novo a maior parte do lucro para novamente iniciar o jogo". (PINTO. Traité
de la Circulation
et du Crédit. Amsterdã, 1771. p. 231.) * De cátedra. (N. dos T.)
258#
110 libras esterlinas são uma soma tão limitada de valor quanto 100 libras esterlinas. Se as 110 libras esterlinas fossem gastas como di-nheiro,
deixariam de desempenhar o seu papel. Deixariam de ser ca-pital. Retiradas de circulação, se petrificariam em tesouro e nenhum
farthing 225 se acrescenta a elas, ainda que fiquem guardadas até o Dia do Juízo Final. Caso se trate de valorização do valor, existe então
tanta necessidade da valorização de 110 libras esterlinas quanto da de 100 libras esterlinas, já que ambas são expressões limitadas do
valor de troca, ambas, portanto, tendo a mesma vocação de se apro-ximarem da riqueza simplesmente por meio da expansão de grandeza.
De fato, o valor originalmente adiantado de 100 libras esterlinas di-ferencia-se, por um instante, da mais-valia de 10 libras esterlinas, que
lhe foi acrescentada na circulação, mas essa diferença se esvai logo de novo. No fim do processo, o que surge não é, de um lado, o valor
original de 100 libras esterlinas e, do outro, a mais-valia de 10 libras esterlinas. O que surge é um valor de 110 libras esterlinas que se
encontra na mesma forma adequada para começar o processo de va-lorização, como as 100 libras esterlinas iniciais. Dinheiro surge de novo
no fim do movimento como seu início. 226 O fim de cada ciclo individual, em que a compra se realiza para a venda, constitui, portanto, por si
mesmo o início de novo ciclo. A circulação simples de mercadorias — a venda para a compra — serve de meio para um objetivo final que
está fora da circulação, a aproriação de valores de uso, a satisfação de necessidades. A circulação do dinheiro como capital é, pelo contrário,
uma finalidade em si mesma, pois a valorização do valor só existe dentro desse movimento sempre renovado. Por isso o movimento do
capital é insaciável. 227


OS ECONOMISTAS


272
225 Moeda inglesa no valor de 1/ 4 de pêni. (N. dos T.) 226 "O capital se divide (...) em capital original e lucro, o incremento do capital (...) embora a
própria práxis converta logo esse lucro novamente em capital e o coloque com este em fluxo." (ENGELS, F. "Esboço de uma Crítica da Economia Nacional". In: Anuários
Teuto-Franceses.
Editados por Arnold Ruge e Karl Marx, Paris, 1844, p. 99) * * Ver v. I da edição MEW, p. 511. (n. da Ed. Alemã.)
227 Aristóteles contrapõe à Crematística a Economia. Ele parte da Economia. Enquanto arte da aquisição, ela se limita à obtenção dos bens necessários à vida e úteis
ao lar e ao Estado.
"A verdadeira riqueza ( ) consiste em tais valores de uso; pois para a boa vida, a medida suficiente dessa espécie de propriedade não é limitada.
Existe, porém,
uma segunda arte da aquisição chamada preferencialmente e com direito de Crematística, segundo a qual não parece existir limite à riqueza e à propriedade. O comércio
de mercadorias
(" " significa literalmente comércio de retalhos, e Aristóteles usa essa forma porque nela predomina o valor de uso) não pertence por natureza à Crematística,
pois aqui
o valor de troca só se refere ao que é necessário a eles mesmos (compradores e vendedores). Por isso", continua ele adiante, "a forma original do comércio de mercadorias
também era
o escambo, mas com a sua expansão surgiu necessariamente o dinheiro. Com a invenção do dinheiro, o escambo tinha de evoluir necessariamente para , comércio
de mer-cadorias,
e este, em contradição com sua tendência original, evoluiu para a Crematística, a arte de fazer dinheiro. A Crematística distingue-se agora da Economia porque para
ela
a circulação é a fonte da riqueza µ ... µ µ ). E ela parece girar em torno do dinheiro, pois o dinheiro é o começo e o fim dessa espécie
de
troca µ µ ). Por isso, a riqueza, como a
259#
Como portador consciente desse movimento, o possuidor do di-nheiro torna-se capitalista. Sua pessoa, ou melhor, seu bolso, é o ponto
de partida e o ponto de retorno do dinheiro. O conteúdo objetivo daquela circulação — a valorização do valor — é sua meta subjetiva, e só en-quanto
a apropriação crescente da riqueza abstrata é o único motivo indutor de suas operações, ele funciona como capitalista ou capital
personificado, dotado de vontade e consciência. O valor de uso nunca deve ser tratado, portanto, como meta imediata do capitalismo. 228 Tam-pouco
o lucro isolado, mas apenas o incessante movimento do ganho. 229 Esse impulso absoluto de enriquecimento, essa caça apaixonada do
valor 230 é comum ao capitalista e ao entesourador, mas enquanto o entesourador é apenas o capitalista demente, o capitalista é o ente-sourador
racional. A multiplicação incessante do valor, pretendida pelo entesourador ao procurar salvar o dinheiro da circulação, 231 é alcançada
pelo capitalista mais esperto ao entregá-lo sempre de novo à circulação. 232 As formas autônomas, as formas dinheiro, que o valor das mer-cadorias
assume na circulação simples mediam apenas o intercâmbio de mercadorias e desaparecem no resultado final do movimento. Na
circulação D — M — D, pelo contrário, ambos, mercadoria e dinheiro, funcionam apenas como modos diferentes de existência do próprio valor,
o dinheiro o seu modo geral, a mercadoria o seu modo particular, por assim dizer apenas camuflado, de existência. 233 Ele passa continua-


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273
Crematística pretende, também é ilimitada. Assim como toda arte, para a qual sua meta não vale como meio, mas como finalidade última, é ilimitada, em sua aspiração,
pois procura
aproximar-se dela sempre mais, enquanto as artes, que só perseguem meios para fins, não são ilimitadas, já que a própria meta é o enriquecimento absoluto. A Economia,
não a
Crematística, tem um limite (...) a primeira intenciona algo diferente do próprio dinheiro, a outra, a sua multiplicação (...). A confusão de ambas as formas, que
se sobrepõem entre
si, induz alguns a ver na conservação e multiplicação do dinheiro ao infinito a finalidade última da Economia." (ARISTÓTELES. De Rep. Edit. Bekker, Livro Primeiro.
Cap. 8 e 9
passim.) 228 "Mercadorias" (aqui no sentido de valores de uso) "não são a finalidade última do capitalista
que comercia (...) a sua finalidade última é dinheiro." (CHALMERS, Th. On Politic. Econ. etc. 2ª ed., Glasgow, 1832, p. 165-166.)
229 "Ainda que o comerciante também não menospreze o lucro já alcançado, o seu olhar está, no entanto, sempre voltado para o lucro futuro." (GENOVESI, A. Lezioni
di Economia
Civile (1765). Edição dos economistas italianos de Custodi, Parte Moderna. t. VIII, p. 139.) 230 "A paixão inextinguível pelo lucro, a auri sacra fames, * sempre
caracteriza o capitalista."
(MACCULLOCH. The Principles of Polit. Econ. Londres, 1830. p. 179.) Naturalmente essa compreensão não impede o mesmo McCulloch e consortes, em dificuldades teóricas,
por
exemplo, no tratamento da superprodução, metamorfosear o mesmo capitalista em um bom cidadão, para o qual só se trata do valor de uso e que até desenvolve uma verdadeira
fome
de lobisomem por botas, chapéus, ovos, chitas e outras espécies de valor de uso extremamente familiares.
* A sagrada fome de ouro. (N. dos T.)
231 " !" ** é uma das expressões características dos gregos para entesourar. Igualmente, to save significa ao mesmo tempo salvar e poupar.


** "Salvar". (N. dos T.)
232 "O infinito que as coisas não têm no progredir, elas o têm no ciclo." (GALIANI. [Op. cit., p. 156].)


233 "Não é o material que constitui o capital, mas o valor desses materiais." (SAY, J.-B. Traité d'Écon. Polit. 3ª ed., Paris, 1817. t. II, p. 429.)
260#
mente de uma forma para outra, sem perder-se nesse movimento, e assim se transforma num sujeito automático. Fixadas as formas par-ticulares
de aparição, que o valor que se valoriza assume alternativa-mente no ciclo de sua vida, então se obtêm as explicações: capital é
dinheiro, capital é mercadoria. 234 De fato, porém, o valor se torna aqui o sujeito de um processo em que ele, por meio de uma mudança cons-tante
das formas de dinheiro e mercadoria, modifica a sua própria grandeza, enquanto mais-valia se repele de si mesmo, enquanto valor
original, se autovaloriza. Pois o movimento, pelo qual ele adiciona mais-valia, é seu próprio movimento, sua valorização, portanto autovalori-zação.
Ele recebeu a qualidade oculta de gerar valor porque ele é valor. Ele pare filhotes vivos ou ao menos põe ovos de ouro.
Como sujeito usurpador de tal processo, em que ele ora assume, ora se desfaz da forma dinheiro e da forma mercadoria, mas se conserva
e se dilata nessa mudança, o valor precisa, antes de tudo, de uma forma autônoma, por meio da qual a sua identidade consigo mesmo é
constatada. E essa forma ele só possui no dinheiro. Este constitui, por isso, o ponto de partida e o ponto final de todo processo de valorização.
Ele era 100 libras esterlinas, agora é 110 libras esterlinas etc. Mas o próprio dinheiro vale aqui apenas como uma forma do valor, pois ele
tem duas. Sem assumir a forma de mercadoria, o dinheiro não se torna capital. O dinheiro não se apresenta aqui, portanto, polemicamente
contra a mercadoria, como no entesouramento. O capitalista sabe que todas as mercadorias, por mais esfarrapadas que elas pareçam ou por
pior que elas cheirem, são, na verdade e na fé, dinheiro, judeus no íntimo circuncisos e além disso meios milagrosos para fazer de dinheiro
mais dinheiro. Se na circulação simples o valor das mercadorias adquire no má-ximo,
em confronto com seu valor de uso, a forma autônoma de dinheiro, aqui ele se apresenta subitamente como uma substância em processo
e semovente, para a qual mercadorias e dinheiro são ambos meras formas. Mas ainda mais. Em vez de representar relações mercantis,
ele entra agora, por assim dizer, numa relação privada consigo mesmo. Ele se distingue, como valor original, de si mesmo como mais-valia,
assim como Deus Pai se distingue de si mesmo como Deus Filho, e ambos são de mesma idade e constituem, de fato, uma só pessoa, pois
só por meio da mais-valia de 10 libras esterlinas tornam-se as 100 libras esterlinas adiantadas capital, e assim que se tornam isso, assim
que é gerado o filho e, por meio do filho, o pai, desaparece a sua diferença e ambos são unos, 110 libras esterlinas.
O valor torna-se, portanto, valor em processo, dinheiro em pro-


OS ECONOMISTAS


274
234 "O meio circulante (!) que é usado para fins produtivos é capital." (MACLEOD. The Theory and Practice of Banking. Londres, 1855. v. I, cap. 1, p. 55.) "Capital
é igual a mercadorias."
(MILL, James. Elements of Pol. Econ. Londres, 1821. p. 74.)
261#
cesso e, como tal, capital. Ele provém da circulação, entra novamente nela, sustenta-se e se multiplica nela, retorna aumentado dela e re-começa
o mesmo ciclo sempre de novo. 235 D — D', dinheiro que gera dinheiro — money which begets money —, diz a descrição do capital
na boca dos seus primeiros tradutores, os mercantilistas. Comprar para vender, ou melhor, comprar para vender mais caro,
D — M — D', parece ser decerto apenas uma espécie do capital, a forma peculiar do capital comercial. Mas também o capital industrial
é dinheiro, que se transforma em mercadoria e por meio da venda de mercadoria retransforma-se em mais dinheiro. Atos que ocorram even-tualmente
entre a compra e a venda fora da esfera da circulação nada mudam nessa forma de movimento. No capital a juros a circulação D
— M — D' apresenta-se, afinal, abreviada, em seu resultado sem a mediação, por assim dizer em estilo lapidar, como D — D, dinheiro
que é igual a mais dinheiro, valor que é maior do que ele mesmo. De fato, portanto, D — M — D é a fórmula geral do capital,
como aparece diretamente na esfera da circulação.
2. Contradições da fórmula geral


A forma de circulação, pela qual o dinheiro se revela como capital, contradiz todas as leis anteriormente desenvolvidas sobre a natureza
da mercadoria, do valor, do dinheiro e da própria circulação. O que a distingue da circulação simples de mercadorias é a seqüência inversa
dos mesmos dois processos contrapostos, venda e compra. E como po-deria tal diferença puramente formal mudar por encanto a natureza
desses processos?
Ainda mais. Essa inversão só existe para um dos três parceiros que comerciam uns com os outros. Como capitalista, compro mercadoria


de A e a revendo para B, enquanto como simples possuidor de mer-cadorias vendo mercadoria para B e compro então mercadoria de A.
Para os parceiros A e B essa diferença não existe. Eles aparecem apenas como comprador ou vendedor de mercadorias. Eu mesmo me confronto
com eles, toda vez, como mero possuidor de dinheiro ou como possuidor de mercadorias, comprador ou vendedor, e apareço em ambas as se-qüências
defrontando-me com uma pessoa somente como comprador e com a outra somente como vendedor, com uma somente como dinheiro,
com a outra somente como mercadoria; com nenhum deles como capital ou capitalista ou representante de qualquer outra coisa que fosse mais
que dinheiro ou mercadoria ou que pudesse surtir qualquer outro efeito, exceto o do dinheiro ou da mercadoria. Para mim, compra de A e venda
para B constituem uma seqüência. Mas a conexão entre esses dois


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275
235 "Capital (...) valor que se multiplica permanentemente." (SISMONDI. Nouveaux Principes d'Écon. Polit. t. L, p. 89.)
262#
atos existe apenas para mim. A não se importa com a minha transação com B, e B também não com a minha transação com A. Caso eu quisesse
esclarecê-los quanto ao mérito particular que por meio da inversão da seqüência granjeio, eles me demonstrariam que me engano na própria
seqüência e que a transação global não começou com uma compra e terminou com uma venda, mas que, inversamente, começou com uma
venda e se encerrou com uma compra. De fato, meu primeiro ato, a compra, foi do ponto de vista de A uma venda, e meu segundo ato, a
venda, foi do ponto de vista de B uma compra. Não satisfeitos com isso, A e B esclarecerão que toda a seqüência foi supérflua e abraca-dabra.
A vai vender a mercadoria diretamente para B, e B comprá-la diretamente de A. Com isso, toda a transação se reduz a um ato uni-lateral
de circulação habitual de mercadorias, da perspectiva de A mera venda e da perspectiva de B mera compra. Portanto, por meio da in-versão
da seqüência, nós não transcendemos a esfera da circulação simples de mercadorias, e devemos muito mais verificar se ela permite,
de acordo com sua natureza, valorização do valor que nela penetra e, daí, geração de mais-valia.
Tomemos o processo de circulação numa forma em que ele se apresenta como mero intercâmbio de mercadorias. Esse é sempre o
caso quando ambos os possuidores de mercadorias compram mercado-rias um do outro e a balança de suas obrigações recíprocas de dinheiro
se compensa no dia do pagamento. O dinheiro serve aqui como dinheiro de conta para expressar os valores das mercadorias em seus preços,
mas não se confronta materialmente com as próprias mercadorias. À medida que se trata do valor de uso, é claro que ambos os permutadores
podem ganhar. Ambos alienam mercadorias que lhes são inúteis como valor de uso, e recebem mercadorias de que necessitam para o seu
uso. E essa vantagem pode não ser a única. A, que vende vinho e compra cereal, produz talvez mais vinho do que o plantador de cereal
B poderia produzir no mesmo período de tempo de trabalho, e o plan-tador de cereal B poderia produzir no mesmo tempo de trabalho mais
cereal do que o vinicultor A. A recebe, portanto, pelo mesmo valor de troca, mais cereal e B mais vinho do que se cada um, sem troca, tivesse
de produzir vinho e cereal para si mesmo. No que se refere ao valor de uso, pode ser, portanto, dito que "a troca é uma transação em que
ambas as partes ganham". 236 Com o valor de troca é diferente.
"Um homem que possui muito vinho e nenhum cereal comercia com um homem que tem muito cereal e nenhum vinho, e entre eles


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276
236 "L'échange est une transaction admirable dans laquelle les deux contractants gagnent — toujours (!)." * (DESTUTT DE TRACY. Traité de la Volonté et de ses Effects.
Paris, 1826.
p. 68.) O mesmo livro apareceu também como Traité d'Éc. Pol. * A troca é uma transação admirável, na qual os dois contratantes ganham — sempre. (N.
dos T.)
263#
se troca trigo no valor de 50 por um valor de 50 em vinho. Esse intercâmbio não é um aumento do valor de troca, seja para um,
seja para o outro; pois cada um deles já possuía, antes do intercâmbio, um valor igual àquele que obteve por meio dessa operação." 237


Nada muda na coisa se o dinheiro se interpõe como meio circu-lante entre as mercadorias e os atos de compra e venda se separam
perceptivelmente. 238 O valor das mercadorias está representado em seus preços, antes que entrem na circulação, sendo, portanto, pressu-posto
e não resultado da mesma. 239 Considerado abstratamente, isto é, deixando de considerar as
circunstâncias que não decorrem das leis imanentes da circulação sim-ples de mercadorias, o que ocorre nela, fora a substituição de um valor
de uso por outro, nada mais é que uma metamorfose, mera mudança de forma da mercadoria. O mesmo valor, isto é, o mesmo quantum de
trabalho social objetivado, permanece nas mãos do mesmo possuidor de mercadoria, primeiro na figura de sua mercadoria, depois na do
dinheiro em que se transforma, finalmente na da mercadoria na qual esse dinheiro se retransforma. Essa mudança de forma não inclui ne-nhuma
mudança de grandeza do valor. Mas a mudança que o valor da própria mercadoria sofre nesse processo limita-se a uma mudança
da sua forma monetária. Ela existe primeiro como preço da mercadoria posta à venda, em seguida como uma soma de dinheiro, que já estava,
porém, expressa no preço, finalmente como preço de uma mercadoria equivalente. Essa mudança de forma implica em si e para si tão pouco
numa mudança na grandeza do valor quanto a troca de uma nota de 5 libras esterlinas por sovereigns, meio sovereign e xelins. Portanto, à
medida que a circulação da mercadoria só condiciona uma mudança formal do seu valor, ela condiciona, quando o fenômeno ocorre em sua
pureza, troca de equivalentes. A própria economia vulgar, por pouco que pressinta o que seja valor, supõe por isso, sempre que ela, à sua
maneira, queira considerar o fenômeno em sua pureza, que procura e oferta se igualam, isto é, que seu efeito simplesmente cessa. Se, por-tanto,
em relação ao valor de uso, ambos os permutantes podem lucrar, ambos não podem ganhar no valor de troca. Aqui significa sobretudo:
"Onde há igualdade, não há lucro". 240 Mercadorias podem chegar a ser vendidas por preços que se desviam de seus valores, mas esse desvio
aparece como violação da lei da troca de mercadorias. 241 Em sua figura


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277
237 RIVIÈRE, Mercier de la. Op. cit., p. 544. 238 "Que uma dessas mercadorias seja dinheiro ou que ambas sejam mercadorias comuns,
nada pode ser em si mais indiferente." (RIVIÈRE, Mercier de la. Op. cit., p. 543.) 239 "Sobre o valor não decidem os parceiros de contrato; ele já está fixado antes
do acordo."
(LE TROSNE. Op. cit., p. 906.) 240 "Dove c'è egualità non c'è lucro." (GALIANI. Della Moneta. In: CUSTODI. Parte Moderna.
t. IV, p. 244.) 241 "O intercâmbio torna-se desvantajoso para uma das partes se qualquer circunstância es-
264#
pura, ela é uma troca de equivalentes, portanto não um meio de en-riquecer em valor. 242
Por trás das tentativas de apresentar a circulação de mercadorias como fonte de mais-valia, espreita, portanto, geralmente um qüiproqüó,
uma confusão entre valor de uso e valor de troca. Assim, por exemplo, em Condillac:


"É falso que na troca de mercadorias se troque valor igual por valor igual. Pelo contrário. Cada um dos contraentes sempre dá um
valor menor por um valor maior. (...) Caso se trocassem de fato sempre valores iguais, então não haveria ganho para nenhum dos
contraentes mas os dois ganham ou deveriam então ganhar. Por quê? O valor das coisas baseia-se apenas em sua relação com nossas
necessidades. O que para um é mais, é menos para o outro, e vice-versa. (...) Não se pressupõe que ofereçamos à venda coisas indis-pensáveis
ao nosso consumo. Queremos dar uma coisa inútil para nós, a fim de conseguir uma que nos é necessária; queremos dar
menos por mais. (...) Era natural julgar que na troca se dê igual valor por valor igual, sempre que cada uma das coisas trocadas era
igual em valor ao mesmo quantum de dinheiro. (...) Mas outra con-sideração precisa ainda entrar no cálculo; é de se perguntar se ambos
trocamos um supérfluo por algo necessário". 243
Vê-se como Condillac não só confunde valor de uso como valor de troca mas atribui de modo verdadeiramente infantil, a uma sociedade


com produção desenvolvida de mercadorias, uma situação em que o produtor produz ele mesmo seus meios de subsistência e só joga na
circulação o que excede sua própria necessidade, o supérfluo. 244 Apesar disso, o argumento de Condillac é repetido freqüentemente por econo-mistas
modernos, sobretudo quando se trata de apresentar a figura desenvolvida do intercâmbio de mercadorias, o comércio, como produtor
de mais-valia.
"O comércio", diz-se, por exemplo, "adiciona valor aos produtos,


OS ECONOMISTAS


278
tranha diminui ou aumenta o preço: então a igualdade é violada, mas essa violação é acarretada por aquela causa e não pela troca." (LE TROSNE. Op. cit., p. 904.)
242 "O intercâmbio é, por sua natureza, um contrato baseado na igualdade, ou seja, que ocorre entre dois valores iguais. Ele não é, portanto, um meio de se enriquecer,
pois dá-se tanto
quanto se recebe." (LE TROSNE. Op. cit., p. 903-904.) 243 CONDILLAC. "Le Commerce et le Gouvernement" (1776). Édit. Daire et Molinari. In: Mé-langes
d'Économie Politique. Paris, 1847. p. 267-291. 244 Por isso, Le Trosne responde muito acertadamente ao seu amigo Condillac: "Na sociedade
desenvolvida não existe, a rigor, nada supérfluo". Ao mesmo tempo, faz troça dele com a glosa de que "se ambos os participantes de troca recebem igualmente mais
por igualmente
menos, ambos recebem por igual". Como Condillac ainda não tem a mínima noção da natureza do valor de troca, é ele o fiador adequado do sr. prof. Wilhelm Roscher
para os seus
próprios conceitos infantis. Vejam dele: Die Grundlagen der Nationalökonomie. * 3ª ed., 1858. * Os Fundamentos da Economia Política. (N. dos T.)
265#
pois os mesmos produtos têm mais valor nas mãos dos consumi-dores do que nas mãos dos produtores, e deve ser, portanto, con-siderado
estritamente (strictly) ato de produção." 245
Mas não se pagam as mercadorias duplamente, uma vez seu valor de uso e outra vez seu valor. E se o valor de uso da mercadoria


é mais útil ao comprador do que ao vendedor, a sua forma dinheiro é mais útil ao vendedor do que ao comprador. Se assim não fosse, iria
ele vendê-la? E assim se poderia igualmente dizer que o comprador realiza estritamente (strictly) um "ato de produção" ao transformar,
por exemplo, as meias do comerciante em dinheiro. Se mercadorias ou mercadorias e dinheiro de igual valor de troca,
portanto equivalentes, são trocados, então evidentemente ninguém tira da circulação mais do que lança nela. Então não ocorre nenhuma for-mação
de mais-valia. Mas, em sua forma pura, o processo de circulação das mercadorias condiciona o intercâmbio de equivalentes. No entanto,
as coisas na realidade não se passam de modo puro. Suponhamos, portanto, intercâmbio de não-equivalentes.
Em todo caso, no mercado de mercadorias, só possuidor de merca-dorias se confronta com possuidor de mercadorias e o poder que essas
pessoas exercem umas sobre as outras é somente o poder de suas mer-cadorias. A diferença material das mercadorias é o motivo central do
intercâmbio e torna os possuidores de mercadorias reciprocamente de-pendentes, pois nenhum deles tem o objeto de suas próprias necessidades
e cada um deles tem em suas mãos o objeto da necessidade do outro. Além dessa diferenciação material de seus valores de uso, só existe uma
diferença entre as mercadorias, a diferença entre a sua forma natural e a sua forma transformada, entre mercadoria e dinheiro. E, assim, os pos-suidores
de mercadorias só se diferenciam enquanto vendedores, possui-dores de mercadoria, e enquanto compradores, possuidores de dinheiro.
Admita-se agora que seja permitido aos vendedores, por um pri-vilégio inexplicável, vender a mercadoria acima do seu valor, a 110
quando ela vale 100, portanto com um aumento nominal de preço de 10%. O vendedor cobra, portanto, uma mais-valia de 10. Mas depois
de ter sido vendedor, ele se torna comprador. Um terceiro possuidor de mercadorias encontra-o agora como vendedor e goza por sua vez
do privilégio de vender a mercadoria 10% mais cara. Nosso homem ganhou 10 como vendedor para perder 10 como comprador. 246 O todo
acaba redundando no fato de que todos os possuidores de mercadorias vendam reciprocamente as suas mercadorias 10% acima do valor, o


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245 NEWMAN, S. P. Elements of Polit. Econ. Andover e Nova York, 1835. p. 175. 246 "Por meio da elevação do valor nominal do produto (...) os vendedores não ficam
mais ricos
(...) já que o que eles ganham como vendedores eles gastam exatamente de novo em sua qualidade de compradores." ([ GRAY, J.] The Essential Principles of the Wealth
of Nations
etc. Londres, 1797. p. 66.)
266#
que é inteiramente o mesmo que venderem as mercadorias por seus valores. Tal aumento nominal e geral do preço acarreta o mesmo efeito
que se os valores das mercadorias fossem avaliados em prata em vez de em ouro. As denominações monetárias, isto é, os preços das mer-cadorias
iriam inchar, mas as suas relações de valor ficariam inalteradas. Suponhamos, pelo contrário, que seja privilégio do comprador com-prar
as mercadorias abaixo de seu valor. Aqui não é sequer necessário recordar que o comprador se torna novamente vendedor. Ele era vendedor
antes de se tornar comprador. Ele já perdeu 10% como vendedor antes de ganhar 10% como comprador. 247 Tudo fica como dantes.
A formação de mais-valia e daí a transformação de dinheiro em capital não pode ser, portanto, explicada por venderem os vendedores
as mercadorias acima do seu valor, nem por os compradores as com-prarem abaixo do seu valor. 248
De modo algum se simplifica o problema inserindo de contrabando nele considerações estranhas, dizendo com o Coronel Torrens:


"A procura efetiva consiste na faculdade e propensão (!) dos consumidores, seja pela troca direta ou indireta, de dar pelas
mercadorias certa porção maior de todos os ingredientes do capital do que custa a sua produção". 249


Na circulação, produtores e consumidores só se confrontam como vendedores e compradores. Afirmar que a mais-valia para os produtores
surja de que os consumidores pagam as mercadorias acima do valor significa apenas mascarar essa simples frase: o possuidor de merca-dorias
possui como vendedor o privilégio de vender caro demais. O vendedor produziu ele mesmo a mercadoria ou então representa seus
produtores, porém o comprador produziu não menos a mercadoria re-presentada em seu dinheiro ou representa seus produtores. Portanto,
produtor se defronta com produtor. O que os distingue é que um compra e o outro vende. Não nos leva um passo adiante que o possuidor de
mercadorias venda, sob o nome de produtor, a mercadoria acima de seu valor e, sob o nome de consumidor, pague demais por ela. 250
Os representantes conseqüentes da ilusão de que a mais-valia


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280
247 "Caso se tenha de vender por 18 livres * uma quantidade de determinado produto que vale 24 livres, ao se aplicar a mesma soma de dinheiro para a compra, há de
se obter também
por 18 livres tanto quanto por 24 livres." (LE TROSNE. Op. cit., p. 897.) * Libras (moeda). (N. dos T.)
248 "Nenhum vendedor pode, portanto, aumentar habitualmente o preço de suas mercadorias sem ter de pagar também mais caro as mercadorias dos outros vendedores; e
pela mesma razão
nenhum consumidor habitualmente pode comprar mais barato sem ter de diminuir igualmente o preço das mercadorias que ele vende." (RIVIÈRE, Mercier de la. Op. cit.,
p. 555.)
249 TORRENS, R. An Essay on the Production of Wealth. Londres, 1821. p. 349. 250 "O pensamento de que os lucros sejam pagos pelos consumidores é decerto totalmente
absurdo. Quem são os consumidores?" (RAMSAY, G. An Essay on the Distribution of Wealth. Edimburgo, 1836. p. 183.)
267#
se origina de um aumento nominal de preço ou do privilégio do vendedor de vender a mercadoria caro demais pressupõem, portanto, uma classe
que só compra sem vender, por conseguinte, só consome sem produzir. A existência de tal classe é, do ponto de vista alcançado por nós até
agora, o da circulação simples, ainda inexplicável. Mas antecipemo-nos. O dinheiro, com que tal classe continuamente compra, deve fluir con-tinuamente
dos próprios possuidores de mercadorias, sem intercâmbio, gratuitamente, por quaisquer títulos de direito e poder. Vender, a essa
classe, as mercadorias acima do valor significa apenas recuperar ar-dilosamente em parte dinheiro dado gratuitamente. 251 Assim, as cida-des
da Ásia Menor pagavam um tributo anual em dinheiro à Roma Antiga. Com esse dinheiro, Roma comprava mercadorias delas e as
comprava caras demais. Os asiáticos menores enganavam os romanos, sugando de volta dos conquistadores parte do tributo por meio do co-mércio.
Mas, mesmo assim, esses asiáticos continuavam sendo depe-nados. Depois como antes suas mercadorias lhes eram pagas com o
seu próprio dinheiro. Esse não é um método de enriquecimento ou de formação de mais-valia.
Mantenhamo-nos, portanto, dentro dos limites do intercâmbio de mercadorias, onde vendedores são compradores e compradores são ven-dedores.
Nosso embaraço se origina talvez de que tenhamos tomado as pessoas apenas como categorias personificadas e não individualmente.
O possuidor de mercadorias A pode ser tão esperto que passa a perna nos seus colegas B e C, enquanto estes ficam devendo a revanche
por mais boa vontade que tenham. A vende vinho para B no valor de 40 libras esterlinas e adquire em troca cereal no valor de 50 libras
esterlinas. A converteu as suas 40 libras esterlinas em 50 libras es-terlinas, fez mais dinheiro de menos dinheiro e transformou a sua
mercadoria em capital. Vejamos mais de perto. Antes da troca, tínhamos vinho em mãos de A por 40 libras esterlinas e cereal em mãos de B
por 50 libras esterlinas; valor global de 90 libras esterlinas. Depois da troca, temos o mesmo valor global de 90 libras esterlinas. O valor
circulante não aumentou um único átomo, a sua repartição entre A e B é que se modificou. De um lado aparece como mais-valia o que do
outro é menos-valia, de um lado como plus, do outro como minus. A mesma mudança teria ocorrido se A, sem a forma dissimuladora da
troca, tivesse roubado 10 libras esterlinas diretamente de B. A soma dos valores circulantes não pode evidentemente ser aumentada por
meio de nenhuma mudança em sua distribuição, tampouco quanto um


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281
251 "Se a alguém falta demanda, aconselha-o o sr. Malthus a pagar a outra pessoa para que esta lhe compre as suas mercadorias?" pergunta um indignado ricardiano
a Malthus, que,
como seu discípulo, o padre Chalmers, diviniza economicamente a classe dos meros com-pradores ou consumidores. Ver An Inquiry into those Principles, Respecting the
Nature of
Demand and the Necessity of Consumption, Lately Advocated by Mr. Malthus etc. Londres, 1821. p. 55.
268#
judeu aumenta a massa dos metais preciosos num país vendendo 1
farthing do tempo da rainha Ana por 1 guinéu. A totalidade da classe
dos capitalistas de um país não pode tirar vantagem de si mesma. 252 Pode-se virar e revirar como se queira, o resultado permanece o


mesmo. Se equivalentes são permutados, daí não surge mais-valia, e
se não-equivalentes são permutados, daí também não surge mais-va-lia. 253
A circulação ou o intercâmbio de mercadorias não produz valor. 254
Entende-se daí por que, em nossa análise da forma básica do
capital, da forma pela qual ele determina a organização econômica da
sociedade moderna, as suas figuras populares e, por assim dizer, an-tediluvianas,
capital comercial e capital usurário, de início permanecem
totalmente fora de cogitação. No capital comercial autêntico, a forma D — M — D, comprar


para revender mais caro, aparece na maior pureza. Por outro lado,
todo o seu movimento ocorre dentro da esfera da circulação. Mas já
que é impossível explicar por meio da própria circulação a transfor-mação
de dinheiro em capital, a formação de mais-valia, o capital co-mercial
parece impossível na medida em que se permutam equivalen-tes, 255
só sendo ele, portanto, dedutível do duplo prejuízo infligido aos
produtores de mercadorias que compram e vendem pelo comerciante
que se atravessa parasitariamente entre eles. Nesse sentido, diz Frank-lin:
"Guerra é roubo, comércio é engodo". 256 Para que a valorização
do capital comercial não seja explicada por mero engodo dos produtores
de mercadorias, é preciso dispor de uma longa série de elos interme-


OS ECONOMISTAS


282
252 Destutt de Tracy, embora — talvez porque — membre de l'Institut, * era de opinião contrária. Os capitalistas industriais, diz ele, obtêm os seus lucros "por
venderem tudo mais caro do que
custou produzi-lo. E a quem eles o vendem? Primeiro, uns aos outros". (Op. cit., p. 239.) * Membro do Instituto. — Institut de France. A mais elevada corporação
da França, cons-tituída
por várias classes ou academias. Destutt de Tracy foi membro da Academia de Ciências Morais e Políticas. (N. da Ed. Alemã.)
253 "O intercâmbio de dois valores iguais não aumenta a massa dos valores existentes na sociedade nem a diminui. O intercâmbio de dois valores desiguais (...) também
não altera
nada na soma dos valores sociais, já que acrescenta à fortuna de um o que retira da do outro." (SAY, J.-B. Op. cit., t. II, p. 443-444.) Say, naturalmente despreocupado
quanto às
conseqüências dessa frase, tomou-a quase literalmente dos fisiocratas. A maneira como ele explora os textos deles, esgotados na sua época, para o aumento do seu
próprio "valor",
mostra o seguinte exemplo. A "mais famosa" frase de Monsieur Say "só se pode comprar produtos com produtos" (Op. cit., t. II, p. 438) reza no original fisiocrático:
"produtos só se
podem pagar com produtos". (LE TROSNE. Op. cit., p. 899.) 254 "O intercâmbio não transfere valor de nenhuma espécie aos produtos." (WAYLAND, F. The
Elements of Pol Econ. Boston, 1843. p. 168.) 255 "Sob o domínio de equivalentes imutáveis, o comércio seria impossível." (OPDYKE, G. A
Treatise on Polit. Economy. Nova York, 1851. p. 66-69.) "Sob a diferença entre valor real e valor de troca jaz um fato — ou seja, que o valor de uma coisa é diferente
do assim
chamado equivalente que por ela é dado no comércio, isto é, que esse equivalente não é equivalente." (ENGELS, F. Op. cit., p. 95-96.) *
* Ver v. I da edição MEW, p. 508. (N. da Ed. Alemã.)
256 FRANKLIN, Benjamin. Works. v. II, edit. Sparks. In: Positions to be Examined Concerning National Wealth. [p. 376.]
269#
diários, que ainda falta completamente aqui onde a circulação de mer-cadorias e seus momentos simples constituem nosso único pressuposto.
O que vale para o capital comercial, vale ainda mais para o capital usurário. No capital comercial, os extremos, o dinheiro lançado
no mercado e o dinheiro aumentado que é retirado do mercado, são ao menos mediados por compra e venda, pelo movimento da circulação.
No capital usurário, a forma D — M — D' é reduzida aos extremos não mediados D — D', dinheiro que se troca por mais dinheiro, forma
que contradiz a natureza do dinheiro e, por isso, inexplicável do ponto de vista do intercâmbio de mercadorias. Daí Aristóteles:


"Como a Crematística é dupla, uma pertencente ao comércio, a outra à Economia, a última necessária e louvável, a primeira
baseada na circulação e justamente criticada (pois ela não se baseia na natureza, mas no engodo mútuo), assim também o
agiota é odiado com toda justiça, porque o próprio dinheiro é aqui a fonte do ganho e não é usado de acordo com o fim para
o qual ele foi inventado. Pois ele surgiu para o intercâmbio de mercadorias, mas o juro faz de dinheiro mais dinheiro. Daí tam-bém
o seu nome — juro e nascido). Pois os nascidos são semelhantes aos que os geraram. Mas o juro é dinheiro de di-nheiro,
de modo que, de todas as modalidades de ganho, esse é o mais antinatural". 257


Do mesmo modo que o capital comercial, encontraremos, ao longo de nossa pesquisa, o capital a juros como forma derivada e, ao mesmo
tempo, veremos por que ambos aparecem historicamente antes da mo-derna forma básica do capital.
Mostrou-se que a mais-valia não pode originar-se da circulação, que, portanto, em sua formação deve ocorrer algo por trás de suas
costas e que nela mesma é invisível. 258 Mas pode a mais-valia origi-nar-se de outro lugar que não da circulação? A circulação é a soma
de todas as relações recíprocas 259 dos possuidores de mercadorias. Fora da mesma o possuidor de mercadoria só está ainda em relação com
sua própria mercadoria. No que tange ao valor dela, a relação se limita ao fato de que ela contém um quantum de seu próprio trabalho medido
segundo determinadas leis sociais. Esse quantum de trabalho se ex-pressa na grandeza de valor de sua mercadoria e, como grandeza de
valor, se representa em dinheiro de conta, num preço de, por exemplo, 10 libras esterlinas. Mas o seu trabalho não se representa no valor


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283
257 ARISTÓTELES, Op. cit., cap. 10, [p. 17]. 258 "Sob as condições costumeiras do mercado, o lucro não é gerado pelo intercâmbio. Se ele
não tivesse estado antes presente, tampouco poderia existir depois dessa transação." (RAM-SAY. Op. cit., p. 184.)
259 3ª e 4ª ed.: relações mercantis. (N. da Ed. Alemã.)
270#
da mercadoria e num excedente acima do seu próprio valor, não num preço de 10 que seja, ao mesmo tempo, um preço de 11, não num valor
que seja maior do que ele mesmo. O possuidor de mercadorias pode formar valores por meio do seu trabalho, mas não valores que se va-lorizem.
Ele pode aumentar o valor de uma mercadoria, acrescentando,
mediante novo trabalho, novo valor ao valor preexistente, por exemplo, ao fazer de couro, botas. O mesmo material tem agora mais valor


porque ele contém um quantum maior de trabalho. A bota tem, por
isso, mais valor do que o couro, mas o valor do couro permanece o que era. Ele não se valorizou, não se acrescentou uma mais-valia durante


a fabricação da bota. É, portanto, impossível que o produtor de mer-cadorias, fora da esfera de circulação, sem entrar em contato com outros
possuidores de mercadorias, valorize valor e, daí, transforme dinheiro
ou mercadoria em capital. Capital não pode, portanto, originar-se da circulação e, tampouco,


pode não originar-se da circulação. Deve, ao mesmo tempo, originar-se e não se originar dela.
Um resultado duplo foi, portanto, alcançado. A transformação do dinheiro em capital tem de ser desenvolvida
com base nas leis imanentes ao intercâmbio de mercadorias de modo
que a troca de equivalentes sirva de ponto de partida. 260 Nosso possuidor de dinheiro, por enquanto ainda presente apenas como capitalista lar-var,


tem de comprar as mercadorias por seu valor, vendê-las por seu
valor e, mesmo assim, extrair no final do processo mais valor do que lançou nele. Sua metamorfose em borboleta tem de ocorrer na esfera


da circulação e não tem de ocorrer na esfera da circulação. São essas as condições do problema. Hic Rhodus, hic salta! 261


OS ECONOMISTAS


284
260 De acordo com essa discussão, o leitor compreende que isso significa apenas: a formação de capital tem de ser possível também quando o preço da mercadoria seja
igual ao valor
da mercadoria. Ela não pode ser explicada pelo desvio dos preços das mercadorias em relação aos valores das mercadorias. Se os preços se desviam realmente dos valores,
então
é preciso começar por reduzi-los aos últimos, ou seja, abstrair essa circunstância como sendo casual, para ter pela frente, em sua pureza, o fenômeno da formação
de capital com
base no intercâmbio de mercadorias e não ser confundido em sua observação por circuns-tâncias secundárias, perturbadoras e estranhas ao verdadeiro decurso. Sabe-se,
aliás, que
essa redução não é, de modo algum, um mero procedimento científico. As constantes osci-lações dos preços de mercado, o seu aumento e queda se compensam, se anulam
recipro-camente
e se reduzem a um preço médio como sua regra imanente. Esta constitui a estre-la-guia, por exemplo, do comerciante ou do industrial, em cada empreendimento que abranja
espaço de tempo maior. Ele sabe, por conseguinte, que, considerando-se um período mais longo como um todo, as mercadorias realmente não são vendidas nem abaixo nem
acima,
mas de acordo com o seu preço médio. Se o pensamento desinteressado fosse ao todo de seu interesse, então ele precisaria colocar o problema da formação de capital
assim: como
pode surgir o capital sendo os preços regulados pelo preço médio, ou seja, em última instância, pelo valor das mercadorias? Digo "em última instância" porque os
preços médios não coin-cidem
diretamente com as grandezas de valor das mercadorias, conforme acreditam A. Smith, Ricardo etc.
261 De uma fábula de Esopo em que um fanfarrão sustenta ter dado um salto prodigioso em Rodos. A ele se replicou: Aqui está Rodos, aqui salta. (N. da Ed. Alemã.)
271#
3. Compra e venda da força de trabalho
A modificação do valor de dinheiro, que deve transformar-se em capital, não pode ocorrer neste mesmo dinheiro, pois como meio de


compra e como meio de pagamento ele só realiza o preço da mercadoria que ele compra ou paga, enquanto, persistindo em sua própria forma,
petrifica-se numa grandeza de valor permanentemente igual. 262 Tam-pouco pode a modificação originar-se do segundo ato de circulação, a
revenda da mercadoria, pois esse ato apenas retransforma a mercadoria da forma natural na forma dinheiro. A modificação precisa ocorrer,
portanto, com a mercadoria comprada no primeiro ato D — M, mas não com o seu valor, pois são trocados equivalentes, a mercadoria é
paga por seu valor. A modificação só pode originar-se, portanto, do seu valor de uso enquanto tal, isto é, do seu consumo. Para extrair
valor do consumo de uma mercadoria, nosso possuidor de dinheiro precisaria ter a sorte de descobrir dentro da esfera da circulação, no
mercado, uma mercadoria cujo próprio valor de uso tivesse a caracte-rística peculiar de ser fonte de valor, portanto, cujo verdadeiro consumo
fosse em si objetivação de trabalho, por conseguinte, criação de valor. E o possuidor de dinheiro encontra no mercado tal mercadoria específica
— a capacidade de trabalho ou a força de trabalho. Por força de trabalho ou capacidade de trabalho entendemos o
conjunto das faculdades físicas e espirituais que existem na corpora-lidade, na personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento
toda vez que produz valores de uso de qualquer espécie. Para que, no entanto, o possuidor de dinheiro encontre à dispo-sição
no mercado a força de trabalho como mercadoria, diversas con-dições precisam ser preenchidas. O intercâmbio de mercadorias não
inclui em si e para si outras relações de dependência que não as ori-ginadas de sua própria natureza. Sob esse pressuposto, a força de
trabalho como mercadoria só pode aparecer no mercado à medida que e porque ela é oferecida à venda ou é vendida como mercadoria por
seu próprio possuidor, pela pessoa da qual ela é a força de trabalho. Para que seu possuidor venda-a como mercadoria, ele deve poder dispor
dela, ser, portanto, livre proprietário de sua capacidade de trabalho, de sua pessoa. 263 Ele e o possuidor de dinheiro se encontram no mercado
e entram em relação um com o outro como possuidores de mercadorias iguais por origem, só se diferenciando por um ser comprador e o outro,
vendedor, sendo portanto ambos pessoas juridicamente iguais. O pros-


MARX


285
262 "Na forma de dinheiro (...) o capital não gera lucro." (RICARDO. Princ. of Pol. Econ. p. 267.) 263 Nas enciclopédias sobre a antiguidade clássica, pode-se ler
o disparate de que no mundo
antigo o capital estava plenamente desenvolvido "exceto que faltavam o trabalhador livre e o sistema de crédito". Também o sr. Mommsen, em sua História Romana, pratica
um
qüiproqüó depois do outro.
272#
seguimento dessa relação exige que o proprietário da força de trabalho só a venda por determinado tempo, pois, se a vende em bloco, de uma
vez por todas, então ele vende a si mesmo, transforma-se de homem livre em um escravo, de possuidor de mercadoria em uma mercadoria.
Como pessoa, ele tem de se relacionar com sua força de trabalho como sua propriedade e, portanto, sua própria mercadoria, e isso ele só pode
na medida em que ele a coloca à disposição do comprador apenas pro-visoriamente, por um prazo de tempo determinado, deixando-a ao con-sumo,
portanto, sem renunciar à sua propriedade sobre ela por meio de sua alienação. 264
A segunda condição essencial para que o possuidor de dinheiro encontre no mercado a força de trabalho como mercadoria é que seu
possuidor, em lugar de poder vender mercadorias em que seu trabalho se tenha objetivado, precisa, muito mais, oferecer à venda como mer-cadoria
sua própria força de trabalho, que só existe em sua corpora-lidade viva.
Para que alguém venda mercadorias distintas de sua força de trabalho ele tem de possuir naturalmente meios de produção, por exem-plo,
matérias-primas, instrumentos de trabalho etc. Ele não pode fazer botas sem couro. Precisa, além disso, de meios de subsistência. Nin-guém,
nem mesmo um músico do porvir, pode alimentar-se com pro-dutos do futuro, portanto também não de valores de uso cuja produção
não esteja concluída, e, como nos primeiros dias de sua aparição sobre o palco do mundo, o homem ainda precisa consumir a cada dia, antes


OS ECONOMISTAS


286
264 Diversas legislações estabeleceram por isso um máximo para o contrato de trabalho. Todos os códigos legais em países de trabalho livre regulam condições de rescisão
do contrato.
Em diversos países, notadamente no México (antes da Guerra Civil americana, também nos territórios arrancados ao México e, de acordo com a coisa, até a revolução
de Kusa, *
nas províncias do Danúbio), a escravatura se oculta sob a forma de peonagem. Por meio de adiantamentos resgatáveis em trabalho e que passam de geração em geração,
não só o
trabalhador individual, mas também sua família, torna-se de fato propriedade de outras pessoas e de suas famílias. Juárez tinha abolido a peonagem. O assim chamado
Imperador
Maximiliano restabeleceu-a mediante um decreto, que foi acertadamente denunciado na Câmara dos Representantes em Washington como decreto para o restabelecimento
da es-cravatura
no México. "De minhas específicas habilidades e possibilidades físicas e espirituais de atividade posso (...) alienar a outrem um uso limitado no tempo, porque elas
por essa
limitação recebem uma relação externa com minha totalidade e universalidade. Por meio da alienação de todo o meu tempo concreto pelo trabalho e da totalidade de
minha produção,
eu converteria em propriedade de outro o substancial da mesma, minha atividade e realidade gerais, a minha personalidade." (HEGEL Philosophie des Rechts. Berlim,
1840. p. 104, § 67.)
* Revolução de Kusa. Em janeiro de 1859, Alexandre Kusa foi eleito hospodar da Moldávia
e pouco depois da Valáquia. Pela unificação desses dois principados danubianos, que durante muito tempo estiveram submetidos ao domínio do império otomano, criou-se
um Estado


unitário romeno. Kusa se colocou como meta realizar uma série de reformas democrático-burguesas. Sua política encontrou, no entanto, forte resistência dos proprietários
fundiários
e de certa parte da burguesia. Depois que a Assembléia Nacional, na qual os representantes dos proprietários fundiários predominavam, rejeitou o projeto de reforma
agrária apresen-tado
pelo Governo, Kusa dissolveu essa corporação reacionária. Foi proclamada uma cons-tituição, o círculo de eleitores foi ampliado e o poder do Governo fortalecido.
A reforma
agrária aceita nessa nova situação política previa a abolição da servidão e a repartição da terra entre os camponeses mediante sua recompra. (N. da Ed. Alemã.)
273#
de produzir e enquanto produz. Caso os produtos sejam produzidos como mercadorias, então precisam ser vendidos depois de produzidos,
e só podem satisfazer às necessidades do produtor depois da venda. Ao tempo da produção se acresce o tempo necessário à venda.
Para transformar dinheiro em capital, o possuidor de dinheiro precisa encontrar, portanto, o trabalhador livre no mercado de merca-dorias,
livre no duplo sentido de que ele dispõe, como pessoa livre, de sua força de trabalho como sua mercadoria, e de que ele, por outro
lado, não tem outras mercadorias para vender, solto e solteiro, livre de todas as coisas necessárias à realização de sua força de trabalho.
Por que esse trabalhador livre se defronta com ele na esfera da circulação é questão que não interessa ao possuidor de dinheiro, que
encontra o mercado de trabalho como uma divisão específica do mercado de mercadorias. E tampouco ela nos interessa por enquanto. Nós nos
ateremos ao fato na teoria assim como o possuidor de dinheiro na prática. Uma coisa, no entanto, é clara. A Natureza não produz de um
lado possuidores de dinheiro e de mercadorias e, do outro, meros possui-dores das próprias forças de trabalho. Essa relação não faz parte da história
natural nem tampouco é social, comum a todos os períodos históricos. Ela mesma é evidentemente o resultado de um desenvolvimento histórico an-terior,
o produto de muitas revoluções econômicas, da decadência de toda uma série de formações mais antigas da produção social.
Também as categorias econômicas que observamos antes osten-tam a sua marca histórica. Na existência do produto como mercadoria
estão envolvidas determinadas condições históricas. Para se tornar mer-cadoria o produto não pode ser produzido como meio de subsistência
imediato para o próprio produtor. Se tivéssemos pesquisado mais: sob que circunstâncias todos os produtos tomam ou também apenas a maio-ria
deles toma a forma de mercadoria, então se teria descoberto que isso só ocorre com base em um modo de produção bem específico, o
capitalista. Tal pesquisa não se coadunava, no entanto, com a análise da mercadoria. Produção de mercadorias e circulação de mercadorias
podem ocorrer embora a grande massa de produtos, orientada direta-mente ao autoconsumo, não se transforme em mercadoria e portanto
o processo de produção social ainda esteja muito longe de estar domi-nado em toda a sua extensão e profundidade pelo valor de troca. A
representação do produto como mercadoria supõe uma divisão de tra-balho tão desenvolvida dentro da sociedade, que a separação entre
valor de uso e valor de troca, que apenas principia no escambo direto, já se tenha completado. Tal estágio de desenvolvimento é, porém, co-mum
às formações sócioeconômicas historicamente as mais diversas. Ou se consideramos o dinheiro, então precisamos pressupor que
a troca de mercadorias tenha atingido certo nível. As formas específicas de dinheiro, mero equivalente de mercadoria ou meio circulante ou
meio de pagamento, tesouro e dinheiro mundial, apontam, de acordo


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287
274#
com a extensão diversa e a predominância relativa de uma ou de outra função, para estágios muito diferentes do processo de produção social.
Apesar disso, de acordo com a experiência, basta uma circulação de mercadorias relativamente pouco desenvolvida para a constituição de
todas essas formas. Diversamente com o capital. Suas condições his-tóricas de existência de modo algum estão presentes na circulação mer-cantil
e monetária. Ele só surge onde o possuidor de meios de produção e de subsistência encontra o trabalhador livre como vendedor de sua
força de trabalho no mercado, e esta é uma condição histórica que encerra uma história mundial. O capital anuncia, portanto, de antemão,
uma época do processo de produção social. 265 Essa mercadoria peculiar, a força de trabalho, tem de ser agora
examinada mais de perto. Como todas as outras mercadorias, ela tem um valor. 266 Como ele é determinado?
O valor da força de trabalho, como o de toda outra mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho necessário à produção, portanto
também reprodução, desse artigo específico. Enquanto valor, a própria força de trabalho representa apenas determinado quantum de trabalho
social médio nela objetivado. A força de trabalho só existe como dis-posição do indivíduo vivo. Sua produção pressupõe, portanto, a exis-tência
dele. Dada a existência do indivíduo, a produção da força de trabalho consiste em sua própria reprodução ou manutenção. Para sua
manutenção, o indivíduo vivo precisa de certa soma de meios de sub-sistência. O tempo de trabalho necessário à produção da força de tra-balho
corresponde, portanto, ao tempo de trabalho necessário à pro-dução desses meios de subsistência ou o valor da força de trabalho é
o valor dos meios de subsistência necessários à manutenção do seu possuidor. A força de trabalho só se realiza, no entanto, mediante sua
exteriorização, ela só se aciona no trabalho. Por meio de sua ativação, o trabalho, é gasto, porém, determinado quantum de músculo, nervo,
cérebro etc. humanos que precisa ser reposto. Esse gasto acrescido condiciona uma receita acrescida. 267 Se o proprietário da força de tra-balho
trabalhou hoje, ele deve poder repetir o mesmo processo amanhã, sob as mesmas condições de força e saúde. A soma dos meios de sub-sistência
deve, pois, ser suficiente para manter o indivíduo trabalhador como indivíduo trabalhador em seu estado de vida normal. As próprias


OS ECONOMISTAS


288
265 O que, portanto, caracteriza a época capitalista é que a força de trabalho assume, para o próprio trabalhador, a forma de uma mercadoria que pertence a ele,
que, por conseguinte,
seu trabalho assume a forma de trabalho assalariado. Por outro lado, só a partir desse instante se universaliza a forma mercadoria dos produtos do trabalho.
266 "O valor de um homem é, como o de todas as outras coisas, igual ao seu preço: isso quer dizer tanto quanto é pago para o uso de sua força."( HOBBES, Th. Leviathan.
In: Works.
Edit. Molesworth, Londres, 1839-1844. v. III, p. 76.) 267 O villicus da Roma Antiga, como feitor de escravos nos trabalhos agrícolas, recebia, "por
ter trabalho mais leve que o dos escravos, uma ração menor do que estes". (MOMMSEN, Th. Römische Geschichte. * 1867. p. 810.)
* História Romana. (N. dos T.)
275#
necessidades naturais, como alimentação, roupa, aquecimento, moradia etc., são diferentes de acordo com o clima e outras peculiaridades na-turais
de um país. Por outro lado, o âmbito das assim chamadas ne-cessidades básicas, assim como o modo de sua satisfação, é ele mesmo
um produto histórico e depende, por isso, grandemente do nível cultural de um país, entre outras coisas também essencialmente sob que con-dições,
e, portanto, com que hábitos e aspirações de vida, se constituiu a classe dos trabalhadores livres. 268 Em antítese às outras mercadorias
a determinação do valor da força de trabalho contém, por conseguinte, um elemento histórico e moral. No entanto, para determinado país,
em determinado período, o âmbito médio dos meios de subsistência básicos é dado.
O proprietário da força de trabalho é mortal. Se, portanto, sua aparição no mercado é para ser contínua, como pressupõe a contínua
transformação de dinheiro em capital, então o vendedor da força de trabalho precisa perpetuar-se "como todo indivíduo se perpetua pela
procriação". 269 As forças de trabalho subtraídas do mercado pelo des-gaste e morte precisam ser continuamente substituídas ao menos por
um número igual de novas forças de trabalho. A soma dos meios de subsistência necessários à produção da força de trabalho inclui, por-tanto,
os meios de subsistência dos substitutos, isto é, dos filhos dos trabalhadores, de modo que essa race 270 de peculiares possuidores de
mercadorias se perpetue no mercado de mercadorias. 271
Para modificar a natureza humana geral de tal modo que ela alcance habilidade e destreza em determinado ramo de trabalho, tor-nando-


se força de trabalho desenvolvida e específica, é preciso deter-minada formação ou educação, que, por sua vez, custa uma soma maior
ou menor de equivalentes mercantis. Conforme o caráter mais ou menos mediato da força de trabalho, os seus custos de formação são diferentes.
Esses custos de aprendizagem, ínfimos para a força de trabalho comum, entram portanto no âmbito dos valores gastos para a sua produção.
O valor da força de trabalho se resolve no valor de uma soma determinada de meios de subsistência. Ele muda, portanto, também
com o valor desses meios de subsistência, isto é, com a grandeza do tempo de trabalho exigido para sua produção.
Parte dos meios de subsistência, por exemplo, alimentação, aque-cimento etc., é diariamente consumida e precisa ser diariamente re-


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289
268 Cf. THORNTON, W. Th. Over-Population and its Remedy. Londres, 1846. 269 Petty.
270 Raça. (N. dos T.) 271 "Seu" (do trabalho) "preço natural (...) consiste em tal quantidade de meios de subsistência
e objetos de conforto, como são necessários de acordo com o clima e com os hábitos de um país para manter o trabalhador e possibilitar-lhe criar uma família que
possa assegurar
no mercado uma oferta de trabalho sem diminuição." (TORRENS, R. An Essay on the External Corn Trade. Londres, 1815. p. 62.) A palavra trabalho está aí erroneamente
em
lugar de força de trabalho.
276#
posta. Outros meios de subsistência, como roupas, móveis etc., gas-tam-se em períodos mais extensos de tempo e, por isso, só precisam
ser repostos em períodos mais extensos de tempo. Mercadorias de uma espécie precisam ser compradas ou pagas diariamente, outras sema-nalmente,
trimestralmente etc. Mas como quer que a soma dessas des-pesas se possa repartir durante, por exemplo, um ano, ela precisa ser
coberta pela receita média dia por dia. Seja a massa das mercadorias exigidas diariamente para a produção da força de trabalho = A, a
exigida semanalmente = B, a exigida trimestralmente = C etc., então a média diária dessas mercadorias seria = 365 A + 52 B + 4 C + etc.
365 Supondo-se que 6 horas de trabalho social estão contidas nessa massa
de mercadorias necessária ao dia médio, então se objetiva diariamente na força de trabalho meio dia de trabalho social médio, ou meio dia
de trabalho é exigido para a produção diária da força de trabalho. Esse quantum de trabalho exigido para sua produção diária forma o
valor de um dia de força de trabalho ou o valor da força de trabalho reproduzida em um dia. Se meio dia de trabalho social médio se re-presenta
igualmente numa massa de ouro de 3 xelins ou em 1 táler, então 1 táler é o preço correspondente ao valor de um dia da força de
trabalho. Se o possuidor da força de trabalho oferece-a por 1 táler ao dia, então o seu preço de venda é igual ao seu valor e, de acordo com
nossos pressupostos, o possuidor de dinheiro, que cobiça transformar o seu táler em capital, paga esse valor.
O limite último ou limite mínimo do valor da força de trabalho é constituído pelo valor de uma massa de mercadorias, sem cujo su-primento
diário o portador da força de trabalho, o homem, não pode renovar o seu processo de vida, sendo portanto o valor dos meios de
subsistência fisicamente indispensáveis. Se o preço da força de trabalho baixa a esse mínimo, então ele cai abaixo do valor dela, pois assim
ela só pode manter-se e desenvolver-se em forma atrofiada. Mas o valor de cada mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho re-querido
para fornecê-la com sua qualidade normal. É sentimentalismo extraordinariamente barato considerar brutal
essa determinação do valor da força de trabalho que decorre da natureza da coisa e lamentar-se, por exemplo, com Rossi:


"Conceber a capacidade de trabalho (puissance de travail), abs-traindo-se dos meios de subsistência do trabalho durante o pro-cesso
de produção, significa conceber um ser da razão (être de raison). Quem diz trabalho, quem diz capacidade de trabalho,
diz ao mesmo tempo trabalhador e meios de subsistência, traba-lhador e salário". 272


OS ECONOMISTAS


290
272 ROSSI. Cours d'Écon. Polit. Bruxelas, 1843. p. 370-371.
277#
Quem diz capacidade de trabalho não diz trabalho, como quem diz capacidade de digestão tampouco diz digestão. Para esse último
processo é reconhecidamente necessário mais do que um bom estômago. Quem diz capacidade de trabalho não abstrai dos meios necessários à
sua subsistência. O valor deles é antes expresso no valor dela. Se não é vendida, de nada serve ao trabalhador, ele então a percebe muito
mais como uma cruel necessidade natural que a sua capacidade de trabalho tenha exigido determinado quantum de meios de subsistência
para sua produção e constantemente exige de novo para a sua repro-dução. Ele descobre, então, com Sismondi:


"A capacidade de trabalho (...) nada é se não é vendida". 273
A natureza peculiar dessa mercadoria específica, a força de tra-balho, faz com que, com a conclusão do contrato entre comprador e


vendedor, seu valor de uso ainda não se tenha verdadeiramente trans-ferido para as mãos do comprador. O seu valor, como o de qualquer
outra mercadoria, estava determinado antes de ela entrar em circula-ção, pois determinado quantum de trabalho social havia sido gasto
para a produção da força de trabalho, mas o seu valor de uso consiste na exteriorização posterior dessa força. Por isso, a alienação da força
e a sua verdadeira exteriorização, ou seja, a sua existência como valor de uso, se separam no tempo. No caso de mercadorias, 274 porém, em
que a alienação formal do valor de uso mediante a venda e sua ver-dadeira entrega ao comprador se separam no tempo, o dinheiro do
comprador funciona geralmente como meio de pagamento. Em todos os países com modo de produção capitalista, a força de trabalho só é
paga depois de ter funcionado durante o prazo previsto no contrato de compra, por exemplo, no final de cada semana. Por toda parte, portanto,
o trabalhador adianta ao capitalista o valor de uso da força de trabalho; ele deixa consumi-la pelo comprador, antes de receber o pagamento
de seu preço; por toda parte, portanto, o trabalhador fornece crédito ao capitalista. Que esse fornecimento de crédito não é nenhuma fantasia
vã, mostra-o não só a perda ocasional do salário creditado quando ocorre bancarrota do capitalista, 275 mas também uma série de efeitos
mais duradouros. 276 No entanto, nada muda na natureza do próprio


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291
273 SISMONDI. Nouv. Princ. etc. t. I, p. 113. 274 "Todo trabalho é pago depois de concluído" (An Inquiry into those Principles, Respecting the
Nature of Demand etc. p. 104). "O crédito comercial tinha de começar no momento em que o trabalhador, o primeiro criador da produção, estava em condições, com base
em suas economias,
de esperar pelo salário de seu trabalho até o final de uma a duas semanas, um mês, um trimestre etc." (GANILH. Ch. Des Systèmes d'Écon. Polit. 2ª ed., Paris, 1821.
t. II, p. 150.)
275 "O trabalhador empresta seu esforço", mas, acrescenta Storch, astutamente: ele "nada arrisca", exceto "perder o seu salário (...) o trabalhador não transfere
nada material."
(STORCH. Cours d'Écon. Polit. Petersburgo, 1815, t. II, p. 36-37.) 276 Um exemplo. Em Londres existem duas espécies de padeiros, os full priced, que vendem
o pão por seu valor pleno, e os undersellers, que o vendem abaixo desse valor. Essa última classe constitui 3/ 4 do número total dos padeiros (p. XXXII no Report
do Comissário Go-
278#
intercâmbio de mercadorias se o dinheiro funciona como meio de compra
ou como meio de pagamento. O preço da força de trabalho está fixado
contratualmente, ainda que ele só venha a ser realizado depois, como
o preço do aluguel de uma casa. A força de trabalho está vendida,
ainda que ela só seja paga posteriormente. Para a concepção pura da
relação é, no entanto, útil pressupor, por enquanto, que o possuidor
da força de trabalho recebe com sua venda cada vez e também pron-tamente
o preço estipulado contratualmente. Conhecemos agora a maneira pela qual é determinado o valor,


que é pago ao possuidor dessa mercadoria peculiar, a força de trabalho,
pelo possuidor de dinheiro. O valor de uso, que este último recebe por
sua vez na troca, só se mostra na utilização real, no processo de consumo
da força de trabalho. Todas as coisas necessárias a esse processo, como
matéria-prima etc., o possuidor de dinheiro compra no mercado e paga
seu preço integral. O processo de consumo da força de trabalho é, simul-


OS ECONOMISTAS


292
vernamental H. S. Tremenheere sobre as Grievances complained of by the journeymen bakers etc. Londres, 1862). Esses undersellers vendem, quase sem exceção, pão falsificado
com a mistura de alúmen, sabão, potassa, cal, pó de pedra de Derbyshire e outros ingredientes saborosos, nutritivos e saudáveis. (Ver o Livro Azul acima citado,
bem como o relatório do
"Committee of 1855 on the Adulteration of Bread" e do dr. HASSALL. Adulterations Detected. 2ª ed., Londres, 1861.) Sir John Gordon declarou perante o Comitê de 1855
que "em con-seqüência
dessas falsificações, o pobre, que vive de 2 libras-peso de pão por dia, agora não recebe verdadeiramente nem a quarta parte do material nutriente, sem considerar
os efeitos
prejudiciais sobre sua saúde". Como motivo para que "uma parte muito grande da classe operária", ainda que bem informada sobre as falsificações, mesmo assim aceite
na compra
alúmen, pó de pedra etc., Tremenheere (1. c, p. XLVIII) informa que para eles "é uma questão de necessidade aceitar do seu padeiro ou do chandler's shop * o pão
como eles
queiram fornecê-lo". Como eles só são pagos no final da semana de trabalho, só podem também "pagar no final da semana o pão consumido pela família durante a semana";
e,
acrescenta Tremenheere, apoiado em assertivas de testemunhas: "É notório que pão pre-parado com tais misturas é feito expressamente para essa espécie de fregueses".
(" It is
notorious that bread composed of those mixtures, is made expressly for sale in this manner.") "Em muitos distritos agrícolas ingleses" (mas ainda mais em escoceses)
"o salário é pago
a cada catorze dias e até mesmo mensalmente. Com esses longos prazos de pagamento o trabalhador agrícola tem de comprar as suas mercadorias a crédito. (...) Ele
tem de pagar
preços mais altos e está preso de fato ao armazém que lhe fia. Assim, em Horningsham, em Wilts, onde o salário é mensal, a mesma farinha que em outro lugar, ele
paga com 1
xelim e 10 pence, custa-lhe 2 xelins e 4 pence por stone". ** (" Sixth Report" on "Public Health" by "The Medical Officer of the Privy Council etc.", 1864, p. 264.)
"Os estampadores
manuais de tecido de Paisley e Kilmarnock" (Escócia ocidental) "conquistaram em 1853, por meio de strike, *** a redução do prazo de pagamento de um mês para catorze
dias".
(Reports of the Inspectors of Factories for 31st Oct. 1853. p. 34.) Como outra espécie de desenvolvimento do crédito, que o trabalhador fornece ao capitalista, pode
ser considerado
o método de muitos proprietários ingleses de minas de carvão, pelo qual o trabalhador apenas é pago no fim do mês e, no meio tempo, recebe adiantamentos do capitalista,
muitas
vezes em mercadorias, que ele precisa pagar acima do preço do mercado (Trucksystem). "É uma prática costumeira dos donos de minas de carvão pagar a seus trabalhadores
uma
vez por mês e dar a seus trabalhadores um adiantamento a cada semana intermediária. Esse adiantamento é dado no armazém" (ou seja, no tommy-shop ou loja que pertence
ao
próprio patrão). "Os homens recebem-no de um lado do armazém e o gastam do outro." (Children's Employment Commission, III Report. Londres, 1864. p. 38, nº 192.)
* Loja de miudezas. (N. dos T.)
** Medida inglesa de peso equivalente a 6,35 quilos. (N. dos T.)
*** Greve. (N. dos T.)
279#
taneamente, o processo de produção de mercadoria e de maisvalia. O con-sumo da força de trabalho, como o consumo de qualquer outra mercadoria,
ocorre fora do mercado ou da esfera de circulação. Abandonemos então, junto com o possuidor de dinheiro e o possuidor da força de trabalho, essa
esfera ruidosa, existente na superfície e acessível a todos os olhos, para seguir os dois ao local oculto da produção, em cujo limiar se pode ler: No
admittance except on business. 277 Aqui há de se mostrar não só como o capital produz, mas também como ele mesmo é produzido, o capital. O segredo da
fabricação de mais-valia há de se finalmente desvendar. A esfera da circulação ou do intercâmbio de mercadorias, dentro de
cujos limites se movimentam compra e venda de força de trabalho, era de fato um verdadeiro éden dos direitos naturais do homem. O que aqui
reina é unicamente Liberdade, Igualdade, Propriedade e Bentham. Li-berdade! Pois comprador e vendedor de uma mercadoria, por exemplo,
da força de trabalho, são determinados apenas por sua livre-vontade. Con-tratam como pessoas livres, juridicamente iguais. O contrato é o resultado
final, no qual suas vontades se dão uma expressão jurídica em comum. Igualdade! Pois eles se relacionam um com o outro apenas como possui-dores
de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade! Pois cada um dispõe apenas sobre o seu. Bentham! Pois cada um dos
dois só cuida de si mesmo. O único poder que os junta e leva a um relacionamento é o proveito próprio, a vantagem particular, os seus in-teresses
privados. E justamente porque cada um só cuida de si e nenhum do outro, realizam todos, em decorrência de uma harmonia preestabelecida
das coisas ou sob os auspícios de uma previdência toda esperta, tão-so-mente a obra de sua vantagem mútua, do bem comum, do interesse geral.
Ao sair dessa esfera da circulação simples ou da troca de mercadorias, da qual o livre-cambista vulgaris extrai concepções, conceitos e critérios
para seu juízo sobre a sociedade do capital e do trabalho assalariado, já se transforma, assim parece, em algo a fisionomia de nossa dramatis per-sonae.
278 O antigo possuidor de dinheiro marcha adiante como capitalista,
segue-o o possuidor de força de trabalho como seu trabalhador; um, cheio de importância, sorriso satisfeito e ávido por negócios; o outro, tímido,


contrafeito, como alguém que levou a sua própria pele para o mercado e agora não tem mais nada a esperar, exceto o — curtume.


MARX


293
277 Não se permite a entrada a não ser a negócio. (N. dos T.) 278 Personagens do drama. (N. dos T.)
280#
SEÇÃO III
A PRODUÇÃO DA MAIS-VALIA ABSOLUTA
281#
CAPÍTULO V PROCESSO DE TRABALHO E PROCESSO DE VALORIZAÇÃO
1. O processo de trabalho


A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O com-prador da força de trabalho a consome ao fazer trabalhar o vendedor
dela. O último torna-se, desse modo, actu, 279 força de trabalho realmente ativa, o que antes era apenas potentia. 280 Para representar seu trabalho
em mercadorias, ele tem de representá-lo, sobretudo, em valores de uso, em coisas que sirvam para satisfazer a necessidades de alguma
espécie. É, portanto, um valor de uso particular, um artigo determinado, que o capitalista faz o trabalhador produzir. A produção de valores de
uso ou bens não muda sua natureza geral por se realizar para o capitalista e sob seu controle. Por isso, o processo de trabalho deve ser considerado
de início independentemente de qualquer forma social determinada. Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a
Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se
defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços
e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento,
sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela ador-mecidas
e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio. Não se trata aqui das primeiras formas instintivas, animais, de trabalho. O
estado em que o trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua própria força de trabalho deixou para o fundo dos tempos pri-mitivos
o estado em que o trabalho humano não se desfez ainda de sua primeira forma instintiva. Pressupomos o trabalho numa forma


297
279 De fato. (N. dos T.) 280 Em potencial. (N. dos T.)
282#
em que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa ope-rações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um
arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que
ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início
deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural;
realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e
ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato isolado. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é exigida
a vontade orientada a um fim, que se manifesta como atenção durante todo o tempo de trabalho, e isso tanto mais quanto menos esse trabalho,
pelo próprio conteúdo e pela espécie e modo de sua execução, atrai o trabalhador, portanto, quanto menos ele o aproveita, como jogo de suas
próprias forças físicas e espirituais. Os elementos simples do processo de trabalho são a atividade
orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios. A terra (que do ponto de vista econômico inclui também a água),
como fonte original de víveres e meios já prontos de subsistência para o homem, 281 é encontrada sem contribuição dele, como objeto geral do
trabalho humano. Todas as coisas que o trabalho só desprende de sua conexão direta com o conjunto da terra, são objetos de trabalho pree-xistentes
por natureza. Assim o peixe que se pesca ao separá-lo de seu elemento de vida, a água, a madeira que se abate na floresta
virgem, o minério que é arrancado de seu filão. Se, ao contrário, o próprio objeto de trabalho já é, por assim dizer, filtrado por meio de
trabalho anterior, denominamo-lo matéria-prima. Por exemplo, o mi-nério já arrancado que agora vai ser lavado. Toda matéria-prima é
objeto de trabalho, mas nem todo objeto de trabalho é matéria-prima. O objeto de trabalho apenas é matéria-prima depois de já ter experi-mentado
uma modificação mediada por trabalho. O meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que


o trabalhador coloca entre si mesmo e o objeto de trabalho e que lhe serve como condutor de sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as
propriedades mecânicas, físicas, químicas das coisas para fazê-las atuar como meios de poder sobre outras coisas, conforme o seu objetivo. 282


OS ECONOMISTAS


298
281 "Os produtos naturais da terra, existentes em pequenas quantidades e totalmente inde-pendentes do homem, parecem ser dados pela Natureza do mesmo modo que se
dá a um
jovem uma pequena soma para que possa trabalhar e fazer sua fortuna." (STEUART, James. Principles of Polit. Econ. Edit. Dublin, 1770, v. I, p. 116.)
282 "A razão é tão ardilosa como poderosa. O ardil consiste na atividade mediadora, a qual, ao fazer os objetos atuarem uns sobre os outros e desgastarem-se mutuamente,
segundo
sua própria natureza, sem se inserir diretamente nesse processo, todavia, realiza apenas seu próprio fim." (HEGEL. Enzyklopaedie. Parte Primeira. "Die Logik". Berlim,
1840. p. 382.)
283#
O objeto do qual o trabalhador se apodera diretamente — abstraindo a coleta de meios prontos de subsistência, frutas, por exemplo, em que
somente seus próprios órgãos corporais servem de meios de trabalho — não é objeto de trabalho, mas o meio de trabalho. Assim, mesmo o
natural torna-se órgão de sua atividade, um órgão que ele acrescenta a seus próprios órgãos corporais, prolongando sua figura natural, apesar
da Bíblia. Do mesmo modo como a terra é sua despensa original, é ela seu arsenal original de meios de trabalho. Fornece-lhe, por exemplo,
a pedra que ele lança, com que raspa, prensa, corta etc. A própria terra é um meio de trabalho, mas pressupõe, para servir como meio
de trabalho na agricultura, uma série de outros meios de trabalho e um nível de desenvolvimento relativamente alto da força de trabalho. 283
Tão logo o processo de trabalho esteja em alguma medida desenvolvido de todo, necessita ele de meios de trabalho já trabalhados. Nas cavernas
humanas mais antigas encontramos instrumentos de pedra e armas de pedra. Ao lado de pedra, madeira, osso e conchas trabalhados, o
animal domesticado e, portanto, já modificado por trabalho, desempe-nha no início da história humana o papel principal como meio de tra-balho.
284 O uso e a criação de meios de trabalho, embora existam em
germe em certas espécies de animais, caracterizam o processo de tra-balho especificamente humano e Franklin define, por isso, o homem


como a toolmaking animal, um animal que faz ferramentas. A mesma importância que a estrutura de ossos fósseis tem para o conhecimento
da organização de espécies de animais desaparecidas, os restos dos meios de trabalho têm para a apreciação de formações sócioeconômicas
desaparecidas. Não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz, é o que distingue as épocas econômicas. 285 Os meios de trabalho
não são só medidores do grau de desenvolvimento da força de trabalho humana, mas também indicadores das condições sociais nas quais se
trabalha. Entre os meios de trabalho mesmos, os meios mecânicos de trabalho, cujo conjunto pode-se chamar de sistema ósseo e muscular
da produção, oferecem marcas características muito mais decisivas de uma época social de produção do que aqueles meios de trabalho que
apenas servem de recipientes do objeto de trabalho e cujo conjunto pode-se designar, generalizando, de sistema vascular da produção,
como, por exemplo, tubos, barris, cestas, cântaros etc. Eles só começam a desempenhar papel significativo na fabricação química. 286


MARX


299
283 Ganilh, em seu escrito, de resto miserável, Théorie de l'Écon. Polit., Paris, 1815, confronta acertadamente os fisiocratas com a larga série de processos de
trabalho que constituem o
pressuposto da própria agricultura. 284 Em Réflexions sur la Formation et la Distribution des Richesses (1766) Turgot desenvolve
bem a importância do animal domesticado para os inícios da cultura. 285 As próprias mercadorias de luxo são, de todas as mercadorias, as menos significativas para
a comparação tecnológica de diversas épocas de produção. 286 Nota à 2ª edição. Por pouco que a historiografia até agora conheça o desenvolvimento da
produção material, a base, portanto, de toda vida social e por isso de toda verdadeira
284#
Além das coisas que mediam a atuação do trabalho sobre seu objeto e, por isso, servem, de um modo ou de outro, de condutor da
atividade, o processo de trabalho conta, em sentido lato, entre seus meios com todas as condições objetivas que são exigidas para que o
processo se realize. Estas não entram diretamente nele, mas sem elas ele não pode decorrer ao todo ou só deficientemente. O meio universal
de trabalho desse tipo é a própria terra, pois ela dá ao trabalhador o locus standi 287 e ao processo dele o campo de ação (field of employment).
Meios de trabalho desse tipo, já mediados pelo trabalho, são por exemplo edifícios de trabalho, canais, estradas etc.
No processo de trabalho a atividade do homem efetua, portanto, mediante o meio de trabalho, uma transformação do objeto de trabalho,
pretendida desde o princípio. O processo extingue-se no produto. Seu produto é um valor de uso; uma matéria natural adaptada às neces-sidades
humanas mediante transformação da forma. O trabalho se uniu com seu objetivo. O trabalho está objetivado e o objeto trabalhado.
O que do lado do trabalhador aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade imóvel na forma do ser, do lado do produto.
Ele fiou e o produto é um fio.
Considerando-se o processo inteiro do ponto de vista de seu re-sultado, do produto, aparecem ambos, meio e objeto de trabalho, como


meios de produção, 288 e o trabalho mesmo como trabalho produtivo. 289
Quando um valor de uso sai do processo de trabalho como produto, outros valores de uso, produtos de processos anteriores de trabalho,


entram nele como meios de produção. O mesmo valor de uso constitui o produto desse trabalho, e o meio de produção daquele. Produtos são,
por isso, não só resultados, mas ao mesmo tempo condições do processo de trabalho.
Exceto as indústrias extrativas, cujo objeto de trabalho é pree-xistente por natureza, como mineração, caça, pesca etc. (a agricultura
só no caso em que se desbravam terras virgens), todos os ramos in-dustriais processam um objeto que é matéria-prima, isto é, um objeto
de trabalho já filtrado pelo trabalho, ele mesmo já produto de trabalho. Assim, por exemplo, a semente na agricultura. Animais e plantas, que
se costumam considerar produtos da Natureza, não são apenas produtos talvez do trabalho do ano passado, mas, em suas formas atuais, pro-dutos
de uma transformação continuada por muitas gerações, sob con-


OS ECONOMISTAS


300
História, pelo menos dividiu-se o tempo pré-histórico com base em pesquisas das ciências naturais e não das chamadas históricas, em idade da pedra, do bronze e do
ferro, segundo
o material das ferramentas e das armas. 287 Lugar para ficar. (N. dos T.)
288 Parece um paradoxo, por exemplo, considerar o peixe que ainda não foi pescado meio de produção da pesca. Mas até agora não se inventou a arte de pescar em águas
onde não
haja peixes. 289 Essa determinação de trabalho produtivo, tal como resulta do ponto de vista do processo
simples de trabalho, não basta, de modo algum, para o processo de produção capitalista.
285#
trole humano e mediada por trabalho humano. Quanto aos meios de trabalho, particularmente, a grande maioria deles mostra até ao olhar
mais superficial os vestígios de trabalho anterior. A matéria-prima pode constituir a substância principal de um
produto ou só entrar em sua formação como matéria auxiliar. A matéria auxiliar é consumida pelo meio de trabalho, como carvão pela máquina
a vapor, óleo pela roda, feno pelo cavalo de tiro, ou é acrescentada à matéria-prima para modificá-la materialmente, como cloro ao linho
não branqueado, carvão ao ferro, tinta à lã, ou apóia a execução do próprio trabalho, como, por exemplo, as matérias usadas para iluminar
e aquecer o local de trabalho. A diferença entre matéria principal e
matéria auxiliar se confunde na fabricação propriamente química, por-que nenhuma das matérias-primas aplicadas reaparece como substân-cia


do produto. 290 Como cada coisa possui muitas propriedades e, por isso, é capaz
de diversas aplicações úteis, o mesmo produto pode constituir a ma-téria-prima de processos de trabalho muito diferentes. Grão, por exem-plo,
é matéria-prima do moleiro, do fabricante de amido, do destilador, do criador de gado etc. Torna-se matéria-prima de sua própria produção,
como semente. Assim, o carvão provém, como produto, da indústria de mineração, e entra nela como meio de produção.
O mesmo produto pode no mesmo processo de trabalho servir de meio de trabalho e de matéria-prima. Na engorda do gado, por exemplo,
o gado, a matéria-prima trabalhada, é ao mesmo tempo meio de ob-tenção
de estrume. Um produto que existe numa forma pronta para o consumo, pode


tornar-se, de novo, matéria-prima de outro produto, como a uva torna-se matéria-prima do vinho. Ou o trabalho despacha seu produto em formas
em que só pode ser usado, de novo, como matéria-prima. Matéria-prima nessa condição se chama produto semi-elaborado e seria mais bem
denominada produto intermediário, como, por exemplo, algodão, linho, fio etc. Embora mesmo já sendo produto, a matéria-prima original pode
ter que percorrer todo um escalão de processos diferentes, nos quais funciona sempre de novo, em forma cada vez mais alterada, como ma-téria-
prima, até o último processo de trabalho que a expele como meio
acabado de subsistência ou meio acabado de trabalho. Vê-se: o fato de um valor de uso aparecer como matéria-prima,


meio de trabalho ou produto, depende totalmente de sua função de-


MARX


301
290 Storch distingue entre a própria matéria-prima, matière, e as matérias auxiliares, mate-riaux. * Cherbuliez denomina as matérias auxiliares de matières instrumentales.
**
* STORCH, Henri. Cours d'Économie Politique, ou Exposition des Principes qui Déterminent
la Prospérité des Nations. v. 1, São Petersburgo, 1815. p. 228. (N. da Ed. Alemã.) ** CHERBULIEZ, A. Richesse ou Pauvreté. Exposition des Causes et des Effets de
la Dis-tribution


Actuelle des Richesses Sociales. Paris, 1841, p. 14. (N. da Ed. Alemã.)
286#
terminada no processo de trabalho, da posição que nele ocupa, e com a mudança dessa posição variam essas determinações.
Ao entrar em novos processos de trabalho como meios de produ-ção, os produtos perdem, por isso, o caráter de produto. Eles só fun-cionam
agora como fatores objetivos do trabalho vivo. O fiandeiro trata o fuso apenas como o meio com o qual fia e o linho como objeto que
fia. Com efeito não se pode ficar sem material de fiar e sem fuso. A existência desses produtos 291 é portanto pressuposta ao começar a fiar.
Mas nesse processo mesmo importa tão pouco que o linho e o fuso sejam produtos de trabalho passado, como no ato da alimentação in-teressa
que o pão seja produto dos trabalhos passados do camponês, do moleiro, do padeiro etc. Ao contrário, se os meios de produção fazem
valer, no processo de trabalho, seu caráter como produtos de trabalho passado, isso acontece somente por intermédio de seus defeitos. Uma
faca que não corta, o fio que se parte constantemente etc., lembram vivamente o cuteleiro A e o fiandeiro E. No produto bem elaborado,
extinguiu-se a aquisição de suas propriedades úteis por intermédio do trabalho passado.
Uma máquina que não serve no processo de trabalho é inútil. Além disso, sucumbe à força destruidora do metabolismo natural. O
ferro enferruja, a madeira apodrece. Fio que não é usado para tecer ou fazer malha é algodão estragado. O trabalho vivo deve apoderar-se
dessas coisas, despertá-las dentre os mortos, transformá-las de valores de uso apenas possíveis em valores de uso reais e efetivos. Lambidas
pelo fogo do trabalho, apropriadas por ele como seus corpos, animadas a exercer as funções de sua concepção e vocação, é verdade que serão
também consumidas, porém de um modo orientado a um fim, como elementos constitutivos de novos valores de uso, de novos produtos,
aptos a incorporar-se ao consumo individual como meios de subsistência ou a um novo processo de trabalho como meios de produção.
Se, portanto, produtos existentes são não só resultados, mas tam-bém condições de existência do processo de trabalho, por outro lado é
sua introdução nele, isto é, seu contato com trabalho vivo, o único meio de conservar e realizar esses produtos de trabalho passado como
valores de uso. O trabalho gasta seus elementos materiais, seu objeto e seu meio,
os devora e é, portanto, processo de consumo. Esse consumo produtivo distingue-se do consumo individual por consumir o último os produtos
como meios de subsistência do indivíduo vivo, o primeiro, porém, como meios de subsistência do trabalho, da força de trabalho ativa do indivíduo.
O produto de consumo individual é, por isso, o próprio consumidor, o resultado do consumo produtivo um produto distinto do consumidor.


OS ECONOMISTAS


302
291 4ª ed.: desse produto. (N. da Ed. Alemã.)
287#
Na medida em que seu meio e objeto mesmos já sejam produtos, o trabalho consome produtos para criar produtos ou gasta produtos
como meios de produção de produtos. Como o processo de trabalho se passa originalmente só entre o homem e a terra, que preexistia sem
sua colaboração, continuam a servir-lhe ainda tais meios de produção preexistentes por natureza e que não representam nenhuma combina-ção
de matéria natural e trabalho humano. O processo de trabalho, como o apresentamos em seus elementos
simples e abstratos, é atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades
humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a Na-tureza, condição natural eterna da vida humana e, portanto, indepen-dente
de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais. Por isso, não tivemos necessidade de
apresentar o trabalhador em sua relação com outros trabalhadores. O homem e seu trabalho, de um lado, a Natureza e suas matérias, do
outro, bastavam. Tão pouco quanto o sabor do trigo revela quem o plantou, podem-se reconhecer nesse processo as condições em que ele
decorre, se sob o brutal açoite do feitor de escravos ou sob o olhar ansioso do capitalista, se Cincinnatus o realiza ao cultivar suas poucas
jugera 292 ou o selvagem ao abater uma fera com uma pedra. 293 Voltemos ao nosso capitalista in spe. 294 Deixamo-lo logo depois
de ele ter comprado no mercado todos os fatores necessários a um processo de trabalho, os fatores objetivos ou meios de produção e o
fator pessoal ou a força de trabalho. Com o olhar sagaz de conhecedor, ele escolheu os meios de produção e as forças de trabalho adequados
para seu negócio particular, fiação, fabricação de botas etc. Nosso ca-pitalista põe-se então a consumir a mercadoria que ele comprou, a
força de trabalho, isto é, ele faz o portador da força de trabalho, o trabalhador, consumir os meios de produção mediante seu trabalho.
A natureza geral do processo do trabalho não se altera, naturalmente, por executá-lo o trabalhador para o capitalista, em vez de para si
mesmo. Mas também o modo específico de fazer botas ou de fiar não pode alterar-se de início pela intromissão do capitalista. Ele tem de
tomar a força de trabalho, de início, como a encontra no mercado e, portanto, também seu trabalho da maneira como se originou em um


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303
292 Jeiras. (N. dos T.) 293 Por essa razão altamente lógica, o Coronel Torrens deve ter descoberto na pedra do selvagem
— a origem do capital. "Na primeira pedra que o selvagem atira na besta que persegue, no primeiro pau que apanha para derrubar a fruta que não pode alcançar com
as mãos,
vemos a apropriação de um artigo para o fim de adquirir outro e descobrimos assim — a origem do capital." (TORRENS, R. An Essay on the Production of Wealth etc.
p. 70-71.)
Daquele primeiro pau * explica-se provavelmente por que, em inglês, stock é sinônimo de capital.
* Stock, em alemão (N. dos T.)
294 Em aspiração. (N. dos T.)
288#
período em que ainda não havia capitalistas. A transformação do pró-prio modo de produção mediante a subordinação do trabalho ao capital
só pode ocorrer mais tarde e deve por isso ser considerada somente mais adiante.
O processo de trabalho, em seu decurso enquanto processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista, mostra dois fenômenos
peculiares. O trabalhador trabalha sob o controle do capitalista a quem per-tence
seu trabalho. O capitalista cuida de que o trabalho se realize em ordem e os meios de produção sejam empregados conforme seus
fins, portanto, que não seja desperdiçada matéria-prima e que o ins-trumento de trabalho seja preservado, isto é, só seja destruído na me-dida
em que seu uso no trabalho o exija. Segundo, porém: o produto é propriedade do capitalista, e não
do produtor direto, do trabalhador. O capitalista paga, por exemplo, o valor de um dia da força de trabalho. A sua utilização, como a de
qualquer outra mercadoria, por exemplo, a de um cavalo que alugou por um dia, pertence-lhe, portanto, durante o dia. Ao comprador da
mercadoria pertence a utilização da mercadoria, e o possuidor da força de trabalho dá, de fato, apenas o valor de uso que vendeu ao dar seu
trabalho. A partir do momento em que ele entrou na oficina do capi-talista, o valor de uso de sua força de trabalho, portanto, sua utilização,
o trabalho, pertence ao capitalista. O capitalista, mediante a compra da força de trabalho, incorporou o próprio trabalho, como fermento
vivo, aos elementos mortos constitutivos do produto, que lhe pertencem igualmente. Do seu ponto de vista, o processo de trabalho é apenas o
consumo da mercadoria, força de trabalho por ele comprada, que só pode, no entanto, consumir ao acrescentar-lhe meios de produção. O
processo de trabalho é um processo entre coisas que o capitalista com-prou, entre coisas que lhe pertencem. O produto desse processo lhe
pertence de modo inteiramente igual ao produto do processo de fer-mentação em sua adega. 295


OS ECONOMISTAS


304
295 "Os produtos são apropriados antes de se transformarem em capital, essa transformação não os livra daquela apropriação". (CHERBULIEZ. Richesse ou Pauvreté. Édit.
Paris, 1841.
p. 54.) "Ao vender seu trabalho por determinado quantum de meios de subsistência (ap-provisionnement), renuncia o proletário inteiramente a toda participação no
produto. A
apropriação dos produtos fica a mesma que antes; ela não se altera, de modo algum, pelo convênio mencionado. O produto pertence exclusivamente ao capitalista, que
forneceu as
matérias-primas e o approvisionnement. Essa é uma conseqüência rigorosa da lei da apro-priação, cujo princípio fundamental era inversamente o direito exclusivo de
propriedade de
cada trabalhador do seu produto." (Op. cit., p. 58.) MILL, James. Elements of Pol. Econ. etc. p. 70-71: "Se os trabalhadores trabalham por um salário, é o capitalista
proprietário
não só do capital" (o que significa, aqui, dos meios de produção) "mas também do trabalho (of the labour also). Incluindo-se, como é costume, no conceito de capital
o que se paga
como salário, é absurdo falar do trabalho separadamente do capital. A palavra capital, nesse sentido, compreende ambos, capital e trabalho".
289#
2. O processo de valorização
O produto — a propriedade do capitalista — é um valor de uso, fio, botas etc. Mas, embora as botas, por exemplo, constituam de certo


modo a base do progresso social e nosso capitalista seja um decidido progressista, não fabrica as botas por causa delas mesmas. O valor de
uso não é, de modo algum, a coisa qu'on aime pour lui-même. 296 Pro-duzem-se aqui valores de uso somente porque e na medida em que
sejam substrato material, portadores do valor de troca. E para nosso capitalista, trata-se de duas coisas. Primeiro, ele quer produzir um
valor de uso que tenha um valor de troca, um artigo destinado à venda, uma mercadoria: Segundo, ele quer produzir uma mercadoria cujo valor
seja mais alto que a soma dos valores das mercadorias exigidas para produzi-la, os meios de produção e a força de trabalho, para as quais
adiantou seu bom dinheiro no mercado. Quer produzir não só um valor de uso, mas uma mercadoria, não só valor de uso, mas valor e não só
valor, mas também mais-valia. De fato, tratando-se aqui de produção de mercadorias, conside-ramos,
até agora, evidentemente apenas um lado do processo. Como a própria mercadoria é unidade de valor de uso e valor, seu processo
de produção tem de ser unidade de processo de trabalho e processo de formação de valor.
Consideremos o processo de produção agora também como pro-cesso de formação de valor.
Sabemos que o valor de toda mercadoria é determinado pelo quan-tum de trabalho materializado em seu valor de uso, pelo tempo de
trabalho socialmente necessário à sua produção. Isso vale também para o produto que nosso capitalista obteve como resultado do processo de
trabalho. De início, tem-se portanto de calcular o trabalho materializado nesse produto.
Seja, por exemplo, fio. Para a fabricação do fio precisa-se, em primeiro lugar, de sua
matéria-prima, por exemplo, 10 libras de algodão. Não é necessário investigar o valor do algodão pois o capitalista o comprou no mercado
pelo seu valor, por exemplo, 10 xelins. No preço do algodão já está representado o trabalho exigido para sua produção, como trabalho geral
social. Suponhamos ainda que a massa de fusos desgastada no pro-cessamento do algodão, que representa, para nós, todos os outros meios
de trabalho empregados, tenha um valor de 2 xelins. Se uma massa de ouro de 12 xelins é o produto de 24 horas ou 2 dias de trabalho,
segue-se, de início, que no fio estão objetivados 2 dias de trabalho. Não nos deve desconcertar a circunstância de que o algodão mu-


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296 Que se ama por si mesma. (N. dos T.)
290#
dou sua forma e a massa de fusos consumida desapareceu totalmente. Segundo a lei geral do valor, 10 libras de fio, por exemplo, são um
equivalente de 10 libras de algodão mais 1/ 4 de fuso, desde que o valor de 40 libras de fio seja = o valor de 40 libras de algodão + o valor de
um fuso inteiro, isto é, que o mesmo tempo de trabalho seja exigido para produzir o que está em cada um dos lados dessa equação. Nesse
caso, o mesmo tempo de trabalho representa-se uma vez no valor de uso fio, e a outra vez nos valores de uso algodão e fuso. Ao valor é
indiferente se aparece em fio, fuso ou algodão. O fato de que fuso e algodão, em vez de ficarem parados, um ao lado do outro, se unem no
processo de fiação, que modifica suas formas de uso transformando-se em fio, afeta tão pouco o seu valor quanto se fossem realizados, me-diante
simples intercâmbio, contra um equivalente de fio. O tempo de trabalho exigido para a produção do algodão é parte
do tempo de trabalho exigido para a produção do fio, ao qual serve de matéria-prima, e por isso está contido no fio. O mesmo vale para o
tempo de trabalho exigido para produzir a massa de fusos, sem cuja depreciação ou consumo o algodão não poderia ser fiado. 297
Na medida em que, portanto, o valor do fio, o tempo de trabalho exigido para sua produção, é considerado, os diferentes processos par-ticulares
de trabalho separados no tempo e no espaço, que tem que ser percorridos para produzir o próprio algodão e a massa de fusos
desgastada e para fazer, finalmente, de algodão e fuso fio, podem ser considerados como diversas fases sucessivas do mesmo processo de
trabalho. Todo o trabalho contido no fio é trabalho passado. Que o tempo de trabalho exigido para a produção dos elementos constitutivos
do fio tenha passado antes, estando no mais-que-perfeito, enquanto o trabalho empregado diretamente no processo final, a fiação, encontra-se
mais perto do presente, no pretérito perfeito, é uma circunstância ab-solutamente indiferente. Se determinada quantidade de trabalho, 30
dias de trabalho por exemplo, é necessária para construir uma casa, não se altera nada no quantum total do tempo de trabalho incorporado
à casa pelo fato de que o trigésimo dia de trabalho entrou na produção 29 dias depois do primeiro dia de trabalho. E assim pode considerar-se
o tempo de trabalho contido no material de trabalho e nos meios de trabalho como se tivesse sido despendido numa fase anterior do processo
de fiação, antes do trabalho finalmente acrescentado, sob a forma de fiação. Os valores dos meios de produção, do algodão e do fuso, expressos
no preço de 12 xelins, formam, portanto, partes integrantes do valor do fio ou do valor do produto.
Só duas condições têm de ser preenchidas. Primeiro, algodão e


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297 "No valor das mercadorias não influi apenas o trabalho nelas diretamente aplicado, mas também o trabalho aplicado nos instrumentos, ferramentas e edifícios que
apóiam o trabalho
diretamente despendido." (RICARDO. Op. cit., p. 16.)
291#
fuso devem ter servido realmente à produção de um valor de uso. Devem ter-se tornado em nosso caso fio. Que valor de uso o porta é
indiferente ao valor, mas um valor de uso tem de portá-lo. Segundo, pressupõe-se que somente o tempo de trabalho necessário, sob dadas
condições sociais de produção, foi aplicado. Se, portanto, apenas 1 libra de algodão fosse necessária para fiar 1 libra de fio, então deve-se con-sumir
apenas 1 libra de algodão na fabricação de 1 libra de fio. O mesmo vale para o fuso. Ainda que o capitalista tivesse a fantasia de
empregar fusos de ouro em vez de fusos de ferro, no valor do fio só conta, todavia, o trabalho socialmente necessário, isto é, o tempo de
trabalho necessário para a produção de fusos de ferro. Sabemos agora qual parte do valor do fio forma os meios de
produção, algodão e fuso. É igual a 12 xelins, ou à materialização de 2 dias de trabalho. Trata-se agora daquela parte de valor que o trabalho
do próprio fiandeiro acrescenta ao algodão. Agora temos de observar esse trabalho sob um aspecto totalmente
diverso daquele sob o qual o consideramos durante o processo de tra-balho. Lá, tratava-se da atividade orientada ao fim de transformar
algodão em fio. Quanto mais adequado o trabalho a esse, tanto melhor o fio, supondo-se inalteradas todas as demais circunstâncias. O trabalho
do fiandeiro era especificamente diferente de outros trabalhos produ-tivos, e a diversidade manifestava-se subjetiva e objetivamente no fim
particular da fiação, em seu modo particular de operar, na natureza particular de seus meios de produção, no valor de uso particular de
seu produto. Algodão e fuso servem de meios de subsistência do trabalho de fiar, mas não se pode com eles fazer canhões raiados. Na medida
em que o trabalho do fiandeiro é, pelo contrário, formador de valor, isto é, fonte de valor, não se distingue em nada do trabalho do perfu-rador
de canhões, ou, que está aqui mais próximo, dos trabalhos do plantador de algodão e do produtor de fusos, realizados nos meios de
produção do fio. É apenas por causa dessa identidade que plantar algodão, fazer fusos e fiar podem formar partes apenas quantitativa-mente
diferentes do mesmo valor total, do valor do fio. Aqui já não se trata da qualidade, da natureza e do conteúdo do trabalho, mas apenas
de sua quantidade. É fácil calculá-la. Pressupomos que o trabalho de fiar é trabalho simples, trabalho social médio. Ver-se-á depois que o
pressuposto contrário não altera nada na coisa. Durante o processo de trabalho, o trabalho se transpõe continua-mente
da forma de agitação para a de ser, da forma de movimento para a de objetividade. Ao fim de 1 hora, o movimento de fiar está representado
em determinado quantum de fio, portanto determinado quantum de tra-balho, 1 hora de trabalho, está objetivado no algodão. Dizemos hora de
trabalho, isto é, o dispêndio da força vital do fiandeiro durante 1 hora, pois o trabalho de fiar apenas vale aqui enquanto dispêndio de força de
trabalho e não enquanto trabalho específico de fiação.


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292#
Agora é de importância decisiva que durante o processo, isto é, durante a transformação do algodão em fio, somente o tempo de tra-balho
socialmente necessário seja consumido. Se sob condições sociais de produção normais, isto é, médias, A libras de algodão têm de ser
transformadas, durante 1 hora de trabalho, em B libras de fio, então somente vale como jornada de trabalho de 12 horas aquela jornada de
trabalho que transforma 12 x A libras de algodão em 12 x B libras de fio. Pois apenas o tempo de trabalho socialmente necessário conta como
formando valor. Como o próprio trabalho, assim a matéria-prima e o produto
aparecem aqui sob uma luz totalmente diferente da projetada pelo ponto de vista do processo de trabalho propriamente dito. A matéria-prima
funcionou aqui apenas como algo que absorve determinado quan-tum de trabalho. Por meio dessa absorção transforma-se, de fato, em
fio, porque a força de trabalho foi despendida e lhe foi acrescentada sob a forma de fiação. Mas o produto, o fio, é agora apenas uma escala
graduada que mede o trabalho absorvido pelo algodão. Se em 1 hora 1 2/ 3 libra de algodão é fiada ou transformada em 1 2/ 3 libra de fio,
então 10 libras de fio indicam 6 horas de trabalho absorvidas. Quan-tidades de produto determinadas, verificadas pela experiência, repre-sentam
agora nada mais que determinadas quantidades de trabalho, determinada massa de tempo de trabalho solidificado. São apenas a
materialização de 1 hora, de 2 horas, de 1 dia de trabalho social. Que o trabalho seja precisamente trabalho de fiar, seu material o
algodão e seu produto o fio interessa aqui tão pouco quanto o objeto do trabalho, por sua vez, ser já produto, portanto, matéria-prima. Se o tra-balhador,
em vez de fiar, estivesse ocupado numa mina de carvão, o objeto de trabalho, o carvão, seria preexistente por natureza. Apesar disso, de-terminado
quantum de carvão arrancado da rocha, 1 quintal por exemplo, representaria determinado quantum de trabalho absorvido.
Ao tratar da venda da força de trabalho, foi suposto que seu valor diário = 3 xelins e que nestes últimos estão incorporadas 6 horas
de trabalho, sendo, portanto, exigido esse quantum de trabalho para produzir a soma média dos meios diários de subsistência do trabalha-dor.
Se nosso fiandeiro, durante 1 hora de trabalho, transforma 1 2/ 3 libra de algodão em 1 2/ 3 libra de fio, 298 então transformará, em 6
horas, 10 libras de algodão em 10 libras de fio. Durante o processo da fiação o algodão absorve, portanto, 6 horas de trabalho. O mesmo tempo
de trabalho representa-se num quantum de ouro de 3 xelins. Mediante a própria fiação acrescenta-se, pois, ao algodão um valor de 3 xelins.
Vejamos agora o valor total do produto, das 10 libras de fio. Nelas se objetivam 2 1/ 2 dias de trabalho, sendo 2 dias contidos no


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298 Esses números são totalmente arbitrários.
293#
algodão e na massa de fusos, e 1/ 2 dia absorvido durante o processo da fiação. O mesmo tempo de trabalho representa-se numa massa de
ouro de 15 xelins. O preço adequado ao valor das 10 libras de fio é, portanto, 15 xelins, o preço de 1 libra de fio, 1 xelim e 6 pence.
Nosso capitalista fica perplexo. O valor do produto é igual ao
valor do capital adiantado. O valor adiantado não se valorizou, não
produziu mais-valia, o dinheiro não se transformou pois em capital.
O preço das 10 libras de fio é 15 xelins, e 15 xelins foram despendidos
no mercado pelos elementos constitutivos do produto ou, o que é o
mesmo, para os fatores do processo de trabalho: 10 xelins para o al-godão,
2 xelins para a massa de fusos consumida e 3 xelins para a
força de trabalho. O valor inchado do fio em nada ajuda, pois seu valor é apenas a soma dos valores que antes se distribuíram entre algodão,


fuso e força de trabalho, e de tal adição simples de valores preexistentes
não pode agora e jamais surgir uma mais-valia. 299 Esses valores estão
concentrados agora numa só coisa, mas já o estavam na soma de di-nheiro
de 15 xelins antes que esta se fragmentasse por meio de três
compras de mercadorias. Em si para si, esse resultado não tem nada de estranho. O valor


de 1 libra de fio é 1 xelim e 6 pence, e por 10 libras de fio nosso capitalista teria de pagar no mercado, portanto, 15 xelins. Tanto faz
que compre no mercado sua casa particular já pronta, ou que a mande construir, nenhuma dessas operações aumentará o dinheiro gasto na
aquisição da casa. O capitalista, familiarizado com a economia vulgar, dirá talvez
que adiantou seu dinheiro com a intenção de, com isso, fazer mais dinheiro. Mas o caminho ao inferno está calçado de boas intenções e
ele poderia, do mesmo modo, ter a intenção de fazer dinheiro sem produzir nada. 300 Ameaça. Não o apanharão de novo. Futuramente,
comprará a mercadoria pronta no mercado em vez de fabricá-la. Mas se todos os seus irmãos capitalistas fizerem o mesmo, onde deverá ele
encontrar mercadorias prontas? E dinheiro ele não pode comer. Ele faz um sermão. Deve-se levar em consideração sua abstinência. Poderia
esbanjar seus 15 xelins. Em lugar disso, os consumiu produtivamente


MARX


309
299 Essa é a proposição fundamental em que se baseia a doutrina fisiocrática da improdutividade de todo trabalho não agrícola, e ela é irrefutável para o economista
— de profissão. "Essa
maneira de imputar a um único objeto os valores de vários outros" (por exemplo, ao linho a subsistência do tecelão), "de acumular, por assim dizer, diversos valores
em camadas
sobre um único, faz com que este cresça na mesma proporção. (...) A palavra adição designa muito bem o modo como se forma o preço das manufaturas; este preço é apenas
a soma
total de vários valores consumidos e adicionados; mas adicionar não é multiplicar." (RI-VIÈRE, Mercier de la. Op. cit., p. 599.)
300 Assim, por exemplo, ele retirou de 1844 a 1847 parte de seu capital do negócio produtivo para perdê-la na especulação com ações ferroviárias. Assim, ao tempo
da Guerra de Secessão
americana, fechou a fábrica e lançou o operário na rua, para jogar na Bolsa de algodão de Liverpool.
294#
e os transformou em fio. Mas, graças a isso, ele tem fio em vez de remorsos. Ele não deve, de modo algum, recair no papel do entesourador
que já nos mostrou o que se obtém do ascetismo. Além disso, onde nada existe, o imperador perdeu seu direito. Qualquer que seja o mérito
de sua renúncia, não existe nada para pagá-lo adicionalmente, uma vez que o valor do produto que resulta do processo é apenas igual à
soma dos valores das mercadorias lançadas nele. Tem de consolar-se com a idéia de a virtude ser a recompensa da virtude. Mas, em vez
disso, ele se torna importuno. O fio não lhe serve de nada. Ele o produziu para a venda. Assim que ele o venda ou, melhor ainda, que produza
no futuro apenas coisas para seu próprio uso, receita que seu médico da família, MacCulloch, já prescrevera como remédio comprovado con-tra
a epidemia da superprodução. Ele se torna teimoso. Deveria o tra-balhador, com seus próprios membros, criar no éter figurações de tra-balho,
produzir mercadorias? Não lhe deu ele a matéria, com a qual e na qual pode dar corpo a seu trabalho? Sendo a maior parte da
sociedade constituída dos que nada têm não prestou ele um serviço inestimável à sociedade com seus meios de produção, seu algodão e
seus fusos, e também ao próprio trabalhador, ao qual forneceu ainda meios de subsistência? Não deve ele apresentar a conta por tal serviço?
Mas não prestou-lhe o trabalhador em contrapartida o serviço de trans-formar algodão e fuso em fio? Além disso, não se trata aqui de servi-ços.
301 Um serviço é nada mais que o efeito útil de um valor de uso,
seja da mercadoria, seja do trabalho. 302 Mas aqui trata-se do valor de troca. O capitalista pagou ao trabalhador o valor de 3 xelins. O tra-balhador


devolveu-lhe um equivalente exato, no valor de 3 xelins, acres-cido ao algodão. Valor contra valor. Nosso amigo, até há pouco capi-talisticamente
arrogante, assume subitamente a atitude modesta de seu próprio trabalhador. Não trabalhou ele mesmo? Não executou o
trabalho de vigilância e superintendência sobre o fiandeiro? Não cria valor também esse seu trabalho? Mas seu próprio overlooker 303 e seu
gerente encolhem os ombros. Entrementes, já recobrou com um sorriso


OS ECONOMISTAS


310
301 "Deixa que se exaltem, se adornem e se enfeitem. (...) Mas que toma mais ou algo melhor" (do que dá) "pratica usura e não presta serviço, mas causa prejuízo
a seu próximo, como
se furtasse ou roubasse. Nem tudo que se chama de serviço e benefício ao próximo é serviço e benefício. Pois um adúltero e uma adúltera se prestam mutuamente grande
serviço e
prazer. Um cavaleiro presta grande serviço ao incendiário e assassino, ajudando-o a roubar nas estradas, a fazer guerra a terras e gentes. Os papistas prestam aos
nossos grande
serviço, ao não afogarem, queimarem, assassinarem ou fazerem apodrecer a todos nas prisões, mas deixam alguns viverem, desterrando-os ou despojando-os de seus haveres.
O
próprio diabo presta a seus servidores grande e inestimável serviço (...) Em resumo, o mundo está cheio de grandes e excelentes serviços e benefícios diários." (LUTHER,
Martin.
An die Pfarrherrn, wider den Wucher zu Predigen etc. Wittenberg, 1540.) 302 Em Zur Kritik der Pol. Oek., p. 14, observo sobre isso, entre outras coisas: "Compreende-se
qual 'serviço' a categoria 'serviço' (service) deve prestar a uma espécie de economistas como J.-B. Say e F. Bastiat". *
* Ver v. 13 da MEW. p. 24. (N. da Ed. Alemã.)
303 Fiscal. (N. dos T.)
295#
alegre sua fisionomia anterior. Ele troçou de nós com toda essa ladai-nha. Não daria um centavo por ela. Ele deixa esses e semelhantes
subterfúgios e petas vazias aos professores da Economia Política, ex-pressamente pagos para isso. Ele mesmo é um homem prático que
nem sempre pensa no que diz fora do negócio, mas sempre sabe o que faz dentro dele.
Examinemos a coisa mais de perto. O valor de um dia da força de trabalho importava em 3 xelins, porque nela mesma está objetivada
meia jornada de trabalho, isto é, porque os meios de subsistência ne-cessários para produzir diariamente a força de trabalho custam meia
jornada de trabalho. Mas o trabalho passado que a força de trabalho contém, e o trabalho vivo que ela pode prestar, seus custos diários de
manutenção e seu dispêndio diário, são duas grandezas inteiramente diferentes. A primeira determina seu valor de troca, a outra forma
seu valor de uso. O fato de que meia jornada seja necessária para mantê-lo vivo durante 24 horas não impede o trabalhador, de modo
algum, de trabalhar uma jornada inteira. O valor da força de trabalho e sua valorização no processo de trabalho são, portanto, duas grandezas
distintas. Essa diferença de valor o capitalista tinha em vista quando comprou a força de trabalho. Sua propriedade útil, de poder fazer fio
ou botas, era apenas uma conditio sine qua non, 304 pois o trabalho para criar valor tem de ser despendido em forma útil. Mas o decisivo
foi o valor de uso específico dessa mercadoria ser fonte de valor, e de mais valor do que ela mesma tem. Esse é o serviço específico que o
capitalista dela espera. E ele procede, no caso, segundo as leis eternas do intercâmbio de mercadorias. Na verdade, o vendedor da força de
trabalho, como o vendedor de qualquer outra mercadoria, realiza seu valor de troca e aliena seu valor de uso. Ele não pode obter um, sem
desfazer-se do outro. O valor de uso da força de trabalho, o próprio trabalho, pertence tão pouco ao seu vendedor, quanto o valor de uso
do óleo vendido, ao comerciante que o vendeu. O possuidor de dinheiro pagou o valor de um dia da força de trabalho; pertence-lhe, portanto,
a utilização dela durante o dia, o trabalho de uma jornada. A circuns-tância de que a manutenção diária da força de trabalho só custa meia
jornada de trabalho, apesar de a força de trabalho poder operar, tra-balhar um dia inteiro, e por isso, o valor que sua utilização cria durante
um dia é o dobro de seu próprio valor de um dia, é grande sorte para o comprador, mas, de modo algum, uma injustiça contra o vendedor.
Nosso capitalista previu o caso que o faz sorrir. 305 O trabalhador encontra, por isso, na oficina, os meios de produção necessários não
para um processo de trabalho de 6 horas, mas de 12. Se 10 libras de


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311
304 Condição indispensável. (N. dos T.) 305 "Kasus, der ihn lachen macht", citação modificada de Goethe, Fausto. Parte Primeira.
"Quarto de Estudante". (N. da Ed. Alemã.)
296#
algodão absorviam 6 horas de trabalho e transformavam-se em 10 libras de fio, então 20 libras de algodão absorverão 12 horas de trabalho e
se transformarão em 20 libras de fio. Consideremos o produto do pro-cesso prolongado de trabalho. Nas 20 libras de fio estão objetivadas
agora 5 jornadas de trabalho: 4 na massa consumida de algodão e fusos, 1 absorvida pelo algodão durante o processo de fiação. Mas a
expressão em ouro de 5 jornadas de trabalho é 30 xelins ou 1 libra esterlina e 10 xelins. Esse é, portanto, o preço das 20 libras de fio.
Uma libra de fio custa, depois como antes, 1 xelim e 6 pence. Mas a soma dos valores das mercadorias lançadas no processo importou em
27 xelins. O valor do fio é de 30 xelins. O valor do produto ultrapassou de 1/ 9 o valor adiantado para sua produção. Dessa maneira, transfor-maram-
se 27 xelins em 30. Deram uma mais-valia de 3 xelins. Final-mente a artimanha deu certo. Dinheiro se transformou em capital.
Todas as condições do problema foram resolvidas e, de modo al-gum, as leis do intercâmbio de mercadorias foram violadas. Trocou-se
equivalente por equivalente. O capitalista pagou, como comprador, toda mercadoria por seu valor, algodão, massa de fusos, força de trabalho.
Depois fez o que faz qualquer outro comprador de mercadorias. Con-sumiu seu valor de uso. Do processo de consumo da força de trabalho,
ao mesmo tempo processo de produção da mercadoria, resultou um produto de 20 libras de fio com um valor de 30 xelins. O capitalista
volta agora ao mercado e vende mercadoria, depois de ter comprado mercadoria. Vende a libra de fio por 1 xelim e 6 pence, nenhum centavo
acima ou abaixo de seu valor. E, não obstante, tira da circulação 3 xelins mais do que nela lançou. Todo esse seguimento, a transformação de seu
dinheiro em capital, se opera na esfera da circulação e não se opera nela. Por intermédio da circulação, por ser condicionado pela compra da força
de trabalho no mercado. Fora da circulação, pois ela apenas introduz o processo de valorização, que ocorre na esfera da produção. E assim é tout
pour le mieux dans le meilleur des mondes possibles. 306 O capitalista, ao transformar dinheiro em mercadorias, que ser-vem
de matérias constituintes de um novo produto ou de fatores do processo de trabalho, ao incorporar força de trabalho viva à sua obje-tividade
morta, transforma valor, trabalho passado, objetivado, morto em capital, em valor que se valoriza a si mesmo, um monstro animado
que começa a "trabalhar" como se tivesse amor no corpo. 307 Se comparamos o processo de formação de valor com o processo
de valorização, vemos que o processo de valorização não é nada mais que um processo de formação de valor prolongado além de certo ponto.


OS ECONOMISTAS


312
306 "Tudo pelo melhor no melhor dos mundos possíveis." Aforismo do romance satírico de Voltaire Candide, ou l'Optimisme. (N. da Ed. Alemã.)
307 "Como se tivesse amor no corpo" — als haett'es Lieb im Leibe — citação modificada de Goethe. Fausto. Parte Primeira. "Adega de Auerbach, em Leipzig." (N. da
Ed. Alemã.)
297#
Se este apenas dura até o ponto em que o valor da força de trabalho pago pelo capital é substituído por um novo equivalente, então é um
processo simples de formação de valor. Se ultrapassa esse ponto, tor-na-se processo de valorização.
Se comparamos, além disso, o processo de formação de valor com o processo de trabalho, vemos que este consiste no trabalho útil que
produz valores de uso. O movimento é considerado aqui qualitativa-mente, em seu modo e maneira particular, segundo seu objetivo e con-teúdo.
O mesmo processo de trabalho apresenta-se no processo de for-mação de valor somente em seu aspecto quantitativo. Trata-se aqui
apenas do tempo que o trabalho precisa para sua operação ou da du-ração na qual a força de trabalho é despendida de forma útil. Também
as mercadorias que entram no processo de trabalho aqui já não valem como fatores materiais, determinados funcionalmente, da força de tra-balho
atuando orientadamente para um fim. Apenas contam com de-terminadas quantidades de trabalho objetivado. O trabalho, seja contido
nos meios de produção, seja acrescido a eles pela força de trabalho, somente conta por sua duração. Representa tantas horas, dias etc.
Mas conta somente na medida em que o tempo gasto na produção do valor de uso é socialmente necessário. Isso envolve vários fatores.
A força de trabalho tem de funcionar em condições normais. Se a má-quina de fiar é o instrumento de trabalho socialmente dominante para
a fiação, então não se deve pôr uma roda de fiar nas mãos do traba-lhador. Ele não deve receber, em vez de algodão de qualidade normal,
um refugo que rasga a todo instante. Em ambos os casos, ele precisaria de mais do que o tempo socialmente necessário para a produção de 1
libra de fio, mas esse tempo excedente não geraria valor em dinheiro. O caráter normal dos fatores materiais de trabalho não depende, porém,
do trabalhador, mas do capitalista. Outra condição é o caráter normal da própria força de trabalho. No ramo que se aplica deve possuir o
grau médio de habilidade, destreza e rapidez. Mas nosso capitalista comprou no mercado força de trabalho de qualidade normal. Essa força
tem de ser despendida no grau médio habitual de esforço, com o grau de intensidade socialmente usual. Sobre isso o capitalista exerce vigi-lância
com o mesmo temor que manifesta de que nenhum tempo seja desperdiçado, sem trabalho. Comprou a força de trabalho por prazo
determinado. Insiste em ter o que é seu. Não quer ser roubado. Fi-nalmente — e para isso tem ele seu próprio code pénal 308 — não deve
ocorrer nenhum consumo desnecessário de matéria-prima e meios de trabalho, porque material e meios de trabalho desperdiçados represen-tam
quantidades despendidas em excesso de trabalho objetivado, que, portanto, não contam nem entram no produto da formação de valor. 309


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313
308 Código penal. (N. dos T.) 309 Essa é uma das circunstâncias que encarecem a produção baseada na escravidão. O tra-
298#
Vê-se: a diferença obtida anteriormente da análise da mercadoria, entre o trabalho enquanto criador de valor de uso e o mesmo trabalho
enquanto criador de valor, apresenta-se agora como diferenciação dos
diferentes aspectos do processo de produção. Como unidade do processo de trabalho e processo de formação


de valor, o processo de produção é processo de produção de merca-dorias;
como unidade do processo de trabalho e processo de valori-zação, é ele processo de produção capitalista, forma capitalista da


produção de mercadorias. Observamos anteriormente que para o processo de valorização é
totalmente indiferente se o trabalho apropriado pelo capitalista é tra-balho
simples, trabalho social médio ou trabalho mais complexo, tra-balho de peso específico superior. O trabalho que vale como trabalho


superior, mais complexo em face do trabalho social médio, é a exte-riorização de uma força de trabalho na qual entram custos mais altos
de formação, cuja produção custa mais tempo de trabalho e que, por
isso, tem valor mais elevado que a força de trabalho simples. Se o valor dessa força é superior, ela se exterioriza, por conseguinte, em


trabalho superior e se objetiva nos mesmos períodos de tempo, em valores proporcionalmente mais altos. Qualquer que seja, porém, a


OS ECONOMISTAS


314
balhador aí, segundo a expressão acertada dos antigos, apenas se distingue do animal, como instrumentum semivocale, * e dos instrumentos de trabalhos mortos, como
instrumen-tum
mutum, ** por ser instrumentum vocale. *** Mas ele mesmo faz o animal e os instrumentos de trabalho sentirem que não é seu igual, mas um homem. Ele proporciona a
si mesmo a
autoconsciência de ser diferente deles ao maltratá-los e destruí-los con amore. Vale, por isso, nesse modo de produção, como princípio econômico, apenas empregar
os instrumentos
de trabalho mais toscos, mais pesados, porém exatamente devido à sua canhestra rusticidade difíceis de serem estragados. Até a eclosão da Guerra de Secessão encontravam-se,
por isso,
nos Estados escravocratas sobre o golfo do México arados construídos como os dos antigos chineses, que fuçavam a terra como um porco ou uma toupeira, sem fendê-la
nem revirá-la.
Ver CAIRNES, J. E. The Slave Power. Londres, 1862. p. 46 et seqs. Em seu Seaboard Slave States [p. 46-47], conta Olmsted, entre outras coisas: "Mostraram-me aqui
instrumentos
que, entre nós, nenhuma pessoa razoável imporia a seu trabalhador, a quem pagasse salário. Seu peso extraordinário e sua rusticidade tornam o trabalho executado
com ele, na minha
opinião pelo menos, 10% mais difícil do que seria com os instrumentos que nós geralmente usamos. Como me asseguraram, porém, o modo negligente e inepto com que os
escravos
aparentemente os manejam, não permite confiar-lhes, com bom resultado, instrumentos mais leves ou menos toscos; instrumentos como os que nós confiamos aos nosso
trabalhadores
e aliás com bom lucro para nós, não durariam um dia num campo de cereais da Virgínia — embora a terra seja mais leve e menos pedregosa que a nossa. Do mesmo modo,
quando
perguntei por que nas fazendas se usavam geralmente mulas em vez de cavalos, me apre-sentaram como razão primordial e decisiva a de que os cavalos não suportam o
tratamento
que contínua e inevitavelmente recebem dos negros. Os cavalos, em pouco tempo, são inu-tilizados e aleijados de tanto apanhar, enquanto as mulas agüentam as bordoadas
e a falta
ocasional de uma ou duas rações, sem prejuízo físico. Não se resfriam, nem adoecem por descuido ou excesso de trabalho. Mas não preciso ir além da janela do quarto
em que estou
escrevendo para ver, quase a qualquer hora, o gado ser tratado de modo que levaria qualquer farmer **** do norte a despedir imediatamente o vaqueiro".
* Instrumento semivocal (N. dos T.)
** Instrumento mudo. (N. dos T.)
*** Instrumento vocal. (N. dos T.)
**** Agricultor. (N. dos T.)
299#
diferença de grau entre o trabalho do fiandeiro e o do joalheiro, a porção de trabalho com que o joalheiro apenas repõe o valor de sua
própria força de trabalho não se distingue qualitativamente, de modo algum, da porção de trabalho adicional, com que gera mais-valia. Depois
como antes, a mais-valia resulta somente de um excesso quantitativo de trabalho, da duração prolongada do mesmo processo de trabalho,
que é em um caso o processo da produção de fios, em outro, o processo da produção de jóias. 310
Por outro lado, em todo processo de formação de valor, o trabalho superior sempre tem de ser reduzido a trabalho social médio, por exem-plo,
uma jornada de trabalho superior a x jornadas de trabalho sim-ples. 311 Evita-se, portanto, uma operação supérflua e simplifica-se a
análise, por meio da suposição de que o trabalhador empregado pelo capital executa trabalho social médio simples.


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315
310 A diferença entre trabalho superior e trabalho simples, skilled e unskilled labour, baseia-se, em parte, em meras ilusões ou pelo menos diferenças que há muito
tempo cessaram de
ser reais e só perduram em convenções tradicionais; em parte baseia-se na situação de-samparada de certas camadas da classe trabalhadora, situação que lhes permite
menos
que as outras exercer pressão para obterem o valor de sua força de trabalho. Circunstâncias acidentais desempenham no caso um papel tão importante que os mesmos
tipos de trabalho
invertem suas posições. Onde, por exemplo, a substância física da classe trabalhadora está enfraquecida e relativamente esgotada, como em todos os países de produção
capitalista
desenvolvida, os trabalhos em geral brutais, que exigem muita força muscular, se tornam geralmente superiores em confronto com trabalhos muito mais delicados, que
descendem
ao nível de trabalho simples, como, por exemplo, na Inglaterra, o trabalho de um bricklayer (pedreiro) ocupa um nível muito mais alto que o de um tecedor de damasco.
Por outro
lado, o trabalho de um fustian cutter (tosador de veludo) figura como trabalho "simples", embora exija muito esforço físico e faça, além disso, muito mal à saúde.
De resto, ninguém
deve se iludir que o chamado skilled labour represente uma proporção quantitativamente significativa do trabalho nacional. Laing calcula que na Inglaterra (e País
de Gales) a
existência de mais de 11 milhões baseia-se em trabalho simples. Depois de descontar 1 milhão de aristocratas e 1,5 milhão de mendigos, vagabundos, criminosos, prostitutas
etc.
da população de 18 milhões que existia ao publicar-se sua obra, ficam 4,65 milhões para a classe média, inclusive pequenos rentistas, funcionários, escritores, artistas,
professores
etc. Para chegar a esses 4 2/ 3 milhões, ele inclui na parte trabalhadora da classe média, além de banqueiros etc., todos os "trabalhadores de fábrica" mais bem
remunerados! Também
os bricklayers não faltam nessa categoria de "trabalhadores potenciados". Restam-lhe então os referidos 11 milhões. (LAING, S. National Distress etc. Londres, 1844.
[p. 49-52 passim.])
"A grande classe que, em troca de alimento, nada mais pode dar que trabalho comum, é a grande maioria do povo." (MILL, James. No artigo "Colony". In: Supplement
to the En-cyclop.
Brit. 1831.) 311 "Quando se fala de trabalho como padrão do valor, subentende-se necessariamente deter-minada
espécie de trabalho (...) a proporção em que as outras espécies de trabalho estão em relação a ela é fácil de averiguar." (CAZENOVE, J. Outlines of Polit. Economy.
Londres,
1832. p. 22-23.)
300#
CAPÍTULO VI CAPITAL CONSTANTE E CAPITAL VARIÁVEL
Os diferentes fatores do processo de trabalho tomam parte de diferentes modos na formação do valor do produto.
O trabalhador acrescenta ao objeto do trabalho novo valor, por meio do acréscimo de determinado quantum de trabalho, abstraindo o conteúdo
determinado, a finalidade e o caráter técnico do trabalho. Por outro lado, reencontramos os valores dos meios de produção consumidos como partes
integrantes do valor do produto, por exemplo, os valores do algodão e do fuso no valor do fio. O valor dos meios de produção conserva-se, portanto,
pela sua transferência ao produto. Essa transferência ocorre durante a transformação dos meios de produção em produto, no processo de trabalho.
É mediada pelo trabalho. Mas como? O trabalhador não trabalha duas vezes ao mesmo tempo, uma
vez para agregar, por meio de seu trabalho, valor ao algodão, e outra vez para conservar seu valor anterior, ou, o que é o mesmo, para
transferir ao produto, o fio, o valor do algodão que transforma e do fuso com o qual ele trabalha. Antes, pelo contrário, pelo mero acréscimo
de novo valor conserva o valor antigo. Mas como o acréscimo de novo valor ao objeto de trabalho e a conservação dos valores antigos no
produto são dois resultados totalmente diferentes que o trabalhador alcança ao mesmo tempo, embora trabalhe uma só vez durante esse
tempo, essa dualidade do resultado só pode explicar-se, evidentemente, pela dualidade de seu próprio trabalho. No mesmo instante, o trabalho,
em uma condição, tem de gerar valor e em outra condição deve con-servar ou transferir valor.
Como é que todo trabalhador agrega tempo de trabalho e, por-tanto, valor? Sempre apenas sob a forma de seu modo peculiar de
trabalho produtivo. O fiandeiro só agrega tempo de trabalho, fiando, o tecelão, tecendo, o ferreiro, forjando. Mediante essa forma orientada
a um fim, porém, sob a qual agregam trabalho em geral e, por isso, novo valor, mediante o fiar, tecer e forjar, os meios de produção algodão


317
301#
e fuso, fio e tear, ferro e bigorna tornam-se elementos constituintes de um produto, de um novo valor de uso. 312 A forma antiga de seu
valor de uso desaparece, mas só para aparecer sob nova forma de valor de uso. Ao considerar o processo de formação de valor vimos que, na
medida em que se consome um valor de uso a fim de produzir novo valor de uso, o tempo de trabalho necessário para a produção do valor
de uso consumido forma parte do tempo de trabalho necessário para a produção do novo valor de uso, portanto é tempo de trabalho que se
transfere do meio de produção consumido ao novo produto. O traba-lhador conserva, portanto, os valores dos meios de produção consumidos
ou os transfere, como partes componentes do valor, ao produto, não pelo seu acréscimo de trabalho em geral, mas pelo caráter particular-mente
útil, pela forma específica produtiva desse trabalho adicional. Como atividade produtiva, adequada a um fim — fiar, tecer, forjar —,
o trabalho, através de seu mero contato, ressuscita dos mortos os meios de produção, os vivifica para serem fatores do processo de trabalho e
se combina com eles para formar produtos.
Se o trabalho específico produtivo do trabalhador não fosse o de fiar, ele não transformaria o algodão em fio e, portanto, não transferiria


os valores do algodão e do fuso ao fio. Se, no entanto, o mesmo tra-balhador mudar de profissão e se tornar marceneiro, agregará, depois
como antes, valor a seu material mediante uma jornada de trabalho. Agrega valor, portanto, mediante seu trabalho não por ser trabalho
de fiação ou de marcenaria, mas por ser trabalho abstrato, social geral, e agrega determinada grandeza de valor não por ter seu trabalho um
conteúdo particular, útil, mas porque dura um tempo determinado. Portanto, em virtude de sua propriedade abstrata, geral, como dispêndio
de força de trabalho humana, o trabalho do fiandeiro agrega novo valor aos valores do algodão e do fuso, e em virtude de sua propriedade
concreta, específica, útil, como processo de fiação, transfere o valor desses meios de produção ao produto e recebe assim seu valor no pro-duto.
Daí a dualidade do seu resultado no mesmo instante.
Pela mera agregação quantitativa de trabalho, valor novo é agre-gado; pela quantidade do trabalho agregado os valores antigos dos


meios de produção são conservados no produto. Esse efeito dual do mesmo trabalho em virtude de seu caráter dual se mostra tangivel-mente
em diversos fenômenos.
Suponha que uma invenção qualquer capacite o fiandeiro a fiar em 6 horas a mesma quantidade de algodão que fiava antes em 36.


Como atividade adequada a um fim, útil e produtiva, seu trabalho aumentou sua força seis vezes. Seu produto é seis vezes maior, 36
libras de fio em vez de 6. Mas as 36 libras de algodão absorvem agora


OS ECONOMISTAS


318
312 "O trabalho gera uma nova criação em lugar de uma aniquilada." (An Essay on the Polit. Econ. of Nations. Londres, 1821. p. 13.)
302#
apenas o mesmo tempo de trabalho que antes absorviam 6. Seis vezes menos trabalho novo lhes é agregado em comparação com o método
antigo, portanto apenas 1/ 6 do valor anterior. Por outro lado existe agora um valor em algodão seis vezes maior no produto, nas 36 libras
de fio. Nas 6 horas de fiação um valor em matéria-prima seis vezes maior é conservado e transferido ao produto, embora à mesma maté-ria-
prima seja agregado um valor novo seis vezes menor. Isso demonstra que a propriedade em virtude da qual o trabalho, durante o mesmo
processo indivisível, conserva valores é essencialmente diferente da propriedade em virtude da qual ele cria valores. Quanto mais tempo
de trabalho necessário é absorvido durante a operação de fiar pelo mesmo quantum de algodão, tanto maior é o novo valor agregado ao
algodão; mas quanto mais libras de algodão são fiadas no mesmo tempo de trabalho, tanto maior é o valor antigo conservado no produto.
Suponha, ao contrário, que a produtividade do trabalho de fiação fique a mesma, o fiandeiro precisando, depois como antes, do mesmo
tempo para transformar 1 libra de algodão em fio. Mas suponha que mude o valor de troca do próprio algodão, 1 libra de algodão suba ou
caia no preço, de seis vezes. Em ambos os casos, o fiandeiro continua a acrescentar ao mesmo quantum de algodão o mesmo tempo de tra-balho,
portanto o mesmo valor, e em ambos os casos produz no mesmo tempo a mesma quantidade de fio. Todavia, o valor que transfere do
algodão ao fio, ao produto, é num caso seis vezes menor, noutro caso, seis vezes maior que antes. O mesmo ocorre quando os meios de tra-balho
se tornam mais caros ou mais baratos, prestando, porém, sempre o mesmo serviço no processo de trabalho.
Se as condições técnicas do processo de fiação não se alterarem, nem houver mudança de valor nos meios de produção, o fiandeiro
consome, depois como antes, no mesmo tempo de trabalho, as mes-mas quantidades de matéria-prima e de maquinaria com os mesmos
valores. O valor, que ele conserva no produto, se mantém em razão direta ao novo valor que ele agrega. Em duas semanas agrega duas
vezes mais trabalho do que em uma, portanto duas vezes mais valor, e ao mesmo tempo consome duas vezes mais material, de duas vezes
mais valor, e deprecia duas vezes mais maquinaria, de um valor duas vezes maior; ele conserva, portanto, no produto de duas se-manas
mais valor do que no produto de uma semana. Sob condições dadas imutáveis de produção, o trabalhador conserva tanto mais
valor quanto mais valor agrega, mas não conserva mais valor porque agrega mais valor, mas por agregá-lo sob condições invariáveis e
independentes de seu próprio trabalho. No entanto, pode-se dizer, em sentido relativo, que o trabalhador
sempre conserva valores antigos na mesma proporção em que acres-centa valor novo. Suba o algodão de 1 para 2 xelins, ou caia para 6
pence, ele conservará no produto de 1 hora sempre apenas metade do


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valor em algodão que conserva em 2 horas, qualquer que seja a variação desse valor. Varie ainda a produtividade de seu próprio trabalho, au-mentando
ou diminuindo, ele fiará em 1 hora de trabalho, por exemplo, mais ou menos algodão que antes, e conservará correspondentemente
mais ou menos valor em algodão no produto de 1 hora de trabalho. Contudo, conservará em 2 horas de trabalho duas vezes mais valor do
que em 1. Valor, abstraindo sua representação puramente simbólica no sig-no
de valor, existe apenas num valor de uso, numa coisa. (O próprio homem, considerado mera existência de força de trabalho, é um objeto
natural, uma coisa, embora uma coisa viva, consciente, e o próprio trabalho é manifestação material dessa força.) Portanto, se o valor de
uso se perde, perde-se também o valor. Os meios de produção não perdem, simultaneamente com seu valor de uso, seu valor, porque de
fato só perdem a figura originária de seu valor de uso, por meio do processo de trabalho, para ganhar no produto a figura de outro valor
de uso. Por mais, porém, que importe ao valor existir num valor de uso qualquer, lhe é igualmente indiferente em qual deles ele existe,
como o mostra a metamorfose das mercadorias. Segue-se daí que no processo de trabalho só se transfere valor do meio de produção ao
produto, na medida em que o meio de produção, juntamente com seu valor de uso independente, também perca seu valor de troca. Ele cede
ao produto apenas o valor que perde como meio de produção. Os fatores objetivos do processo de trabalho, porém, comportam-se, a esse respeito,
diferentemente. O carvão com que se aquece a máquina desaparece sem deixar
vestígios, do mesmo modo o óleo com que se lubrifica o eixo da roda etc. Tinta e outras matérias auxiliares desaparecem, mas se mostram
nas propriedades do produto. A matéria-prima constitui a substância do produto, mas mudou sua forma. Matéria-prima e matérias auxiliares
perdem, portanto, a figura independente com que entram no processo de trabalho como valores de uso. Isso é diferente com os meios de
trabalho propriamente ditos. Um instrumento, uma máquina, um edi-fício de fábrica, um recipiente etc. prestam serviço no processo de tra-balho
apenas enquanto conservam sua figura originária, entrando ama-nhã no processo de trabalho com a mesma forma com que entraram
ontem. Como durante sua vida, durante o processo de trabalho, con-servam sua figura independente em face do produto, assim também o
fazem após sua morte. Os cadáveres de máquinas, instrumentos, edi-fícios industriais etc. continuam a existir separados dos produtos que
ajudaram a formar. Se considerarmos todo o período em que tal meio de trabalho presta serviço, desde o dia de sua entrada na oficina até
o dia de seu banimento ao despejo, veremos que, durante esse período, seu valor de uso foi inteiramente consumido pelo trabalho e seu valor
de troca transferiu-se, por isso, totalmente ao produto. Se, por exemplo,


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uma máquina de fiar teve vida útil de 10 anos, então seu valor total transferiu-se, durante o processo de trabalho de 10 anos, ao produto
de 10 anos. O período de vida de um meio de trabalho compreende, portanto, um número maior ou menor de processos de trabalho, repe-tidos
com ele sempre de novo. E acontece ao meio de trabalho o mesmo que ao homem. Todo homem perece diariamente por 24 horas. Mas
não se nota em ninguém por quantos dias já pereceu. Isso não impede, entretanto, as companhias de seguros de vida de tirarem, da vida média
dos homens, conclusões muito seguras e, o que é muito mais, muito lucrativas. O mesmo ocorre com o meio de trabalho. Sabe-se, por ex-periência,
quanto tempo um meio de trabalho, determinado tipo de máquina, por exemplo, dura em média. Suponhamos que seu valor de
uso, no processo de trabalho, dure apenas 6 dias. Perde então, em cada dia de trabalho, 1/ 6 de seu valor de uso e cede, por isso, 1/ 6 de seu
valor ao produto diário. Desse modo calcula-se a depreciação de todos os meios de trabalho, isto é, por exemplo, sua perda diária de valor de uso
e sua correspondente transferência diária de valor ao produto. Isso demonstra convincentemente que um meio de produção nun-ca
transfere mais valor ao produto do que perde no processo de trabalho pela destruição de seu próprio valor de uso. Se não tivesse valor a
perder, isto é se não fosse ele mesmo produto do trabalho humano, então não transferiria nenhum valor ao produto. Serviria de formador
de valor de uso sem servir de formador de valor de troca. Isso ocorre com todos os meios de produção preexistentes por natureza, sem co-laboração
humana, como a terra, o vento, a água, o ferro no filão, a madeira da floresta virgem etc.
Outro fenômeno interessante apresenta-se-nos aqui. Suponhamos que uma máquina tenha, por exemplo, um valor de 1 000 libras es-terlinas
e se deprecie em 1 000 dias. Nesse caso, todo dia 1/ 1 000 do valor da máquina passa dela mesma a seu produto diário. Ao mesmo
tempo, a máquina inteira continua a atuar, embora com decrescente força vital, no processo de trabalho. Vê-se, portanto, que um fator do
processo de trabalho, um meio de produção, entra em sua totalidade no processo de trabalho, mas só em parte no processo de valorização.
A diferença entre processo de trabalho e processo de valorização re-flete-se aqui em seus fatores objetivos, dado que o mesmo meio de
produção conta, em sua totalidade, como elemento do processo de tra-balho, e apenas em parte como elemento da formação de valor. 313


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313 Não se trata aqui de consertos dos meios de trabalho, máquinas, construções etc. Uma máquina que está sendo consertada não funciona como meio de trabalho, mas
como material
de trabalho. Não se trabalha com ela, mas ela mesma é trabalhada, para remendar seu valor de uso. Para nosso fim, pode-se considerar tais trabalhos de reparação
sempre incluídos
no trabalho exigido para a produção do meio de trabalho. No texto trata-se da depreciação que nenhum médico pode curar e que progressivamente leva à morte, de "aquela
espécie
de desgaste que não se pode reparar de tempo a tempo e que, por exemplo, leva uma faca
305#
Por outro lado, um meio de produção pode, ao contrário, entrar totalmente no processo de valorização, embora apenas parcialmente
no processo de trabalho. Suponha que, ao fiar o algodão, haja a cada 115 libras 15 que não constituem fio, mas apenas devil's dust. 314 Apesar
disso, se esse desperdício de 15 libras for normal e inseparável da elaboração média do algodão, o valor dessas 15 libras, que não cons-tituem
elemento do fio, entra do mesmo modo no valor do fio que o valor das 100 libras que constituem sua substância. O valor de uso
de 15 libras de algodão tem de tornar-se pó para fazer 100 libras de fio. A perda desse algodão é, portanto, uma condição da produção do
fio. Por isso mesmo transfere seu valor ao fio. Isso vale para todos os excrementos do processo de trabalho, pelo menos na medida em que
esses excrementos não constituem outra vez novos meios de produção e, por conseguinte, novos valores de uso independentes. Vê-se, por exem-plo,
nas grandes fábricas de máquinas em Manchester, montanhas de refugos de ferro, produzidos por máquinas ciclópicas como se fossem
aparas de madeira, que são transportados à noite em grandes carros da fábrica à fundição de ferro, para voltarem no dia seguinte da fundição
de ferro à fábrica como ferro maciço. Os meios de produção, apenas na medida em que, durante o
processo de trabalho, perdem valor na figura de seus valores antigos de uso, transferem valor à nova figura do produto. O máximo de perda
de valor que podem sofrer no processo de trabalho está evidentemente limitado pela grandeza originária de valor com que entram no processo
de trabalho, ou pelo tempo de trabalho exigido para sua própria pro-dução. Meios de produção nunca podem, por isso, agregar ao produto
mais valor do que possuem, independentemente do processo de trabalho a que servem. Por mais útil que seja um material de trabalho, uma
máquina, um meio de produção: se custa 150 libras esterlinas, digamos 500 dias de trabalho, nunca agregará ao produto total, que contribui
a formar, mais que 150 libras esterlinas. Seu valor não é determinado


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finalmente a tal estado que o cuteleiro diz não valer mais a pena colocar uma lâmina nova". Viu-se no texto que uma máquina, por exemplo, entra por inteiro em cada
processo
de trabalho, mas só em parte no processo de valorização que se realiza simultaneamente. Julgue-se, em função disso, a seguinte confusão de conceitos: "Ricardo fala
da quantidade
de trabalho despendida na fabricação de uma máquina de fazer meias, pelo construtor de máquinas", como contida, por exemplo, no valor de um par de meias. "Entretanto,
a totalidade
de trabalho que produz cada par de meias (...) inclui a totalidade do trabalho do construtor de máquinas e não apenas uma parte; pois uma máquina faz na verdade
muitos pares de
meias, mas nenhum desses pares poderia ter sido fabricado com a renúncia a alguma parte da máquina". (Observations on Certain Verbal Disputes in Pol. Econ. Particularly
Relating
to Value, and to Demand and Supply. Londres, 1821. p. 54.) O autor, um "wiseacre" * ex-tremamente presunçoso, só tem razão com sua confusão e, por isso, com sua
polêmica na
medida em que nem Ricardo nem qualquer outro economista, antes ou depois dele, distinguiu exatamente os dois aspectos do trabalho, tendo, portanto, menos ainda seus
diferentes
papéis na formação do valor. * Sabichão. (N. dos T.)
314 Pó de algodão. (N. dos T.)
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pelo processo de trabalho em que entra como meio de produção, mas pelo processo de trabalho de que sai como produto. No processo de
trabalho só serve de valor de uso, de coisa com propriedades úteis, e não transferiria, por isso, nenhum valor ao produto, se já não tivesse
possuído valor antes de sua entrada no processo. 315 Ao transformar o trabalho produtivo meios de produção em ele-mentos
constituintes de um novo produto, ocorre com o seu valor uma transmigração de almas. Ele transmigra do corpo consumido ao corpo
recém-estruturado. Mas essa transmigração de almas ocorre igualmen-te às costas do verdadeiro trabalho. O trabalhador não pode agregar
novo trabalho e, portanto, criar novo valor, sem conservar valores an-tigos, pois ele tem de agregar o trabalho sempre sob uma forma útil,
e ele não pode agregá-lo em forma útil sem fazer de produtos meios de produção de um novo produto e, com isso, transferir seu valor ao
novo produto. É portanto um dom natural da força de trabalho em ação, do trabalho vivo, conservar valor ao agregar valor, um dom na-tural
que nada custa ao trabalhador mas que rende muito ao capitalista, a conservação do valor preexistente do capital. 316 Enquanto o negócio
marcha bem, o capitalista está aprofundado demais no ganho de ex-cedente para ver esse dom gratuito do trabalho. Interrupções violentas
do processo de trabalho, crises, tornam-no sensivelmente perceptível. 317


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315 Compreende-se, por isso, a falta de senso do insípido J.-B Say, que quer deduzir a mais-valia (juros, lucro, renda) dos services productifs * que os meios de
produção terra, instrumentos,
couro etc. prestam no processo de trabalho por meio de seus valores de uso. O sr. Wilhelm Roscher, que dificilmente deixa de registrar preto no branco especiosas
idéias apologéticas,
exclama: "J.-B. Say observa com muita razão em Traité, t. I, cap. 4, que o valor produzido por um moinho de azeite, depois de deduzir todos os custos, é algo novo,
essencialmente
diferente do trabalho que criou o próprio moinho". (Op. cit., p. 82, nota.) Muito certo. O "óleo" produzido pelo moinho de azeite é algo muito diferente do trabalho
que custa a
construção do moinho. E por "valor" entende o sr. Roscher coisas como "óleo", pois "óleo" tem valor e "na Natureza" encontra-se óleo mineral, embora relativamente
"não muito",
fato a que se refere sua outra observação: "Ela" (a Natureza!) "quase não produz valores de troca". [Op. cit., p. 79.] Sucede à Natureza de Roscher com o valor de
troca o mesmo
que à virgem tola com o filho, que apenas "era muito pequeno". Esse mesmo "sábio" (savant sérieux) observa ainda, na ocasião mencionada acima: "A escola de Ricardo
costuma subordinar
também o capital no conceito de trabalho, como 'trabalho poupado'. Isso é inadequado (!) como (!) o possuidor do capital (!), sem dúvida (!), fez mais (!) do que
a mera (?!) produção (?) e (??)
conservação do mesmo (do quê?): a saber (?!?) a abstinência do próprio prazer, pelo que exige, por exemplo (!!!) juros". (Op. cit., [p. 82].) Quão adequado (!) é
esse "método anatômico-fisiológico"
da Economia Política que do mero "desejo" desenvolve pois o "valor". * Serviços produtivos. (N. dos T.)
316 "De todos os recursos auxiliares na agricultura, o trabalho do homem é (...) aquele do qual o farmer mais depende para a reposição de seu capital. Os outros
dois — a disponibilidade
de animais de trabalho e (...) os carros, arados, pás etc. — não são nada sem certa quantidade do primeiro." (BURKE, Edmund. Thoughts and Details on Scarcity, Originally
Presented
to the Rt. Hon. W. Pitt in the Month of November 1795. Edit. Londres, 1800, p. 10.) 317 No Times de 26 de novembro de 1862, um fabricante cuja fiação ocupa 800 trabalhadores
e consome semanalmente, em média, 150 fardos de algodão da Índia, ou aproximadamente 130 fardos de algodão americano, queixa-se ao público sobre os custos anuais
ocasionados
pela paralisação de sua fábrica. Ele as avalia em 6 mil libras esterlinas. Entre esses custos encontram-se muitos itens que não nos interessam aqui, como renda da
terra, impostos,
prêmios de seguro, ordenados de trabalhadores contratados anualmente, manager, * contador,
307#
O que se consome dos meios de produção é seu valor de uso,
pelo consumo do qual o trabalho forma produtos. Seu valor não é, de
fato, consumido, 318 nem pode, portanto, ser reproduzido. Ele é conser-vado,
não porque uma operação ocorre com ele mesmo no processo de
trabalho, mas porque o valor de uso, em que existia originalmente, na
verdade desaparece, mas desaparece apenas em outro valor de uso. O
valor dos meios de produção reaparece, por isso, no valor do produto,
mas, falando exatamente, ele não é reproduzido. O que é produzido é
o novo valor de uso, em que reaparece o antigo valor de troca. 319 É diferente o que acontece com o fator subjetivo do processo de


trabalho, a força de trabalho em ação. Enquanto o trabalho, por meio
de sua forma adequada a um fim, transfere o valor dos meios de pro-dução
ao produto e o conserva, cada momento de seu movimento cria
valor adicional, novo valor. Suponhamos que o processo de produção
se interrompa no ponto em que o trabalhador tenha produzido um
equivalente do valor de sua própria força de trabalho, tendo agregado
mediante trabalho de 6 horas, por exemplo, um valor de 3 xelins. Esse
valor forma o excedente do valor do produto sobre seus componentes
devidos ao valor dos meios de produção. Ele é o único valor original
que surgiu de dentro desse processo, a única parte de valor do produto
que é produzida pelo próprio processo. Certamente, substitui apenas
o dinheiro adiantado pelo capitalista na compra da força de trabalho
e gasto pelo próprio trabalhador em meios de subsistência. No que se
refere aos 3 xelins despendidos, o novo valor de 3 xelins aparece apenas
como reprodução. Mas ele é reproduzido realmente, e não só aparen-


OS ECONOMISTAS


324
engenheiro etc. Mas então calcula 150 libras esterlinas por carvão, a fim de aquecer de tempos em tempos a fábrica e pôr em movimento, ocasionalmente, a máquina
a vapor,
além disso, salários para trabalhadores que, mediante trabalho de ocasião, mantêm a ma-quinaria em "fluxo". Finalmente 1 200 libras esterlinas pela deterioração
da maquinaria,
uma vez que "o tempo e as causas naturais da decadência não suspendem sua atuação porque a máquina a vapor deixa de girar". Observa expressamente que essa soma de
1 200
libras esterlinas é tão baixa porque o estado da maquinaria é de muito uso. * Gerente. (N. dos T.)
318 "Consumo produtivo: onde o consumo de uma mercadoria é parte do processo de produção. (...) Nesses casos, não há consumo de valor." (NEWMAN, S. P. Op. cit.,
p. 296.)
319 Num compêndio norte-americano, do qual houve talvez 20 edições, lê-se: "Não é significativa a forma sob a qual o capital reaparece". Depois de uma loquaz enumeração
de todos os
possíveis ingredientes da produção cujo valor reaparece no produto, diz-se finalmente: "As diferentes espécies de alimentos, roupas e habitações necessárias à existência
e ao conforto
do homem são igualmente transformadas. São consumidas de tempo em tempo, e seu valor reaparece na nova força que emprestam ao seu corpo e ao seu espírito, constituindo
assim
novo capital que se aplica de novo no processo de produção". (WAYLAND, F. Op. cit., p. 31-32.) Abstraindo todas as demais esquisitices, não é, por exemplo, o preço
do pão que
reaparece na força renovada, mas suas substâncias formadoras de sangue. O que reaparece, ao contrário, como valor da força, não são os meios de subsistência, mas
seu valor. Se os
mesmos alimentos custam apenas a metade, produzirão exatamente a mesma quantidade de músculos, ossos etc., em suma, a mesma força, mas não força do mesmo valor.
Essa
conversão de "valor" em "força" e toda essa indeterminação farisaica, dissimulam a tentativa, de resto vã, de fazer surgir uma mais-valia do mero reaparecimento
de valores adiantados.
308#
temente, como o valor dos meios de produção. A substituição de um valor pelo outro é mediada aqui por criação nova de valor.
Já sabemos, entretanto, que o processo de trabalho perdura além do ponto em que seria reproduzido um simples equivalente do valor da
força de trabalho e agregado ao objeto de trabalho. Em vez das 6 horas, que bastam para isso, o processo dura, por exemplo, 12 horas. Mediante
a atividade da força de trabalho, reproduz-se, portanto, não só seu próprio valor, mas produz-se também valor excedente. Essa mais-valia forma o
excedente do valor do produto sobre o valor dos constituintes consumidos do produto, isto é, dos meios de produção e da força de trabalho.
Ao apresentar os papéis que os diversos fatores do processo de trabalho desempenham na formação do valor do produto, caracteriza-mos,
de fato, as funções das diferentes partes componentes do capital em seu próprio processo de valorização. O excedente do valor total do
produto sobre a soma dos valores de seus elementos constituintes é o excedente do capital valorizado sobre o valor do capital originalmente
adiantado. Meios de produção, de um lado, e força de trabalho, do outro, são apenas as diferentes formas de existência que o valor do
capital originário assumiu ao desfazer-se de sua forma dinheiro e ao transformar-se nos fatores do processo de trabalho.
A parte do capital, portanto, que se converte em meios de pro-dução, isto é, em matéria-prima, matérias auxiliares e meios de tra-balho,
não altera sua grandeza de valor no processo de produção. Eu a chamo, por isso, parte constante do capital, ou mais concisamente:
capital constante. A parte do capital convertida em força de trabalho em contra-posição
muda seu valor no processo de produção. Ela reproduz seu próprio equivalente e, além disso, produz um excedente, uma mais-valia
que ela mesma pode variar, ser maior ou menor. Essa parte do capital transforma-se continuamente de grandeza constante em grandeza va-riável.
Eu a chamo, por isso, parte variável do capital, ou mais conci-samente: capital variável. As mesmas partes componentes do capital,
que do ponto de vista do processo de trabalho se distinguem como fatores objetivos e subjetivos, como meios de produção e força de tra-balho,
se distinguem, do ponto de vista do processo de valorização, como capital constante e capital variável.
O conceito do capital constante não exclui, de modo algum, uma revolução do valor de suas partes componentes. Suponha que 1 libra
de algodão custe hoje 6 pence e suba amanhã, em virtude de uma queda na colheita de algodão, a 1 xelim. O algodão velho, que continua
a ser elaborado, foi comprado ao valor de 6 pence, mas agrega agora ao produto um valor de 1 xelim. E o algodão que já está fiado e talvez
esteja circulando no mercado, sob a forma de fio, agrega também ao produto o dobro de seu valor original. Vê-se, porém, que essas alterações
de valor são independentes da valorização do algodão no próprio pro-cesso de fiação. Se o algodão velho não tivesse entrado ainda no processo
de trabalho, poderia ser revendido agora por 1 xelim, em vez de 6


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pence. Ao contrário: quanto menos processos de trabalho ele ainda tenha a percorrer, tanto mais seguro é esse resultado. Por isso, é uma
lei da especulação, em tais revoluções de valor, especular com a ma-téria-prima em sua forma menos elaborada, isto é, antes com o fio do
que com o tecido e antes com o próprio algodão do que com o fio. A mudança de valor se origina aqui no processo que produz algodão, e
não no processo em que funciona como meio de produção e, por isso, como capital constante. Ainda que o valor de uma mercadoria seja
determinado pelo quantum de trabalho contido nela, esse próprio quan-tum é socialmente determinado. Se muda o tempo de trabalho social-mente
necessário para sua produção — e o mesmo quantum de algodão, por exemplo, representa maior quantum de trabalho em colheitas des-favoráveis
do que em favoráveis — há um efeito retroativo sobre a mercadoria antiga, que sempre vale como exemplo isolado de sua espé-cie,
320 cujo valor sempre se mede pelo trabalho socialmente necessário,
isto é, sempre pelo trabalho necessário nas condições sociais presentes. Assim como o valor da matéria-prima, o valor dos meios de pro-dução


que já prestam serviço no processo de produção, da maquinaria, por exemplo, pode variar, e, portanto, também a parte de valor que
transferem ao produto. Se, por exemplo, em conseqüência de uma nova invenção, se reproduz maquinaria da mesma espécie com menos dis-pêndio
de trabalho, a antiga maquinaria é mais ou menos desvalorizada e transfere, por isso, relativamente menos valor ao produto. Mas tam-bém
aqui a mudança de valor origina-se fora do processo de produção, em que a máquina funciona como meio de produção. Nesse processo
nunca cede mais valor do que possui independentemente dele. Assim como uma mudança no valor dos meios de produção, mesmo
quando ocorre retroativamente após sua entrada no processo, não altera seu caráter como capital constante, tampouco uma mudança na pro-porção
entre o capital constante e variável atinge sua diferença fun-cional. As condições técnicas do processo de trabalho podem ser trans-formadas
de forma que, por exemplo, onde antes 10 trabalhadores com 10 ferramentas de pouco valor processavam uma massa relativamente
pequena de matéria-prima, agora 1 trabalhador com 1 máquina cara processa cem vezes mais matéria-prima. Nesse caso, o capital constante,
isto é, a massa de valor dos meios de produção empregados, teria crescido consideravelmente e a parte do capital variável, adiantada
sob a forma de força de trabalho, teria caído muito. Essa mudança altera, entretanto, apenas a relação de grandezas entre o capital cons-tante
e o variável, ou a proporção em que o capital total se decompõe em componentes constantes e variáveis, mas em contraposição não
atinge a diferença entre constante e variável.


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320 "Todos os produtos da mesma espécie formam, na verdade, nada mais que uma massa cujo preço é determinado de modo geral e sem consideração às circunstâncias específicas."
(LE
TROSNE. Op. cit., p. 893.)
310#
CAPÍTULO VII A TAXA DE MAIS-VALIA
1. O grau de exploração da força de trabalho


A mais-valia que o capital C adiantado no processo de produção produziu, ou a valorização do capital adiantado C, apresenta-se, de
início, como excedente do valor do produto sobre a soma de valor de seus elementos de produção.
O capital C decompõe-se em duas partes, uma soma de dinheiro c despendida com meios de produção, e outra v, despendida com força de
trabalho; c representa a parte do valor transformada em capital constante e v a parte que se transformou em capital variável. Originalmente, por-tanto,
é C = c + v, por exemplo, o capital adiantado de 500 libras ester-
c v linas = 410 libras esterlinas + 90 libras esterlinas. No fim do processo de


produção surge a mercadoria cujo valor é = c + v + m, representando
c v m a mais-valia, por exemplo, 410 libras esterlinas + 90 libras esterli-


m nas + 90 libras esterlinas. O capital original C transformou-se em C',
e de 500 libras esterlinas em 590 libras esterlinas. A diferença entre ambos é = m, uma mais-valia de 90. Como o valor dos elementos de


produção é igual ao valor do capital adiantado, é de fato uma tautologia dizer que o excedente do valor do produto sobre o valor de seus ele-mentos
de produção é igual à valorização do capital adiantado ou igual à mais-valia produzida.
Essa tautologia, entretanto, exige determinação mais precisa. O que se compara com o valor do produto é o valor dos elementos de
produção consumidos em sua formação. Vimos, porém, que a parte do capital constante aplicado que consiste em meios de trabalho transfere
ao produto apenas uma porção de seu valor, enquanto a outra porção persiste em sua antiga forma de existência. Como esta última não


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desempenha nenhum papel na formação do valor, deve-se aqui abs-traí-la. Sua inclusão nos cálculos nada alteraria. Suponha que c = 410
libras esterlinas componha-se de 312 libras esterlinas de matéria-pri-ma, 44 libras esterlinas de matérias auxiliares, 54 libras esterlinas de
maquinaria que se deprecia no processo, mas que o valor da maquinaria realmente empregada seja de 1 054 libras esterlinas. Como adiantado
para gerar o valor do produto, só contamos o valor de 54 libras ester-linas, que a máquina perde devido ao seu funcionamento, transferin-do-
o, portanto, ao produto. Se incluíssemos as 1 000 libras esterlinas que continuam existindo em sua forma antiga como máquina a vapor
etc., teríamos de somá-las aos dois lados, ao lado do valor adiantado e ao lado do valor do produto, 321 e obteríamos assim respectivamente
1 500 libras esterlinas e 1 590 libras esterlinas. A diferença ou a mais-valia seria, depois como antes, 90 libras esterlinas. Por capital
constante, adiantado para a produção de valor, compreendemos, por isso, sempre apenas o valor dos meios de produção consumidos na
produção, a não ser que o contrário se evidencie do contexto. Isso posto, voltamos à fórmula C = c + v, que se transforma em


C' = c + v + m e em virtude disso transforma C em C'. Sabe-se que o valor do capital constante apenas reaparece no produto. O produto
de valor realmente criado no processo distingue-se, portanto, do valor do produto obtido dele. Por isso, esse produto de valor não é, como pa-
c v rece à primeira vista, c + v + m ou 410 libras esterlinas + 90 libras
m v esterlinas + 90 libras esterlinas, mas sim v + m ou 90 libras esterlinas
m + 90 libras esterlinas, não 590 libras esterlinas, mas 180 libras ester-linas.
Se c, o capital constante, fosse = 0, em outras palavras, se hou-vesse ramos industriais em que o capitalista não tivesse de aplicar


meios de produção produzidos, nem matéria-prima nem matérias au-xiliares nem instrumentos de trabalho, mas apenas tivesse de aplicar
matérias preexistentes na Natureza e força de trabalho, não haveria, portanto, nenhuma parte de valor constante a ser transferida ao produto.
Esse elemento do valor do produto, em nosso exemplo 410 libras esterlinas, não existiria, mas o produto de valor de 180 libras esterlinas, contendo
90 libras esterlinas de mais-valia, permaneceria inteiramente de mesma grandeza, como se c representasse a maior soma de valores. Te-ríamos


C = 0 + v = v, e C', o capital valorizado, = v + m; C' – C seria,


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328
321 "Se considerarmos o valor do capital fixo aplicado parte do capital adiantado, teremos de calcular, no fim do ano, o valor remanescente desse capital como parte
da receita anual."
(MALTHUS. Princ. of Pol. Econ. 2ª ed., Londres, 1836. p. 269.)
312#
depois como antes, = m. Se, inversamente, m = 0, em outras palavras, se a força de trabalho, cujo valor é adiantado na forma de capital
variável, produzisse apenas um equivalente, então C = c + v, e C' (o
valor do produto) = c + v + 0, por isso, C = C'. O capital adiantado não teria então se valorizado.
Já sabemos, de fato, que a mais-valia é mera conseqüência da mudança de valor que ocorre com v, a parte do capital convertida em
força de trabalho, portanto, v + m = v + v (v mais incremento de v). Mas a verdadeira mudança de valor e a proporção em que se altera
o valor são obscurecidas pelo fato de que em conseqüência do cresci-mento de sua parte variável, cresce também o capital total. Este era
500 e tornou-se 590. A análise pura do processo exige, portanto, a abstração total da parte do valor do produto em que apenas reaparece
o valor do capital constante, isto é, supõe-se o capital constante c = 0 e aplica-se uma lei da Matemática, pela qual opera-se com grandezas
variáveis e constantes, e a grandeza constante só esteja ligada por adição ou subtração à variável.
Outra dificuldade surge da forma original do capital variável. Assim, no exemplo acima, C' = 410 libras esterlinas de capital constante
+ 90 libras esterlinas de capital variável + 90 libras esterlinas de mais-valia. Noventa libras esterlinas são, porém uma grandeza dada,
portanto constante, e por isso parece inconsistente tratá-la como gran-
v deza variável. Mas 90 libras esterlinas ou 90 libras esterlinas de capital


variável são aqui, de fato, nada mais que um símbolo do processo que esse valor percorre. A parte do capital adiantada na compra da força
de trabalho é determinado quantum de trabalho objetivado, portanto grandeza constante de valor, como o valor da força de trabalho com-prada.
No próprio processo de produção, porém, toma o lugar das 90 libras esterlinas adiantadas a força de trabalho em ação, em lugar de
trabalho morto, trabalho vivo, em lugar de uma grandeza estática, uma em fluxo, em lugar de uma constante uma variável. O resultado
é a reprodução de v mais o incremento de v. Do ponto de vista da produção capitalista, todo esse percurso é o movimento autônomo do
valor originalmente constante, convertido em força de trabalho. Atri-bui-se a ele o processo e seu resultado. Se a fórmula 90 libras esterlinas
de capital variável ou valor que se valoriza parece portanto contraditória, ela apenas expressa uma contradição imanente à produção capitalista.
À primeira vista, parece estranho igualar o capital constante a 0. Entretanto, é o que se faz constantemente na vida cotidiana. Se
alguém quiser calcular, por exemplo, o quanto ganha a Inglaterra com a indústria de algodão, começaria por descontar o preço do algodão
pago aos Estados Unidos, Índia, Egito etc., quer dizer, ele iguala a 0 o valor do capital que apenas reaparece no valor do produto.


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329
313#
No entanto, a relação da mais-valia não só com a parte do capital da qual ela diretamente se origina e cuja mudança de valor representa,
mas também com o capital total adiantado tem grande significação econômica. Por isso, tratamos dessa relação pormenorizadamente no
Livro Terceiro. Para valorizar parte do capital mediante sua conversão em força de trabalho, a outra parte do capital tem que ser transformada
em meios de produção. Para que o capital variável funcione, capital constante em proporções adequadas, segundo o caráter técnico deter-minado
do processo de trabalho, tem que ser adiantado. A circunstância de que se precisa de retortas e de outros recipientes para um processo
químico não impede, porém, que na análise a própria retorta seja abs-traída. Na medida em que a criação de valor e a mudança de valor
são encaradas em si mesmas, isto é, em sua pureza, os meios de pro-dução, essas formas materiais do capital constante, só fornecem a ma-téria
em que a força em fluxo, formadora do valor, se deve fixar. A natureza dessa matéria é por isso indiferente, se algodão ou ferro.
Também o valor dessa matéria é indiferente. Ela tem que existir em volume suficiente para poder absorver o quantum de trabalho a ser
despendido durante o processo de produção. Dado o volume, seu valor pode subir ou baixar ou ela pode não ter valor, como terra e mar, o
processo da criação de valor e de mudança do valor não é afetado. 322 De início, igualamos portanto a parte constante do capital a 0.
O capital adiantado se reduz assim de c + v a v, e o valor do produto
c + v + m ao produto de valor v + m. Dado o produto de valor = 180 libras esterlinas, no qual se representa o trabalho que fluiu durante
todo o processo de produção, temos de deduzir o valor do capital variável = 90 libras esterlinas para obter a mais-valia = 90 libras esterlinas.
O número 90 libras esterlinas = m expressa aqui a grandeza absoluta da mais-valia produzida. Mas sua grandeza proporcional, isto é, a pro-porção
em que se valorizou o capital variável, é evidentemente deter-minada pela relação entre a mais-valia e o capital variável, expres-sando-


se como m v . No exemplo acima é, portanto, 90 90 = 100%. Essa
valorização proporcional do capital variável ou a grandeza proporcional da mais-valia, eu chamo de taxa de mais-valia. 323


Vimos que o trabalhador, durante parte do processo de trabalho,


OS ECONOMISTAS


330
322 Nota à 2ª edição. Entende-se por si mesmo o que diz Lucrécio "nil posse creari de nihilo". De nada sai nada. * "Criação de valor" é conversão de força de trabalho
em trabalho. A
força de trabalho, por sua vez, é sobretudo matéria natural convertida no organismo humano. * LUCRÉCIO. Da Natureza. Livro primeiro. Versos 156/ 57. (N. da Ed. Alemã.)
323 Do mesmo modo como os ingleses utilizam rate of profits, * rate of interest ** etc. Reconhe-cer-se-á no Livro Terceiro que é fácil compreender a taxa de lucro,
tão logo se conheçam
as leis da mais-valia. Pelo caminho inverso não se entende ni l'un, ni l'autre. *** * Taxa de lucro. (N. dos T.)
** Taxa de juros. (N. dos T.)
*** Nem um, nem outro. (N. dos T.)
314#
apenas produz o valor de sua força de trabalho, isto é, o valor dos meios de subsistência de que necessita. Produzindo num contexto que
se baseia na divisão social de trabalho, ele não produz seus meios de subsistência diretamente, mas sob a forma de uma mercadoria parti-cular,
fio, por exemplo, um valor igual ao valor de seus meios de sub-sistência, ou ao dinheiro com o qual os compra. A parte de sua jornada
de trabalho que ele precisa para isso é maior ou menor conforme o valor de seus meios de subsistência diários médios, conforme, portanto,
o tempo de trabalho diário médio exigido para a sua produção. Se o valor de seus meios diários de subsistência representa em média 6
horas de trabalho objetivado, o trabalhador necessita trabalhar em média 6 horas por dia para produzi-lo. Se ele não trabalhasse para o
capitalista, mas para si mesmo, independentemente, teria, permane-cendo iguais as demais circunstâncias, de trabalhar, depois como antes,
em média a mesma parte alíquota da jornada para produzir o valor de sua força de trabalho e assim obter os meios de subsistência ne-cessários
à sua manutenção ou reprodução contínua. Mas, como na parte da jornada de trabalho em que produz o valor diário da força
de trabalho, digamos 3 xelins, ele produz apenas um equivalente ao valor dela já pago 324 pelo capitalista e, portanto, repõe apenas o valor
adiantado do capital variável pelo novo valor criado, aparece essa pro-dução de valor como mera reprodução. A parte da jornada de trabalho,
portanto, em que sucede essa reprodução, eu chamo de tempo de tra-balho necessário, e de trabalho necessário o trabalho despendido du-rante
esse tempo. 325 Necessário ao trabalhador, por ser independente da forma social de seu trabalho. Necessário ao capital e seu mundo,
por ser a existência contínua do trabalhador a sua base. O segundo período do processo de trabalho, em que o trabalhador
labuta além dos limites do trabalho necessário, embora lhe custe tra-balho, dispêndio de força de trabalho, não cria para ele nenhum valor.
Ela gera a mais-valia, que sorri ao capitalista com todo o encanto de uma criação do nada. Essa parte da jornada de trabalho chamo de
tempo de trabalho excedente, e o trabalho despendido nela: mais-tra-balho (surplus labour). Assim como, para a noção do valor em geral,
é essencial concebê-lo como mero coágulo de tempo de trabalho, como simples trabalho objetivado, é igualmente essencial para a noção de


MARX


331
324 {Nota à 3ª edição. O autor usa aqui a linguagem econômica corrente. É de se lembrar que na penúltima página do capítulo IV ficou demonstrado que, na verdade,
não é o capitalista
que "adianta" ao trabalhador, mas o trabalhador ao capitalista. — F. E.} 325 Empregamos até agora nesta obra a expressão "tempo de trabalho necessário" para designar
o tempo de trabalho socialmente necessário à produção de uma mercadoria, em geral. Daqui em diante empregá-la-emos também para indicar o tempo de trabalho necessário
à
produção da mercadoria específica força de trabalho. O uso dos mesmos termini technici * com sentidos diferentes é melindroso, mas em nenhuma ciência pode-se evitá-lo
inteira-mente.
Compare-se, por exemplo, os níveis superiores e inferiores da Matemática. * Termos técnicos. (N. dos T.)
315#
mais-valia concebê-la como mero coágulo de tempo de trabalho exce-dente, como simples mais-trabalho objetivado. Apenas a forma pela
qual esse mais-trabalho é extorquido do produtor direto, do trabalhador, diferencia as formações sócioeconômicas, por exemplo a sociedade da
escravidão da do trabalho assalariado. 326 Como o valor do capital variável = ao valor da força de trabalho
comprada por ele, como o valor dessa força de trabalho determina a parte necessária da jornada de trabalho, enquanto a mais-valia, por
seu lado, é determinada pela parte excedente da jornada de trabalho, segue-se: a mais-valia está para o capital variável como o mais-trabalho


para o necessário, ou a taxa da mais-valia m v = mais trabalho trabalho necessário .
Ambas as proporções expressam a mesma relação de forma diferente,
uma vez na forma de trabalho objetivado, outra vez na forma de tra-balho em fluxo.


A taxa de mais-valia é, por isso, a expressão exata do grau de exploração da força de trabalho pelo capital ou do trabalhador pelo
capitalista. 327
c Segundo nossa suposição, o valor do produto era = 410 libras es-


v m terlinas + 90 libras esterlinas + 90, o capital adiantado = 500 libras
esterlinas. Como a mais-valia = 90 e o capital adiantado = 500, obter-se-
ia, segundo o modo costumeiro de cálculo, uma taxa de mais-valia (que é confundida com a taxa de lucro) = 18%, uma proporção tão


OS ECONOMISTAS


332
326 Com uma genialidade gottschediana, * o sr. Wilhelm Tucídides Roscher ** descobre que, se hoje em dia a formação da mais-valia ou mais-produto e a acumulação
daí decorrente são
devidas à "parcimônia" do capitalista, que em compensação "exige, por exemplo, juros", ao contrário, "nos níveis mais baixos de cultura, (...) os mais fracos são
obrigados pelos mais
fortes a serem parcimoniosos". (Op. cit., p. 82, 78.) A poupar trabalho? Ou produtos excedentes de que não dispõem? Além da ignorância real, é o receio apologético
de analisar conscien-ciosamente
o valor e a mais-valia, e chegar eventualmente a um resultado comprometedor e subversivo, que força Roscher e consortes a converterem as justificações mais ou menos
plausíveis que o capitalista dá para sua apropriação das mais-valias existentes em causas da origem da mais-valia.
* Alusão irônica ao escritor e crítico de literatura alemão Johann Christoph Gottsched, que
desempenhou certo papel positivo na literatura, mas ao mesmo tempo manifestou intole-rância extraordinária contra novas tendências literárias. Por isso, seu nome
tornou-se sím-bolo


de altivez e obtusidade literária. (N. da Ed. Alemã.) ** Marx chama Wilhelm Roscher ironicamente de Wilhelm Tucídides Roscher, porque este,
no prefácio à primeira edição de seu livro Die Grundlagen der Nationaloekonomie (Funda-mentos da Economia Política), anunciou-se, como diz Marx, "modestamente como
o Tucídides
da Economia Política". (Ver MARK, Karl. Theorien ueber den Mehrwert (Teorias da Mais-Valia). [v. IV de Das Capital.] Parte Terceira. Berlim, 1962. p. 499) (N. da
Ed. Alemã.)
327 Nota à 2ª edição. Apesar de ser expressão exata do grau de exploração da força de trabalho, a taxa de mais-valia não expressa a grandeza absoluta da exploração.
Se, por exemplo, o
trabalho necessário = 5 horas e o mais-trabalho = 5 horas, o grau de exploração = 100%. A grandeza da exploração mede-se aqui em 5 horas. Mas se o trabalho necessário
= 6 horas
e o trabalho excedente = 6 horas, o grau de exploração de 100% permanece inalterado, enquanto a grandeza da exploração aumenta a 20%, de 5 para 6 horas.
316#
baixa que comoveria o sr. Carey e outros pregadores da harmonia. Na
realidade, porém, a taxa de mais-valia não é m C ou m c v , mas = m v ,


não é, portanto, 90 500 , mas 90 90 = 100%, mais de cinco vezes o grau
aparente de exploração. Embora não conheçamos, no caso dado, a gran-deza absoluta da jornada de trabalho, nem o período do processo de


trabalho (dia, semana etc.), nem, finalmente, o número de trabalhadores postos em movimento simultaneamente, pelo capital variável de 90


libras esterlinas, a taxa de mais-valia m v indica-nos, por meio de sua
convertibilidade em mais trabalho trabalho necessário , exatamente a relação mútua
entre as duas partes componentes da jornada de trabalho. É de 100%. O trabalhador trabalhou, portanto, metade da jornada para si mesmo


e a outra para o capitalista. Em resumo, o método de calcular a taxa de mais-valia é o se-guinte:
tomamos o valor total do produto e igualamos a zero o valor do capital constante que apenas reaparece nele. A soma de valor res-tante
é no processo de formação da mercadoria o único produto de valor realmente produzido. Dada a mais-valia, descontamo-la desse
produto de valor para encontrar o capital variável. Procedemos inver-samente, se é dado esse último e procuramos a mais-valia. Sendo ambos
dados, temos apenas de executar a operação final, calcular a relação
da mais-valia para com o capital variável, m v .
Por simples que seja o método, parece conveniente exercitar o leitor por meio de alguns exemplos no modo de ver que o fundamenta


e ao qual não está acostumado. Comecemos pelo exemplo de uma fiação de 10 mil fusos "Mule"
que produz fio nº 32 de algodão americano, fabricando por semana 1 libra de fio por fuso. O refugo é de 6%. Portanto, 10 600 libras de
algodão são transformadas semanalmente em 10 mil libras de fio e 600 libras de refugo. Em abril de 1871, esse algodão custava 7 3/ 4
pence por libra; portanto, o preço arredondado de 10 600 libras de algodão é de 342 libras esterlinas. Os 10 mil fusos, inclusive a maqui-naria
preparatória da fiação e a máquina a vapor, custam 1 libra esterlina por fuso, portanto 10 mil libras esterlinas. Sua depreciação
monta a 10% = 1 000 libras esterlinas, ou 20 libras esterlinas por semana. O aluguel do edifício da fábrica é 300 libras esterlinas, ou 6
libras esterlinas por semana. Carvão (4 libras por hora e HP, para 100 HP (indicador) e 60 horas por semana, inclusive aquecimento do
edifício): 11 tons 328 por semana, a 8 xelins e 6 pence por tonelada, custam arredondados 4 1/ 2 libras por semana, gás, 1 libra esterlina


MARX


333
317#
por semana, óleo, 4 1/ 2 libras esterlinas por semana, portanto, todas as matérias auxiliares 10 libras esterlinas por semana. Assim, a parte
de valor constante é de 378 libras esterlinas por semana. Os salários importam em 52 libras esterlinas por semana. O preço do fio é de 12
1/ 4 pence por libra, ou 10 mil libras = 510 libras esterlinas, a mais-valia, portanto, 510 – 430 = 80 libras esterlinas. Fazemos a parte de valor
constante de 378 libras esterlinas = 0, porque não participa na formação
v m semanal de valor. Resta o produto semanal de valor de 132 = 52 + 80


libras esterlinas. A taxa de mais-valia é, portanto, = 80/ 52 = 153 11/ 13%. Para uma jornada de trabalho média de 10 horas obtemos: trabalho
necessário = 3 31/ 33 horas e mais-trabalho = 6 2/ 33 horas. 329 Jacob faz, para o ano de 1815, um cálculo bastante defeituoso
por ter compensado previamente várias partidas, o qual serve, porém, para nossos fins. 330 Ele supõe um preço de trigo de 80 xelins por quarter
e uma colheita média de 22 bushels por acre, rendendo assim cada acre 11 libras esterlinas.


Produção de valor por acre
Sementes (trigo) . . . . . . . . . . . . . . 1 lib. est. 9 xel. Adubo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 lib. est. 10 xel.
Salários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 lib. est. 10 xel. Soma: 7 lib. est. 9 xel


Dízimo, taxas, impostos . . . . . . . . 1 lib. est. 1 xel. Arrendamento . . . . . . . . . . . . . . . . 1 lib. est. 8 xel.
Lucro de arrendatário e juros . . 1 lib. est. 2 xel. Soma: 3 lib. est. 11 xel.


A mais-valia, pressupondo-se sempre ser o preço do produto = seu valor distribui-se aqui nas diversas rubricas lucro, juros, dízimo
etc. Essas rubricas são indiferentes para nós. Nós as somamos e ob-temos uma mais-valia de 3 libras esterlinas e 11 xelins. As 3 libras
esterlinas e 19 xelins para sementes e adubos, como parte constante do capital, fazemos igual a 0. Resta um capital variável adiantado de
3 libras esterlinas e 10 xelins, em lugar do qual se produziu um novo valor de 3 libras esterlinas 10 xelins + 3 libras esterlinas 11 xelins.


OS ECONOMISTAS


334
328 Toneladas. (N. dos T.) 329 Nota à 2ª edição. O exemplo de uma fiação do ano 1860, dado na 1ª edição, continha alguns
erros factuais. Os dados completamente exatos que constam do texto foram-me fornecidos por um fabricante de Manchester. — Deve-se observar que na Inglaterra se calculava
os
antigos HP pelo diâmetro do cilindro, enquanto os novos se contam segundo a força real que mostra o indicador.
330 JACOB, William. A Letter to Samuel Withbread, being a Sequel to Considerations on the Protection Required by British Agriculture. Londres, 1815. p. 33. (N. da
Ed. Alemã.)
318#
Portanto, m v = 3 libras esterlinas 11 xelins 3 libras esterlinas 10 xelins , mais de 100%. O tra-balhador
emprega mais da metade de sua jornada de trabalho para produzir uma mais-valia que várias pessoas sob diversos pretextos re-partem


entre si. 331
2. Representação do valor do produto em partes proporcionais do produto


Voltemos ao exemplo que nos mostrou como o capitalista faz de dinheiro capital. O trabalho necessário de seu fiandeiro era de 6 horas,
o mais trabalho era o mesmo, o grau de exploração da força de trabalho era, portanto, de 100%.
O produto da jornada de trabalho de 12 horas são 20 libras de fio, com um valor de 30 xelins. Nada menos que 8/ 10 do valor desse
fio (24 xelins) estão formados pelo valor que só reaparece dos meios de produção consumidos (20 libras de algodão por 20 xelins, fuso etc.
por 4 xelins), ou seja, consistem em capital constante. Os 2/ 10 restantes são o novo valor de 6 xelins, surgido durante o processo de fiação,
metade do qual repõe o valor adiantado de um dia da força de trabalho, ou seja, o capital variável, e a outra metade constitui uma mais-valia
de 3 xelins. O valor total das 20 libras de fio está composto, portanto, do seguinte modo:
c v m Valor do fio, de 30 xelins = 24 xelins + 3 xelins + 3 xelins


Como esse valor total se representa no produto total de 20 libras de fio, deve ser possível representar os diferentes elementos de valor
em partes proporcionais do produto.
Se existe um valor de fio de 30 xelins em 20 libras de fio, então 8/ 10 desse valor, ou seja, sua parte constante de 24 xelins, está contida


em 8/ 10 do produto, isto é, em 16 libras de fio. Destas, 13 1/ 3 libras representam o valor da matéria-prima, do algodão elaborado na fiação,
por 20 xelins, e 2 2/ 3 libras o valor das matérias auxiliares e meios de trabalho consumidos, fusos etc. por 4 xelins.
13 1/ 3 libras de fio representam, portanto, o algodão elaborado de um produto total de 20 libras de fio, a matéria-prima do produto
total, porém, nada mais. Embora elas contenham apenas 13 1/ 3 libras de algodão, com um valor de 13 1/ 3 xelins, seu valor adicional de 6
2/ 3 xelins forma um equivalente para o algodão elaborado nas outras


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335
331 Os cálculos dados servem apenas de ilustração. É porque se admite que os preços = os valores. No Livro Terceiro ver-se-á que essa equiparação, nem mesmo para
os preços médios,
funciona dessa maneira tão simples.
319#
6 2/ 3 libras de fio. É como se destas últimas houvesse sido arrancado o algodão e o algodão do produto total houvesse sido comprimido em
13 1/ 3 libras de fio. Estas, por outro lado, não contêm agora nenhum átomo do valor das matérias auxiliares e meios de trabalho consumidos,
nem do novo valor criado no processo de fiação.
Do mesmo modo, as outras 2 2/ 3 libras de fio que contêm o resto do capital constante (= 4 xelins) não representam nada mais que o


valor das matérias auxiliares e meios de trabalho despendidos no pro-duto total de 20 libras de fio.
Por isso, 8/ 10 do produto, ou seja, 16 libras de fio, apesar de serem fisicamente vistos como valor de uso, como fio, não menos produtos do
trabalho de fiação que as demais partes do produto, neste caso não contêm nenhum trabalho de fiação, isto é, nenhum trabalho absorvido durante o
próprio processo de fiação. É como se tivessem sido transformados em fio sem fiação e como se sua figura de fio fosse mera mentira e fraude. De
fato, quando o capitalista os vende por 24 xelins e compra assim de volta seus meios de produção, vê-se que as 16 libras de fio não são nada mais
que algodão, fuso, carvão etc. disfarçados.
Inversamente, os 2/ 10 restantes do produto ou 4 libras de fio representam agora nada mais que o novo valor de 6 xelins produzido


nas 12 horas do processo de fiação. O que se encontrava neles do valor das matérias-primas e meios de trabalho consumido já foi extirpado e
incorporado às primeiras 16 libras de fio. O trabalho de fiação corpo-rificado em 20 libras de fio concentra-se em 2/ 10 do produto. É como
se o fiandeiro tivesse feito 4 libras de fio do ar ou com algodão e fusos preexistentes na Natureza, sem colaboração de trabalho humano, que
não acrescentassem nenhum valor ao produto. Das 4 libras de fio, nas quais se encontra, assim, todo o produto
de valor do processo diário de fiação, metade representa apenas o valor de reposição da força de trabalho consumida, portanto o capital variável
de 3 xelins, as outras 2 libras de fio, a mais-valia de 3 xelins. Como 12 horas de trabalho do fiandeiro se objetivam em 6 xelins,
no valor de fio de 30 xelins estão objetivadas 60 horas de trabalho. Elas existem em 20 libras de fio, das quais 8/ 10 ou 16 libras são a
materialização de 48 horas de trabalho passado antes do processo de fiação, isto é, do trabalho objetivado nos meios de produção do fio,
enquanto 2/ 10 ou 4 libras são a materialização das 12 horas de trabalho despendidas no próprio processo de fiação.
Vimos anteriormente que o valor do fio é igual à soma do novo valor criado em sua produção mais os valores preexistentes em seus
meios de produção. Verificou-se agora como as partes componentes do valor do produto, diferenciadas funcional ou conceitualmente, podem
ser representadas pelas partes proporcionais do próprio produto.
Essa decomposição do produto — resultado do processo de pro-dução — em um quantum de produto que representa somente o trabalho


OS ECONOMISTAS


336
320#
contido nos meios de produção ou a parte do capital constante, em outro quantum que representa somente o trabalho necessário agregado
durante o processo de produção ou a parte do capital variável, e num último quantum que representa somente o mais-trabalho agregado du-rante
o mesmo processo ou a mais-valia, essa decomposição é tão sim-ples
quanto importante, conforme evidenciará sua aplicação posterior a problemas complicados e ainda não resolvidos.


Acabamos de considerar o produto total o resultado completo da jornada de trabalho de 12 horas. Podemos, porém, acompanhá-lo em
seu processo de formação e, apesar disso, representar os produtos par-ciais
como partes do produto funcionalmente diferenciados. O fiandeiro produz em 12 horas 20 libras de fio, portanto em 1


hora 1 2/ 3 libra e em 8 horas 13 1/ 3 libras, isto é, um produto parcial do valor total do algodão fiado durante a jornada de trabalho inteira.
Do mesmo modo, o produto parcial da hora e 36 minutos seguintes =
2 2/ 3 libras de fio e representa o valor dos meios de trabalho consumidos durante as 12 horas de trabalho. No período seguinte de 1 hora e 12


minutos, o fiandeiro produz 2 libras de fio = 3 xelins, um valor de produto igual ao valor do produto de valor inteiro, que ele cria em 6
horas de trabalho necessário. Finalmente, produz nas últimas 6/ 5 horas outra vez 2 libras de fio cujo valor é igual à mais-valia gerada pela
sua meia jornada de mais-trabalho. Esse modo de calcular serve ao fabricante inglês para o uso doméstico, e ele dirá, por exemplo, que
nas primeiras 8 horas ou 2/ 3 da jornada de trabalho ele recupera seu algodão etc. Como se vê, a fórmula é certa; na verdade, nada mais é
que a primeira fórmula transferida do espaço, onde as partes do produto ficam prontas, lado a lado, ao tempo, onde elas se sucedem. Mas a
fórmula pode também estar acompanhada de idéias muito bárbaras, sobretudo em cabeças cujo interesse prático no processo de valorização
não é inferior ao interesse teórico de interpretá-lo equivocadamente.
Assim, pode-se imaginar que nosso fiandeiro, por exemplo, nas primei-ras 8 horas de sua jornada de trabalho produz ou repõe o valor do


algodão, na 1 hora e 36 minutos seguintes o valor dos meios de trabalho consumidos, na 1 hora e 12 minutos seguintes o valor do salário, de-dicando
ao patrão, à produção da mais-valia, apenas a famosa "última hora". Impõe-se assim ao fiandeiro o duplo milagre de produzir algodão,
fuso, máquina a vapor, carvão, óleo etc. no mesmo instante em que
com eles fia, e de fazer de uma jornada de trabalho de dado grau de intensidade, cinco dessas jornadas. É que em nosso caso a produção


da matéria-prima e dos meios de trabalho exige 24/ 6 = 4 jornadas de trabalho de 12 horas e a transformação deles em fio mais uma jornada
de 12 horas. Que a rapacidade acredita em tais milagres e nunca falta o sicofanta doutrinário que os prova, será mostrado agora mediante
um exemplo famoso na História.


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321#
3. A "última hora" de Senior
Numa bela manhã do ano de 1836, Nassau W. Senior, afamado por sua ciência econômica e seu belo estilo e, de certo modo, o Clauren


entre os economistas ingleses, foi chamado de Oxford a Manchester, a fim de aprender aí Economia Política, em vez de ensiná-la em Oxford.
Os fabricantes elegeram-no para ser seu campeão contra o Factory Act 332 recentemente promulgado e contra a agitação ainda mais am-biciosa
pelas 10 horas. Com sua costumeira sagacidade prática, reco-nheceram que o sr. prof. wanted a good deal of finishing. 333 Por isso,
mandaram-no vir a Manchester. O professor, por sua vez, estilizou a lição recebida dos fabricantes em Manchester no panfleto Letters on
the Factory Act, as it Affects the Cotton Manufacture, Londres, 1837. Nele pode-se ler, entre outras, a seguinte passagem edificante:


"De acordo com a lei atual, nenhuma fábrica que emprega pessoas com menos de 18 anos pode trabalhar mais de 11 1/ 2
horas por dia, isto é, 12 horas durante os primeiros 5 dias e 9 horas aos sábados. A seguinte análise (!) mostra que em tal fábrica
todo o lucro líquido deriva da última hora. Um fabricante gasta 100 mil libras esterlinas — 80 mil nos edifícios da fábrica e
máquinas, 20 mil em matéria-prima e salários. A venda anual da fábrica, supondo-se que o capital gire uma vez por ano e o
lucro bruto seja de 15%, deve corresponder a mercadorias no valor de 115 mil libras esterlinas (...) Dessas 115 mil libras es-terlinas,
cada uma das 23 meias horas de trabalho produz dia-riamente 5/ 115 ou 1/ 23. Dos 23/ 23 que constituem o total das
115 mil libras esterlinas (constituting the whole 115 mil libras esterlinas), 20/ 23, isto é, 100 mil das 115 mil, repõem apenas o
capital; 1/ 23 ou 5 mil libras esterlinas das 15 mil de lucro bruto (!) repõem o desgaste da fábrica e da maquinaria. Os restantes
2/ 23, isto é, as duas últimas meias horas de cada jornada, pro-duzem o lucro líquido de 10%. Se, por isso, permanecendo os
preços inalterados, a fábrica pudesse trabalhar 13 horas em vez de 11 1/ 2, poderia, com um acréscimo de aproximadamente
2 600 libras esterlinas ao capital circulante, mais que dobrar o lucro líquido. Por outro lado, se o tempo de trabalho fosse
reduzido de 1 hora por dia, o lucro líquido desapareceria, se de 1 1/ 2 hora, também o lucro bruto". 334


OS ECONOMISTAS


338
332 Aqui: lei fabril inglesa de 1833. (N. da Ed. Alemã.) 333 Necessitava de um bocado de acabamento. (N. dos T.)
334 SENIOR. Op. cit., p. 12-13. Deixamos de lado certas passagens curiosas, que são indiferentes para nosso propósito, por exemplo, a afirmação de que os fabricantes
incluem, em seus
cálculos, a reposição da maquinaria desgastada etc., isto é, de um componente do capital, no lucro, bruto ou líquido, sujo ou limpo. O mesmo quanto à correção ou
falsidade dos
322#
E a isso chama o sr. Professor de "análise". Se acreditasse na
queixa dos fabricantes de que os trabalhadores desperdiçam a melhor
parte do dia na produção, portanto na reprodução ou reposição do valor
de edifícios, máquinas, algodão, carvão etc., então toda análise seria
supérflua. Ele teria de responder simplesmente: Meus senhores!, se
fazeis trabalhar 10 horas em vez de 11 1/ 2, permanecendo inalteradas
as demais circunstâncias, o consumo diário de algodão, maquinaria
etc. diminuirá de 1 1/ 2 hora. Ganharíeis, portanto, exatamente o que
perderíeis. Vossos trabalhadores desperdiçarão no futuro 1 1/ 2 hora
menos para reproduzir ou repor o valor do capital adiantado. Se não
acreditasse nas palavras dos fabricantes e como perito considerasse
necessária uma análise, teria sobretudo de pedir-lhes, numa questão
que gira exclusivamente em torno da relação do lucro líquido para com
a grandeza da jornada de trabalho, que não baralhem aleatoriamente
maquinaria e edifícios de fábrica, matéria-prima e trabalho, mas te-nham
a bondade de colocar o capital constante contido no edifício, na
maquinaria, na matéria-prima etc., de um lado, e o capital adiantado
para os salários, do outro. Se verificar, eventualmente, que segundo o
cálculo dos fabricantes o trabalhador reproduz ou repõe o salário em 2/ 2
horas de trabalho, ou em 1 hora, então o analista teria que prosseguir: Segundo vossas informações, o trabalhador produz seu salário


na penúltima hora e, na última, vossa mais-valia ou o lucro líquido.
Como produz em períodos iguais valores iguais, o produto da penúltima
hora tem o mesmo valor do da última. Além disso, ele só produz valor
enquanto despende trabalho, e o quantum de seu trabalho é medido
por seu tempo de trabalho. Este, segundo vossa informação, é de 11
1/ 2 horas por dia. Parte dessas 11 1/ 2 horas ele emprega para produzir


MARX


339
dados numéricos. Que eles não valem mais que a chamada "análise" demonstrou Leonard Horner em A Letter to Mr. Senior etc. Londres, 1837. Leonard Horner, um dos factory
inquiry commissioners * de 1833 e inspetor de fábrica, na realidade censor de fábrica, até 1859, adquiriu méritos imorredouros a serviço da classe trabalhadora inglesa.
Lutou uma
vida inteira não só contra os exasperados fabricantes mas também contra os ministros, para os quais era incomparavelmente mais importante contar os "votos" dos fabricantes
na Câmara dos Comuns do que as horas de trabalho das "mãos" na fábrica. A exposição de Senior é confusa, independentemente da falsidade do seu conteúdo. O que ele
realmente
queria dizer era isto: O fabricante ocupa os trabalhadores 11 1/ 2 ou 23/ 2 horas por dia. Como cada jornada de trabalho, o trabalho anual consiste em 11 1/ 2 ou
23/ 2 horas (mul-tiplicadas
pelo número de dias de trabalho do ano). Pressuposto isto, produzem as 23/ 2 horas de trabalho o produto anual de 115 mil libras esterlinas; 1/ 2 hora de trabalho
produz
1/ 23 x 115 mil libras esterlinas; 20/ 2 horas de trabalho produzem 20/ 23 x 115 mil libras esterlinas = 100 mil libras esterlinas, isto é, repõem apenas o capital
adiantado. Restam
3/ 2 horas de trabalho que produzem 3/ 23 x 115 mil libras esterlinas = 15 mil, isto é, o lucro bruto. Destas 3/ 2 horas de trabalho, 1/ 2 hora de trabalho produz
1/ 23 x 115 mil
libras esterlinas = 5 mil libras esterlinas, isto é, ela produz apenas a reposição do desgaste da fábrica e da maquinaria. As duas últimas meias horas, isto é, a
última hora de trabalho,
produz 2/ 23 x 115 mil libras esterlinas = mil libras esterlinas, isto é, o lucro líquido. No texto, Senior converte os últimos 2/ 23 do produto em partes da própria
jornada de trabalho.
* Comissários investigadores das condições fabris. (N. dos T.)
323#
ou repor seu salário, a outra para produzir vosso lucro líquido. Nada mais faz além disso durante a jornada de trabalho. Mas como, segundo
a informação, seu salário e a mais-valia fornecida por ele são valores iguais, ele produz evidentemente seu salário em 5 3/ 4 horas e vosso
lucro líquido em outras 5 3/ 4 horas. Sendo, além disso, o valor do fio produzido em 2 horas igual à soma de valor de seu salário mais vosso
lucro líquido, esse valor do fio tem de medir-se por 11 1/ 2 horas de trabalho, o produto da penúltima hora por 5 3/ 4 horas de trabalho e
o da última, idem. Chegamos agora a um ponto delicado. Por isso, atenção. A penúltima hora de trabalho é uma hora comum de trabalho
como a primeira. Ni plus, ni moins. 335 Como pode então o fiandeiro produzir em 1 hora de trabalho um valor de fio que representa 5 3/ 4
horas de trabalho? De fato, não faz tal milagre. O que produz em 1 hora de trabalho em valor de uso é determinado quantum de fio. O
valor desse fio mede-se por 5 3/ 4 horas de trabalho, das quais 4 3/ 4, sem sua colaboração, estão contidas nos meios de produção consumidos
por hora, no algodão, na maquinaria etc., e 4/ 4 ou 1 hora é agregada por ele mesmo. Como, portanto, seu salário é produzido em 5 3/ 4 horas
e o fio produzido em 1 hora de fiação contém também 5 3/ 4 horas de trabalho, não é nenhuma bruxaria que o produto de valor de suas 5
3/ 4 horas de fiação seja igual ao valor do produto de 1 hora de fiação.
Estais, porém, no caminho errado, pensando que ele perde um único átomo de tempo de sua jornada de trabalho com a reprodução ou "re-posição"


dos valores de algodão, maquinaria etc. Por seu trabalho de transformar algodão e fuso em fio, por ele fiar, o valor de algodão e
fuso transfere-se ao fio, por si mesmo. Deve-se isto à qualidade de seu trabalho, não à quantidade. É verdade que transferirá ao fio mais
valor de algodão etc. em 1 hora do que em 1/ 2 hora, mas só por fiar mais algodão em 1 hora do que em 1/ 2. Compreendeis, portanto: Vossa
expressão de que o trabalhador produz, na penúltima hora, o valor de seu salário e na última, o lucro líquido, não significa nada mais do
que no fio produzido em 2 horas de sua jornada de trabalho, estejam elas no início ou no final, estão corporificadas 11 1/ 2 horas de trabalho,
exatamente tantas quantas dura toda a sua jornada de trabalho. E a expressão de que durante as primeiras 5 3/ 4 horas ele produz seu
salário e durante as últimas 5 3/ 4 horas vosso lucro líquido, mais uma vez significa apenas que as primeiras 5 3/ 4 horas vós pagais e que as
últimas 5 3/ 4 horas não pagais. Falo de pagamento do trabalho e não de pagamento da força de trabalho, para usar vosso slang. 336 Se con-siderardes
agora a relação entre o tempo de trabalho que pagais e o que não pagais, verificareis que é da metade de uma jornada à outra


OS ECONOMISTAS


340
335 Nem mais, nem menos. (N. dos T.) 336 Linguagem. (N. dos T.)
324#
metade, portanto, de 100%, o que é, por certo, uma bela porcentagem.
Não há, também, a menor dúvida de que se fizerdes vossas "mãos"
esfalfar-se 13 horas em vez de 11 1/ 2 e — o que vos parece ter tanta
semelhança quanto um ovo a outro — se juntardes a 1 1/ 2 hora ex-cedente
simplesmente ao mais-trabalho, o último cresceria de 5 3/ 4
horas para 7 1/ 4 horas e a taxa da mais-valia, por isso, de 100% para
126 2/ 23%. No entanto, seríeis exageradamente otimistas, se esperás-seis
que ela, pelo acréscimo de 1 1/ 2 hora, subiria de 100% a 200% e
até a mais de 200%, o que seria "mais que dobrar". Por outro lado —
e o coração do homem é algo surpreendente, sobretudo quando ele o
tem no bolso —, sois pessimistas adoidados demais se temeis que com
a redução da jornada de trabalho de 11 1/ 2 a 10 1/ 2 horas perder-se-á
todo vosso lucro líquido. De modo algum. Permanecendo iguais todas
as demais circunstâncias, o mais-trabalho cairá de 5 3/ 4 horas a 4 3/ 4
horas, o que ainda proporciona uma taxa de mais-valia bem conside-rável,
a saber, 82 14/ 23%. A "última hora" fatal, porém, sobre a qual
tendes fabulado mais que os quiliastas 337 sobre o fim do mundo, é all
bosh. 338 A perda dela não vos custará o "lucro líquido" nem às crianças
de ambos os sexos, que fazeis trabalhar para vós, a "pureza da alma". 339


MARX


341
337 Os quiliastas (grego: chilioi = mil) pregaram a doutrina religiosa-mística da segunda aparição de Cristo e da edificação do "reinado milenar" na Terra, de um
reinado da justiça, da
igualdade e da prosperidade. A fé quiliasta surgiu durante a decadência da ordem escra-vocrata em conseqüência de jugo insuportável e dos sofrimentos dos trabalhadores,
que
procuraram uma saída em sonhos fantásticos de salvação. Esta fé era muito difundida e reapareceu mais tarde continuamente nas doutrinas de diversas seitas da Idade
Média.
(N. da Ed. Alemã.) 338 Puro absurdo. (N. dos T.)
339 Se Senior comprovou que da "última hora de trabalho" depende o lucro líquido dos fabri-cantes, a existência da indústria têxtil algodoeira inglesa e a grandeza
da Inglaterra no
mercado mundial, o dr. Andrew Ure, * por sua vez, comprovou que as crianças e jovens menores de 18 anos, ocupados nas fábricas, que não são retidos 12 horas inteiras
na
atmosfera moralmente aquecida e pura da fábrica, mas lançadas "1 hora" antes no frio e frívolo mundo exterior, correm o perigo de perder pelo ócio e pelos vícios
a salvação de
suas almas. Desde 1848, os inspetores de fábrica não se cansam, em seus reports semestrais, de zombar dos fabricantes com a "última hora", a "hora fatal". O sr.
Howell, por exemplo,
diz em seu relatório fabril de 31 de maio de 1855: "Se o seguinte cálculo engenhoso" (ele cita Senior) "fosse correto, toda fábrica de tecidos de algodão do Reino
Unido teria trabalhado
com prejuízo desde 1850". (Reports of the Insp. of Fact. for the Half Year Ending 30th April 1855. p. 19-20.) Quando, em 1848, a lei das 10 horas passou pelo Parlamento,
os
fabricantes impuseram a alguns trabalhadores normalmente ocupados nas fiações de linho rurais, dispersas entre os condados de Dorset e Somerset, uma petição contra
a lei, em
que se dizia, entre outras coisas: "Vossos peticionários, pais, acreditam que 1 hora adicional de folga não pode ter outro efeito do que a desmoralização de seus
filhos, pois o ócio é a
mãe de todos os vícios". A propósito disso, observa o relatório fabril de 31 de outubro de 1848: "A atmosfera das fiações de linho em que trabalham os filhos desses
ternos e virtuosos
pais está tão impregnada de inúmeras partículas de pó e de fibras da matéria-prima que se torna extremamente desagradável permanecer mesmo 10 minutos nas salas de
fiação,
pois é impossível deixar de experimentar a mais penosa sensação, já que os olhos, as orelhas, as narinas e a boca imediatamente se enchem de nuvens de pó de linho,
das quais
não há escapatória. O próprio trabalho, em virtude da velocidade febril da maquinaria, exige um dispêndio infatigável de habilidade e de movimento, controlados por
uma atenção
que nunca se cansa, e parece algo duro permitir que os pais apliquem a expressão 'ociosidade'
325#
Quando vossa "última horazinha" realmente soar pensai no professor de Oxford. E agora: Num mundo melhor, eu desejaria mais
de vossa prezada companhia. Addio! 340 (...) O sinal da "última hora" descoberto por Senior em 1836 foi, em 15 de abril de 1848, tocado
novamente por James Wilson, um dos principais mandarins da Eco-nomia, no London Economist, polemizando contra a lei da jornada
de 10 horas.
4. O mais-produto


A parte do produto em que se representa a mais-valia (1/ 10 de 20 libras de fio ou 2 libras de fio, no exemplo do parágrafo 2) chamamos


de mais-produto (surplus produce, produit net). Como a taxa de mais-valia determina-se pela sua relação não com a soma total, mas com a
parte do capital variável, assim a grandeza do mais produto determi-na-se pela sua relação não com o resto do produto total, mas com
aquela parte do produto em que se representa o trabalho necessário. Como a produção de mais-valia é o objetivo determinante da produção


OS ECONOMISTAS


342
a respeito de seus próprios filhos que, descontando o tempo de refeições, ficam encadeados durante 10 horas inteiras em tal ocupação, em tal atmosfera. (...) Essas
crianças trabalham
mais que os servos de lavoura nas aldeias vizinhas. (...) Esse palavrório sem carinho sobre 'ociosidade e vício' deve ser estigmatizado como a mais pura cant **
e o fingimento mais
desavergonhado. (...) Aquela parte do público que, há uns doze anos, se surpreendeu com a segurança com que se proclamava publicamente e com toda a seriedade, sancionado
por
alta autoridade, que todo o 'lucro líquido' dos fabricantes decorre da 'última hora' de trabalho e, por isso, a redução de 1 hora da jornada de trabalho destruiria
o lucro líquido; essa
parte do público, dizemos, mal acreditará em seus próprios olhos quando verificar que a descoberta original das virtudes da 'última hora' foi desde então tão aperfeiçoada
que inclui
'moral' e 'lucro' igualmente: de modo que, se a duração do trabalho das crianças for reduzida a 10 horas inteiras, a moral das crianças perder-se-ia simultaneamente
com o lucro líquido
de seus patrões, sendo ambos dependentes desta fatal hora última". (Repts. of Insp. of Fact. for 31st Oct. 1838. p. 101.) O mesmo relatório fabril apresenta em seguida
provas da "moral"
e da "virtude" desses senhores fabricantes, das artimanhas, dos truques, dos engodos, das ameaças, das falsificações que aplicaram para fazer uns poucos trabalhadores
totalmente
desamparados assinarem tais petições, tendo em vista enganar o Parlamento, fazendo-as passar por petições de todo um ramo industrial, de condados inteiros — É altamente
ca-racterístico
do estado atual da chamada "ciência" econômica que nem Senior, que mais tarde, para sua honra, defendeu energicamente a legislação fabril, nem seus opositores
originais e posteriores tenham sabido resolver os sofismas da "descoberta original". Eles apelaram à experiência real. O why e wherefore *** continuaram sendo um
mistério.
* URE, A The Philosophy of Manufactures. Londres, 1835. p. 406. (N. da Ed. Alemã.)
** Hipocrisia. (N. dos T.)
*** O porquê e a causa. (N. dos T.)


340 Contudo, o Senhor Professor acabou por lucrar algo com sua excursão a Manchester! Nas Letters on the Factory Act, todo o ganho líquido, "lucro" e "juros" e até
something more *


dependem de uma hora de trabalho não paga do trabalhador. Um ano antes, em Outlines of Political Economy, composta para o bem comum dos estudantes de Oxford e filisteus
cultos, ele ainda tinha "descoberto", contra a determinação ricardiana do valor pelo tempo de trabalho, que o lucro se origina do trabalho do capitalista e os juros
de sua ascese, de
sua "abstinência". A patranha mesma era velha, mas a palavra "abstinência" nova. O sr. Roscher a traduziu corretamente para o alemão pela palavra Enthaltung. Seus
compatriotas
menos versados em latim, Wirte, Schulzen e demais Michels traduziram-na, monastica-mente, por Entsagung (renúncia).
* Algo mais. (N. dos T.)
326#
capitalista, não é a grandeza absoluta do produto mas a grandeza relativa do mais-produto que mede o grau de riqueza. 341
A soma do trabalho necessário e do mais-trabalho, dos períodos em que o trabalhador produz o valor de reposição de sua força de
trabalho e a mais-valia, forma a grandeza absoluta de seu tempo de trabalho — a jornada de trabalho (working day).


MARX


343
341 "Para um indivíduo com um capital de 20 mil libras esterlinas, cujos lucros anuais impor-tassem em 2 mil esterlinas, seria totalmente indiferente que seu capital
ocupe 100 ou
1 000 trabalhadores ou que as mercadorias produzidas se vendam por 10 mil ou 20 mil libras esterlinas, desde que seus lucros, em todos os casos, não caia abaixo
de 2 mil libras
esterlinas. Não é o mesmo o interesse real de uma nação? Supondo-se que sua renda líquida real, suas rendas e lucros permaneçam os mesmos, não tem a mínima importância
que a nação tenha 10 ou 12 milhões de habitantes." (RICARDO. Op. cit., p. 416). Bem antes de Ricardo, o fanático do mais-produto, Arthur Young, de resto um autor
palrador
e sem juízo crítico, cuja fama está na razão inversa de seu mérito, dizia, entre outras coisas: "Que utilidade teria num reino moderno um província inteira cujas
terras fossem
ao modo dos antigos romanos cultivadas, ainda que da melhor maneira, por pequenos camponeses, independentes? Que finalidade teria isso a não ser a de procriar homens
(the
mere purpose of breeding men), o que, em si e para si, não tem finalidade nenhuma (is a most useless purpose)". (YOUNG, Arthur. Political Arithmetic etc. Londres,
1774, p. 47).
É estranha a "forte propensão a apresentar a renda líquida como vantajosa para a classe trabalhadora, (...) embora seja evidente que esta não é vantajosa por ser
líquida". (HOPKINS,
Th. On Rent of Land etc. Londres, 1828. p. 126).
327#
CAPÍTULO VIII A JORNADA DE TRABALHO
1. Os limites da jornada de trabalho


Partimos do pressuposto de que a força de trabalho seja com-prada e vendida pelo seu valor. Seu valor, como o de qualquer outra
mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho necessário à sua produção. Se, portanto, a produção dos meios de subsistência médios
diários do trabalhador exige 6 horas, então ele precisa trabalhar 6 horas por dia para produzir diariamente sua força de trabalho ou para
reproduzir o valor recebido por sua venda. A parte necessária de sua jornada de trabalho compreende então 6 horas e é, portanto, manten-do-
se inalteradas as demais circunstâncias, uma grandeza dada. Mas com isso não é dada a grandeza da própria jornada de trabalho.
Admitamos que a linha a b represente a duração ou o comprimento do tempo de trabalho necessário, digamos 6 horas. Con-forme
o trabalho seja prolongado em 1, 3 ou 6 horas, obtemos as três diferentes linhas:


Jornada de trabalho I Jornada de trabalho II a b c, a b c,
Jornada de trabalho III a b c
que representam três diferentes jornadas de trabalho de 7, 9 e 12 horas. O prolongamento bc representa a duração do mais-trabalho.
Como a jornada de trabalho = ab + bc ou ac, ela varia com a grandeza variável bc. Sendo ab dado, a proporção de bc em relação a ab pode
ser sempre medida. Na jornada de trabalho I é 1/ 6, na jornada de trabalho II, 3/ 6 e na jornada de trabalho III, 6/ 6 de ab. Ademais, como


a proporção tempo de mais trabalho tempo de trabalho necessário determina a taxa da mais-345
328#
valia, esta é dada por aquela proporção. Ela se eleva nas três diferentes jornadas de trabalho, respectivamente, a 16 2/ 3, a 50 e a 100%. Inversa-mente,
a taxa da mais-valia apenas não nos daria a grandeza da jornada de trabalho. Fosse ela, por exemplo, de 100%, poderia a jornada de trabalho
ser de 8, 10, 12 horas etc., ou mais. Ela indicaria que as duas partes componentes da jornada de trabalho, trabalho necessário e mais-trabalho,
são iguais, não porém o tamanho de cada uma das partes. A jornada de trabalho não é, portanto, constante, mas uma gran-deza
variável. É verdade que uma das suas partes é determinada pelo tempo de trabalho exigido para a contínua reprodução do próprio tra-balhador,
mas sua grandeza total muda com o comprimento ou a du-ração do mais-trabalho. A jornada de trabalho é, portanto, determiná-vel,
mas em si e para si, indeterminada. 342 Porém, ainda que não seja uma grandeza fixa, mas fluente, a
jornada de trabalho, por outro lado, pode variar somente dentro de certos limites. Seu limite mínimo é, entretanto, indeterminável. É certo
que, se estabelecermos o prolongamento bc ou o mais-trabalho = 0, obtemos assim um limite mínimo, isto é, a parte do dia que o traba-lhador
necessariamente precisa trabalhar para sua auto-sustentação. Com base no modo de produção capitalista, no entanto, o trabalho
necessário pode constituir apenas parte de sua jornada de trabalho, isto é, a jornada de trabalho não pode jamais reduzir-se a esse mínimo.
Em contraposição, a jornada de trabalho possui um limite máximo. Ela não é, a partir de certo limite, mais prolongável. Esse limite máximo
é duplamente determinado. Uma vez pela limitação física da força de trabalho. Uma pessoa pode, durante o dia natural de 24 horas, des-pender
apenas determinado quantum de força vital. Dessa forma, um cavalo pode trabalhar, um dia após o outro, somente 8 horas. Durante
parte do dia, a força precisa repousar, dormir, durante outra parte a pessoa tem outras necessidades físicas a satisfazer, alimentar-se, lim-par-
se, vestir-se etc. Além desse limite puramente físico, o prolonga-mento da jornada de trabalho esbarra em limites morais. O trabalhador
precisa de tempo para satisfazer a necessidades espirituais e sociais, cuja extensão e número são determinados pelo nível geral de cultura.
A variação da jornada de trabalho se move, portanto, dentro de bar-reiras físicas e sociais. Ambas as barreiras são de natureza muito elás-tica
e permitem as maiores variações. Dessa forma encontramos jor-nadas de trabalho de 8, 10, 12, 14, 16, 18 horas, portanto, com as
mais variadas durações. O capitalista comprou a força de trabalho pelo seu valor de 1
dia. A ele pertence seu valor de uso durante uma jornada de trabalho.


OS ECONOMISTAS


346
342 "Uma jornada de trabalho é uma grandeza indeterminada, podendo ser longa ou curta." (An Essay on Trade and Commerce, Containing Observations on Taxation etc.
Londres,
1770. p. 73.)
329#
Obteve assim o direito de fazer o trabalhador trabalhar para ele durante 1 dia. Porém, o que é uma jornada de trabalho? 343 Em todo caso, menos
que 1 dia de vida natural. Quanto menos? O capitalista tem sua própria visão sobre esta última Thule, 344 o limite necessário da jornada de
trabalho. Como capitalista ele é apenas capital personificado. Sua alma é a alma do capital. O capital tem um único impulso vital, o impulso
de valorizar-se, de criar mais-valia, de absorver com sua parte cons-tante, os meios de produção, a maior massa possível de mais-trabalho. 345
O capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais
trabalho vivo chupa. O tempo durante o qual o trabalhador trabalha é o tempo durante o qual o capitalista consome a força de trabalho
que comprou. 346 Se o trabalhador consome seu tempo disponível para si, então rouba ao capitalista. 347
O capitalista apóia-se pois sobre a lei do intercâmbio de mercadorias. Ele, como todo comprador, procura tirar o maior proveito do valor de uso
de sua mercadoria. De repente, porém, levanta-se a voz do trabalhador, que estava emudecida pelo estrondo do processo de produção:
A mercadoria que te vendi distingue-se da multidão das outras


MARX


347
343 Essa pergunta é infinitamente mais importante que a famosa pergunta de Sir Robert Peel à Câmara do Comércio de Birmingham: What is a pound?, * uma pergunta que
somente
poderia ser colocada porque Peel tinha tão pouca clareza sobre a natureza do dinheiro quanto os little shilling men ** de Birmingham.
* O que é uma libra? (N. dos T.)
** "Homens do xelim pequeno" de Birmingham. — Representantes de uma teoria do dinheiro


na primeira metade do século XIX. Seus partidários propagavam a doutrina de uma medida monetária ideal e consideravam, em conformidade com isso, o dinheiro meramente
uma


entidade de cálculo. Os representantes dessa escola, os irmãos Thomas e Matthias Attwood, Spooner e outros, apresentaram um projeto sobre a baixa do conteúdo de
ouro da unidade
monetária, na Inglaterra, que foi denominado como "projeto do xelim pequeno". Daí decorre a denominação da própria escola. Ao mesmo tempo, os "homens do xelim pequeno"
foram
contra as medidas do governo visando ao rebaixamento da massa de dinheiro em circulação. Eles defendiam a idéia de que a aplicação de sua teoria contribuiria por
meio de um
aumento artificial dos preços para reanimar a indústria e garantir a prosperidade geral do país. Na realidade, no entanto, a proposta desvalorização do dinheiro
podia servir sim-plesmente
para amortizar as dívidas do Estado e dos grandes empresários, que eram os principais tomadores dos mais diferentes créditos. (N. da Ed. Alemã.)
Marx fala também sobre os "homens do xelim pequeno" em seu trabalho Zur Kritik der politischen Oekonomie. (N. dos T.)
344 Descoberta pelo grego Píteas de Marsella no século IV a. C., parece ter sido o ponto mais setentrional alcançado pelos viajantes da antiguidade clássica, sendo
considerada paradigma
do remoto, limite último do mundo. (N. dos T.) 345 "É tarefa do capitalista obter, com o capital despendido, a maior soma possível de trabalho"
(D'obtenir du capital dépensé la plus forte somme de travail possible). (COURCELLE-SENEUIL, J-G. Traité Téorique et Pratique des Entreprises Industrielles. 2ª ed.,
Paris, 1857. p. 62.)
346 "A perda de 1 hora de trabalho por dia representa um prejuízo extraordinário para um Estado que comercia." "O consumo de artigos de luxo pelos pobres que trabalham
deste
reino é muito grande, especialmente entre a plebe ocupada nas manufaturas: ao fazê-lo, consomem também seu tempo, um consumo mais fatídico que qualquer outro." (An
Essay
on Trade and Commerce etc. p. 47 e 153.) 347 "Quando o trabalhador livre repousa um instante, a economia sórdida, que o segue com
olhos inquietos, afirma que ele a está roubando." (LINGUET, N. Théorie des Loix Civiles etc. Londres, 1767, t. III, p. 466.)
330#
mercadorias pelo fato de que seu consumo cria valor e valor maior do que ela mesma custa. Essa foi a razão por que a compraste. O que do
teu lado aparece como valorização do capital é da minha parte dispêndio excedente de força de trabalho. Tu e eu só conhecemos, no mercado,
uma lei, a do intercâmbio de mercadorias. E o consumo da mercadoria não pertence ao vendedor que a aliena, mas ao comprador que a adquire.
A ti pertence, portanto, o uso de minha força de trabalho diária. Mas por meio de seu preço diário de venda tenho de reproduzi-la diariamente
para poder vendê-la de novo. Sem considerar o desgaste natural pela idade etc., preciso ser capaz amanhã de trabalhar com o mesmo nível
normal de força, saúde e disposição que hoje. Tu me predicas constan-temente o evangelho da "parcimônia" e da "abstinência". Pois bem!
Quero gerir meu único patrimônio, a força de trabalho, como um ad-ministrador racional, parcimonioso, abstendo-me de qualquer desper-dício
tolo da mesma. Eu quero diariamente fazer fluir, converter em movimento, em trabalho, somente tanto dela quanto seja compatível
com a sua duração normal e seu desenvolvimento sadio. Mediante pro-longamento desmesurado da jornada de trabalho, podes em 1 dia fazer
fluir um quantum de minha força de trabalho que é maior do que o que posso repor em 3 dias. O que tu assim ganhas em trabalho, eu
perco em substância de trabalho. A utilização de minha força de tra-balho e a espoliação dela são duas coisas totalmente diferentes. Se o
período médio que um trabalhador médio pode viver com um volume razoável de trabalho corresponde a 30 anos, o valor de minha força


de trabalho que me pagas, um dia pelo outro, é 1 365x30 ou 1 3.650 de
seu valor global. Se, porém, tu a consomes em 10 anos, pagas-me dia-riamente 1


10. 950 em vez de
1
3.650 seu valor global, portanto, apenas 1/ 3 de seu valor de 1 dia, e furtas-me assim diariamente 2/ 3 do valor


de minha mercadoria. Pagas-me a força de trabalho de 1 dia, quando utilizas a de 3 dias. Isso é contra nosso trato e a lei do intercâmbio
de mercadorias. Eu exijo, portanto, uma jornada de trabalho de duração normal e a exijo sem apelo a teu coração, pois em assuntos de dinheiro
cessa a boa vontade. Poderás ser um cidadão modelar, talvez sejas membro da sociedade protetora dos animais, podes até estar em odor
de santidade, mas a coisa que representas diante de mim é algo em cujo peito não bate nenhum coração. O que parece bater aí é a batida
de meu próprio coração. Eu exijo a jornada normal de trabalho, porque eu exijo o valor de minha mercadoria, como qualquer outro vendedor. 348


OS ECONOMISTAS


348
348 Durante a grande strike * dos builders, ** em Londres, em 1860/ 61, pela redução da jornada de trabalho a 9 horas, publicou o comitê dos trabalhadores uma declaração
que coincidia
aproximadamente com a argumentação de nosso trabalhador. A declaração aludia, não sem ironia, que o mais ávido por lucro entre os "building masters" *** — um certo
Sir M. Peto
331#
Vê-se que: abstraindo limites extremamente elásticos, da natu-reza do próprio intercâmbio de mercadorias não resulta nenhum limite
à jornada de trabalho, portanto, nenhuma limitação ao mais-trabalho. O capitalista afirma seu direito como comprador, quando procura pro-longar
o mais possível a jornada de trabalho e transformar onde for possível uma jornada de trabalho em duas. Por outro lado, a natureza
específica da mercadoria vendida implica um limite de seu consumo pelo comprador, e o trabalhador afirma seu direito como vendedor quan-do
quer limitar a jornada de trabalho a determinada grandeza normal. Ocorre aqui, portanto, uma antinomia, direito contra direito, ambos
apoiados na lei do intercâmbio de mercadorias. Entre direitos iguais decide a força. E assim a regulamentação da jornada de trabalho apre-senta-
se na história da produção capitalista como uma luta ao redor dos limites da jornada de trabalho — uma luta entre o capitalista
coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o trabalhador coletivo, ou a classe trabalhadora.


2. A avidez por mais-trabalho. Fabricante e boiardo
O capital não inventou o mais-trabalho. Onde quer que parte da sociedade possua o monopólio dos meios de produção, o trabalhador,


livre ou não, tem de adicionar ao tempo de trabalho necessário à sua autoconservação um tempo de trabalho excedente destinado a produzir
os meios de subsistência para o proprietário dos meios de produção, 349 seja esse proprietário
' 350 ateniense, teocrata etrusco, civis romanus, 351 barão normando, escravocrata americano, boiardo da


Valáquia, landlord 352 moderno ou capitalista. 353 É claro, entretanto, que se numa formação sócioeconômica predomina não o valor de troca,
mas o valor de uso do produto, o mais-trabalho é limitado por um círculo mais estreito ou mais amplo de necessidades, ao passo que não
se origina nenhuma necessidade ilimitada por mais-trabalho do próprio caráter da produção. O sobretrabalho mostra-se tenebrosamente na


MARX


349
— encontrava-se em "odor de santidade". (O mesmo Peto chegou ao fim depois de 1867, junto com — Strousberg!) ****
* Greve. (N. dos T.)
** Trabalhadores da construção. (N. dos T.)
*** Empreendedores de obras. (N. dos T.)
**** Barthel Heinrich Strousberg foi empresário ferroviário na Alemanha e sua falência,


em 1873, teve muita repercussão. (N. dos T.) 349 "Aqueles que trabalham (...) alimentam na realidade tanto os pensionistas, a quem cha-mamos


de ricos, quanto a si mesmos." (BURKE, Edmund. Op. cit., p. 2-3.) 350 Aristocrata. (N. dos T.)
351 Cidadão romano. (N. dos T.) 352 Senhor de terras. (N. dos T.)
353 Niebuhr observa muito ingenuamente em sua Römischen Geschichte: * "Não se pode encobrir que obras como as etruscas, que em suas ruínas nos assombram, pressupõem,
em pequenos
(!) Estados, senhores e servos". Com muito maior profundidade observa Sismondi que as "rendas de Bruxelas" pressupõem empregadores e assalariados.
* História de Roma. (N. dos T.)
332#
Antiguidade, por conseguinte, onde se trata de ganhar o valor de troca em sua figura autônoma de dinheiro, na produção de ouro e prata.
Trabalho forçado até a morte é aqui a forma oficial de sobretrabalho. Basta ler Diodorus Siculus. 354 Entretanto, estas constituem exceções
no mundo antigo. Tão logo porém os povos, cuja produção se move ainda nas formas inferiores do trabalho escravo, corvéia etc., são ar-rastados
a um mercado mundial, dominado pelo modo de produção capitalista, o qual desenvolve a venda de seus produtos no exterior
como interesse preponderante, os horrores bárbaros da escravatura, da servidão etc. são coroados com o horror civilizado do sobretrabalho.
Por isso, o trabalho dos negros nos Estados sulistas da União Americana preservou um caráter moderadamente patriarcal, enquanto a produção
destinava-se sobretudo ao autoconsumo direto. Na medida, porém, em que a exportação de algodão tornou-se interesse vital daqueles Estados,
o sobretrabalho dos negros, aqui e ali o consumo de suas vidas em 7 anos de trabalho, tornou-se fator de um sistema calculado e calculista.
Já não se tratava de obter deles certa quantidade de produtos úteis. Tratava-se, agora, da produção da própria mais-valia. Algo semelhante
sucedeu com a corvéia nos principados do Danúbio. A comparação da avidez por mais-trabalho nos principados do Da-núbio
com a mesma avidez nas fábricas inglesas oferece interesse especial, porque o mais-trabalho na corvéia possui forma independente, palpável.
Suponha que a jornada de trabalho constitua-se de 6 horas de trabalho necessário e 6 horas de mais-trabalho. Assim, o trabalhador
livre fornece semanalmente ao capitalista 6 x 6 ou 36 horas de mais-trabalho. É o mesmo se ele trabalhasse 3 dias por semana para si e
3 dias por semana gratuitamente para o capitalista. Isso não é, porém, visível. O mais-trabalho e o trabalho necessário confundem-se um com
o outro. Posso exprimir a mesma relação, por exemplo, dizendo que o trabalhador em cada minuto trabalha 30 segundos para si e 30 segundos
para o capitalista etc. Já com a corvéia é diferente. O trabalho neces-sário que, por exemplo, o camponês valáquio executa para sua auto-manutenção
está espacialmente separado de seu mais-trabalho para o boiardo. Um ele realiza em seu próprio campo, o outro na propriedade
do senhor. Ambas as partes do tempo de trabalho existem, indepen-dentemente, uma ao lado da outra. Na forma de corvéia, o mais-trabalho
está nitidamente dissociado do trabalho necessário. Na relação quan-titativa entre mais-trabalho e trabalho necessário, essa forma diferente
de manifestação evidentemente nada muda. Três dias de mais-trabalho


OS ECONOMISTAS


350
354 "Não se pode ver esses infelizes" (nas minas de ouro entre o Egito, Etiópia e Arábia) "que nem podem manter limpos os próprios corpos nem cobrir sua nudez sem
lamentar seu
miserável destino. Pois lá não se encontra remissão nem indulgência para os doentes, os débeis, os velhos, nem para a fragilidade feminina. Todos têm de continuar
trabalhando,
forçados por pancadas, até que a morte ponha fim a seus sofrimentos e à sua desgraça." (DIOD. SIC., Historische Bibliothek. Livro Terceiro. Cap. 13 [p. 260].)
333#
na semana permanecem 3 dias de trabalho que não cria nenhum equiva-lente para o próprio trabalhador, seja ele denominado corvéia ou trabalho
assalariado. Todavia, a avidez do capitalista por mais-trabalho manifesta-se no empenho em prolongar desmedidamente a jornada de trabalho, a do
boiardo mais simplesmente na caça direta por dias de corvéia. 355
Nos principados do Danúbio, a corvéia estava associada à renda natural e demais complementos da servidão, mas constituía o tributo


decisivo pago à classe dominante. Onde esse é o caso, raramente a corvéia originou-se da servidão, a servidão, ao contrário, muito mais
da corvéia. 356 E assim foi nas províncias romenas. Seu modo original de produção baseava-se na propriedade comum, porém não a proprie-dade
comum sob a forma eslava, ou menos ainda indiana. Parte das terras era cultivada independentemente pelos membros da comunidade,
como propriedade privada livre; outra parte — o ager publicus 357 — era cultivada em comum por eles. Parte dos produtos desse trabalho
comunal servia de fundo de reserva para o caso de más colheitas e outras casualidades, parte de tesouro do Estado para cobrir os custos
de guerra, religião e outras despesas comunais. Com o decorrer do tempo, dignitários militares e eclesiásticos usurparam a propriedade
comunal e as prestações devidas à mesma. O trabalho dos camponeses livres sobre sua terra comunal transformou-se em corvéia para os la-drões
da terra comunal. Com isso, desenvolveram-se simultaneamente relações de servidão, no entanto apenas de fato, não legalmente, até
que a Rússia, libertadora universal sob pretexto de abolir a servidão, elevou-a à categoria de lei. O código de corvéia proclamado pelo general
russo Kisselev, em 1831, foi naturalmente ditado pelos próprios boiar-dos. A Rússia conquistou, desse modo, com um só golpe, os magnatas
dos principados danubianos e os aplausos dos cretinos liberais de toda a Europa.
Segundo o Règlement Organique, 358 como se intitula o código da


MARX


351
355 O que segue refere-se à situação das províncias romenas antes da revolução que sucedeu desde a Guerra da Criméia.
356 {Nota à 3ª edição. Isso se aplica também à Alemanha e especialmente à Prússia, a leste do Elba. No século XV, o camponês alemão estava mais submetido em quase
toda parte
a certas prestações em produtos e em trabalho, mas era de fato, quanto ao resto, um homem livre. Os colonos alemães em Brandenburgo, Pomerânia, Silésia e Prússia
Oriental
eram até mesmo juridicamente considerados livres. A vitória da nobreza na Guerra dos Camponeses pôs fim a isso. Não apenas os camponeses vencidos da Alemanha meridional
tornaram-se de novo servos. Já desde meados do século XVI os camponeses livres da Prússia Oriental, de Brandenburgo, Pomerânia e Silésia e pouco depois os de Schleswig-Holstein
foram rebaixados à categoria de servos. (MAURER. Fronhoefe. v. IV; MEITZEN. Der Boden des Pr. Staats; HANSSEN. Leibeigenschaft in Schleswig-Holstein.) — F. E.}
357 Campo público. (N. dos T.) 358 Règlement Organique de 1831. — A primeira constituição dos principados do Danúbio
(Moldávia e Valáquia) que foram ocupados por tropas russas, com base no tratado de paz de Adrianópolis de 14 de setembro de 1829, terminando com a guerra russo-turca
de
1828/ 29. P. D. Kisselev, chefe superior da administração desses principados, tinha elaborado o projeto para essa constituição. Segundo o Regulamento, o poder legislativo
foi concedido,
334#
corvéia, cada camponês valáquio deve, além de uma quantidade deta-lhada
de pagamento em natura, ao assim chamado proprietário da terra, o seguinte: 1) 12 jornadas de trabalho em geral, 2) uma jornada


de trabalho no campo e 3) uma jornada para o transporte de lenha. Summa summarum 359 14 dias por ano. Com profunda visão da Eco-nomia
Política, a jornada de trabalho não é considerada em seu sentido
comum, mas como a jornada de trabalho necessária para a realização de um produto diário médio; determina, porém, o produto diário médio


de maneira tão astuciosa que mesmo um ciclope não poderia completá-lo
em 24 horas. Nas palavras secas de autêntica ironia russa, declara o próprio Règlement, portanto, que por 12 jornadas de trabalho deve-se


entender o produto de um trabalho manual de 36 dias, por uma jornada
de trabalho no campo 3 dias e por 1 dia para transporte de madeira do mesmo modo o triplo. Summa: 42 dias de corvéia. Mas acresce-se


a isso a chamada jobagie, prestações de serviços devidos ao senhor
para necessidades extraordinárias de produção. Em proporção ao ta-manho de sua população cada aldeia deve fornecer anualmente um


contingente determinado para a jobagie. Essa corvéia adicional é cal-culada
em 14 dias para cada camponês valáquio. Assim, a corvéia prescrita perfaz 56 jornadas de trabalho por ano. O ano agrícola, na


região da Valáquia, porém, por causa do péssimo clima, conta apenas com 210 dias, dos quais 40 para os domingos e feriados e em média
30 dias de mau tempo, ao todo 70 dias devem ser descontados. Restam
140 jornadas de trabalho. A proporção entre a corvéia e o trabalho necessário, 56/ 84 ou 66 2/ 3%, expressa uma taxa da mais-valia muito


menor do que aquela que regula o trabalho do trabalhador agrícola
ou industrial na Inglaterra. Esta é, entretanto, apenas a corvéia le-galmente prescrita. E ainda com um espírito mais "liberal" que a le-gislação


fabril inglesa, o Règlement Organique soube facilitar sua pró-pria
transgressão. Depois de transformar 12 dias em 54, a tarefa diária nominal de cada uma dessas 54 jornadas de corvéia é determinada de


tal forma que tem-se de suplementá-la nos dias seguintes. Em um dia,
por exemplo, deve-se mondar uma extensão de terra que para essa ope-ração, sobretudo nas plantações de milho, exige o dobro do tempo. A


tarefa diária legal para atividades agrícolas individuais pode ser inter-


OS ECONOMISTAS


352
em cada principado, à assembléia, eleita pelos proprietários fundiários, e o poder executivo foi transmitido vitaliciamente aos hospodares, eleitos por representantes
dos proprietários
fundiários, do clero e das cidades. (N. da Ed. Alemã.) Hospodar — Título da nobreza eslávica, proprietária de terras. Foi mantida a ordem feudal anterior, e nesta,
entre outras coisas,
a corvéia. O poder político concentrou-se em mãos dos proprietários. O Regulamento intro-duziu, ao mesmo tempo, uma série de reformas burguesas: as barreiras alfandegárias
in-ternas
foram abolidas, foi introduzida a liberdade de comércio, a justiça separada da ad-ministração; foi permitido aos camponeses trocarem de senhores e foi abolida a
tortura.
Durante a revolução de 1848, o Règlement Organique foi posto de lado. (N. dos T.) 359 Total. (N. dos T.)
335#
pretada de tal modo, que o dia começa no mês de maio e termina no mês de outubro. Para a Moldávia as determinações são ainda mais duras.
"Os 12 dias de corvéia do Règlement Organique", proclamou um boiardo na embriaguez da vitória, "correspondem aos 365
dias do ano." 360
Se o Règlement Organique dos principados danubianos foi uma expressão positiva da avidez por mais-trabalho, a qual cada parágrafo


legaliza, as Leis Fabris inglesas são uma expressão negativa da mesma avidez. Essas leis refreiam o impulso do capital por sucção desmesurada
da força de trabalho, por meio da limitação coercitiva da jornada de trabalho pelo Estado e na verdade por um Estado que capitalista e
Landlord dominam. Abstraindo um movimento dos trabalhadores que cresce cada dia mais ameaçadoramente, a limitação da jornada de tra-balho
nas fábricas foi ditada pela mesma necessidade que levou à apli-cação do guano nos campos ingleses. A mesma cega rapacidade, a qual,
em um caso, esgotou a terra, em outro afetou pelas raízes a força vital da nação. Epidemias periódicas manifestam-se aqui tão claramente
como a diminuição da altura dos soldados na Alemanha e na França. 361
A Factory Act 362 atualmente (1867) em vigor permite como média diária de trabalho nos dias de semana 10 horas, a saber, para os


primeiros 5 dias da semana 12 horas, das 6 da manhã até as 6 da tarde, das quais, porém, desconta-se, por lei, 1/ 2 hora para o café da
manhã e 1 hora para o almoço, restando, portanto, 10 1/ 2 horas de trabalho; e 8 horas aos sábados, das 6 da manhã até as 2 horas da
tarde, das quais subtrai-se 1/ 2 hora para o café da manhã. Restam 60 horas de trabalho, 10 1/ 2 para os primeiros 5 dias da semana, 7 1/ 2
para o último dia da semana. 363 Guardiões próprios da lei foram no-meados os inspetores de fábrica subordinados diretamente ao Minis-


MARX


353
360 Mais detalhes encontram-se em Histoire Politique et Sociale des Principautés Danubiennes. Paris, 1855. [p. 304 et seqs.]
361 "Em geral, ultrapassar o tamanho médio de sua espécie indica, dentro de certos limites, desenvolvimento dos seres orgânicos. Quanto ao homem, reduz-se sua altura,
quando seu
desenvolvimento é prejudicado por condições físicas ou sociais. Em todos os países europeus, onde existe a conscrição, diminuiu, desde sua introdução, o tamanho
médio dos homens
adultos e, de modo geral, sua aptidão para o serviço militar. Antes da Revolução (1789), o mínimo de altura para os soldados de infantaria na França era de 165 cm;
em 1818 (lei
de 10 de março), 157, segundo a lei de 21 de março de 1832, 156 cm; em média, mais de metade dos conscritos são considerados inaptos, na França, por insuficiência
de altura e
por debilidade. Na Saxônia, em 1780, a altura exigida era de 178 cm, agora, 155. Na Prússia é de 157. Segundo informou o dr. Meyer no jornal Bayerische Zeitung de
9 de
maio de 1862, verificou-se em média na Prússia, durante 9 anos, que de 1 000 conscritos, 716 eram inaptos para o serviço militar: 317 em virtude do tamanho e 399
por deficiência.
(...) Em 1858, Berlim não pôde apresentar seu contingente de reserva, faltavam 156 homens." (LIEBIG, J. V. Die Chemie in ihrer Anwendung auf Agrikultur und Physiologie.
7ª ed.,
1862, v. I, p. 117-118.) 362 Lei Fabril. (N. dos T.)
363 A história da Lei Fabril de 1850 segue no decorrer deste capítulo.
336#
tério do Interior cujos relatórios são publicados semestralmente pelo Parlamento. Eles portanto fornecem uma estatística contínua e oficial
sobre a avidez dos capitalistas por mais-trabalho.
Ouçamos por um momento os inspetores de fábrica: 364


"O fabricante fraudulento começa o trabalho 1/ 4 de hora antes das 6 da manhã, às vezes antes, às vezes mais tarde, e encerra


1/ 4 de hora depois das 6 da tarde, às vezes antes, às vezes mais tarde. Ele corta 5 minutos tanto no começo como ao final da 1/ 2
hora nominalmente destinada ao café da manhã, e retira 10 mi-nutos tanto no começo como ao final da hora reservada para o
almoço. Aos sábados, ele trabalha 1/ 4 de hora depois das 2 horas da tarde, às vezes mais, às vezes menos. Dessa forma, o seu
ganho perfaz:


Antes das 6 horas da manhã . . . . 15 minutos Depois das 6 horas da tarde . . . . 15 " Soma em 5 dias
No café da manhã . . . . . . . . . . . . . 10 " = 300 minutos No almoço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 "
60 minutos
Aos sábados Antes das 6 horas da manhã . . . . 15 minutos Total do ganho


No café da manhã . . . . . . . . . . . . . 10 " semanal = Depois das 2 horas da tarde . . . . 15 " 340 minutos


Ou 5 horas e 40 minutos semanais, o que, multiplicado por 50 semanas, depois de subtrair 2 semanas para os dias festivos
ou interrupções ocasionais, dá 27 dias de trabalho". 365


OS ECONOMISTAS


354
364 Do período que vai do começo da grande indústria na Inglaterra até 1845, ocupo-me apenas aqui e ali e recomendo a esse respeito ao leitor a obra de ENGELS, Friedrich.
Die lage
der arbeitenden Klasse in England. Leipzig, 1845. A profundidade com que Engels apreendeu o espírito do modo de produção capitalista demonstram os Factory Reports,
* Reports on
Mines ** e outros, que apareceram a partir de 1845, e como ele nos pintou admiravelmente as condições em detalhes, evidencia-se mesmo com a comparação mais superficial
entre
seu trabalho e os Reports oficiais da Children's Employment Commission *** (1863/ 67), pu-blicados 18 a 20 anos mais tarde. Estes tratam na verdade de ramos industriais,
nos quais
até 1862 a legislação fabril não havia sido introduzida, em parte ainda não foi introduzida. Aqui ainda não foi imposta coercitivamente nenhuma modificação mais
ou menos grande
nas condições descritas por Engels. Tomo meus exemplos principalmente do período do livre-câmbio posterior a 1848, daquela época paradisíaca, sobre a qual os mascates
do
livre-câmbio, tão fanfarrões quão cientificamente negligentes, tanto de fabuloso impingem aos alemães. De resto, a Inglaterra figura aqui apenas em primeiro plano,
porque ela
representa classicamente a produção capitalista e é a única a possuir, sobre os assuntos tratados, uma estatística oficial ininterrupta.
* Relatórios Fabris. (N. dos T.)
** Relatórios sobre Minas. (N. dos T.)
*** Comissão de Emprego Infantil. (N. dos T.)


365 "Suggestions etc. by Mr. L. Horner, Inspector of Factories". In: Factories Regulation Act. Ordered by the House of Commons to be printed 9 Aug. 1859. p. 4-5.
337#
"Se se prolonga a jornada de trabalho diariamente de 5 mi-nutos, acima da duração normal, obtém-se 2 1/ 2 dias de produção
por ano." 366 "Uma hora adicional diariamente, ganha com o furto de um pedacinho de tempo aqui, logo ali de outro pedacinho, faz
dos 12 meses do ano 13." 367
Crises, durante as quais a produção é interrompida, trabalhan-do-se apenas "curto tempo" durante alguns dias da semana, não mudam


em nada, naturalmente, o empenho de prolongar a jornada de trabalho. Quanto menos negócios são feitos, tanto maior deve ser o ganho sobre
o negócio feito. Quanto menos tempo pode ser trabalhado, tanto mais tempo excedente de trabalho deve ser trabalhado. Assim relatam os
inspetores de fábrica sobre o período da crise de 1857 a 1858:
"Pode-se considerar uma inconseqüência que qualquer sobre-trabalho seja realizado num tempo em que o comércio vá tão


mal, porém a má conjuntura incita pessoas inescrupulosas a pra-ticarem transgressões; assegura-se assim um lucro extra." (...)
"Ao mesmo tempo", diz Leonard Horner, "que 122 fábricas em meu distrito encerraram suas atividades, 143 estão paradas e
todas as outras trabalham com tempo reduzido, prossegue-se com o sobretrabalho além do tempo legalmente determinado." 368 "Em-bora",
diz o sr. Howell, "na maioria das fábricas, em virtude da má conjuntura dos negócios, só se trabalhe meio período, continuo
a receber, depois como antes, o mesmo número de queixas de que 1/ 2 hora ou 3/ 4 de hora são furtados (snatched) diariamente
aos trabalhadores por meio de incursões nos prazos que lhes são legalmente assegurados para as refeições e descanso". 369


O mesmo fenômeno repete-se, em escala menor, durante a terrível crise do algodão de 1861 a 1865. 370
"Às vezes, quando surpreendemos os trabalhadores em ativi-dade durante as horas das refeições ou durante outras horas
ilegais, é dada a desculpa de que estes não querem de modo algum abandonar a fábrica e é necessário coagi-los a interromper
seu trabalho" (limpeza de máquinas etc.) "nomeadamente aos sábados à tarde. Mas se os braços permanecem nas fábricas depois
de parada a maquinaria, isso acontece apenas porque, entre as


MARX


355
366 Reports of the Insp. of Fact. for the Half Year, Oct. 1856. p. 35. 367 Reports etc. 30th April 1858. p. 9.
368 Reports etc. Op. cit., p. 10. 369 Reports etc. Op. cit., p. 25.
370 Reports etc. for the Half Year Ending 30th April 1861. Ver Apêndice nº 2; Reports etc. 31st Oct. 1862. p. 7, 52 e 53. As transgressões tornam-se mais numerosas
de novo no segundo
semestre de 1863. Ver Reports etc. Ending 31st Oct. 1863. p. 7.
338#
6 horas da manhã e as 6 horas da tarde, no horário legal de trabalho nenhum tempo lhes é concedido para executar tais
tarefas." 371
"O lucro extra obtido por meio de sobretrabalho além do tempo legal parece ser tentação demasiadamente grande para que os


fabricantes possam resistir a ela. Eles contam com a chance de não serem descobertos e calculam, caso sejam, que o pequeno
valor da multa e dos custos judiciais assegura-lhes ainda um saldo lucrativo." 372 "Onde o tempo adicional é obtido mediante a
multiplicação de pequenos furtos (a multiplication of small thefts) no curso do dia, os inspetores enfrentam dificuldades quase in-superáveis
para conseguirem provas." 373
A esses "pequenos furtos" pelo capital do tempo das refeições e do tempo de descanso dos trabalhadores chamam os inspetores também


de "petty pilferings of minutes", pequenas furtadelas de minutos, 374 "snatching a few minutes", escamotear minutos, 375 ou, como os traba-lhadores
os denominam tecnicamente, "nibbling and cribbling at meal times". 376, 377
Vê-se que nessa atmosfera a formação de mais-valia por meio do mais-trabalho não é nenhum segredo.


OS ECONOMISTAS


356
371 Reports etc. 31st Oct. 1860. p. 23. Com que fanatismo, segundo as declarações dos fabricantes perante os tribunais, os seus trabalhadores se opunham a qualquer
interrupção do trabalho
da fábrica mostra o seguinte caso curioso: Em começo de junho de 1836 foram encaminhadas denúncias aos magistrates * de Dewsbury (Yorkshire) relativas à violação
da Lei Fabril por
proprietários de 8 grandes fábricas, nas proximidades de Batley. Parte desses senhores era acusada de ter posto a trabalhar 5 meninos de 12 a 15 anos das 6 horas
da manhã de
sexta-feira até as 4 da tarde do sábado seguinte, sem lhes conceder nenhum descanso, além do tempo para as refeições e 1 hora para dormir à meia-noite. E esses meninos
tiveram
de realizar essas 30 horas de trabalho permanecendo no shoddyhole, como se chama a caverna, onde são desmanchados os trapos de lã e onde nuvens de poeira, de resíduos
etc.
forçam mesmo os trabalhadores adultos a tapar continuamente sua boca com lenços a fim de proteger os pulmões! Os senhores acusados asseguraram em lugar do juramento
— como
os quacres eram homens religiosos demasiado escrupulosos para prestarem juramento — que tinham com sua grande compaixão permitido aos miseráveis meninos dormir 4
horas,
mas que os cabeças-duras não quiseram de modo algum ir para a cama! Os senhores quacres foram condenados a pagar 20 libras de multa. Dryden pressentia esses quacres:
"Uma raposa cheia de hipocrisia, que mente como o diabo, entretanto
tem medo de jurar, que aparece como impenitente, mas lança para os lados
olhares gananciosos, não ousa pecar, sem antes dizer
sua prece." ** * Magistrados. (N. dos T.)
** DRYDEN. The Cock and the Fox; on the Tale of the Nun's Priest. (N. da Ed. Alemã.)
372 Rep. etc. 31st Oct. 1856. p. 34. 373 Op. cit., p. 35.


374 Op. cit., p. 48. 375 Op. cit.
376 Roer e peneirar o tempo das refeições. (N. dos T.) 377 Op. cit.
339#
" 'Se o senhor me permite', disse-me um fabricante muito res-peitável, 'que eu deixe, diariamente, trabalhar apenas 10 minutos
de tempo extra, o senhor colocará anualmente em meu bolso 1 000 libras esterlinas. ' " 378 "Átomos de tempo são os elementos do lucro." 379


Nada é nesse sentido mais característico do que a designação dada aos trabalhadores que trabalham todo o tempo, de full times, 380
e às crianças de menos de 13 anos, que só podem trabalhar 6 horas, de half times. 381, 382 O trabalhador não é aqui mais que tempo de
trabalho personificado. Todas as diferenças individuais reduzem-se às de "tempo integral" e "meio tempo".


3. Ramos da indústria inglesa sem limite legal da exploração
O impulso à prolongação da jornada de trabalho, a feroz voraci-dade por mais-trabalho, que temos observado até agora numa área,


na qual os abusos desmesurados não ultrapassados, como disse um economista burguês da Inglaterra, pelas crueldades dos espanhóis con-tra
os índios na América, 383 colocaram finalmente o capital sob os gri-lhões da regulação legal. Lancemos agora o olhar sobre alguns ramos
da produção, em que a espoliação da força de trabalho ainda hoje não conhece limites ou até ontem não os conhecia.


"O sr. Broughton, um county magistrate, 384 como presidente de uma reunião realizada na prefeitura da cidade de Nottingham,
em 14 de janeiro de 1860, declarou que no setor da população urbana que vivia da fabricação de rendas reinava um grau de
sofrimento e miséria desconhecido no resto do mundo civilizado. (...) Às 2, 3, 4 horas da manhã, crianças de 9 a 10 anos são
arrancadas de suas camas imundas e obrigadas, para ganhar sua mera subsistência, a trabalhar até as 10, 11 ou 12 horas da
noite, enquanto seus membros definham, sua estatura se atrofia, suas linhas faciais se embotam e sua essência se imobiliza num
torpor pétreo, cuja aparência é horripilante. (...) Não nos sur-preendemos que o sr. Mallett e outros fabricantes tenham-se ma-


MARX


357
378 Op. cit., p. 48. 379 "Moments are the elements of profit." (Rep. of the Insp. etc. 30th April 1860. p. 56.)
380 Tempo integral (N. dos T.) 381 Meio tempo. (N. dos T.)
382 A expressão tem foros de cidadania tanto nas fábricas como nos relatórios fabris. 383 "A voracidade dos donos de fábrica, cujas crueldades na caça ao lucro mal
foram ultrapas-sadas
por aquelas perpetradas pelos espanhóis, por ocasião da conquista da América, na caça ao ouro." (WADE, John. History of the Middle and Working Classes. 3ª ed., Londres,
1835. p. 114.) A parte teórica desse livro, uma espécie de fundamento da Economia Política, contém, para seu tempo, algumas idéias originais, sobre as crises econômicas,
por exemplo.
A parte histórica sofre de um plágio desavergonhado da obra de EDEN, M., Sir. The State of the Poor. Londres, 1797.
384 Juiz de condado. (N. dos T.)
340#
nifestado em protesto contra qualquer discussão. (...) O sistema, como o reverendo Montagu Valpy o descreveu, é um sistema de
ilimitada escravidão, escravidão no sentido social, físico, moral e intelectual. (...) O que se deve pensar de uma cidade que realiza
uma assembléia pública para peticionar que o tempo de trabalho para homens se limite a 18 horas por dia! (...) Peroramos contra
os plantadores da Virgínia e da Carolina. É, entretanto, seu mer-cado de negros, com todos os horrores do látego e do tráfego de
carne humana, por acaso mais ignóbil do que essa lenta imolação de seres humanos, praticada a fim de que se produzam véus e
colarinhos em proveito dos capitalistas?" 385
A indústria cerâmica (pottery) de Staffordshire foi durante os últimos 22 anos objeto de três inquéritos parlamentares. Os resultados


constam do relatório do sr. Scriven, de 1841, dirigido aos Children's Employment Comissioners 386 no informe do dr. Greenhow de 1860, pu-blicado
por determinação do funcionário médico do Privy Council 387 (Public Health, 3rd Report. I, 102-113), e finalmente no relatório do
sr. Longe, 1863, no First Report of the Children's Employment Comission de 13 de junho de 1863. Para meu objetivo basta citar dos relatórios
de 1860 e 1863 algumas declarações de testemunhos das próprias crian-ças exploradas. A partir do que ocorre com as crianças, pode-se deduzir
o que se passa com os adultos, principalmente com meninas e mulheres, num ramo industrial ao lado do qual a fiação de algodão e outras atividades
semelhantes pareceriam um negócio muito agradável e saudável. 388 Wilhelm Wood, 9 anos de idade, tinha 7 anos e 10 meses quando
começou a trabalhar. "Desde o começo, ele ran moulds (levava a peça modelada à câmara de secagem e trazia de volta depois a fôrma vazia).
Chega todos os dias da semana às 6 horas da manhã e pára por volta das 9 horas da noite. 'Eu trabalho todos os dias da semana até as 9
horas da noite. Assim, por exemplo, durante as últimas 7 a 8 semanas. '" Portanto, 15 horas de trabalho para uma criança de 7 anos! J. Murray,
um menino de 12 anos, declara:
"I run moulds and turn jigger (giro a roda). Eu chego às 6 horas, às vezes às 4 horas da manhã. Trabalhei durante toda a


noite passada indo até as 6 horas da manhã. Eu não estive na cama desde a última noite. Além de mim trabalharam 8 ou 9


OS ECONOMISTAS


358
385 London Daily Telegraph de 17 de janeiro de 1860. 386 Comissários de Emprego Infantil. (N. dos T.)
387 Conselho Secreto — Um órgão especial junto ao rei da Inglaterra, constituído por ministros e outros funcionários, assim como por dignitários clericais. O Conselho
Secreto foi constituído
no século XIII. Ele possuiu, durante longo tempo, direitos legislativos e era responsável apenas perante o rei, mas não perante o Parlamento. Nos séculos XVIII e
XIX diminuiu
bastante o significado do Conselho Secreto. Atualmente ele não tem, na Inglaterra, nenhum significado prático. (N. da Ed. Alemã.)
388 Cf. ENGELS. Die Lage etc. p. 249-251.
341#
outros meninos toda a última noite. Todos, com exceção de um, retornaram esta manhã. Eu recebo semanalmente 3 xelins e 6
pence" (1 táler e 5 groschen). "Eu não recebo nada a mais, quando trabalho toda a noite. Eu trabalhei, na última semana, durante
2 noites inteiras".
Fernyhough, um menino de 10 anos:


"Nem sempre tenho 1 hora inteira para o almoço: freqüente-mente só tenho 1/ 2 hora; cada quinta, sexta e sábado". 389


Dr. Greenhow declara que é extraordinariamente curto o tempo de vida nos distritos cerâmicos de Stoke-upon-Trent e Wolstanton. Em-bora
no distrito de Stoke apenas 36,6% e em Wolstanton apenas 30,4% da população masculina acima de 20 anos esteja empregada nas ce-râmicas,
a incidência de mais da metade, no primeiro distrito, e de cerca de 2/ 5, no segundo, dos óbitos causados por doenças pulmonares,
entre os homens dessa categoria, recai sobre os ceramistas. O dr. Booth-royd, médico prático em Hanley, declara:


"Cada geração sucessiva de ceramistas é mais raquítica e mais fraca que a anterior".
Da mesma forma, outro médico, Mr. McBean, afirma:
"Desde que iniciei minha clínica entre os ceramistas há 25 anos, a degeneração dessa classe tem-se manifestado progressi-vamente


na redução de estatura e peso".
Essas declarações foram tomadas do relatório do dr. Greenhow de 1860. 390


Do relatório dos comissários de 1863 o seguinte: Dr. J. T. Arledge, médico-chefe do hospital de North Staffordshire, diz:
"Como uma classe, os ceramistas, homens e mulheres (...) re-presentam uma população física e moralmente degenerada. São
em regra raquíticos, mal construídos e freqüentemente deforma-dos no peito. Eles envelhecem antes do tempo e são de vida
curta; flegmáticos e anêmicos, denunciam a fraqueza de sua cons-tituição por meio de obstinados ataques de dispepsia, perturba-ções
hepáticas e renais e reumatismo. Sobretudo sofrem sob as doenças do peito, pneumonia, tísica, bronquite e asma. Sofrem
de uma forma peculiar desta última conhecida como asma de ceramista ou tísica de ceramista. A escrofulose, que ataca as


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389 Children's Employment Commission, First Report etc. 1863. Apêndice. p. 16, 19, 18. 390 Public Health, 3rd Report etc. p. 103, 105.
342#
amígdalas, ossos ou outras partes do corpo é uma doença que afeta mais de 2/ 3 dos ceramistas. A degenerescência (degeneres-cence)
da população deste distrito não é muito maior exclusiva-mente graças ao recrutamento dos distritos rurais circunvizinhos
e ao casamento com raças mais sadias".
O sr. Charles Parsons, ainda há pouco house surgeon 391 do mesmo hospital, escreve numa carta ao comissário Longe, entre outras coisas:


"Posso falar com base somente em observações pessoais não estatísticas, mas nem por isso posso deixar de afirmar que
sentia mais e mais revolta ao ver essas pobres crianças, cuja saúde foi sacrificada para satisfazer a avareza de seus pais e
de seus empregadores".
Ele enumera as causas das doenças dos ceramistas e encerra a lista culminando com as long hours (longas horas de trabalho). O re-latório


da comissão espera que
"uma manufatura de posição tão destacada aos olhos do mundo já não irá ostentar a mácula de ter seu grande sucesso acompa-nhado


pela degenerescência física, pelos sofrimentos corporais generalizados e pela morte prematura da população trabalhadora
por meio de cujo trabalho e habilidade foram atingidos tão gran-des resultados". 392


O que vale para as cerâmicas da Inglaterra vale também para as da Escócia. 393
A manufatura de fósforos data de 1833, quando se inventou o processo de aplicar o fósforo ao próprio palito. Desde 1845 desenvol-veu-
se rapidamente na Inglaterra, espalhando-se das zonas mais po-pulosas de Londres nomeadamente para Manchester, Birmingham, Li-verpool,
Bristol, Norwich, Newcastle e Glasgow e junto com ela o trismo, que, segundo a descoberta de um médico de Viena já em 1845, é doença
peculiar dos produtores de fósforos. A metade dos trabalhadores são crianças com menos de 13 anos e jovens com menos de 18. A manufatura
é tão mal-afamada, por ser insalubre e repugnante, que somente a parte mais degradada da classe trabalhadora, viúvas famintas, entre
outras, cede-lhe crianças, "crianças esfarrapadas, meio famintas, to-talmente desamparadas e não educadas". 394 Das testemunhas inquiri-das
pelo comissário White (1863), 270 tinham menos de 18 anos, 40 menos de 10, 10 apenas 8, e 5 apenas 6. A jornada de trabalho variava
entre 12, 14 e 15 horas, com trabalho noturno, refeições irregulares,


OS ECONOMISTAS


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391 Médico interno. (N. dos T.) 392 Children's Employment Commission, 1863. p. 24, 22 e XI.
393 Op. cit., p. XLVII. 394 Op. cit., p. LIV.
343#
em regra no próprio local de trabalho, empestado pelo fósforo. Dante sentiria nessa manufatura suas fantasias mais cruéis sobre o inferno
ultrapassadas. Na fábrica de papéis de parede, as espécies mais grosseiras são
impressas com máquinas, as espécies mais finas, manualmente (block printing). Os meses de negócios mais movimentados caem entre o co-meço
de outubro e fim de abril. Durante esse período, o trabalho dura freqüentemente e quase sem interrupção das 6 horas da manhã até
as 10 da noite ou ainda mais tarde. J. Leach declara:


"No inverno passado" (1862) "de 19 moças, 6 deixaram de vir em conseqüência das doenças provocadas por excesso de trabalho.
Para mantê-las acordadas, preciso gritar-lhes." W. Duffy: "As crianças não podiam, freqüentemente devido ao cansaço, man-ter-
se de olhos abertos, na realidade nós mesmos quase não o conseguimos". T. Lightbourne: "Eu tenho 13 anos. (...) No último
inverno trabalhávamos até 9 horas da noite e no inverno anterior, até as 10 horas. No inverno passado, eu costumava gritar quase
todas as noites devido à dor causada pelos meus pés feridos". G. Aspden: "Este meu filho, quando tinha 7 anos de idade, eu cos-tumava
carregá-lo nas costas para lá e para cá através da neve, e ele costumava trabalhar 16 horas. (...) Eu freqüentemente me
ajoelhei para alimentá-los enquanto ele estava junto à máquina, pois ele não podia abandoná-la ou desligá-la". Smith, o dirigente
associè 395 de uma fábrica de Manchester: "Nós" (ele quer dizer seus "braços" que trabalham para "nós") "trabalhamos sem in-terrupção
para as refeições, de modo que o trabalho diário de 10 1/ 2 horas está terminado às 4 1/ 2 horas da tarde e tudo o que
vem depois é sobretrabalho". 396 (Acaso esse sr. Smith não faz alguma refeição durante as 10 1/ 2 horas?) "Nós" (o mesmo Smith)
"raramente paramos antes das 6 horas da tarde" (ele se refere ao consumo de "nossas" máquinas de força de trabalho), "de modo
que nós" (iterum Crispinus) 397 "de fato, trabalhamos o ano todo,


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361
395 Associado. (N. dos T.) 396 Isso não se deve compreender como tempo de mais-trabalho, segundo nosso conceito. Esses
senhores consideram as 10 1/ 2 horas de trabalho como jornada normal de trabalho, a qual inclui também o mais-trabalho normal. Então começa "o tempo extra", que
é algo mais
bem pago. Ver-se-á em uma oportunidade mais adiante que a utilização da força de trabalho durante a chamada jornada normal é paga abaixo do valor, de modo que o
"tempo extra"
é mera artimanha dos capitalistas para extrair mais "mais-trabalho", o que continuaria sendo, mesmo se fosse paga plenamente a força de trabalho aplicada durante
a "jornada
normal de trabalho". 397 Ecce iterum Crispinus — Assim começa a quarta sátira de Juvenal, em cuja primeira parte
Crispinus, um cortesão do imperador romano Domiciano, é criticado duramente. Em sentido transposto, essas palavras significam "outra vez a mesma pessoa" ou "outra
vez o mesmo".
(N. da Ed. Alemã.)
344#
tempo extra. (...) As crianças e adultos" (152 crianças e pessoas jovens menores de 18 anos e 140 adultos) "trabalharam igual-mente
em média, durante os últimos 18 meses, em média pelo menos 7 jornadas e 5 horas por semana, ou seja, 78 1/ 2 horas
semanalmente. Nas 6 semanas que terminaram a 2 de maio deste ano" (1863), "a média foi superior: 8 jornadas ou 84 horas por
semana".
Porém, prossegue sorrindo satisfeito o mesmo sr. Smith, que é tão dado ao pluralis majestatis: 398 "Trabalho a máquina é fácil". E


assim dizem os usuários do block printing: "Trabalho manual é mais saudável que trabalho a máquina". E os senhores fabricantes, como
um todo, declaram-se com indignação contra a proposta "de pararem as máquinas, pelo menos durante as refeições".


"Uma lei", diz o sr. Ottley, gerente de uma fábrica de papéis de parede em Borough (Londres), "que permitisse o horário de
trabalho das 6 horas da manhã até as 9 horas da noite, far-nos-(!) ia muito bem, entretanto o horário da Factory Act, das 6 horas
da manhã até as 6 horas da tarde, não nos (!) serve. (...) Nossa máquina fica parada durante o almoço" (que magnanimidade).
"A paralisação não origina nenhuma perda digna de menção de papel ou tinta." "Porém", prossegue ele simpaticamente, "posso
compreender que não gostem do prejuízo daí decorrente."
O relatório da comissão opina ingenuamente que o temor de al-gumas "firmas líderes" de perderem tempo, isto é, tempo de apropriação


do trabalho alheio, e por meio disso "perderem lucro", não é "motivo suficiente" para "privar" crianças com menos de 13 anos e jovens com
menos de 18, "de seu almoço" durante 12 a 16 horas, ou para fazê-los ingerirem sua refeição como a máquina a vapor consome carvão e água,
a lã, sabão, e a roda, óleo, e assim por diante — durante o próprio processo de produção, como mera matéria auxiliar do meio de trabalho. 399
Nenhum ramo industrial na Inglaterra (abstraímos o pão elabo-rado mecanicamente, que começa a abrir caminho) manteve até hoje
um modo de produção tão arcaico, chegando a ser, conforme revelam os poetas da época do império romano pré-cristão, como a panificação.
Ao capital, porém, como já foi observado antes, é indiferente, de início, o caráter técnico do processo de trabalho, do qual se apossa. No começo,
ele o toma como o encontra. A inacreditável adulteração do pão, especialmente em Londres,
foi primeiramente desvendada pelo comitê da Câmara dos Comuns "sobre a adulteração de alimentos" (1855/ 56) e pelo escrito do dr. Hassall


OS ECONOMISTAS


362
398 Plural majestático. (N. dos T.) 399 Op. cit., Apêndice, p. 123, 124, 125, 140 e LXIV.
345#
Adulterations detected. 400, 401 A conseqüência dessas revelações foi a lei de 6 de agosto de 1860: for preventing the adulteration of articles
of food and drink, 402 uma lei ineficaz, pois, como é natural, observa-se a mais alta delicadeza contra todo freetrader 403 que se propõe, por meio
da compra e venda de mercadorias adulteradas, to turn an honest penny. 404, 405 O próprio comitê formulou, mais ou menos ingenuamente,
sua convicção de que o comércio livre significaria substancialmente o comércio com matérias falsificadas ou, como os ingleses jocosamente
os denominam, "matérias sofisticadas". De fato essa espécie de "sofistas" sabe melhor que Protágoras como fazer preto de branco e branco de
preto, e melhor que os eleatas 406 demonstrar, ad oculos, 407 a mera apa-rência de todo real. 408
De qualquer modo, o comitê dirigiu a atenção do público para seu "pão de cada dia" e com isso para a panificação. Ao mesmo tempo,
ressoou em meetings 409 e em petições ao Parlamento o grito dos oficiais de padeiros de Londres, contra o sobretrabalho etc. A grita tornou-se
tão insistente que o sr. H. S. Tremenheere, membro da comissão de 1863, já várias vezes mencionada, foi nomeado comissário real de in-quérito.
Seu relatório, 410 juntamente com as declarações das testemu-nhas, tocou não o coração, mas o estômago do público. O inglês apegado


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363
400 Adulterações detectadas. (N. dos T.) 401 Alúmen, ralado fino ou misturado com sal, é um artigo normal de comércio que leva o
nome significativo de baker's stuff. * * Material de padeiro. (N. dos T.)
402 Para impedir a adulteração de produtos alimentícios e bebida. (N. dos T.) 403 Livre-cambista. (N. dos T.)
404 Ganhar um pêni honesto. (N. dos T.) 405 Fuligem é conhecida como uma forma muito enérgica de carbono e constitui um adubo
que os limpa-chaminés capitalistas vendem a arrendatários ingleses. Em 1862, um juryman * inglês teve de decidir num processo se fuligem misturada com 90% de pó
e areia, sem
conhecimento do comprador, era fuligem "verdadeira" no sentido "comercial" ou fuligem "adulterada" no sentido "legal". Os amis du commerce ** decidiram que era fuligem
comercial
"verdadeira" e rejeitaram a queixa do arrendatário, que ainda teve de pagar as custas do processo.
* Jurado. (N. dos T.)
** Amigos do comércio. (N. dos T.)


406 Orientação idealista na filosofia grega antiga, dos séculos VI e V a. C. Seus representantes mais significativos foram Xenofonte, Parmênides e Zenon. Os eleatas
procuraram, entre


outras coisas, comprovar que o movimento e a variedade dos fenômenos existiam não na realidade, mas somente em pensamento. (N. da Ed. Alemã.)
407 Aos olhos. (N. dos T.) 408 O químico francês Chevalier, em um tratado sobre as sophistications * das mercadorias,
apresenta para muitos dos mais de 600 artigos, que passa em revista, 10, 20, 30 diferentes métodos de adulteração. Acrescenta que não conhece todos os métodos e
que não menciona
todos que conhece. Para o açúcar, dá 6 espécies de adulteração, 9 para o azeite de oliva, 10 para a manteiga, 12 para o sal, 19 para o leite, 20 para o pão, 23 para
a aguardente,
24 para a farinha, 28 para o chocolate, 30 para o vinho, 32 para o café etc. Nem mesmo o bom Deus escapa desse destino. Ver CARD, Rouard de. De La Falsification
des Substances
Sacramentelles. Paris, 1856. * Adulterações. (N. dos T.)
409 Comícios políticos. (N. dos T.) 410 Report etc. Relating to the Grievances Complained of by the Journeymen Bakers etc. Londres,
1862; e Second Report etc. Londres, 1863.
346#
à Bíblia sabia que o ser humano, quando graças à Divina Providência não se torna capitalista ou landlord ou sinecurista, está condenado a
comer pão com o suor de seu rosto; mas ele não sabia que tinha de comer com seu pão diário certo quantum de suor humano, embebido
com supurações de abcessos, teia de aranha, baratas mortas e fermento podre alemão, além de alúmen, arenito e outros agradáveis ingredientes
minerais. Sem nenhuma consideração pela sua santidade, o freetrade, a panificação, até então "livre", foi submetida à fiscalização de inspe-tores
do Estado (final da legislatura de 1863), e pelo mesmo ato do Parlamento foi proibido o horário de trabalho das 9 horas da noite até
as 5 da manhã aos oficiais de padeiros menores de 18 anos. A última cláusula vale por volumes inteiros no que se refere ao excesso de tra-balho
nesse ramo de negócio para nós tão paternalmente caseiro.
"O trabalho de um oficial de padeiro, londrino, começa em regra às 11 horas da noite. A essa hora ele prepara a massa,


um processo muito cansativo, que dura de 1/ 2 a 3/ 4 de hora, segundo o tamanho da fornada e a sua finura. Ele deita-se então
sobre a tábua de amassar, que serve ao mesmo tempo como tampa da amassadeira onde é feita a massa, e dorme algumas horas
com um saco de farinha sob a cabeça e outro saco sobre o corpo. Em seguida começa um trabalho rápido e ininterrupto de 5 horas,
jogar, passar, modelar a massa, levá-la ao forno, retirá-la do forno etc. A temperatura numa padaria varia de 75 a 90, 411 e nas
pequenas panificadoras antes mais do que menos. Quando ter-mina o trabalho de fazer o pão, pãezinhos etc., começa o trabalho
de distribuição do pão; e parte considerável dos diaristas, depois de ter levado a cabo o duro trabalho noturno anteriormente des-crito,
dedica-se durante o dia a distribuir os pães com cestos ou em carrinhos de mão, que empurra de casa em casa, e às vezes
ainda opera entrementes também na padaria. Segundo a estação e o volume de negócios, o trabalho termina entre 1 e 6 horas da
tarde, enquanto outra parte dos oficiais continua ocupada até o fim da tarde na padaria." 412 "Durante a temporada de Londres,
os oficiais das padarias que vendem pão a preço integral, em West-End, começam regularmente às 11 horas da noite e estão
ocupados assando pão, interrompidos por um ou dois intervalos, freqüentemente muito curtos, até as 8 horas da manhã seguinte.
Em seguida, são desgastados até 4, 5 e 6 horas da tarde e mesmo 7 da noite para a entrega do pão ou às vezes para assar biscoitos
na padaria. Depois de concluído o trabalho, desfrutam de um sono de 6 horas, muitas vezes de apenas 5 ou 4 horas. Nas sex-


OS ECONOMISTAS


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411 Fahrenheit. (N. da Ed. Alemã.) 412 Op. cit., First Report etc. p. VI-VII.
347#
tas-feiras, o trabalho começa sempre mais cedo, digamos às 10 horas da noite, e dura sem interrupção, seja na preparação, seja
na distribuição do pão, até as 8 horas da noite do sábado seguinte, porém, o mais das vezes até as 4 ou 5 horas da manhã do domingo.
Também nas padarias de luxo, que vendem pães a preços inte-grais, tem-se de executar, nos domingos, 4 a 5 horas de trabalho
de preparação para o dia seguinte. (...) Os oficiais de padeiros que trabalham para underselling masters (aqueles que vendem
o pão abaixo do preço integral), e estes constituem, como foi ob-servado anteriormente, mais de 3/ 4 dos padeiros de Londres, têm
jornada de trabalho ainda mais longa, seu trabalho, porém, li-mita-se quase totalmente à padaria, pois seus mestres, com ex-ceção
do fornecimento a pequenas mercearias, vendem apenas em sua própria loja. Ao final da semana (...) isto é, na quinta-feira,
começa o trabalho aqui às 10 horas da noite e dura, com pequenas interrupções apenas, até bem tarde no domingo à noite." 413


A respeito dos underselling masters até o ponto de vista burguês: "o trabalho não pago dos oficiais (the unpaid labour of the men) constitui
a base de sua concorrência". 414 E o full priced bake 415 denuncia seus concorrentes underselling à Comissão de Inquérito, como ladrões de
trabalho alheio e adulteradores.
"Têm êxito apenas enganando o público e extraindo dos seus oficiais 18 horas por um salário de 12 horas." 416


A adulteração do pão e a formação de uma classe de padeiros que vende o pão abaixo do preço integral desenvolveram-se na Ingla-terra
desde o começo do século XVIII, tão logo decaiu o caráter corpo-rativo do ofício e surgiu o capitalista na figura do moleiro ou do in-termediário
da farinha por trás do mestre-padeiro nominal. 417 Com isso estava constituída a base para a produção capitalista, para o des-


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365
413 Op. cit., p. LXXI. 414 READ, George. The History of Baking. Londres, 1848. p. 16.
415 Padeiro que vende a preço integral. (N. dos T.) 416 Report (First) etc. Evidence. Depoimento do full priced baker Cheesmnan. p. 108.
417 READ, George. Op. cit. No fim do século XVII e começo do XVIII, ainda eram denunciados oficialmente como public nuisances* os factors (agentes) que se intrometiam
em todos os
ofícios possíveis. Assim, por exemplo, na sessão trimestral dos juízes de paz do condado de Somerset, o Grand Jury ** fez uma presentment *** à Câmara dos Comuns,
onde se diz,
entre outras coisas, que "os agentes de Blackwell Hall são malfeitores públicos, que causam danos ao comércio de panos e deveriam ser reprimidos como elementos nocivos".
(The Case
of our English Wool etc. Londres, 1865. p. 6 e 7.) * Malfeitores públicos. (N. dos T.)
** Na Inglaterra, até 1933, um colegiado de 23 jurados, escolhidos pelo Sheriff, entre "os
homens bons e fiéis" do condado em que ocorreu o evento a ser investigado. Ele decidia se o material probatório apresentado conduzia à culpabilidade dos acusados
pela ação ou


não, e tinha de declarar o acusado livre ou remetê-lo à corte criminal. *** Representação. (N. dos T.)
348#
mesurado prolongamento da jornada de trabalho e para o trabalho noturno, ainda que este último só se tenha firmado, mesmo em Londres,
em 1824. 418
Entende-se, pelo exposto, por que o relatório da Comissão clas-sifica os oficiais de padeiros entre os trabalhadores de vida curta, que,


depois de terem a sorte de escapar à dizimação normal de crianças que se verifica em todos os setores da classe trabalhadora, raramente
alcançam o 42º ano de vida. E, apesar disso, a indústria de pães está sempre abarrotada de candidatos. As fontes de oferta dessas "forças
de trabalho" para Londres são a Escócia, os distritos agrícolas ocidentais da Inglaterra e — a Alemanha.
Nos anos de 1858/ 60, os oficiais de padeiros, na Irlanda, organi-zaram às suas próprias custas grandes meetings 419 para agitação contra
o trabalho noturno e aos domingos. O público, como ocorreu, por exem-plo, na manifestação de maio em Dublin, 1860, tomou com calor irlandês
partido por eles. Por meio desse movimento, conseguiu-se estabelecer, de fato, exclusivamente o trabalho diurno em Wexford, Kilkenny, Clon-mel,
Waterford etc.
"Em Limerick, onde os sofrimentos desses oficiais assalariados ultrapassaram reconhecidamente todas as medidas, esse movi-mento


foi derrotado pela oposição dos mestres padeiros, notada-mente dos padeiros-moleiros. O exemplo de Limerick levou ao
retrocesso em Ennis e Tipperary. Em Cork, onde a indignação pública manifestou-se de forma mais forte, os mestres consegui-ram
derrotar o movimento utilizando seu poder de pôr na rua os oficiais. Em Dublin, os mestres opuseram a mais decidida
resistência e, perseguindo os oficiais que estavam à frente da agitação, obrigaram os restantes a ceder, a conformar-se com o
trabalho noturno e aos domingos." 420
A comissão do Governo inglês, o qual na Irlanda estava armado até os dentes, objeta amargamente contra os implacáveis mestres-pa-deiros


de Dublin, Limerick, Cork etc.:
"O comitê acredita que as horas de trabalho são limitadas por leis naturais que não podem ser violadas impunemente. Os mes-tres,


ao forçar, mediante ameaças de pô-los na rua, seus traba-lhadores a violarem suas convicções religiosas, a desobedecerem
à lei do país e a desprezarem a opinião pública" (isso tudo refere-se ao trabalho aos domingos) "espalham a cizânia entre o capital e
o trabalho e dão um exemplo perigoso para a religião, a mora-


OS ECONOMISTAS


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418 First Report etc. p. VIII. 419 Manifestações. (N. dos T.)
420 Report of Commitee on the Baking Trade in Ireland for 1861.
349#
lidade e a ordem pública. (...) O comitê acredita que o prolonga-mento da jornada de trabalho, além das 12 horas, é um ataque
usurpador à vida privada e doméstica do trabalhador e leva a resultados moralmente funestos por interferirem na vida domés-tica
de um homem e no cumprimento de suas obrigações fami-liares como filho, irmão, esposo e pai. O trabalho além de 12
horas tende a minar a saúde do trabalhador, fá-lo envelhecer antes do tempo e morrer prematuramente e, portanto, causa in-felicidade
às famílias dos trabalhadores, que, no momento em que mais necessitam, são roubadas (are deprived) do cuidado e
do apoio do chefe de família". 421
Nós estivemos há pouco na Irlanda. Do outro lado do canal, na
Escócia, o trabalhador agrícola, o homem do arado, denuncia suas 13
até 14 horas de trabalho, no clima mais rigoroso, com trabalho adicional
de 4 horas aos domingos (nesse país do sábado santificado!), 422 en-quanto,
ao mesmo tempo, estão perante um Grand Jury de Londres
três ferroviários, um condutor, um maquinista e um sinalizador. Um
grande desastre ferroviário despachou centenas de passageiros para o
outro mundo. A negligência dos ferroviários é a causa do desastre.
Eles declaram, unanimemente, perante os jurados, que há 10 ou 12
anos seu trabalho durava diariamente apenas 8 horas. Durante os
últimos 5-6 anos ele foi sendo aumentado para 14, 18 e 20 horas e
quando a afluência de viajantes é particularmente intensa, como no
período dos trens de excursões, estendia-se muitas vezes a 40 ou 50
horas sem interrupção. Eles são homens comuns e não ciclopes. Além
de certo ponto falha sua força de trabalho. O torpor os domina. Seus
cérebros param de pensar e seus olhos de ver. O totalmente respectable
British Juryman, 423 responde por meio de um veredicto que os envia,
por manslaughter (homicídio), ao juízo criminal e num adendo moderado
expressa o piedoso desejo de que os senhores magnatas do capital da
estrada-de-ferro, no futuro, sejam mais gastadores na compra do número


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367
421 Op. cit. 422 Meeting público dos trabalhadores agrícolas em Lasswade, perto de Glasgow, de 5 de janeiro
de 1866. (Ver Workman's Advocate de 13 de janeiro de 1866.) A formação, desde os fins de 1865, de uma trade's union * dos trabalhadores agrícolas, começando pela
Escócia, é um
acontecimento histórico. Em um dos distritos rurais mais oprimidos da Inglaterra, em Buckinghamshire, realizaram os trabalhadores assalariados em março de 1867 uma
grande
strike pelo aumento do salário semanal de 9-10 xelins para 12 xelins. — (Vê-se dos fatos mencionados que o movimento do proletariado agrícola, desde a repressão
às suas poderosas
demonstrações a partir de 1830, e notadamente desde a introdução da nova lei de assistência aos pobres, foi inteiramente destroçado, recomeça nos anos de 1860 a
1870, para se projetar,
por fim, de maneira memorável, em 1872. Volto ao assunto no volume II, do mesmo modo que aos Livros Azuis aparecidos desde 1867 sobre a situação do trabalhador agrícola
inglês
— Adendo à 3ª edição.) * Sindicato. (N. dos T.)
423 Respeitável jurado britânico. (N. dos T.)
350#
necessário de "forças de trabalho" e mais "abstinentes" ou "mais renun-ciadores"
ou "mais econômicos" na exploração da força de trabalho paga. 424 Da colorida multidão de trabalhadores de todas as profissões,


idades, sexos, que nos atropelam com mais zelo que a Odisseu as almas dos assassinados, e nos quais se reconhece à primeira vista, sem le-varem
sob seus braços os Livros Azuis, as marcas do sobretrabalho, selecionaremos, ainda, duas figuras, cujo contraste flagrante demonstra
que, diante do capital, todos os seres humanos são iguais — uma mo-dista e um ferreiro.
Nas últimas semanas de junho de 1863, todos os jornais de Lon-dres trouxeram um parágrafo com o título sensational: Death from
simple Overwork (morte por simples sobretrabalho). Trata-se da morte da modista Mary Anne Walkley, de 20 anos, que trabalhava numa
manufatura de modas muito respeitável, fornecedora da Corte, explo-rada por uma dama com o agradável nome de Elise. A velha história,
tantas vezes contada, foi de novo agora descoberta, 425 de que essas moças trabalham em média 16 1/ 2 horas, porém, durante a temporada
freqüentemente 30 horas sem interrupção, sendo reanimadas por meio de oferta oportuna de Sherry, vinho do Porto ou café, quando sua
"força de trabalho" fraqueja. Estava-se então no ponto alto da tempo-rada. Era necessário concluir, num abrir e fechar de olhos, como num
passe de mágica, os vestidos de luxo das nobres ladies para o baile em homenagem à recém-importada princesa do País de Gales. Mary
Anne Walkley tinha trabalhado 26 1/ 2 horas ininterruptas, juntamente com 60 outras moças, cada 30 num quarto, cuja capacidade cúbica mal
chegava para conter 1/ 3 do ar necessário, enquanto à noite partilhavam, duas a duas, uma cama num dos buracos sufocantes em que se subdivide
um quarto de dormir, por meio de paredes de tábuas. 426 E essa era


OS ECONOMISTAS


368
424 Reynold's Paper [21] de janeiro de 1866. Semana trás semana publica o mesmo semanário sobre os sensational headings: Fearful and fatal accidents, Apalling tragedies
* etc., uma
lista completa de novos acidentes ferroviários. Em resposta, comenta um trabalhador da linha de North Staffordshire: "Todos conhecem as conseqüências, quando fraqueja
por um
instante a atenção do maquinista e do foguista. E como poderia ser diferente, com prolon-gamento desmedido do trabalho, sem pausa e nem repouso, no tempo mais inclemente?
Tome-se por exemplo, como ocorre diariamente, o seguinte caso. Na última segunda-feira um foguista começou seu dia de trabalho muito cedo. Terminou-o depois de 14
horas e 50
minutos. Antes de ter tido tempo de ao menos tomar seu chá, foi de novo chamado ao trabalho. Teve assim de trabalhar ininterruptamente 29 horas e 15 minutos. O restante
de sua semana de trabalho teve o seguinte horário: quarta-feira, 15 horas; quinta-feira, 15 horas e 35 minutos; sexta-feira, 14 1/ 2 horas; sábado, 14 horas e 10
minutos: o total da
semana elevou-se a 88 horas e 30 minutos. E agora imaginem sua surpresa, quando recebeu o pagamento de somente 6 jornadas de trabalho. O homem era um novato e perguntou
o
que se entendia por uma jornada de trabalho. Resposta: 13 horas, portanto 78 horas por semana. Mas, e o pagamento das 10 horas e 30 minutos excedentes? Após longo
debate,
recebeu uma compensação de 10 pence" (menos que 10 Silbergroschen). (Op. cit., nº de 4 de fevereiro de 1866.)
* Manchetes sensacionais. — Acidentes temíveis e fatais. — Tragédias terríveis. (N. dos T.)
425 Ver ENGELS, F. Op. cit., p. 253-254. 426 Dr. Letheby, médico do Board of Health * declarou então: "O mínimo de ar necessário para
351#
uma das melhores casas de moda de Londres. Mary Anne Walkley adoeceu na sexta-feira e morreu no domingo, sem haver, para a surpresa
de Dona Elise, terminado antes a última peça. O médico, dr. Keys, chamado muito tarde ao leito de morte, testemunhou perante o Coro-ner's
Jury 427 em secas palavras:
"Mary Anne Walkley morreu, por excesso de horas de trabalho numa oficina superlotada e por dormir num cubículo superestreito


e mal ventilado".
Para dar ao médico uma lição de boas maneiras, declarou o Co-roner's Jury:


"A vítima morrera de apoplexia, havendo porém razão para temer que sua morte tenha sido apressada por sobretrabalho
numa oficina superlotada etc."
Nossos "escravos brancos", bradou o Morning Star, órgão dos livre-cambistas Cobden e Bright,


"nossos escravos brancos são forçados ao túmulo pelo trabalho, arruínam-se e morrem sem canto nem glória." 428


MARX


369
um adulto num quarto de dormir deve ser de 300 pés cúbicos e numa sala de estar, de 500 pés cúbicos". Dr. Richardson médico-chefe de um hospital de Londres: "As
costureiras
de toda espécie, as modistas, costureiras de vestidos e costureiras ordinárias sofrem de tríplice infortúnio: excesso de trabalho, carência de ar e deficiência de
alimentação ou
deficiência de digestão. De modo geral, esse tipo de trabalho é mais adequado, sob qualquer circunstância, para mulheres do que para homens. Por desgraça, esse negócio
é monopo-lizado,
notadamente na capital, por uns 26 capitalistas, que, com as armas que decorrem do capital (that spring from capital), espremem economia do trabalho (force economy
out
of labour; ele pensa economizar despesas mediante desperdício da força de trabalho). Seu poder é sentido nos limites de toda essa classe de trabalhadoras. Se uma
costureira consegue
um pequeno círculo de clientes, a concorrência a força a se matar de trabalhar em casa, para conservá-lo, e o mesmo sobre/ trabalho ela tem de impor necessariamente
às suas
auxiliares. Se o negócio fracassa ou se ela não pode estabelecer-se por conta própria, então se dirige a um établissement, ** onde o trabalho não é menor, mas o
pagamento é seguro.
Assim posta, torna-se uma simples escrava, jogada para cá e para lá conforme cada flutuação da sociedade: ora está em casa, num pequeno cubículo, passando fome ou
quase; ora está
de novo ocupada de 15, 16 até 18 horas em 24 horas em atmosfera quase insuportável e com alimentação que, mesmo se fosse boa, não poderia ser digerida devido à falta
de ar
puro. É por causa dessas vítimas que prolifera a tísica, que não é nada mais que uma doença oriunda do ar viciado". (Dr. RICHARDSON, "Work and Overwork. In: Social
Science
Review. 18 de julho de 1863. * Repartição de saúde. (N. dos T.)
** Estabelecimento. (N. dos T.)
427 Júri que averigua a causa da morte. (N. dos T.) 428 Morning Star. 23 de junho de 1863. O Times aproveitou o sucedido para defender os


senhores de escravos da América contra Bright etc. "Muitos de nós", diz, "acham que enquanto fizermos trabalhar até a morte nossas jovens mulheres, utilizando o
flagelo da
fome em lugar do estalar do chicote, quase não temos o direito de iniciar a que se empreguem o fogo e a espada contra famílias que desde o berço possuem escravos
e pelo menos os
alimentam bem, fazendo-os trabalhar moderadamente." (Times. 2 de julho de 1863.) Do mesmo modo o Standard, um jornal dos tories, repreendeu o reverendo Newman Hall:
"Ele
excomunga os senhores de escravos, mas reza com a boa gente que fazia trabalhar os condutores e os cocheiros de ônibus de Londres apenas 16 horas diariamente, por
um
352#
"Trabalhar até a morte está na ordem do dia, não apenas na oficina das modistas, mas em milhares de outros lugares, na
verdade em cada lugar onde o negócio floresce. (...) Permita-nos tomar o exemplo do ferreiro. Se se deve acreditar nos poetas,
não existe nenhum homem tão cheio de vida, nem mais alegre que o ferreiro. Ele se levanta cedo e tira faíscas ao sol; ele come,
bebe e dorme como nenhum outro homem. Considerado o aspecto puramente físico, ele se encontra com trabalho moderado, de fato
numa das melhores posições humanas. Porém, seguimo-lo à ci-dade e vemos que carga de trabalho é lançada sobre esse homem
forte, e qual posição ocupa na lista de mortalidade em nosso país. Em Marylebone" (um dos maiores bairros de Londres) "os
ferreiros morrem na proporção de 31 por 1 000 anualmente, ou 11 acima da média de mortalidade dos homens adultos na In-glaterra.
A ocupação, uma arte quase instintiva da humanidade, em si e para si irrepreensível, torna-se, em virtude do excesso
de trabalho, destruidora do homem. Ele pode vibrar tantas pan-cadas por dia, andar tantos passos, respirar tantas vezes, realizar
tanto trabalho e viver em média, digamos, 50 anos. Obrigam-no a vibrar tantas pancadas a mais, a andar tantos passos a mais,
a respirar durante o dia mais freqüentemente, e tudo junto a aumentar assim diariamente de 1/ 4 seu dispêndio vital. Ele rea-liza
a tentativa, e como resultado realiza, num período limitado, 1/ 4 a mais de trabalho e morre aos 37 anos e não aos 50." 429


4. Trabalho diurno e noturno. O sistema de revezamento
O capital constante, os meios de produção, só existem, conside-rados do ponto de vista do processo de valorização, para absorver tra-balho


e com cada gota de trabalho um quantum proporcional de mais-trabalho. Na medida em que não fazem isso, constitui sua mera exis-tência
prejuízo negativo para o capitalista, pois, durante o tempo em que estão ociosos, representam adiantamento inútil de capital, e esse
prejuízo torna-se positivo tão logo a interrupção exigir gastos adicionais para o reinício do trabalho. O prolongamento da jornada de trabalho
além dos limites do dia natural por noite adentro serve apenas de


OS ECONOMISTAS


370
salário de cão". Finalmente falou o oráculo, Mr. Thomas Carlyle, sobre o qual publiquei em 1850: * "Ao diabo o gênio, ficou o culto". Ele reduz em uma curta parábola
o único
acontecimento grandioso da História contemporânea, a Guerra Civil americana, a que o Pedro do Norte quer com toda violência arrebentar o crânio de Paulo do Sul,
porque Pedro
do Norte aluga sua mão-de-obra "diariamente" e Paulo do Sul aluga-se pela "vida toda". (Macmillan's Magazine. Ilias Americana in nuce. Caderno de agosto de 1863.)
Por fim a
bolha de sabão da simpatia dos tories pelo assalariado urbano — a qual não se estende de modo algum ao rural — arrebentou. O âmago chama-se — escravatura.
* Marx refere-se à sua recensão sobre o livro de Th. Carlyle, Latter-Day Pamphlets. (N.
Ed. Alemã.) 429 Dr. RICHARDSON. Op. cit.
353#
paliativo, apenas mitiga a sede vampiresca por sangue vivo do trabalho. Apropriar-se de trabalho durante todas as 24 horas do dia é, por con-seguinte,
o impulso imanente da produção capitalista. Sendo porém fisicamente impossível sugar as mesmas forças de trabalho continua-mente
dia e noite, necessita pois, para superar esse obstáculo físico, do revezamento entre as forças de trabalho consumidas de dia e de
noite, um revezamento que admite diferentes métodos, por exemplo, podendo ser ordenado de tal forma que parte do pessoal operário faça
numa semana o trabalho diurno, na outra, o trabalho noturno etc. Sabe-se que esse sistema de revezamento, essa economia de alternância
predominava no período pletórico inicial da indústria têxtil inglesa, florescendo hoje nas fiações de algodão no gouvernement 430 de Moscou.
Como sistema, existe esse processo de produção de 24 horas ainda hoje em muitos ramos industriais até agora "livres", da Inglaterra,
entre outros, nos altos-fornos, forjas, laminações e outras manufaturas metalúrgicas da Inglaterra, do País de Gales e da Escócia. O processo
de trabalho compreende aqui, além das 24 horas dos 6 dias úteis da semana, em grande parte dos casos também as 24 horas do domingo.
Os trabalhadores são homens e mulheres, adultos e crianças de ambos os sexos. A idade das crianças e das pessoas jovens percorre todas as
etapas intermediárias dos 8 anos (em alguns casos, dos 6) até os 18 anos. 431 Em alguns ramos, as meninas e as mulheres trabalham tam-bém
à noite junto com o pessoal masculino. 432
Abstraindo os efeitos geralmente prejudiciais do trabalho notur-no, 433 a duração ininterrupta de 24 horas do processo de produção


MARX


371
430 Distrito. (N. dos T.) 431 Children's Employment Commission. Third Report. Londres 1864. p. IV, V, VI.
432 Em Staffordshire, como também no sul de Gales, moças jovens e mulheres são empregadas para trabalhar nas minas de carvão e nas pilhas de coque não apenas durante
o dia, mas
também à noite. Nos relatórios dirigidos ao Parlamento, isso foi muitas vezes mencionado como prática que dá origem a males notórios. Essas mulheres que trabalham
junto com
os homens e que pelas roupas mal se distinguem deles, sujas e enfumaçadas, expõem-se à degenerescência de caráter, causada pela perda de seu auto-respeito, conseqüência
quase
inevitável dessa ocupação não feminina." (Op. cit., p. 194, p. XXVI. Ver Fourth Report (1865) 61, p. XII.) Da mesma forma em fábricas de vidros.
433 "Parece natural", observou um fabricante de aço que utiliza crianças para o trabalho noturno, "que meninos que trabalham à noite não durmam durante o dia e não
possam encontrar
nenhum descanso regular, porém perambulam no dia seguinte infatigavelmente." (Op. cit., Fourth Rep., 63, p. XII.) Sobre a importância da luz solar para a manutenção
e o desen-volvimento
do corpo, observa um médico, entre outras coisas: "A luz atua diretamente sobre os tecidos do corpo, endurecendo-os e dando-lhes elasticidade. Os músculos dos animais
aos quais se priva o quantum normal de luz tornam-se esponjosos e inelásticos, a força dos nervos perde seu tônus por falta de estímulos e o acabamento de tudo que
está crescendo
torna-se raquítico. No caso de crianças, o acesso contínuo à abundante luz do dia e aos raios diretos do sol, durante parte do dia, é essencial para a saúde. A luz
ajuda a transformar
os alimentos em bom sangue plástico e endurece a fibra depois de formada. Estimula os órgãos da visão e provoca, desse modo, maior atividade das diferentes funções
do cérebro".
Dr. W. Strange, médico-chefe do General Hospital de Worcester, de cuja obra sobre "Saúde" * (1864) essa citação foi tomada, escreve numa carta ao sr. White, um dos
comissários de
inquéritos: "Eu tive anteriormente, em Lancashire, oportunidade de observar os efeitos do trabalho noturno sobre as crianças das fábricas e não hesito em dizer,
contrariando o que
354#
oferece a oportunidade altamente bem-vinda de ultrapassar os limites da jornada nominal de trabalho. Assim, por exemplo, nos ramos in-dustriais
mencionados anteriormente, extremamente fatigantes, a jor-nada oficial de trabalho está fixada para cada trabalhador, na maioria
das vezes, em 12 horas, diurnas ou noturnas. Mas o trabalho extraor-dinário além desse limite é em muitos casos, para usar a expressão
do relatório oficial inglês, "realmente horrorizante" (truly fearful). 434
"Nenhuma mente humana", diz o relatório, "pode pensar na quantidade de trabalho que, segundo os depoimentos das teste-munhas,


é realizado por meninos de 9 a 12 anos, sem concluir irresistivelmente que não se pode mais permitir que continue
esse abuso de poder dos pais e dos patrões." 435
"O método de fazer meninos trabalhar alternadamente de dia e de noite leva ao iníquo prolongamento da jornada de trabalho,


tanto nos períodos de maior pressão dos negócios, quanto no seu decurso normal. Esse prolongamento em muitos casos não é ape-nas
cruel, mas também simplesmente inacreditável. Não pode deixar de ocorrer que, por esse ou aquele motivo, um menino
falte vez ou outra ao revezamento. Um ou mais dos meninos presentes que já concluíram sua jornada de trabalho têm então
de preencher a falta. Esse sistema é tão conhecido que o gerente de uma laminação, quando perguntei-lhe como seria substituído
o menino que faltara ao seu turno, respondeu: Eu sei que o senhor sabe disso tão bem quanto eu, e não hesitou em admitir o fato." 436


"Numa laminação em que a jornada nominal de trabalho ia das 6 horas da manhã até as 5 1/ 2 da tarde, um menino trabalhava
4 noites cada semana, até pelo menos 8 1/ 2 horas da noite do dia seguinte (...) e isso durante 6 meses." "Outro, com a idade
de 9 anos, trabalhava às vezes 3 turnos de 12 horas seguidos e quando tinha 10 anos trabalhava 2 dias e 2 noites consecutivos."
"Um terceiro, agora com 10 anos, trabalhava das 6 da manhã até a meia-noite por 3 noites e até as 9 horas da noite durante
as outras noites." "Um quarto, agora com 13 anos, trabalhava durante toda a semana, das 6 horas da tarde até as 12 horas
do dia seguinte, e às vezes em 3 turnos consecutivos, por exemplo,


OS ECONOMISTAS


372
alguns patrões gostam de assegurar, que a saúde das crianças rapidamente foi afetada". (Children's Employment Commission. Fourth Report, 284, p. 55.) O fato de que
coisas dessa
natureza constituem objeto de sérias controvérsias demonstra do melhor modo como a produção capitalista atua sobre as "funções do cérebro" dos capitalistas e de
seus retainers. **
* STRANGE, W. The Seven Sources of Health. Londres, 1864. p. 84. (N. da Ed. Alemã.)
** Vassalos. (N. dos T.)


434 Op. cit., 57, p. XII. 435 Op. cit. (4th Rep., 1865), 58, p. XII.


436 Op. cit.
355#
de segunda-feira da manhã até terça à noite." "Um quinto, agora com 12 anos, trabalhava numa fundição de ferro em Stavely, das
6 horas da manhã até a meia-noite durante 14 dias, sendo incapaz de fazê-lo por mais tempo." George Allinsworth, de 9 anos de
idade: "Vim pra cá sexta-feira passada. No dia seguinte tivemos de começar às 3 horas da manhã. Por isso fiquei aqui a noite
inteira. Moro a 5 milhas daqui. Dormi no chão com um avental embaixo de mim e com um casaco pequeno em cima de mim. Os
outros dois dias estive aqui às 6 horas da manhã. Sim, este é um lugar quente. Antes de vir para cá, trabalhei também durante
um ano inteiro num alto-forno. Era uma grande usina no campo. Começava também aos sábados às 3 horas da manhã, mas pelo
menos podia ir dormir em casa, pois era perto. Nos outros dias começava às 6 da manhã e terminava às 6 ou 7 da noite" etc. 437


MARX


373
437 Op. cit., p. XIII. O nível de instrução dessa força de trabalho deve ser assim como se revela nos diálogos seguintes com um dos membros da comissão de inquérito!
Jeremias Haynes,
de 12 anos de idade: "(...) 4 vezes 4 são 8, mas quatro quartos (4 fours) são 16. (...) Um rei é quem tem todo o dinheiro e todo o ouro. (A king is him that has
all the money and
gold.) Dizem que temos um rei, dizem que ele é uma rainha, chamam-no princesa Alexandra. Dizem que ela se casou com o filho da rainha. Uma princesa é um homem".
William
Turner, de 12 anos: "Não vivo na Inglaterra. Penso que há tal país, mas não sabia disso antes". John Morris, de 14 anos: "Ouvi dizer que Deus fez o mundo e que todo
o povo se
afogou, exceto um; ouvi que este era um passarinho". William Smith, de 15 anos: "Deus fez o homem; o homem fez a mulher". Edward Taylor, de 15 anos: "Nada sei de
Londres".
Henry Matthewman, de 17 anos: "Às vezes vou à igreja... um nome sobre que pregam era um certo Jesus Cristo, mas não posso dizer nenhum outro nome e também nada posso
dizer sobre ele. Ele não foi assassinado, morreu como outras pessoas. Ele não era como as outras pessoas, de certo modo, pois era religioso de certo modo, e outros
não é. (He was
not the same as other people in some ways, because he was religious in some ways, and others isn't.)" (Op. cit. 74, p. XV.) "O diabo é uma boa pessoa. Eu não sei
onde ele vive.
Cristo foi um mau sujeito." (The devil is a good person. I don't know where he lives; Christ was a wicked man.") "Esta menina de 10 anos soletra God como se fosse
dog e não sabe
o nome da rainha." (Ch. Empl. Comm. V. Rep. 1866. p. 55 nº 278.) O mesmo sistema dominante nas mencionadas manufaturas de metal vigora nas fábricas de vidro e papel.
Nas fábricas de papel onde o papel é feito a máquina, o trabalho noturno é a regra para todos os processos, exceto para a seleção dos trapos. Em alguns casos, o
trabalho noturno
por revezamento prossegue sem interrupção por toda a semana, indo geralmente de domingo à noite até a meia-noite do sábado seguinte. A turma que se encontra no turno
diurno
trabalha 5 dias de 12 horas e 1 dia de 18 e a turma do turno noturno 5 noites de 12 horas e uma de 6 horas por semana. Em outros casos, cada turma trabalha 24 horas,
uma depois
da outra, em dias alternados. Uma turma trabalha 6 horas segunda-feira e 18 no sábado, para completar as 24 horas. Em outros casos, foi introduzido ainda um sistema
interme-diário,
em que todos os empregados na maquinaria de fazer papel trabalham 15-16 horas cada dia da semana. Esse sistema, diz o comissário de inquérito Lord, parece unir todos
os males dos revezamentos de 12 e de 24 horas. Crianças com menos de 13 anos, adolescentes com menos de 18 e mulheres trabalham sob esse sistema noturno. Às vezes,
no sistema
de 12 horas, tinham eles, em virtude da ausência de quem devia rendê-los, de trabalhar o turno duplo de 24 horas. Os depoimentos das testemunhas provam que meninos
e meninas
realizam com muita freqüência sobretrabalho, que não raro se estende a 24 e até 36 horas de trabalho sem interrupção. No processo "contínuo e imutável" das oficinas
de polimento,
encontram-se meninas de 12 anos que, durante o mês inteiro, trabalham 14 horas por dia, "sem nenhum descanso ou interrupção regular, além de duas no máximo três
de 1/ 2 hora,
para refeições". Em algumas fábricas onde se aboliu o trabalho noturno regular, traba-lham-se horas extras numa extensão terrível e "isso freqüentemente nos processos
mais
356#
Ouçamos agora como o próprio capital concebe o sistema de 24 horas. Naturalmente deixa passar em silêncio os excessos do sistema,
seu abuso do "cruel e incrível" prolongamento da jornada de trabalho. Ele fala somente do sistema em sua forma "normal".
Os srs. Naylor e Vickers, fabricantes de aço, que empregam entre 600 e 700 pessoas, e entre elas apenas 10% menores de 18 anos, e destas
somente 20 meninos no trabalho noturno, se pronunciam como segue:
"Os garotos não sofrem com o calor. A temperatura é prova-velmente de 86 o até 90 o . (...) Nas oficinas de forja e de laminação,


os braços trabalham dia e noite por sistema de turnos, mas, ao contrário, todos os demais trabalhos são trabalhos diurnos, das
6 da manhã até as 6 horas da tarde. Na forja trabalha-se das 12 às 12 horas. Alguns braços trabalham continuamente no ho-rário
noturno, sem revezamento entre turno diurno e noturno. (...) Achamos que não faz nenhuma diferença para a saúde" (dos
senhores Naylor e Vickers?) "o trabalho noturno ou diurno, e provavelmente as pessoas dormem melhor quando gozam do mes-mo
período de descanso do que quando ele muda. (...) Aproxima-damente 20 garotos menores de 18 anos trabalham com a turma
da noite. (...) Não poderíamos fazê-lo bem (not wall do) sem o trabalho noturno de jovens menores de 18 anos. Nossa objeção
é — ao aumento dos custos da produção. Braços hábeis e chefes de departamento são difíceis de conseguir, jovens, entretanto,
obtêm-se tantos quantos se queira. (...) Naturalmente, conside-rando-se a pequena proporção de jovens que nós utilizamos, li-mitações
do trabalho noturno seriam de pouca importância, ou interesse para nós". 438


O sr. J. Ellis, da firma John Brown & Co., usinas de ferro e aço que empregam 3 mil homens e jovens, e na verdade em [uma] parte
do trabalho pesado com aço e ferro "de dia e de noite, por revezamento" declara que há no trabalho pesado com aço 1 ou 2 jovens para 2 homens.
No seu negócio existem 500 jovens com menos de 18 anos, dos quais 1/ 3, ou 170, tem menos de 13 anos. Com respeito à proposta de mudança
na legislação, o senhor Ellis opina:
"Não creio que haveria muito que objetar (very objectionable) contra exigir que qualquer pessoa menor de 18 anos não trabalhe


mais de 12 horas em cada 24. Mas não creio que se possa traçar uma linha para dispensar do trabalho noturno jovens com mais
de 12 anos. Aceitaríamos antes uma lei que proíba utilizar jovens


OS ECONOMISTAS


374
sujos, mais abrasantes e mais monótonos". (Children's Employment Commission, Report IV. 1865. p. XXXVIII e XXXIX.)
438 Fourth Report etc. 1865. 79, p. XVI.
357#
com menos de 13 ou até com menos de 15 anos, a uma proibição de utilizar durante a noite os jovens que já temos. Os jovens
da turma diurna têm de trabalhar de maneira alternada no período noturno, pois os homens não podem incessantemente
realizar trabalho noturno; isso arruinaria sua saúde. Acredi-tamos, entretanto, que trabalho noturno, em semanas alter-nadas,
não é prejudicial".
(Os srs. Naylor e Vickers acreditavam, de acordo com o melhor de seu negócio, que, ao contrário, o trabalho noturno alternado, em


lugar do continuado, seja possivelmente prejudicial.)
"Achamos que as pessoas que realizam trabalho noturno al-ternado são tão sadias quanto as que só trabalham de dia. (...)


"Nossas objeções contra a não utilização de jovens menores de 18 anos para o trabalho noturno seriam feitas considerando
o aumento das despesas, mas este seria também o único motivo." (Que cínica ingenuidade!) "Acreditamos que esse aumento seria
maior do que o negócio (the trade) poderia eqüitativamente su-portar, com a devida consideração à sua realização com êxito.
(As the trade with due regards to etc. could fairly bear.)" (Que fraseologia pastosa!) "Trabalho é raro aqui e poderia tornar-se
insuficiente sob tal regulamentação."
(Isto é, Ellis, Brown & Co. poderiam defrontar-se com o fatal embaraço de precisar pagar plenamente o valor da força de trabalho.) 439


A Cyklops — usinas de aço e ferro dos srs. Cammell & Co. — é conduzida em escala igualmente grande como as do citado John Brown
& Co. O diretor-gerente encaminhou seu testemunho por escrito ao comissário do governo White, porém achou conveniente mais tarde
extraviar o manuscrito que lhe foi devolvido para revisão. Entretanto, o sr. White tem memória eficaz. Ele recorda-se com toda certeza de
que, para esses senhores ciclopes, a proibição do trabalho noturno para crianças e pessoas jovens seria "uma coisa impossível; seria o mesmo
que parar suas usinas" e ainda assim seu negócio conta com pouco mais de 6% de jovens menores de 18 anos e apenas 1% de menores
de 13 anos. 440 Sobre o mesmo assunto, declara o sr. E. F. Sanderson, da firma
Sanderson, Bros. & Co., com usinas de aço, laminação e forja, em Attercliffe:


"Grandes dificuldades surgiriam da proibição de jovens me-nores de 18 anos trabalharem à noite. A principal dificuldade
adviria do aumento dos custos, o qual seria uma conseqüência


MARX


375
439 Op. cit., 80, p. XVI, XVII. 440 Op. cit., 82, p. XVII.
358#
inevitável da substituição do trabalho infantil por trabalho de adultos. Quanto isso importaria, não posso dizer, mas provavel-mente
não seria tanto que o fabricante pudesse aumentar o preço do aço, de modo que o prejuízo recairia sobre ele, uma vez que
os trabalhadores" (que povo teimoso!) "naturalmente se recusa-riam a suportá-lo".


O sr. Sanderson não sabe quanto ele paga às crianças, mas
"talvez perfaça 4 até 5 xelins por cabeça semanalmente. (...) O trabalho dos meninos é de uma espécie para a qual em geral"


(generally, naturalmente nem sempre "em especial") "a força dos rapazes é apenas suficiente e conseqüentemente não resultaria
nenhum lucro da força maior dos homens, para compensar o pre-juízo, a não ser nos poucos casos em que o metal é muito pesado.
"Os homens não gostariam de não ter nenhum menino sob seu comando, pois homens são menos obedientes. Além disso, os
jovens precisam começar cedo para aprender o ofício. A limitação dos jovens a mero trabalho diurno não preencheria esse objetivo."


E por que não? Por que não podem jovens aprender seu ofício durante o dia? Suas razões?
"Porque os homens, que trabalham em semanas alternadas, ora durante o dia, ora à noite, ficariam separados dos jovens de
seu turno durante o mesmo tempo e perderiam metade do lucro que extraem deles. A orientação que dão aos jovens é considerada
parte do salário desses jovens e possibilita aos homens obterem mais barato o trabalho juvenil. Cada homem perderia metade
do seu lucro."
Em outras palavras, os srs. Sanderson teriam de pagar parte dos salários dos homens adultos de seu próprio bolso e não com trabalho


noturno dos jovens. O lucro dos srs. Sanderson cairia um pouco, neste caso, e essa é a boa razão sandersoniana por que menores não podem
aprender seu ofício de dia. 441 Ademais, isso faria o trabalho regular noturno recair sobre os homens, que se revezam agora com os jovens,
e eles não o suportariam. Em suma, as dificuldades seriam tão grandes que provavelmente levariam à supressão total do trabalho noturno.


"No que se refere à própria produção de aço", diz E. F. San-derson, "não faria a menor diferença, porém!"
Porém os srs. Sanderson têm mais o que fazer do que fabricar


OS ECONOMISTAS


376
441 "Em nossa época rica em reflexão e raciocínio, não deve ter subido muito quem não sabe apresentar uma boa razão para tudo, mesmo para o que há de pior e de mais
errado. Tudo
o que foi estragado neste mundo, foi estragado por boas razões." (HEGEL. Op. cit., p. 249.)
359#
aço. A produção de aço é mero pretexto para a produção de mais-valia. Os fornos de fundição, as oficinas de laminação etc., as construções, a
maquinaria, o ferro, o carvão etc., têm mais o que fazer do que trans-formar-se em aço. Eles estão lá para absorver mais-trabalho, e absorvem
naturalmente mais em 24 horas do que em 12. Na realidade dão aos Sanderson, por graça de Deus e de direito, um cheque sobre o tempo
de trabalho de certo número de "braços" por 24 horas inteiras do dia e perdem seu caráter de capital, sendo, portanto, prejuízo puro para
os Sanderson, tão logo seja interrompida sua função de sugar trabalho.
"Mas então haveria o prejuízo de maquinaria tão cara ficar durante metade do tempo ociosa, e para a mesma quantidade


de produtos, que podemos fabricar com o sistema atual, teríamos de duplicar nossas construções e equipamentos, o que duplicaria
a despesa."
Mas por que exigem exatamente estes Sanderson um privilégio em relação aos demais capitalistas que só podem deixar trabalhar du-rante


o dia e cujas construções, maquinaria, matéria-prima, portanto, permanecem "ociosas" durante a noite?


"É verdade", responde E. F. Sanderson em nome de todos os Sanderson, "é verdade que esse prejuízo oriundo da maquinaria
ociosa atinge todas as manufaturas em que se trabalha apenas de dia. Mas o uso dos fornos de fundição provocaria, em nosso
caso, prejuízo extra. Mantendo-os em funcionamento, desperdi-ça-se combustível" (enquanto agora é a matéria vital dos traba-lhadores
que é desperdiçada), "e se não forem mantidos em fun-cionamento, haveria perda de tempo para acendê-los e obter o
grau necessário de calor" (enquanto perda de tempo de sono, mesmo para crianças de 8 anos, é ganho de tempo de trabalho
para o clã dos Sanderson), "e os próprios fornos sofreriam com a mudança de temperatura" (enquanto os mesmos fornos nada
sofrem com o revezamento do trabalho diurno e noturno). 442


MARX


377
442 Children's Employment Commission, Fourth Report. 1865. 85, p. XVII. À preocupação de delicadeza semelhante dos senhores fabricantes de vidros, que não era possível
conceder
às crianças "refeições regulares", porque, desse modo, determinado quantum de calor que os fornos irradiam seria "puro prejuízo" ou seria "desperdiçado", responde
o comissário de
inquérito White, de nenhum modo igual a Ure, Senior etc., e seus estreitos imitadores alemães, como Roscher etc., comovidos pela "abstinência", pela "abnegação"
e "parcimônia"
dos capitalistas no dispêndio de seu dinheiro, e pela sua "prodigalidade" com vidas humanas, próprias de um Timur-Tamerlão, dizendo: "É possível que se desperdice
determinado quan-tum
de calor, acima da medida atual, por assegurar-se refeições regulares, mas mesmo em valor monetário não é nada, comparado com a devastação de força vital (the waste
of
animal power) que hoje o reino sofre, em virtude de as crianças em fase de crescimento, empregadas nas vidrarias, não disporem de tempo suficiente para tomar comodamente
seus alimentos e digeri-los". (Op. cit., p. XLV.) E isso no "ano do progresso", 1865! Abstraindo o dispêndio de energia para levantar e carregar, tal criança marcha,
nas usinas que fazem
garrafas e flint glass, * durante a execução contínua de seu trabalho, 15 a 20 milhas (inglesas)
360#
5. A luta pela jornada normal de trabalho. Leis compulsórias para o prolongamento da jornada de
trabalho, da metade do século XIV ao fim do século XVII
"Que é uma jornada de trabalho?" De quanto é o tempo durante o qual o capital pode consumir a força de trabalho, cujo valor diário


ele paga? Por quanto tempo pode ser prolongada a jornada de trabalho além do tempo de trabalho necessário à reprodução dessa mesma força
de trabalho? A essas perguntas, viu-se que o capital responde: a jornada de trabalho compreende diariamente as 24 horas completas, depois de
descontar as poucas horas de descanso, sem as quais a força de trabalho fica totalmente impossibilitada de realizar novamente sua tarefa. En-tende-
se por si, desde logo, que o trabalhador, durante toda a sua existência, nada mais é que força de trabalho e que, por isso, todo seu
tempo disponível é por natureza e por direito tempo de trabalho, por-tanto, pertencente à autovalorização do capital. Tempo para educação
humana, para o desenvolvimento intelectual, para o preenchimento de funções sociais, para o convívio social, para o jogo livre das forças
vitais físicas e espirituais, mesmo o tempo livre de domingo — e mesmo no país do sábado santificado 443 — pura futilidade! Mas em seu impulso


OS ECONOMISTAS


378
em 6 horas! E o trabalho dura freqüentemente 14 a 15 horas. Em muitas dessas vidrarias vigora, como nas fiações de Moscou, o sistema de revezamento de 6 horas. "Durante
o
tempo de trabalho da semana, o período ininterrupto mais longo de descanso é de 6 horas, e dele tem de ser deduzido o tempo para ir à fábrica, voltar, lavar-se,
vestir-se, alimentar-se,
e tudo isso custa tempo. Assim só fica para descanso um período extremamente curto. Não sobra tempo para brincar e ar puro, a não ser à custa do sono, tão indispensável
às crianças
que executam um trabalho tão fatigante numa atmosfera tão quente. (...) Mesmo o breve sono é interrompido, pois o menino tem de despertar a si mesmo, à noite, ou
é despertado
por ruídos externos de dia." O senhor White apresenta casos, de um jovem que trabalhou 36 horas consecutivas; outros, de meninos de 12 anos que se esfalfam até as
2 horas da
noite dormindo na fábrica até as 5 horas da manhã (3 horas!) para começar de novo o trabalho! "A massa de trabalho", dizem os redatores do relatório geral, Tremenheere
e
Tufnell, "que os meninos, as meninas e mulheres realizam, no curso de seu período de trabalho (spell of labour) diário, noturno ou diurno, é fabulosa." (Op. cit.,
p. XLIII e XLIV.)
Enquanto isso cambaleia, talvez tarde da noite, o capital do vidro "cheio de abstinência" e de vinho do Porto, do clube para casa, cantarolando imbecilmente: Britons
never, never,
shall be slaves! ** * Cristal. (N. dos T.)
** Ingleses nunca, nunca serão escravos! (N. dos T.)
443 Na Inglaterra, por exemplo, ainda se condena às vezes, no campo, um trabalhador à prisão por profanação do sábado, por trabalhar no jardinzinho em frente à sua
casa. O mesmo


trabalhador é punido por quebra de contrato, se falta ao trabalho aos domingos, seja mesmo por beatice religiosa, nas usinas metalúrgicas, de papel ou vidro. O parlamento
ortodoxo
não tem ouvidos para a profanação dos sábados, quando ela se dá no "processo de valorização" do capital. Num memorial (agosto de 1863) em que os diaristas londrinos
das peixarias e
casas de aves reivindicam a supressão do trabalho aos domingos, consta que seu trabalho nos primeiros 6 dias da semana dura, em média, 15 horas diárias, e no domingo,
8 a 10
horas. Por esse memorial ficamos sabendo, ao mesmo tempo, que a refinada gourmandise * dos beatos aristocráticos de Exeter Hall ** incentiva esse "trabalho aos domingos".
Esses
"santos" tão cuidadosos in cute curanda *** demonstram seu cristianismo pelo modo resignado com que suportam a estafa, as privações e a fome de terceiros. Obsequium
ventria istis
(dos trabalhadores) perniciosius est. ****
361#
cego, desmedido, em sua voracidade por mais-trabalho, o capital atro-pela não apenas os limites máximos morais, mas também os puramente
físicos da jornada de trabalho. Usurpa o tempo para o crescimento, o desenvolvimento e a manutenção sadia do corpo. Rouba o tempo ne-cessário
para o consumo de ar puro e luz solar. Escamoteia tempo destinado às refeições para incorporá-lo onde possível ao próprio pro-cesso
de produção, suprindo o trabalhador, enquanto mero meio de produção, de alimentos, como a caldeira, de carvão, e a maquinaria,
de graxa ou óleo. Reduz o sono saudável para a concentração, renovação e restauração da força vital a tantas horas de torpor quanto a reani-mação
de um organismo absolutamente esgotado torna indispensáveis. Em vez da conservação normal da força de trabalho determinar aqui
o limite da jornada de trabalho, é, ao contrário, o maior dispêndio possível diário da força de trabalho que determina, por mais penoso
e doentiamente violento, o limite do tempo de descanso do trabalhador. O capital não se importa com a duração de vida da força de trabalho.
O que interessa a ele, pura e simplesmente, é um maximum de força de trabalho que em uma jornada de trabalho poderá ser feita fluir.
Atinge esse objetivo encurtando a duração da força de trabalho, como um agricultor ganancioso que consegue aumentar o rendimento do solo
por meio do saqueio da fertilidade do solo. A produção capitalista, que é essencialmente produção de mais-valia,
absorção de mais-trabalho, produz, portanto, com o prolonga-mento da jornada de trabalho não apenas a atrofia da força de trabalho,
a qual é roubada de suas condições normais, morais e físicas, de de-senvolvimento e atividade. Ela produz a exaustão prematura e o ani-quilamento
da própria força de trabalho. 444 Ela prolonga o tempo de produção do trabalhador num prazo determinado mediante o encurta-mento
de seu tempo de vida. O valor da força de trabalho compreende, entretanto, o valor das
mercadorias necessárias para a reprodução do trabalhador ou a pro-pagação da classe trabalhadora. Portanto, se esse prolongamento an-tinatural
da jornada de trabalho, a que o capital visa em seu impulso desmedido de autovalorização, encurta o período de vida dos trabalha-dores
individuais e com isso a duração de sua força de trabalho, torna-se necessária a mais rápida substituição dos que foram desgastados. Tor-na-
se portanto necessário incluir custos maiores de depreciação na re-


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379
* Glutonaria. (N. dos T.)
** Edifício em Londres, lugar de assembléia de sociedades religiosas e filantrópicas. (N. da


Ed. alemã.) *** Em preocupar-se com seu bem-estar corporal. (N. dos T.)


**** A glutonaria é para eles (os trabalhadores) perniciosa. (N. dos T.)
444 "Em nossos relatórios anteriores reproduzimos as constatações de vários fabricantes expe-rientes que afirmam que horas extraordinárias (...) trazem em si, seguramente,
o perigo


de exaurir prematuramente a força de trabalho dos seres humanos." (Op. cit. 64, p. XIII.)
362#
produção da força de trabalho, do mesmo modo como a parte do valor que tem de reproduzir-se diariamente de uma máquina é tanto maior
quanto mais rápido seja o seu desgaste. Parece, portanto, como sendo do próprio interesse do capital uma jornada normal de trabalho.
O senhor de escravos compra seu trabalhador como ele compra seu cavalo. Com o escravo, ele perde um capital que tem que ser reposto,
mediante nova despesa no mercado de escravos. Porém
"os campos de arroz da Geórgia e os pântanos do Mississípi podem exercer fatalmente sua ação destruidora sobre a constituição hu-mana;


apesar de tudo, esse desperdício de vida humana não é tão grande que não possa ser reparado pelas pujantes reservas
de Virgínia e Kentucky. Considerações econômicas que poderiam oferecer uma espécie de segurança para o tratamento humano
dos escravos, na medida em que identificam o interesse do senhor com a preservação dos escravos, transformam-se no seu inverso,
após a introdução do tráfego negreiro, em razões para elevar a exploração do escravo ao máximo, pois logo que o lugar de um
escravo possa ser preenchido por suprimentos de reservas es-trangeiras de negros, a duração de sua vida cede em importância
à sua produtividade enquanto ela durar. É por isso uma máxima da economia escravagista, em países de importação de escravos,
que a economia mais eficaz consiste em extrair do gado humano (human chattle) a maior massa possível de trabalho no menor
tempo possível. Justamente nas culturas tropicais, onde os lucros anuais igualam-se com freqüência ao capital global das planta-ções,
a vida dos negros é mais inescrupulosamente sacrificada. É a agricultura das Índias Ocidentais, há séculos berço de ri-quezas
fabulosas, que tem devorado milhões de homens da raça africana. Atualmente é em Cuba, cujas rendas contam-se por
milhões e cujos plantadores são verdadeiros príncipes, onde ve-mos, além da alimentação mais grosseira e da faina mais esgo-tante
e interminável, boa parte da classe escrava ser cada ano destruída diretamente pela tortura lenta do sobretrabalho e da
falta de sono e de descanso". 445
Mutato nomine de te fabula narratur! 446 Leia-se, em vez de mer-cado de escravos, mercado de trabalho, em vez de Kentucky e Virgínia,


Irlanda e os distritos agrícolas da Inglaterra, Escócia e País de Gales, em vez de África, Alemanha! Ouvimos como o sobretrabalho dizima
em Londres os empregados das padarias, e apesar disso o mercado de trabalho londrino está sempre abarrotado de alemães e de outros can-


OS ECONOMISTAS


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445 CAIRNES. Op. cit., p. 110-111. 446 Sob outro nome, aqui é narrado de ti. — HORÁCIO. Sátiras. Livro Primeiro. Sát. 1. (N.
da Ed. Alemã.)
363#
didatos à morte na panificação. A cerâmica, conforme vimos, é um dos ramos industriais em que a vida é mais curta. Faltam, por isso, cera-mistas?
Josiah Wedgwood, o inventor da cerâmica moderna, um simples trabalhador de origem, declarou em 1785 perante a Câmara dos Co-muns
que toda a manufatura ocupava de 15 mil até 20 mil pessoas. 447 No ano de 1861, só a população dos centros urbanos dessa indústria
na Grã-Bretanha elevava-se a 101 302 pessoas.
"A indústria de tecelagem de algodão conta 90 anos. (...) Du-rante três gerações da race inglesa, ela devorou nove gerações


de trabalhadores algodoeiros." 448
Certamente em algumas épocas de prosperidade febril, o mercado de trabalho mostrou lacunas preocupantes. Assim, por exemplo, em


1834. Os senhores fabricantes, porém, propuseram então aos Poor Law Commissioners 449 de mandar para o Norte "o excesso de população"
dos distritos agrícolas, com a explicação de que "os fabricantes os ab-sorveriam e consumiriam". Essas foram suas próprias palavras. 450


"Foram designados agentes para Manchester, com a autoriza-ção dos Poor Law Commissioners. Foram preparadas listas de
trabalhadores agrícolas e entregues a esses agentes. Os fabri-cantes acorriam aos escritórios e depois de escolher o que lhes
convinha, as famílias foram despachadas do sul da Inglaterra. Essas encomendas de gente foram transportadas com etiquetas
como fardos de mercadorias, por via fluvial ou por carros de carga. Alguns foram a pé e muitos deles vagueavam perdidos e meio
mortos de fome pelos distritos industriais. Isso tornou-se um ver-dadeiro ramo de comércio. A Câmara dos Comuns terá dificuldade
em acreditar nisso. Esse comércio regular, esse tráfico de carne humana prosseguiu, essa gente foi comprada e vendida pelos
agentes de Manchester aos fabricantes de Manchester tão regu-larmente como os negros aos plantadores de algodão dos Estados
sulinos. (...) O ano de 1860 marca o apogeu da indústria de al-godão. (...) Faltaram novamente braços. Os fabricantes voltaram-se
outra vez para os agentes de carne humana (...) e estes es-quadrinharam as dunas de Dorset, as colinas de Devon e as
planícies de Wilts, mas a população excedente já fora devorada."
O Bury Guardian 451 se lamentou que, após a conclusão do acordo


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381
447 WARD, John. History of the Borough of Stoke-upon-Trent etc. Londres, 1843. p. 42. 448 Discurso de Ferrand na "House of Commons" * de 27 de abril de 1863.
* Câmara dos Comuns. (N. dos T.)
449 Comissários das Leis dos Pobres. (N. dos T.) 450 That the manufacturers would absorb it and use it up. Those were the very words used by


the cotton manufacturers. (Op. cit.) 451 Periódico inglês. (N. dos T.)
364#
de comércio anglo-francês, poderiam ser absorvidos 10 mil braços adi-cionais e, em breve, mais de 30 ou 40 mil viriam a ser necessários.
Em 1860, depois de os agentes e subagentes do comércio de carne terem varrido os distritos agrícolas quase sem resultado, "uma dele-gação
de fabricantes dirigiu-se ao sr. Villiers, presidente do Poor Law Board, 452 solicitando que permitisse de novo o fornecimento de crianças
pobres e órfãs das workhouses". 453, 454 O que a experiência em geral mostra ao capitalista é uma su-perpopulação
constante, isto é, superpopulação em relação à necessi-dade momentânea de valorização do capital, apesar de que seu fluxo
seja constituído de gerações humanas atrofiadas, cuja vida se consome depressa, que rapidamente se suplantam, como se fossem, por assim


OS ECONOMISTAS


382
452 Junta da Lei dos Pobres. (N. dos T.) 453 Casas de trabalho. (N. dos T.)
454 Op. cit. Villiers, apesar da melhor vontade, estava "legalmente" obrigado a recusar as pretensões dos fabricantes. Esses senhores, entretanto, conseguiram seus
objetivos graças
à condescendência das administrações locais dos pobres. O senhor A. Redgrave, inspetor de fábricas, assegura que desta vez o sistema segundo o qual órfãos e crianças
de paupers*
eram "legalmente" considerados apprentices (aprendizes) "não foi acompanhado dos velhos abusos" — (sobre esses "abusos" compare ENGELS. Op. cit.) — se bem que em
um caso
ocorresse "abuso com o sistema, em relação a meninas e jovens julheres, que foram trazidas dos distritos agrícolas da Escócia para Lancashire e Cheshire". De acordo
com esse "sistema",
o fabricante faz um contrato com os administradores das casas dos pobres por períodos determinados. Ele alimenta, veste e aloja as crianças e lhes dá uma pequena
soma em
dinheiro. Soa um tanto estranha a seguinte observação do Sr. Redgrave, sobretudo se se considera que o ano de 1860 foi um ano único, mesmo entre os anos de prosperidade
da
indústria algodoeira inglesa, e que, além disso, os salários então estavam altos, pois que a extraordinária demanda por trabalho se chocou com o despovoamento da
Irlanda e com
uma corrente de emigração sem precedente dos distritos agrícolas da Inglaterra e Escócia, para a Austrália e América, com um decréscimo positivo da população em
alguns distritos
agrícolas ingleses, resultante, em parte, do aniquilamento, obtido com sucesso, das energias vitais, em parte, pelo esgotamento prematuro da população disponível,
pelos comerciantes
de carne humana. E apesar de tudo isso, diz o Sr. Redgrave: "Este gênero de trabalho' (das crianças das casas dos pobres) "é, entretanto, somente procurado quando
não se pode en-contrar
nenhum outro, pois é trabalho caro (high priced labour). O salário comum para um menino de 13 anos é aproximadamente 4 xelins por semana; porém alojar, vestir e
alimentar 50 a 100 meninos destes, com assistência médica e com supervisão adequada, dando-lhes, além disso, uma pequena remuneração em dinheiro, não é algo que
se possa
conseguir por 4 xelins por cabeça, semanalmente". (Rep. of the Insp. of Fact. for 30th April 1860. p. 27.) O Sr. Redgrave esqueceu-se de dizer como o próprio trabalhador
pode dar
tudo isso a seus filhos com seus 4 xelins de salário, se o fabricante não pode fazê-lo para 50 ou 100 jovens que são alojados, nutridos e supervisionados coletivamente.
Para evitar
que se tirem falsas conclusões do texto, devo observar que a indústria algodoeira da In-glaterra, desde que foi submetida à Factory Act de 1850, com a sua regulamentação
do
tempo de trabalho etc., deve ser considerada a indústria modelar da Inglaterra. O trabalhador da indústria algodoeira da Inglaterra está, sob todos os pontos de
vista, melhor que seu
companheiro de infortúnio no continente: "O trabalhador prussiano de fábrica trabalha pelo menos 10 horas por semana mais que seu rival inglês e quando trabalha
em casa, em seu
próprio tear, desaparece até mesmo esse limite colocado às suas horas de trabalho adicional". (Rep. of Insp. of Fact. 31st Oct. 1855. p. 103.) O acima referido inspetor
de fábricas Redgrave
viajou depois da exposição industrial de 1851 pelo continente, visitando especialmente a França e a Prússia, para lá investigar as condições das fábricas. Sobre
o trabalhador de
fábrica prussiano ele relata: "Recebe um salário que chega para lhe proporcionar a alimen-tação simples e o pequeno conforto a que está acostumado e com o que se
satisfaz. (...) Ele
vive pior e trabalha mais duramente que seu rival inglês". (Rep. of Insp. of Fact., 31st Oct. 1853. p. 85).
365#
dizer, colhidas prematuramente. 455 Entretanto, a experiência demons-tra ao observador entendido, por outro lado, quão rápida e profunda-mente
a produção capitalista, que historicamente considerada data qua-se de ontem, afetou a força do povo em sua raiz vital, como a dege-neração
da população industrial é retardada apenas pela contínua ab-sorção de elementos vitais naturalmente desenvolvidos no campo, e
como mesmo os trabalhadores rurais, apesar do ar livre e do principle of natural selection, 456 tão poderoso entre eles, que só permite sobre-viverem
os indivíduos mais fortes, já começam a fenecer. 457 O capital, que tem tão "boas razões" para negar os sofrimentos da geração tra-balhadora
que o circunda, é condicionado em seu movimento prático pela perspectiva de apodrecimento futuro da humanidade e, por fim,
do incontrolável despovoamento tão pouco ou tanto como pela possível queda da Terra sobre o Sol. Em qualquer malandragem com ações
ninguém ignora que um dia a casa cai, porém todos confiam que ela cairá sobre a cabeça do próximo, após ele próprio ter colhido a chuva
de ouro e a posto em segurança. Après moi le déluge! 458 é a divisa de todo capitalista e toda nação capitalista. O capital não tem, por isso,
a menor consideração pela saúde e duração de vida do trabalhador, a não ser quando é coagido pela sociedade a ter consideração. 459 À queixa
sobre degradação física e mental, morte prematura, tortura do sobre-trabalho, ele responde: Deve esse tormento atormentar-nos, já que ele
aumenta o nosso gozo (o lucro)? 460 De modo geral, porém, isso também


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383
455 "Os forçados ao sobretrabalho morrem com estranha rapidez; mas os lugares daqueles que sucumbem são imediatamente preenchidos, e uma troca freqüente de pessoas
não traz
nenhuma alteração à cena." WAKEFIELD, E. G. England and America. Londres, 1833. t. I, p. 55.)
456 Princípio de seleção natural. (N. dos T.) 457 Ver Public Health, Sixth Report of the Medical Officer of the Privy Council. 1863. Publicado
em Londres, 1864. Pois esse relatório trata dos trabalhadores agrícolas. "Tem-se apresentado o condado de Sutherland como um condado muito melhorado, mas uma investigação
mais
recente descobriu que, em distritos outrora famosos pelos seus belos homens e soldados corajosos, que os habitantes degeneraram numa race [raça] magra e atrofiada.
Nos lugares
mais saudáveis, nas encostas que dão para o mar, os rostos das crianças são finos e pálidos como só podem sê-lo na atmosfera viciada de uma viela de Londres." (THORNTON.
Op.
cit., p. 74-75.) Equiparam-se, de fato, aos 30 mil "gallant Highlanders" * que vivem promis-cuamente com prostitutas e ladrões nos wynds e closes ** de Glasgow.
* Galantes montanheses. (N. dos T.)
** Ruas e pátios. (N. dos T.)


458 Depois de mim, o dilúvio. — Essas palavras teriam sido ditas pela marquesa de Pompadour quando alguém da Corte externou a preocupação de que os constantes festins
e festividades


luxuosos teriam por conseqüência forte aumento da dívida pública da França. (N. da Ed. Alemã.) 459 "Embora a saúde da população seja um elemento tão importante do
capital nacional, re-ceamos
ter de confessar que os capitalistas não se sentem inclinados a conservar e zelar por esse tesouro e dar-lhe valor. (...) A consideração pela saúde dos trabalhadores
foi
imposta aos fabricantes." (Times, 5 de novembro de 1861.) "Os homens de West Riding tornaram-se os produtores de tecidos da humanidade (...) a saúde dos trabalhadores
foi
sacrificada, e a race teria degenerado dentro de algumas gerações, mas ocorreu uma reação. As horas de trabalho das crianças foram limitadas etc." (Twenty-second
Annual Report of
the Registrar-General. 1861.) 460 GOETHE. An Suleika. (N. da Ed. Alemã.)
366#
não depende da boa ou da má vontade do capitalista individual. A livre-concorrência impõe a cada capitalista individualmente, como leis
externas inexoráveis, as leis imanentes da produção capitalista. 461
O estabelecimento de uma jornada normal de trabalho é o re-sultado de uma luta multissecular entre capitalista e trabalhador. En-tretanto,


a história dessa luta mostra duas tendências opostas. Com-pare-se, por exemplo, a legislação fabril inglesa de nosso tempo com
os estatutos ingleses do trabalho do século XIV até bem na metade do século XVIII. 462 Enquanto a moderna lei fabril reduz compulsoria-mente
a jornada de trabalho, aqueles estatutos procuravam compul-soriamente
prolongá-la. Sem dúvida, as pretensões do capital, em seu estado embrionário, quando ele ainda virá a ser, portanto, em que


ainda não assegura mediante a simples força das condições econômicas, mas também mediante a ajuda do poder do Estado, seu direito de
absorver um quantum suficiente de mais-trabalho parecem até modes-tas, se as compararmos com as concessões que ele tem de fazer rosnando
e resistindo, em sua idade adulta. Custou séculos para que o traba-lhador "livre", como resultado do modo de produção capitalista desen-volvido,
consentisse voluntariamente, isto é, socialmente coagido, em vender todo o seu tempo ativo de sua vida, até sua própria capacidade
de trabalho, pelo preço de seus meios de subsistência habituais, e seu direito à primogenitura por um prato de lentilhas. É natural, portanto,
que a prolongação da jornada de trabalho, que o capital procura impor aos trabalhadores adultos por meio da força do Estado, da metade do
século XIV ao fim do século XVII, coincida aproximadamente com a limitação do tempo de trabalho que, na segunda metade do século XIX,
é imposta pelo Estado, aqui e acolá, à transformação de sangue infantil em capital. O que hoje, por exemplo, no Estado de Massachusetts, até
recentemente o Estado mais livre da República Norte-Americana, é


OS ECONOMISTAS


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461 Assim, verificamos, por exemplo, que no começo de 1863, 26 firmas, proprietárias de grandes cerâmicas em Staffordshire, entre elas J. Wedgwood e Filhos, num
memorial pedem "a
enérgica intervenção do Estado". A "concorrência com outros capitalistas" não lhes permite nenhuma limitação "voluntária" do tempo de trabalho das crianças etc.
"Por mais que
lamentemos os males acima mencionados, seria impossível impedi-los por meio de qualquer espécie de acordo entre os fabricantes. (...) Considerando todos esses pontos,
chegamos à
convicção de que é necessária uma lei coativa." (Children's Emp. Comm., Rep. I. 1863. p. 322.) Um exemplo muito mais expressivo ofereceu o passado recente. A alta
dos preços do
algodão, numa época de atividade febril, induziu os proprietários de tecelagens de algodão em Blackburn, mediante acordo geral, a reduzir o tempo de trabalho em
suas fábricas por
determinado prazo. O prazo terminou em fins de novembro (1871). Entrementes, os fabri-cantes mais ricos, que combinam fiação com tecelagem, aproveitaram a queda
de produção
decorrente desse acordo, para expandir seu próprio negócio, alcançando assim grandes lucros à custa dos pequenos mestres. Estes últimos, vendo-se em apuros, voltaram-se
para os
operários fabris e incitaram-nos a tomar a sério a agitação pela jornada de 9 horas, pro-metendo-lhes para esse fim contribuições em dinheiro.
462 Esses estatutos dos trabalhadores, que havia na mesma época na França, na Holanda etc., foram abolidos formalmente na Inglaterra somente em 1813, depois de as
condições de
produção já os terem, há muito, superado.
367#
proclamado como limite estatal do trabalho de meninos com menos de
12 anos, era a jornada normal de trabalho na Inglaterra, ainda na
metade do século XVII, para artesãos em pleno vigor, para robustos
servos do campo e para gigantescos ferreiros. 463 O primeiro Statute of Labourers 464 (23 Edward III, 1349) encon-trou


seu pretexto imediato (não sua causa, pois esse tipo de legislação
prosseguiu durante séculos sem o pretexto) na grande peste 465 que dizimou a população a tal ponto que, como diz um escritor tory, "a


dificuldade de encontrar trabalhadores a preços razoáveis" (isto é, a
preços que deixem para seus empregadores um quantum razoável de mais-trabalho) "para se pôr no trabalho tornou-se, de fato, insuportá-vel".


466 Salários razoáveis foram, portanto, ditados por força da lei,
assim como os limites da jornada de trabalho. O último ponto, que é
o único que nos interessa aqui, foi repetido no estatuto de 1496 (sob Henry VII). A jornada de trabalho para todos os artesãos (artificers)


e trabalhadores agrícolas, de março até setembro, deveria durar naquele tempo, o que entretanto nunca se pôs em prática, das 5 horas da
manhã até entre 7 e 8 da noite. Mas o tempo para as refeições era
de 1 hora para o café da manhã, 1 1/ 2 hora para o almoço e 1/ 2 hora para a merenda das 4 horas, portanto justamente o dobro do previsto


segundo a lei fabril, agora em vigor. 467 No inverno, devia-se trabalhar das 5 da manhã até o escurecer, com as mesmas interrupções. Um


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385
463 "Não é permitido empregar nenhuma criança com menos de 12 anos diariamente por mais de 10 horas numa fábrica." (General Statutes of Massachusetts. Cap. 60, §3.
As ordenanças
foram promulgadas a partir de 1836 até 1858.) "Trabalho que foi realizado num espaço de 10 horas diariamente em todas as fábricas de algodão, lã, seda, papel, vidros,
linho ou em
usinas de aço e outros metais, deve ser considerado, no sentido da lei, como jornada de trabalho. Fica legalmente estabelecido que, de agora em diante, nenhum menor
de idade,
que for empregado em qualquer fábrica, poderá ser retido ou exigido que trabalhe mais de 10 horas diariamente ou 60 horas semanais; além disso, que no futuro nenhum
menor
de 10 anos deverá ser empregado como trabalhador numa fábrica do território deste Estado." (State of New Jersey. An Act to Limit the Hours of Labour etc. § 1 e 2.
Lei de 18 de março
de 1851.) "Nenhum menor entre 12 e 15 anos deverá ser empregado em qualquer fábrica mais de 11 horas diárias ou antes das 5 horas da manhã ou depois das 7 1/ 2 da
noite."
(Revised Statutes of the State of Rhode Island etc. Cap. 139, § 23, de 1º de julho de 1857.) 464 Estatuto de Trabalhadores. (N. dos T.)
465 Terrível epidemia de peste, também chamada morte negra, que de 1347 até 1350 devastou a Europa ocidental. Dessa peste morreram cerca de 25 milhões de pessoas,
isto é, 1/ 4 da
população européia total daquela época. (N. da Ed. Alemã.) 466 [BYLES, J. B.] Sophisms of Free Trade. 7ª ed., Londres, 1850. p. 205. O mesmo tory admite,
de resto, que "atos parlamentares que regulavam os salários contra os trabalhadores e em favor dos empregadores vigoravam durante o longo período de 464 anos. A
população
cresceu. Essas leis tornaram-se supérfluas e incômodas". (Op. cit., p. 206.) 467 Com referência a esse estatuto, observa com acerto J. Wade: "Do estatuto de 1496
se deduz
que a alimentação equivalia a 1/ 3 da receita de um artífice e a 1/ 2 da receita de um trabalhador agrícola, o que indica maior grau de independência dos trabalhadores
que o
que prevalece hoje, quando a alimentação do trabalhador agrícola industrial representa uma proporção muito maior do seu salário". (WADE, J. Op. cit., p. 24, 25 e
577.) A opinião
de que essa diferença seja talvez devida à diferença na relação de preços entre alimentos e peças de vestuário, agora e antigamente, é refutada pela mais superficial
consulta de Chronicon
Preciosum etc. By Bishop Fleetwood, 1ª ed., Londres, 1707; 2ª ed., Londres, 1745.
368#
estatuto da rainha Elizabeth, de 1562, para todos os trabalhadores "ajustados por salário diário ou semanal" deixa a duração da jornada
de trabalho intocada, mas procura limitar os intervalos a 2 1/ 2 horas no verão e 2 no inverno. O almoço deveria durar apenas 1 hora e a
"sesta da tarde de 1/ 2 hora" é permitida somente entre meados de maio e agosto. Para cada hora de falta ao trabalho deve-se deduzir 1
pêni (aproximadamente 8 pfennig) do salário. Na prática, entretanto, as condições eram muito mais favoráveis aos trabalhadores do que no
texto dos estatutos. O pai da Economia Política e de certo modo o inventor da Estatística, William Petty, diz em um escrito, que publicou
no último terço do século XVII:
"Trabalhadores" (labouring men de fato então trabalhadores agrícolas) "trabalham 10 horas diariamente e tomam 20 refeições


por semana, a saber, 3 refeições diárias nos dias de trabalho e aos domingos 2; por aí vê-se claramente que, se eles quisessem
jejuar sexta-feira à noite e quisessem almoçar durante 1 1/ 2 hora, em vez de gastarem 2 nessa refeição, como atualmente, das 11
da manhã à 1, se portanto trabalhassem 1/ 20 mais e consumissem 1/ 20 menos, poder-se-ia conseguir o décimo do imposto acima
referido." 468
Não tinha razão o dr. Andrew Ure ao denunciar a lei das 12 horas, de 1833, como retrocesso à Idade das Trevas? É verdade que


as normas contidas nos estatutos e mencionadas por Petty valem tam-bém para os apprentices (aprendizes). Qual, no entanto, era a situação
do trabalho infantil ainda no final do século XVII, percebe-se da se-guinte reclamação:


"Nossa juventude, que na Inglaterra não faz absolutamente nada até a época de se tornar aprendizes e então, naturalmente,
precisa de longo tempo — 7 anos — para se formar como artesãos completos".


Louva-se, ao contrário, a Alemanha, porque lá as crianças, desde o berço, são "educadas para ao menos um pouquinho de trabalho". 469


OS ECONOMISTAS


386
468 PETTY, W. Political Anatomy Of Ireland 1672, ed. 1691. p. 10. 469 A Discourse on the Necessity of Encouraging Mechanick Industry. Londres, 1690. p. 13.
Macaulay, que falsificou a história inglesa no interesse dos whigs e da burguesia, declama como segue: "A prática de pôr crianças a trabalhar prematuramente prevalecia
no século
XVII num grau quase inacreditável para a situação de então da indústria. Em Norwich, o centro principal da indústria de lã, considerou-se uma criança de 6 anos apta
para o trabalho.
Diversos escritores daquele tempo, entre eles alguns que passaram por muito benevolentes, mencionaram como exultation (encanto) o fato de que meninos e meninas,
naquela cidade,
criavam uma riqueza que ultrapassava o valor de sua subsistência em 12 mil libras esterlinas por ano. Quanto mais exatamente examinamos a história do passado, mais
razão encon-tramos
para discordar daqueles que sustentam ser a nossa época fértil em novos males sociais. O que é novo é a inteligência que descobre os males e a humanidade que os
cura".
(History of England, v. I, p. 417.) Macaulay poderia continuar relatando que "os extraor-
369#
Ainda durante a maior parte do século XVIII, até a época da grande indústria, o capital, na Inglaterra, não havia conseguido, me-diante
pagamento do valor semanal da força de trabalho, apossar-se de toda a semana do trabalhador, constituindo exceção, entretanto, os
trabalhadores agrícolas. A circunstância de que eles podiam viver uma semana toda com o salário de 4 dias não parecia aos trabalhadores
razão suficiente para trabalhar também os outros 2 dias para o capi-talista. Parte dos economistas ingleses, a serviço do capital, denunciou
furiosamente essa obstinação, outra parte defendia os trabalhadores. Ouçamos, por exemplo, a polêmica entre Postlethwayt, cujo dicionário
do comércio gozava então da mesma fama que hoje em dia gozam os escritos semelhantes de MacCulloch e MacGregor, e o já anteriormente
citado autor do Essay on Trade and Commerce. 470
Postlethwayt diz entre outras coisas:
"Não posso encerrar essas breves observações sem registrar o comentário trivial na boca de muitos, que quando o trabalhador


(industrious poor) pode conseguir o suficiente em 5 dias para viver, ele não deseja trabalhar os 6 dias completos. Daí concluem
pela necessidade de encarecer, por meio de impostos ou de qual-quer outra medida, mesmo os meios de subsistência necessários
a fim de forçar o artesão e o trabalhador da manufatura a tra-balhar ininterruptamente 6 dias por semana. Tenho de pedir
permissão para discordar desses grandes políticos que se batem pela perpétua escravização da população trabalhadora deste reino


MARX


387
dinariamente benévolos" amis du commerce no século XVII contam com exultation como uma criança de 4 anos fora empregada num asilo para pobres na Holanda e que esse
exemplo da "vertu mise en pratique" * transita em todos os escritos humanitários à la Ma-caulay, até a época de Adam Smith. É certo que com a chegada da manufatura,
em con-traposição
aos ofícios, mostram-se traços da exploitation ** de crianças, que até certo grau já existia entre os camponeses, e tanto mais desenvolvido quanto mais duro o jugo
que
recai sobre o homem do campo. A tendência do capital é inequívoca, mas os fatos mesmos apresentam-se ainda tão isolados, como o aparecimento de crianças de duas
cabeças. Por
isso, foram assinalados com "exultação" por clarividentes amis du commerce como dignos de atenção e admiração, sendo recomendados a seus contemporâneos e à posteridade
que
os imitassem. O mesmo sicofanta e beletrista escocês Macaulay diz: "Ouve-se hoje apenas de retrocesso e vê-se somente progresso". Que olhos e sobretudo que ouvidos!
* Virtude colocada em prática. (N. dos T.)
** Exploração. (N. dos T.)


470 Entre os acusadores dos trabalhadores, o mais furioso é o autor anônimo mencionado no texto, de An Essay on Trade and Commerce: Containing Observation on Taxation
etc.


Londres, 1770. Anteriormente já, em seu escrito Consideration on Taxes. Londres, 1765. Também Polonius Arthur Young, o inefável tagarela estatístico, segue na mesma
linha.
Entre os defensores dos trabalhadores destacam-se: Jacob Vanderlint em Money Answers all Things, Londres, 1734, Rev. Nathaniel Forster, D. D. em An Enquiry into
the Causes
of the Present [High] Price of Provisions, Londres, 1767, dr. Price e sobretudo também Postlethwayt, tanto num suplemento ao seu Universal Dictionary of Trade and
Commerce
quanto em Great Britain's Commercial Interest Explained and Improved, 2ª ed., Londres, 1759. Os fatos mesmos encontram-se constatados por muitos outros autores contemporâneos,
entre outros, por Josiah Tucker.
370#
(the perpetual slavery of the working people); eles esquecem o provérbio de que all work and no play (apenas trabalho e ne-nhuma
diversão) imbeciliza. Não se vangloriam os ingleses da genialidade e habilidade de seus artífices e trabalhadores em
manufaturas, que até agora proporcionaram crédito e fama em geral às mercadorias britânicas? A que circunstâncias se deveu
isso? Provavelmente a nenhuma outra, a não ser o modo peculiar como nosso povo trabalhador, com seus próprios meios, sabe se
divertir. Se eles estivessem obrigados a trabalhar o ano inteiro, todos os 6 dias da semana, em constante repetição da mesma
atividade, isso não sufocaria sua genialidade, não se tornariam estúpidos e lerdos em lugar de alertas e hábeis; não perderiam
nossos trabalhadores, em conseqüência dessa eterna escravidão, seu renome, em vez de conservá-lo? (...) Que espécie de habilidade
artística se poderia esperar de animais estafados (hard driven animals)? (...) Muitos deles realizam em 4 dias de trabalho o que
um francês executa em 5 ou 6. Mas se os ingleses devem ser transformados em trabalhadores forçados, há de se temer que
eles degenerem (degenerate) mais que os franceses. Se nosso povo é famoso por causa de sua valentia na guerra, não dizemos que
isso é devido, por um lado, ao bom roastbeef e pudding 471 ingleses em seu corpo, por outro lado não menos ao nosso espírito cons-titucional
de liberdade? E por que não se deveriam a maior ge-nialidade, energia e habilidade de nossos artífices e trabalhadores
de manufatura à liberdade com que se divertem à sua maneira? Eu espero que eles nunca mais percam esses privilégios e nem
a boa vida, da qual decorrem, na mesma medida, sua engenho-sidade e sua coragem". 472


A isso responde o autor do Essay on Trade and Commerce:
"Se se considera uma instituição divina descansar o sétimo dia da semana, isso implica que os demais dias pertencem ao


trabalho" (ele quer dizer ao capital, como logo se verá) "e não pode ser considerado cruel obrigar-se o cumprimento desse man-damento
de Deus. (...) Que a humanidade em geral tende, por natureza, para a comodidade e indolência, comprova a experiência
fatal com o comportamento de nossa plebe da manufatura, que não trabalha, em média, mais que 4 dias por semana, salvo no
caso de encarecimento dos meios de subsistência. (...) Suponha-se que 1 bushel de trigo represente todos os meios de subsistência
do trabalhador e que custe 5 xelins, ganhando o trabalhador pelo seu trabalho diariamente 1 xelim. Ele precisa, então, trabalhar


OS ECONOMISTAS


388
471 Rosbife e pudim. (N. dos T.) 472 POSTLETHWAYT. Op. cit. "First Preliminary Discourse". p. 14.
371#
simplesmente 5 dias na semana; apenas 4, se o bushel custa 4 xelins. (...) Mas como neste reino o salário está muito mais alto,
comparado com os preços dos meios de subsistência, o trabalhador da manufatura, que somente trabalha 4 dias, possui um excedente
de dinheiro, com o qual vive o resto da semana na ociosidade. (...) Espero que tenha dito o suficiente para tornar claro que o
trabalho comedido durante os 6 dias da semana não é nenhuma escravidão. Nossos trabalhadores agrícolas fazem isso e são, con-forme
toda aparência, os mais felizes entre os trabalhadores (la-bouring poor), 473 mas os holandeses fazem isso nas manufaturas
e parecem um povo muito feliz. Os franceses o fazem, na medida em que não se interponham muitos feriados. 474 (...) Porém nossa
plebe meteu na cabeça a idéia fixa de que, como ingleses, per-tence-lhes por direito de nascença o privilégio de serem mais
livres e independentes que" (o povo trabalhador) "em qualquer outro país da Europa. Agora, essa idéia, na medida em que afeta
a coragem de nossos soldados, pode ser de alguma utilidade; en-tretanto, quanto menos os trabalhadores da manufatura tenham
dela, tanto melhor para eles mesmos e para o Estado. Trabalha-dores nunca deveriam considerar-se independentes de seus su-periores
(independents of their superiors). (...) É extraordinaria-mente perigoso encorajar a ralé, num país comercial como o nosso,
onde talvez 7 partes de cada 8 da população têm pouca ou ne-nhuma propriedade. 475 A cura não será completa até que nossos
pobres que trabalham não se resignem a trabalhar 6 dias pela mesma soma que agora ganham em 4 dias". 476


Para tanto, "para a extirpação da preguiça, da licenciosidade e das divagações românticas de liberdade", assim como "para a redução
da taxa dos pobres, para o incentivo do espírito da indústria e rebai-xamento do preço do trabalho nas manufaturas", nosso fiel Eckart do
capital propõe um meio eficaz, a saber, encarcerar trabalhadores que passam a depender da beneficência pública, em uma palavra paupers,
numa "casa ideal de trabalho" (an ideal workhouse).
"É necessário tornar tal casa uma casa de terror (house of


MARX


389
473 An Essay etc. Ele mesmo conta à p. 96 em que consistia já em 1770 "a felicidade" dos trabalhadores agrícolas ingleses. "Suas forças de trabalho (their working
powers) estão
constantemente na máxima tensão (on the stretch); eles não podem viver pior do que o fazem (They cannot live cheaper than they do), nem trabalhar mais duramente
(nor work
harder)". 474 O protestantismo desempenha, mediante sua transformação em dias úteis de quase todos
os feriados tradicionais, importante papel na gênese do capital. 475 An Essay etc. p. 41, 15, 96, 97, 55, 56, 57.
476 Op. cit., p. 69. Jacob Vanderlint declarou já em 1734 que o segredo da queixa capitalista sobre a preguiça do povo trabalhador consistia apenas em que eles exigiam,
pelo mesmo
salário, 6 dias de trabalho em lugar de 4.
372#
terror)." 477 Nesta época "casa de terror", nesse "ideal de trabalho", devem ser trabalhadas "14 horas diariamente, inclusive porém
o tempo adequado para as refeições, de modo que restem 12 horas completas de trabalho." 478


Doze horas de trabalho diário na ideal workhouse, na casa de terror de 1770! Sessenta e três anos depois, em 1833, quando o Par-lamento
inglês reduziu a jornada de trabalho para menores de 13 a 18 anos, em quatro ramos industriais, a 12 horas inteiras de trabalho,
parecia que o dia do juízo final tinha soado para a indústria inglesa. Em 1852, quando L. Bonaparte procurou firmar sua posição junto à
burguesia, mexendo na jornada legal de trabalho, o povo trabalhador francês gritou a uma só boca:


"A lei que reduz a jornada de trabalho a 12 horas é o único bem que nos restou da legislação da República!" 479
Em Zurique, o trabalho de crianças com mais de 10 anos foi limitado a 12 horas; em Argóvia, 1862, o trabalho de crianças entre
13 e 15 anos foi reduzido de 12 1/ 2 a 12 horas, na Áustria, 1860, para crianças entre 14 e 16 anos igualmente a 12 horas. 480 Que "progresso
desde 1770" bradaria Macaulay com exultation!


A "casa de terror" para os pobres, com a qual ainda sonhava a alma do capital em 1770, ergueu-se poucos anos depois como gi-gantesca
"casa de trabalho" para os próprios trabalhadores da ma-nufatura. Chamou-se fábrica. E dessa vez o ideal empalideceu em
face da realidade.


OS ECONOMISTAS


390
477 An Essay etc. p. 242-243: "Such ideal workhouse must be made a 'House of Terror', e não um asilo de pobres onde eles obtêm alimentação farta, agasalhos e boas
roupas e onde só
trabalham pouco". 478 "In this ideal workhouse the poor shall work 14 hours in a day, allowing proper time for
meals, in such manner that there shall remain 12 hours of neat labour." (Op. cit., [p. 260]). "Os franceses", diz ele, "riem de nossas entusiásticas idéias de liberdade."
(Op. cit., p. 78.)
479 "Eles se opunham particularmente a aceitar uma jornada com mais de 12 horas de trabalho, porque a lei que fixou esse número de horas é o único bem que lhes restou
da legislação
da República." (Rep. of Insp. of Fact. 31st Oct. 1855. p. 80.) A lei francesa de 12 horas, de 5 de setembro de 1850, uma versão burguesa do decreto do Governo provisório
de 2 de
março de 1848, aplica-se indistintamente a todas as oficinas. Antes dessa lei, a jornada de trabalho na França era ilimitada. Durava nas fábricas 14, 15 ou mais
horas. Ver Des classes
ouvrières en France, pendant l'année 1848. Par M. Blanqui. O sr. Blanqui, o economista, não revolucionário, estava encarregado dos inquéritos sobre as condições
dos trabalhadores.
480 A Bélgica confirma-se também no que se refere à regulamentação da jornada de trabalho como Estado-modelo burguês. Lord Howard de Walden, plenipotenciário inglês
em Bruxelas,
informa ao Foreign Office em 12 de maio de 1862: "O ministro Rogier informou-me que nem uma lei geral nem regulamentações locais limitam em qualquer forma o trabalho
infantil; que o Governo, nos últimos três anos, alimentou, em cada sessão, a idéia de propor à Câmara uma lei sobre o assunto, que porém encontrou sempre obstáculo
insuperável na
ansiedade ciumenta contra qualquer legislação em contradição com o princípio da perfeita liberdade do trabalho"!
373#
6. A luta pela jornada normal de trabalho. Limitação por força de lei do tempo de trabalho.
A legislação fabril inglesa de 1833/ 64
Depois que o capital precisou de séculos para prolongar a jornada de trabalho até seu limite máximo normal e para ultrapassá-lo até os


limites do dia natural de 12 horas, 481 ocorreu então, a partir do nas-cimento da grande indústria no último terço do século XVIII, um assalto
desmedido e violento como uma avalancha. Toda barreira interposta pela moral e pela natureza, pela idade ou pelo sexo, pelo dia e pela
noite foi destruída. Os próprios conceitos de dia e noite, rusticamente simples nos velhos estatutos, confundiram-se tanto que um juiz inglês,
ainda em 1860, teve de empregar argúcia verdadeiramente talmúdica, para esclarecer "juridicamente" o que seja dia e o que seja noite. 482 O
capital celebrava suas orgias. Logo que a classe trabalhadora, atordoada pelo barulho da pro-dução,


recobrou de algum modo seus sentidos, começou sua resistência, primeiro na terra natal da grande indústria, na Inglaterra. Contudo,
durante três decênios, as concessões conquistadas por ela permanece-ram puramente nominais. O Parlamento promulgou, de 1802 até 1833,
5 leis sobre o trabalho, mas foi tão astuto que não voltou um tostão sequer para sua aplicação compulsória, para os funcionários necessários
etc. 483 Essas leis permaneceram letra morta.
"A verdade é que antes da lei de 1833, crianças e adolescentes tinham de trabalhar (were worked) a noite toda, o dia todo, ou


ambos ad libitum. 484, 485


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391
481 "É por certo muito lamentável que qualquer classe de pessoas seja obrigada a se esfalfar 12 horas diariamente. Adicionando-se as horas das refeições e para ir
e voltar da fábrica,
elas totalizam, de fato, 14 das 24 horas do dia. (...) Abstraindo a saúde, ninguém hesitará, espero, em admitir que do ponto de vista moral essa absorção completa
do tempo das
classes trabalhadoras, sem interrupções, desde a idade dos 13 anos e desde muito antes, nos ramos industriais "livres" é extremamente nefasta e um mal terrível.
(...) No interesse
da moral pública, para a formação de uma população apta e a fim de proporcionar à grande massa do povo razoável gozo da vida, é necessário que em todos os ramos
de atividade
seja reservada uma parte de cada dia de trabalho para descanso e lazer." (HORNER, Leonard. In: Rep. of Insp. of Fact. 31st Dec. 1841.)
482 Ver Judgement of Mr. J. H. Otway, Belfast, Hilary Sessions, County Antrim, 1860. 483 É muito característico para o regime de Louis-Philippe, do roi bourgeois,
* que a única lei
fabril promulgada em seu reinado, de 22 de março de 1841, não foi jamais aplicada. E essa lei refere-se apenas ao trabalho infantil. Estabelece 8 horas para crianças
entre 8 e
12 anos, 12 horas para crianças entre 12 e 16 etc., com muitas exceções que permitem o trabalho noturno até para crianças de 8 anos. Vigilância e imposição da lei
num país, onde
cada rato é administrado policialmente, foram deixadas à boa vontade dos amis du commerce. Somente a partir de 1853, existe um único departamento, no departamento
du Nord, um
inspetor governamental pago. Não menos característico do desenvolvimento da sociedade francesa em geral é o fato de a lei de Louis-Philippe permanecer, até a revolução
de 1848,
como única em meio à fábrica francesa de leis que tudo envolve! * Rei burguês. (N. dos T.)
484 À vontade. (N. dos T.) 485 Rep. of Insp. of Fact. 30th April 1860. p. 50.
374#
Somente a partir da Lei Fabril de 1833 — abrangendo a indústria algodoeira, a indústria do linho e seda — nasceu para a indústria
moderna uma jornada normal de trabalho. Nada caracteriza melhor o espírito do capital que a história da legislação fabril inglesa de 1833
até 1864!
A lei de 1833 declara que a jornada normal de trabalho fabril deveria começar às 5 1/ 2 horas da manhã e terminar às 8 1/ 2 horas
da noite, e dentro desses limites, um período de 15 horas, é legal utilizar adolescentes (isto é, pessoas entre 13 e 18 anos) a qualquer
hora do dia, pressupondo-se sempre que um mesmo adolescente não trabalhe mais que 12 horas num mesmo dia, com exceção para certos
casos especialmente previstos. A 6ª seção da lei determina:
"que no decorrer de cada dia para cada uma dessas pessoas com limitação de tempo de trabalho dever-se-á proporcionar pelo me-nos


1 1/ 2 hora para as refeições".
O emprego de crianças menores de 9 anos, com exceções que mencionaremos mais tarde, foi proibido, o trabalho de crianças entre


9 e 13 anos limitado a 8 horas diárias. Trabalho noturno, isto é, segundo essa lei, trabalho entre 8 1/ 2 horas da noite e 5 1/ 2 horas da manhã,
foi proibido para toda pessoa entre 9 e 18 anos.
Os legisladores estavam tão longe de querer tocar a liberdade do capital na extração da força de trabalho dos adultos, ou como eles
a denominavam, "a liberdade do trabalho", que imaginaram um sistema apropriado para coibir essa horripilante conseqüência da Lei Fabril.


"O grande mal do sistema fabril como é atualmente organizado", diz o primeiro relatório do conselho central da comissão de 25 de
junho de 1833, "consiste na criação da necessidade de estender o trabalho infantil até a duração máxima do trabalho dos adultos. O
único remédio para esse mal, sem limitar o trabalho dos adultos, o que seria um mal maior que o que se pretende evitar, parece ser
o plano de empregar turmas duplas de crianças." 486
Sob o nome de sistema de turnos (system of relays; relay significa tanto em inglês como em francês: troca dos cavalos da posta nas di-ferentes


estações) foi portanto realizado esse "plano" de tal forma que das 5 1/ 2 horas da manhã até a 1 1/ 2 da tarde foi atrelada ao trabalho
uma turma de crianças entre 9 e 13 anos, e da 1 1/ 2 da tarde até as 8 1/ 2 da noite, outra turma etc.
Como recompensa por terem os senhores fabricantes durante os


OS ECONOMISTAS


392
486 Factories Inquiry Commission. First Report of the Central Board of His Majesty's Commis-sioners. Ordered, by the House of Commons, to be Printed, 28 June 1833.
p. 53.
375#
últimos 22 anos ignorado todas as leis promulgadas sobre o trabalho infantil foi-lhes dourada a pílula. O Parlamento determinou que depois
de 1º de março de 1834, nenhuma criança menor de 11 anos, depois de 1º de março de 1835, nenhuma criança menor de 12 anos, e depois
de 1º de março de 1836, nenhuma criança menor de 13 anos devia trabalhar mais que 8 horas numa fábrica. Para o "capital" um "libe-ralismo"
tão indulgente foi tanto mais digno de nota quanto o dr. Farre, sr. A. Carlisle, e Sir B. Brodie, Sir C. Bell, sr. Guthrie etc., enfim, os
mais renomados physicians e surgeons 487 de Londres declararam em seus depoimentos perante a Câmara dos Comuns que existia periculum
in mora. 488 Dr. Farre expressou-se ainda de forma algo mais rude:
"A legislação é igualmente necessária para a prevenção da morte em todas as formas em que ela pode ser prematuramente


infligida, e esse" (modo fabril) "deve ser certamente considerado um dos meios mais cruéis de infligi-la". 489


O mesmo Parlamento "reformado", que por delicadeza para com os senhores fabricantes condenou crianças menores de 13 anos por
ainda longos anos a trabalhar no inferno das fábricas 72 horas por semana, proibiu na lei de emancipação, que também ministrava a li-berdade
em conta-gotas, ao contrário, desde o início, aos plantadores fazerem seus escravos negros trabalhar mais de 45 horas por semana!
Mas de nenhuma forma apaziguado, o capital inaugurou agora, por vários anos, uma estrepitosa agitação. Ela girava principalmente
em torno da idade das categorias que sob o nome de crianças estavam limitadas a 8 horas de trabalho e sujeitas a certa obrigação escolar.
Segundo a antropologia capitalista, a idade infantil acaba aos 10 anos ou quando muito aos 11. Quanto mais próxima a data da vigência da
Lei Fabril, o ano fatal de 1836, tanto mais se enfurecia a corja dos fabricantes. Eles conseguiram, de fato, intimidar tanto o Governo, que
este em 1835 propôs reduzir o limite da idade infantil de 13 para 12 anos. Entrementes, cresceu a pressure from without, 490 ameaçadora-mente.
A coragem falhou à Câmara dos Comuns. Ela recusou-se a lançar sob a roda do Jagrená 491 do capital meninos de 13 anos por


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393
487 Médicos e cirurgiões. (N. dos T.) 488 (" Perigo iminente" — Da obra do historiador romano Tito Lívio. Aburbe Condita. Livro
Trigésimo Oitavo. Cap. 25, verso 13. (N. da Ed. Alemã.) 489 Legislation is equally necessary for the prevention of death in any form in which it can be
prematurely inflicted, and certainly this must be viewed as a most cruel mode of inflicting it. * * "Report from the committee on the 'Bill to regulate the labour
of children in the mills
and factories of the United Kingdom': With the minutes of evidence. Ordered, by the House of Commons, to be printed, 8 August 1832." (N. da Ed. Alemã.)
490 Pressão de fora. (N. dos T.) 491 Juggernaut (Dschagannat). — Uma das formas do deus Vixnu, um dos mais altos dos
deuses hindus. O culto a Jagrená distinguia-se por um ritual particularmente faustoso e por extremo fanatismo religioso, que encontrava sua expressão na automortificação
e no
auto-sacrifício dos fiéis. Nos dias das grandes festividades os fiéis se jogavam sob o carro, sobre o qual se encontrava uma figura de Vixnu-Jagrená. (N. da Ed.
Alemã.)
376#
mais de 8 horas diárias, e a lei de 1833 entrou em pleno vigor. Ela permaneceu sem alterações até junho de 1844.
Durante o decênio no qual esta lei, primeiro parcialmente e depois totalmente, regulou o trabalho fabril, regurgitam os relatórios oficiais
dos inspetores de fábrica de queixas sobre a impossibilidade de sua execução. Uma vez, pois, que a lei de 1833, em verdade, deixava aos
senhores do capital a determinação de quando, durante o período de 15 horas, das 5 1/ 2 da manhã até as 8 1/ 2 da noite, cada "adolescente"
e cada "criança" deveria iniciar, interromper, encerrar a jornada de respectivamente 12 e 8 horas, e também a determinação de horas
distintas de refeição para as diferentes pessoas, esses senhores desco-briram logo um novo "sistema de relays" segundo o qual os cavalos de
trabalho não são mudados em determinadas estações de troca, mas são sempre de novo atrelados em estações alternantes. Nós não nos
deteremos mais na beleza desse sistema, pois que mais tarde teremos de retornar a ele. Em todo caso, fica claro à primeira vista que toda
a Lei Fabril foi por ele revogada, não apenas em seu espírito, mas também em sua letra. Com uma contabilidade tão complicada, como
poderiam os inspetores de fábrica impor o cumprimento do tempo de trabalho legalmente determinado e a concessão do horário legal de
refeições para cada criança e cada adolescente individualmente? Em grande parte das fábricas voltou a florescer impunemente o antigo e
brutal abuso. Em reunião com o Ministro do Interior (1844), os inspe-tores de fábrica demonstraram a impossibilidade de qualquer controle
sob o sistema de turnos tramado recentemente. 492 Entrementes, no entanto, as circunstâncias mudaram muito. Os trabalhadores fabris,
notadamente a partir de 1838, haviam feito da lei das 10 horas sua palavra de ordem eleitoral econômica, como fizeram da Charter 493 sua
palavra de ordem eleitoral política. Mesmo uma parte dos fabricantes que tinha regulado as atividades de suas fábricas de acordo com a lei
de 1833 inundou o Parlamento com memoriais sobre a "concorrência" imoral dos falsos irmãos, aos quais maior atrevimento ou circunstâncias
locais mais felizes permitiam a violação da lei. Além disso, por mais que o fabricante individual quisesse dar livre curso a sua antiga ra-pacidade,
os representantes e dirigentes políticos da classe dos fabri-cantes ordenavam uma atitude diferente e uma linguagem diferente
em face dos trabalhadores. Eles tinham aberto a campanha para a abolição das leis do trigo e precisavam da ajuda dos trabalhadores


OS ECONOMISTAS


394
492 Rep. of Insp. of Fact. 31st October 1849. p. 6. 493 Carta do povo (people's charter) — Um documento que continha as reivindicações dos car-tistas;
foi dado a público em 8 de maio de 1838 como projeto de lei que deveria ser levado ao Parlamento. As reivindicações eram: 1) sufrágio universal (para homens maiores
de 21
anos); 2) eleições anuais do Parlamento; 3) votação secreta; 4) igualdade das circunscrições eleitorais; 5) abolição do censo de fortuna para os candidatos às eleições
ao Parlamento; 6)
remuneração para os membros do Parlamento. (N. da Ed. Alemã.)
377#
para a vitória! Eles prometiam, portanto, não apenas a duplicação do tamanho do pão, 494 mas também a adoção da lei das 10 horas sob o
reinado milenar do free trade. 495 Eles não deviam, portanto, de modo algum, combater uma medida destinada apenas a tornar efetiva a lei
de 1833. Ameaçados em seus mais sagrados interesses, a renda da terra, trovejaram finalmente os tories, filantropicamente indignados
pelas "práticas infames" 496 de seus inimigos. Assim surgiu a Lei Fabril adicional de 7 de junho de 1844. Entrou
em vigor em 10 de setembro de 1844. Ela agrupava uma nova categoria de trabalhadores entre os protegidos, a saber, as mulheres maiores de
18 anos. Elas foram em todos os sentidos equiparadas aos adolescentes, com o tempo de trabalho reduzido a 12 horas, sendo-lhes vedado o
trabalho noturno etc. Pela primeira vez via-se a legislação, portanto, obrigada a controlar direta e oficialmente também o trabalho de pessoas
maiores. No relatório fabril de 1844/ 45 diz-se ironicamente:
"Não chegou ao nosso conhecimento nenhum caso de mu-lheres adultas que se teriam queixado dessa interferência em


seus direitos". 497
O trabalho de crianças menores de 13 anos foi reduzido a 6 1/ 2 horas, e sob determinadas condições, a 7 horas diariamente. 498


Para eliminar os abusos do falso "sistema de turnos", a lei de-terminou entre outros os seguintes detalhes importantes:


"A jornada de trabalho para crianças e adolescentes deve ser contada a partir do momento em que qualquer criança ou ado-lescente
comece a trabalhar na fábrica pela manhã".
De modo que, se A, por exemplo, começa o trabalho às 8 horas da manhã e B às 10 horas, a jornada de trabalho de B deve, entretanto,


terminar na mesma hora que a de A. O começo da jornada de trabalho deve ser marcado por um relógio público, por exemplo, o relógio da
estação ferroviária mais próxima, pelo qual tem de regular-se o sino da fábrica. O fabricante tem de afixar na fábrica um aviso impresso


MARX


395
494 Os partidários da Anti-Corn-Law-League procuravam de forma demagógica convencer os trabalhadores de que com a introdução do livre-câmbio subiriam seu salário
real e dupli-cariam
o filão de pão (big loaf). Para isso, eles traziam pelas ruas, como meio visual, dois filões de pão — um grande e um pequeno — com as correspondentes inscrições.
A realidade
comprovou a mentira dessas promessas. O capital industrial da Inglaterra, que se fortaleceu por meio da revogação das leis do trigo, reforçou seus ataques aos interesses
vitais da
classe trabalhadora. (N. da Ed. Alemã.) 495 Rep. of Insp. of Fact. 31st October 1848. p. 98.
496 De resto, Leonard Horner usa oficialmente a expressão nefarious practices. * (Reports of Insp. of Fact. 31st October 1859. p. 7.)
* Práticas infames. (N. dos T.)
497 Rep. etc. for 30th Sept. 1844. p. 15. 498 A lei permite utilizar crianças por 10 horas, sempre e quando não trabalhem dia após dia,


mas sim em dias alternados. De modo geral essa cláusula ficou sem efeitos.
378#
em letras grandes, no qual são dados o começo, o fim e os intervalos da jornada de trabalho. Crianças que começam seu trabalho da manhã
antes das 12 horas não podem ser utilizadas de novo depois da 1 hora da tarde. O turno da tarde deve, portanto, consistir em outras crianças
que não as do turno da manhã. A 1 1/ 2 hora para a refeição deve ser concedida a todos os trabalhadores protegidos nos mesmos períodos
do dia, pelo menos 1 hora antes das 3 horas da tarde. Crianças ou adolescentes não podem ser empregados mais de 5 horas antes da 1
hora da tarde, sem que tenham pelo menos 1/ 2 hora de pausa para a refeição. Crianças, adolescentes e mulheres não podem permanecer
durante o tempo de nenhuma das refeições em qualquer compartimento da fábrica onde esteja em curso qualquer processo de trabalho etc.
Conforme se viu: essas determinações minuciosas, que regulam o período, limites, pausas no trabalho de modo tão militarmente uni-forme
de acordo com o bater do sino, não eram, de modo algum, produto de alguma fantasia parlamentar. Desenvolveram-se progressivamente
das próprias circunstâncias, como leis naturais do modo de produção moderno. Sua formulação, reconhecimento oficial e proclamação pelo
Estado foram o resultado de prolongadas lutas de classes. Uma de suas conseqüências mais imediatas foi submeter, na prática, a jornada
de trabalho dos operários masculinos adultos aos mesmos limites, uma vez que a cooperação das crianças, dos adolescentes e das mulheres
era imprescindível na maioria dos processos de produção. Em suma, durante o período de 1844/ 47 vigorou geral e uniformemente o dia de
trabalho de 12 horas em todos os ramos industriais submetidos à le-gislação fabril.
Os fabricantes, entretanto, não permitiram esse "progresso" sem um "retrocesso" compensador. Sob pressão deles, a Câmara dos
Comuns reduziu a idade mínima das crianças a serem exploradas de 9 anos para 8, a fim de assegurar o "suprimento adicional de
crianças para as fábricas", 499 devido ao capital por determinação de Deus e de direito.
Os anos de 1846/ 47 fazem época na história econômica da Ingla-terra. Revogam-se as leis do trigo, eliminam-se as tarifas alfandegárias
para o algodão e outras matérias-primas, declara-se o livre-câmbio como a estrela-guia da legislação. Em suma, raiou o império milenar! Por
outro lado, nos mesmos anos, o movimento cartista e a agitação pelas 10 horas alcançaram seus pontos máximos. Encontraram aliados nos
tories sedentos de vingança. Apesar da fanática resistência das hostes perjuras do livre-cambismo, com Bright e Cabden à frente, passou no
Parlamento por tanto tempo almejada a lei das 10 horas.


OS ECONOMISTAS


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499 "Como uma redução de seu tempo de trabalho levaria à necessidade de empregar um número maior" (de crianças), "pensou-se que uma oferta adicional de crianças
em idade
entre 8 e 9 anos cobriria a demanda aumentada." (Op. cit., p. 13.)
379#
A nova Lei Fabril de 8 de junho de 1847 decretava que deveria entrar em vigor, a partir de 1º de julho deste mesmo ano, uma redução
provisória da jornada de trabalho das "pessoas jovens" (de 13 até 18 anos) e de todas as trabalhadoras, para 11 horas, em 1º de maio de
1848, a limitação definitiva a 10 horas. De resto, a lei era apenas um complemento que emendava as leis de 1833 e 1844.
O capital empreendeu uma campanha preliminar para impedir a aplicação total da lei de 1º de maio de 1848. E seriam os próprios
trabalhadores que, supostamente escarmentados pela experiência, de-veriam ajudar a destruir a sua própria obra. O momento foi habilmente
escolhido.
"Deve-se lembrar que, em conseqüência da terrível crise de 1846/ 47, reinava muita miséria entre os trabalhadores fabris,


pois muitas fábricas trabalhavam apenas em tempo reduzido e outras estavam totalmente paralisadas. Considerável número de
trabalhadores encontrava-se sob forte pressão, muitos endivida-dos. Podia-se por isso admitir, com razoável certeza, que prefe-ririam
um tempo de trabalho mais longo, para se refazer das perdas sofridas, talvez pagar dívidas ou resgatar seus móveis da
casa de penhores ou substituir haveres vendidos ou prover de roupas a si mesmos e a suas famílias." 500


Os senhores fabricantes buscaram intensificar os efeitos naturais dessas circunstâncias mediante rebaixamento geral dos salários em
10%. Isso ocorreu, por assim dizer, para festejar a inauguração da nova era do livre-câmbio. Seguiu-se então nova redução de 8 1/ 3%,
logo que a jornada de trabalho foi reduzida a 11 horas, e do dobro, logo que foi reduzida definitivamente a 10 horas. Onde de alguma
forma as circunstâncias o permitiram, teve lugar uma redução dos salários de pelo menos 25%. 501 Sob condições tão favoravelmente pre-paradas
teve início a agitação entre os trabalhadores, em favor da revogação da lei de 1847. Nenhum meio de logro, de sedução e de
ameaça foi desdenhado, tudo porém em vão. Com referência à meia dúzia de petições, nas quais os trabalhadores queixavam-se de "sua
opressão pela lei", os próprios peticionários esclareceram, em interro-gatório oral, que suas assinaturas foram extorquidas.


"Eles estavam oprimidos, mas por alguém outro que não a Lei Fabril." 502


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500 Rep. of Insp. of Fact. 31st Oct. 1848. p. 16. 501 "Verifiquei que pessoas, as quais ganhavam 10 xelins semanalmente, tiveram uma redução
de 1 xelim por conta da rebaixa geral de 10% e 1 xelim e 6 pence dos restantes 9 xelins, por motivo da diminuição do tempo de trabalho, ao todo 2 xelins e 6 pense,
e apesar de
tudo a maioria se manteve firmemente em prol da lei de 10 horas." (Op. cit.) 502 "Quando assinei a petição, declarei na mesma ocasião que eu estava fazendo algo
errado. —
380#
Quanto mais, porém, os fabricantes não conseguiam fazer com que os trabalhadores falassem como eles desejavam, tanto mais alto
gritavam eles mesmos na imprensa e no Parlamento, em nome dos trabalhadores. Eles denunciaram os inspetores de fábricas como uma
espécie de comissários da Convenção, 503 que sacrificavam impiedosa-mente os infelizes trabalhadores às suas quimeras de reforma do mun-do.
Também essa manobra fracassou. O inspetor de fábrica Leonard Horner realizou pessoalmente e por meio de seus subinspetores nu-merosas
tomadas de depoimentos de testemunhas nas fábricas do Lan-cashire. Cerca de 70% dos trabalhadores ouvidos declararam-se pelas
10 horas, uma porcentagem muito menor por 11 e uma insignificante minoria pelas velhas 12 horas. 504
Outra manobra "bondosa" foi deixar os trabalhadores adultos masculinos trabalharem de 12 até 15 horas e então declarar esse fato
como a melhor expressão dos desejos íntimos proletários. Mas o "im-placável" inspetor Leonard Horner estava de novo a postos. A maioria
dos que trabalharam horas extras declarou:
"eles preferiam de longe trabalhar 10 horas por menor salário, mas não tiveram escolha, tantos deles estavam sem trabalho,


tantos fiandeiros estavam obrigados a trabalhar como simples piecers, 505 que, se recusassem o tempo mais longo de trabalho,
outros tomariam imediatamente seus lugares; portanto, a questão para eles era: trabalhar por tempo mais longo ou ficar na rua". 506


A campanha preliminar do capital havia fracassado e a lei das 10 horas entrou em vigor em 1º de maio de 1848. Entrementes, o fiasco
do partido cartista, com seus chefes na cadeia e sua organização ar-rebentada, tinha abalado a autoconfiança da classe trabalhadora in-glesa.
Logo em seguida, a insurreição parisiense de junho e seu afo-gamento em sangue uniram, tanto na Inglaterra quanto na Europa
continental, todas as frações das classes dominantes, proprietários de terra e capitalistas, especuladores da Bolsa e lojistas, protecionistas e
livre-cambistas, governo e oposição, padres e livre-pensadores, jovens


OS ECONOMISTAS


398
Por que então a assinou? — Porque, em caso de recusa, ter-me-iam jogado na rua. — O peticionário sentia-se de fato oprimido, porém não exatamente pela Lei Fabril."
(Op.
cit., p. 102.) 503 Comissários da convenção denominaram-se, durante a Revolução Francesa, os represen-tantes
da Convenção Nacional, com poderes plenos especiais, nos departamentos e nos corpos de tropa. (N. da Ed. Alemã.)
504 Op. cit., p. 17. No distrito do sr. Horner foram assim ouvidos 10 270 trabalhadores adultos masculinos em 181 fábricas. Suas declarações se encontram no apêndice
do relatório fabril
do semestre que termina em outubro de 1848. Esses depoimentos oferecem também sob outros aspectos material valioso.
505 Trabalhadores por peças. 506 Op. cit. Veja as declarações coligidas pelo próprio Leonard Horner, números 69, 70, 71, 72,
92, 93 e também aquelas recolhidas pelo subinspetor A., de números 51, 52, 58, 59, 62, 70 do "Appendix". Um fabricante mesmo confessou toda a verdade. Ver nº 14
e nº 265. Op. cit.
381#
prostitutas e velhas freiras, sob a bandeira comum da salvação da propriedade, da religião, da sociedade! A classe trabalhadora foi por
toda parte proscrita, anatematizada, colocada sob a loi des suspects. 507 Os senhores fabricantes já não precisavam, portanto, se constranger.
Rebelaram-se abertamente não só contra a lei das 10 horas, mas tam-bém contra toda a legislação que a partir de 1833 procurava, de certa
forma, refrear a "livre" exploração da força de trabalho. Foi uma pros-lavery rebellion 508 em miniatura, conduzida durante mais de 2 anos,
com cínica falta de escrúpulos, com energia terrorista, ambas tanto mais baratas quanto o capitalista rebelde nada arriscava além da pele
de seus trabalhadores.
Para a compreensão do que segue deve-se recordar que as Leis Fabris de 1833, 1844 e 1847 estavam todas as três em pleno vigor,


na medida em que uma não emendava a outra; que nenhuma delas limita a jornada do trabalhador do sexo masculino, maior de 18 anos,
e que a partir de 1833 o período de 15 horas, das 5 1/ 2 horas da manhã até as 8 1/ 2 da noite, permanecia o "dia" legal, dentro de cujos
limites devia ser executado inicialmente o trabalho de 12 horas, mais tarde o trabalho de 10 horas, dos adolescentes e das mulheres, sob as
condições legalmente prescritas.
Os fabricantes começaram aqui e ali a despedir uma parte, às vezes metade, dos adolescentes e trabalhadoras empregados por eles


e restauraram o já quase extinto trabalho noturno entre os trabalha-dores masculinos adultos. A lei das 10 horas, bradavam, não lhes dei-xava
outra alternativa. 509
O segundo passo foi dado em relação aos intervalos legais para as refeições. Ouçamos os inspetores de fábrica.


"Desde a limitação das horas de trabalho a 10, os fabricantes, embora não levem praticamente às últimas conseqüências seu
ponto de vista, afirmam que estão cumprindo os preceitos da lei ao concederem, quando se trabalha, por exemplo, das 9 horas da
manhã até as 7 horas da noite, 1 hora para as refeições antes das 9 da manhã e 1/ 2 hora depois das 7 da noite, assim sendo
1 1/ 2 hora para as refeições. Em alguns casos permitem agora 1/ 2 hora ou 1 hora para o almoço, insistindo, porém, que não
são de modo nenhum obrigados a incluir qualquer parte da 1 1/ 2 hora no transcurso da jornada de 10 horas." 510


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507 Lei dos suspeitos — lei sobre medidas para a segurança geral, a qual foi decidida em 19 de fevereiro de 1858 pelo corps législatif (corpo legislativo). A lei
dava ao imperador e seu
governo o direito irrestrito de lançar às prisões ou banir para diferentes lugares da França ou Argélia, ou mesmo para fora de todo o território francês, qualquer
pessoa que fosse
suspeita de ter postura inimiga para com o Segundo Império. (N. da Ed. Alemã.) 508 Rebelião escravista. (N. dos T.)
509 Reports etc. for 31st October 1848. p. 133-134. 510 Reports etc. for 30th April 1848. p. 47.
382#
Os senhores fabricantes afirmavam, portanto, que as determina-ções meticulosas da lei de 1844 sobre as refeições dariam ao trabalhador
apenas a permissão para comer e beber antes de entrar na fábrica e depois de sair dela, ou seja, em casa! E por que não poderiam os
trabalhadores almoçar antes das 9 horas da manhã? Os juristas da Coroa decidiram, entretanto, que as refeições prescritas


"deveriam ser realizadas em pausas da jornada real de trabalho e que era ilegal fazer trabalhar 10 horas sucessivas, das 9 horas
da manhã até as 7 horas da noite sem interrupção." 511
Depois dessas cordiais demonstrações, o capital encaminhou sua revolta através de um passo, o qual correspondia à letra da lei de


1844, sendo portanto legal. A lei de 1844 proibia ocupar crianças de 8 até 13 anos, que
fossem ocupadas pela manhã antes das 12 horas, outra vez depois da 1 hora da tarde. Não regulava, de modo nenhum, entretanto, as 6 1/ 2
horas de trabalho das crianças cujo tempo de trabalho começasse ao meio-dia ou depois! Crianças de 8 anos podiam, portanto, quando co-meçassem
o trabalho ao meio-dia, ser utilizadas das 12 até 1 hora, 1 hora; das 2 horas até as 4 horas da tarde, 2 horas, e das 5 horas até
8 1/ 2 da noite, 3 1/ 2 horas; no total, as 6 1/ 2 horas legais! Ou melhor ainda. Para adaptar sua aplicação à atividade do trabalhador adulto
até as 8 1/ 2 da noite, o fabricante precisava somente não dar-lhes nenhum trabalho antes das 2 horas da tarde e podia mantê-los daí
em diante ininterruptamente na fábrica até as 8 1/ 2 da noite!
"E agora é expressamente admitido que, em virtude da ganância dos fabricantes que querem manter sua maquinaria funcionando


por mais de 10 horas, foi introduzida na Inglaterra a prática de fazer trabalhar crianças de 8 a 13 anos, de ambos os sexos, até as
8 1/ 2 da noite, junto com homens adultos, 512 após todos os adoles-centes e todas as mulheres terem deixado a fábrica."


Trabalhadores e inspetores de fábrica protestaram por motivos higiênicos e morais. O capital, porém, respondeu:
"Que meus atos recaiam sobre minha cabeça! Meu direito exijo eu! A multa e o penhor do meu título!" 513
Na verdade, segundo dados estatísticos apresentados à Câmara dos Comuns em 26 de julho de 1850, apesar de todos os protestos, 3 742
crianças em 257 fábricas estavam submetidas a essa "prática", em 15 de julho de 1850. 514 Ainda não bastava! O olhar de lince do capital


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400
511 Reports etc. for 31st Oct. 1848. p. 130. 512 Reports etc. Op. cit., p. 142.
513 SHAKESPEARE. O Mercador de Veneza. Ato IV. Cena I. (N. da Ed. Alemã.) 514 Reports etc. for 31st Oct. 1850. p. 5-6.
383#
descobriu que a lei de 1844, embora não permitisse trabalhar 5 horas pela manhã sem intervalo de pelo menos 30 minutos para descanso,
nada prescrevia desse gênero para o trabalho à tarde. O capital exigiu e se obstinou no prazer de fazer crianças trabalhadoras de 8 anos não
apenas mourejarem sem descanso, mas também passar fome das 2 horas da tarde até as 8 1/ 2 da noite!


"Sim, o peito, assim diz o título." 515, 516
Esse apego shylockiano à letra da lei de 1844, na parte que regula o trabalho das crianças, deveria somente transmitir a revolta aberta contra
a mesma lei, na parte que regula o trabalho de pessoas jovens e mulheres. Recorda-se que a eliminação do "falso sistema de turnos" constituía o
principal objetivo e o principal conteúdo daquela lei. Os fabricantes inau-guraram sua revolta com a simples declaração de que as seções da lei de
1844 que proibiam o abuso à vontade de adolescentes e mulheres em partes mais curtas e arbitrárias da jornada fabril de 15 horas eram


"comparativamente inofensivos (comparatively harmless) enquan-to a jornada de trabalho estava limitada a 12 horas. Sob a lei das
10 horas representavam uma iniqüidade (hardship) insuportável". 517
Do modo mais frio demonstraram aos inspetores que colocavam-se acima da letra da lei e implantariam de novo, por conta própria, o


velho sistema. 518 E o fariam no interesse dos próprios trabalhadores mal aconselhados,


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515 SHAKESPEARE. O Mercador de Veneza. Ato IV. Cena I. (N. da Ed. Alemã.) 516 A natureza do capital permanece a mesma, tanto em suas formas não desenvolvidas quanto
nas desenvolvidas. No código de leis imposto ao território do Novo México sob a influência dos senhores de escravos pouco antes de rebentar a guerra civil americana,
lê-se: o traba-lhador,
na medida em que o capitalista tenha comprado sua força de trabalho, "é seu (do capitalista) dinheiro". (The labourer is his (the capitalist's) money.) A mesma visão
era
corrente entre os patrícios romanos. O dinheiro que eles adiantavam aos devedores plebeus transformava-se, pelos meios de subsistência, em carne e sangue do devedor.
Essa "carne
e sangue" era, portanto, "seu dinheiro". Daí a lei shylockiana das 10 tábuas! * Que a hipótese de Linguet, ** que os credores patrícios, de tempo em tempo, organizavam
festins com carne
cozida de seus devedores, do outro lado do Tibre, permaneça no mesmo pé que a hipótese de Daumer sobre a Ceia da Eucaristia. ***
* Lei das 10 tábuas — Variante do original da lei das "12 tábuas", do mais antigo monumento
legislativo do Estado escravagista romano. Essa lei protegia a propriedade privada e previa pena de prisão, escravização ou despedaçamento de seu corpo, para o devedor
incapaz de


saldar suas dívidas. Foi o ponto de partida do direito privado romano. (N. da Ed. Alemã.) ** O historiador francês Linguet formula essa hipótese em seu trabalho
Théorie des Loix
Civiles, ou Principes Fondamentaux de la Société. Londres, 1767. t. 2, Livro Quinto. Cap. 20. (N. da Ed. Alemã.)
*** Daumer defendeu em seu trabalho Geheimnisse des christlichen Altertums a hipótese
de que os primeiros cristãos teriam degustado carne humana na Ceia da Eucaristia. (N. da Ed. Alemã.)


517 Reports etc. for 31st Oct. 1848. p. 133. 518 Assim se expressa, entre outros, o filantropo Ashworth numa repugnante carta de quacre
a Leonard Horner. (Rep. Apr. 1849. p. 4.)
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"para poder pagar-lhes melhores salários". "Seria o único plano possível, sob a lei das 10 horas, para manter a supremacia in-dustrial
britânica." 519 "Poderia ser um pouco difícil descobrir ir-regularidades sob o sistema de turnos, mas e daí? (What of that?)
Deve o grande interesse fabril deste país ser tratado como coisa secundária, para poupar aos inspetores e subinspetores fabris
um pouco mais de esforço (some little trouble)?" 520
Todos esses embustes em nada ajudaram, naturalmente. Os ins-petores de fábrica iniciaram procedimentos judiciários. Logo, porém,


tal nuvem de petições dos fabricantes cobriu o ministro do interior, Sir George Grey, que ele, numa circular de 5 de agosto de 1848, instruiu
os inspetores no sentido de
"em geral, não proceder contra a violação da letra da lei, enquanto não houvesse abuso comprovado do sistema de turnos, fazendo


trabalhar adolescentes e mulheres mais de 10 horas".
Em conseqüência, o inspetor J. Stuart permitiu o assim chamado sistema de turnos, durante o período de 15 horas da jornada fabril


em toda a Escócia, onde logo floresceu outra vez, à velha maneira. Os inspetores ingleses, em contraposição, declararam que o ministro não
possuía poder ditatorial para a suspensão das leis e prosseguiram com procedimentos judiciais contra os rebeldes proslavery.
Para que, entretanto, todas aquelas citações perante os tribunais, se os tribunais, os county magistrates, 521 os absolviam? Nesses tribunais
sentavam-se os próprios senhores fabricantes, para julgar a si mesmos. Um exemplo. Um certo Eskrigge, fabricante de fio de algodão, da firma
Kershaw, Leese & Co., apresentou ao inspetor de fábrica de seu distrito o esquema de um sistema de turnos destinado à sua fábrica. Tendo a
decisão sido negativa, manteve-se a seguir passivo. Poucos meses de-pois, um indivíduo de nome Robinson, da mesma forma fabricante de
fios de algodão, e se não o Sexta-Feira, era em todo caso parente do Eskrigge, compareceu perante os borough justices 522 em Stockport por
haver introduzido um sistema de turnos idêntico ao urdido por Es-krigge. Eram 4 juízes, 3 entre eles fabricantes de fios de algodão, tendo
à frente o mesmo indefectível Eskrigge. Eskrigge absolveu Robinson e declarou então que o que era legal para Robinson era permitido a
Eskrigge. Apoiado em sua própria decisão judicial, introduziu imedia-


OS ECONOMISTAS


402
519 Reports etc. for 31st Oct. 1848. p. 138. 520 Op. cit., p. 140.
521 Esses county magistrates, os great unpaid, * como os denomina W. Cobbett, são uma espécie de juízes de paz, não remunerados, escolhidos entre os honoráveis dos
condados. Constituem
de fato as cortes patrimoniais das classes dominantes. * Grandes não-pagos. (N. dos T.)
522 Juízes de paz urbanos. (N. dos T.)
385#
tamente o sistema em sua fábrica. 523 Em verdade, a composição desses tribunais era já uma aberta violação da lei. 524
"Essa espécie de farsas judiciais", exclama o inspetor Howell, "clama por um remédio, (...) a lei deve ser ou adaptada a essas
sentenças ou administrada por um tribunal menos falível, que adapte suas decisões à lei (...) em tais casos. Como seria bom
ter um juiz remunerado!" 525
Os juristas da Coroa declararam a interpretação que os fabri-cantes davam à lei de 1848 absurda, mas os salvadores da sociedade


não se deixavam desconcertar.
"Depois de haver tentado", relata Leonard Horner, "por meio de 10 ações em 7 comarcas judiciais diferentes, impor a aplicação


da lei, e apenas em um caso ter sido apoiado pelos magistrados (...) considero inúteis outras ações por infrações à lei. A parte da
lei instituída para conseguir uniformidade nas horas de trabalho (...) já não existe em Lancashire. Eu também não possuo, com
meus subagentes, nenhum meio para assegurar-nos de que fá-bricas onde existe o denominado sistema de turnos não ocupem
adolescentes e mulheres por mais de 10 horas. (...) Ao final de abril de 1849, já trabalhavam em meu distrito 114 fábricas se-gundo
esse método e seu número cresce rapidamente nos últimos tempos. Em geral, eles trabalham agora 13 1/ 2 horas, das 6 horas
da manhã até as 7 1/ 2 da noite; em alguns casos, 15 horas, das 5 1/ 2 da manhã até as 8 1/ 2 da noite." 526


Já em dezembro de 1848 possuía Leonard Horner uma lista de 65 fabricantes e 29 supervisores que declaravam unanimemente que
nenhum sistema de fiscalização poderia impedir o sobretrabalho mais extensivo sob esse sistema de turnos. 527 As mesmas crianças e adoles-centes
eram passados (shifted) ora da fiação para a tecelagem etc., ora, durante 15 horas, de uma fábrica à outra. 528 Como controlar um
sistema
"que abusa da palavra turno, para misturar os trabalhadores, em infinitas variações como cartas e mudar diariamente as horas


de trabalho e de descanso para os diferentes indivíduos, de tal


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403
523 Reports etc. for 30th April 1849. p. 21-22. Ver exemplos parecidos, p. 4-5. 524 Pelos arts. 1 e 2 de W[ illia] m IV, c. 29, s. 10, conhecidos como Sir John Hobhouse's
Factory
Act, proíbe-se que qualquer proprietário de fiação ou tecelagem de algodão ou pai, filho e irmão de tal dono, funcionem como juiz de paz em questões que digam respeito
à Factory Act.
525 Reports etc. for 30th April 1849. [p. 22.] 526 Reports etc. for 30th April 1849. p. 5.
527 Rep. etc. for 31st Oct. 1849. p. 6. 528 Rep. etc. for 30th April 1849. p. 21.
386#
modo que um mesmo sortimento completo de braços nunca atue conjuntamente no mesmo lugar e ao mesmo tempo!" 529
Mas, abstraindo totalmente o sobretrabalho real, esse assim cha-mado sistema de turnos era produto da fantasia do capital, que Fourier
em seu esboço humorístico das courtes séances 530 jamais superou, só que a atração do trabalho foi transformada na atração do capital. Ob-servem-
se tais esquemas dos fabricantes, que foram louvados pela boa imprensa como modelo "do que pode realizar razoável grau de cuidado
e de método" (what a reasonable degree of care and method can ac-complish). O pessoal trabalhador foi dividido às vezes em 12 até 15
categorias, que por sua vez mudavam constantemente suas partes com-ponentes. Durante o período de 15 horas da jornada fabril, o capital
incorporava o trabalhador ora por 30 minutos, ora por 1 hora, e repelia-o outra vez, para de novo incorporá-lo à fábrica e expulsá-lo da fábrica,
fazendo-o correr para lá e para cá, em pedaços alternados de tempo, sem deixar de tê-lo em suas garras enquanto as 10 horas de trabalho
não estivessem preenchidas. Como sobre o palco, as mesmas pessoas tinham de entrar alternadamente nas diversas cenas dos diferentes
atos. Mas como um ator pertence ao palco durante toda a duração do drama, assim os trabalhadores pertenciam agora durante 15 horas à
fábrica, não incluindo o tempo de ida e retorno. As horas de repouso transformaram-se assim em horas de ociosidade forçada, que impeliam
os jovens trabalhadores à taverna e as jovens trabalhadoras ao bordel. Com cada nova idéia urdida diariamente pelo capitalista, para manter
sua maquinaria em andamento por 12 ou 15 horas sem aumento do pessoal, o trabalhador tinha de engolir sua refeição ora em um ora
em outro fragmento de tempo não utilizado. Ao tempo da agitação pelas 10 horas, os fabricantes gritavam que a corja de trabalhadores
fazia petições na esperança de receber um salário de 12 horas por 10 horas de trabalho. Agora eles inverteram a medalha. Pagavam salário
de 10 horas por uma disposição de 12 até 15 horas sobre as forças de trabalho. 531 Essa era a essência da coisa, essa era a versão dos fabri-cantes
da lei das 10 horas. Eram os mesmos untuosos livre-cambistas,


OS ECONOMISTAS


404
529 Rep. etc. 31st Oct. 1848. p. 95. 530 Sessões curtas — Fourier desenvolveu a imagem de uma sociedade futura, na qual a pessoa
durante uma jornada de trabalho realizaria diferentes trabalhos, pois a jornada de trabalho seria composta por várias courtes séances, das quais nenhuma duraria
mais de 1 1/ 2 até
2 horas. Em virtude disso, segundo o pensamento de Fourier, aumentaria de tal forma a produtividade do trabalho que o mais pobre dos trabalhadores estaria em condições
de
satisfazer mais completamente suas necessidades do que qualquer capitalista em épocas anteriores. (N. da Ed. Alemã.)
531 Ver Reports etc. for 30th April 1849. p. 6, e a explanação pormenorizada do shifting system * pelos inspetores de fábricas Howell e Saunders em Reports etc.
for 31st Oct. 1848. Ver
também a petição à rainha do clero de Ashton e vizinhança, na primavera de 1849, contra o shift system.
* Sistema de turnos. (N. dos T.)
387#
porejantes de amor à humanidade, que durante todos os 10 anos da anti-corn-law-agitation 532 demonstraram até o último tostão aos tra-balhadores
que, com livre importação de trigo, e com os meios da in-dústria inglesa, 10 horas de trabalho seriam suficientes para enriquecer
os capitalistas. 533 Os dois anos de revolta do capital foram finalmente coroados por
uma decisão de uma das quatro mais altas cortes da Inglaterra, da Court of Exchequer, que num caso trazido perante ela decidiu, em 8
de fevereiro de 1850, que os fabricantes na verdade agiram contra o sentido da lei de 1844, mas que essa mesma lei continha certas palavras
que a tornavam sem sentido. "Com essa decisão a lei das 10 horas foi revogada." 534 Uma massa de fabricantes que até então ainda havia se
abstido de aplicar a adolescentes e trabalhadoras o sistema de turnos, atacou agora com as duas mãos. 535
Mas após essa vitória aparentemente definitiva do capital houve de imediato uma reviravolta. Os trabalhadores tinham até então ofe-recido
resistência passiva, embora inflexível e diariamente renovada. Eles protestaram agora em comícios abertamente ameaçadores em Lan-cashire
e Yorkshire. A pretensa lei das 10 horas seria, portanto, mero embuste, logro parlamentar, e não teria jamais existido! Os inspetores
de fábrica preveniram urgentemente o Governo que o antagonismo de classe havia atingido um grau inacreditável de tensão. Uma parte dos
próprios fabricantes murmurava:
"Em virtude das decisões contraditórias dos magistrados reina situação totalmente anormal e anárquica. Outra lei vigora em


Yorkshire, outra em Lancashire, outra lei numa paróquia de Lan-cashire, outra em sua vizinhança imediata. O fabricante nas gran-des
cidades pode burlar a lei, o da área rural não encontra o pessoal necessário para o sistema de turnos e menos ainda para
o deslocamento do trabalhador de uma fábrica para a outra etc.".
E igual exploração da força de trabalho é o primeiro direito hu-mano do capital.


Sob essas circunstâncias chegou-se a um compromisso entre fa-bricantes e trabalhadores, que foi consagrado pelo Parlamento na nova
Lei Fabril adicional de 5 de agosto de 1850. Para "pessoas jovens e mu-lheres" a jornada de trabalho foi elevada de 10 para 10 1/ 2 horas nos
cinco primeiros dias da semana e aos sábados foi limitada a 7 1/ 2 horas.


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405
532 Agitação contra a Lei do Trigo. (N. dos T.) 533 Compare, por exemplo, The Factory Question and the Ten Hours Bill, de R. H. Greg. 1837.
534 ENGELS, F. "Die englische Zehnstundenbill" (na revista por mim editada Neue Rh. Zeitung. Politisch-oekonomische Revue. Caderno de abril, 1850. p. 13.) A mesma
"alta" corte descobriu
também, durante a guerra civil americana, uma ambigüidade de expressão que transformava a lei contra o armamento de navios piratas em seu oposto.
535 Rep. etc. for 30th April 1850.
388#
O trabalho deve ser realizado no período das 6 da manhã até as 6 da tarde, 536 com 1 1/ 2 hora de intervalo para refeições, a ser fixado ao mesmo
tempo e de acordo com as determinações de 1844 etc. Com isso pôs-se de uma vez e para sempre fim definitivo ao sistema de turnos. 537 Para
o trabalho das crianças permaneceu em vigor a lei de 1844. Uma categoria de fabricantes assegurou para si, dessa vez, como
antes, direitos senhoriais especiais sobre as crianças proletárias. Foram os fabricantes de seda. No ano de 1833, tinham bramido ameaçadora-mente
"se lhes roubam a liberdade de esfalfar crianças de qualquer idade, por 10 horas diariamente, isso paralisaria suas fábricas" (if the
liberty of working children of any age for 10 hours a day was taken away, it would stop their works). Ser-lhes-ia impossível comprar um
número suficiente de crianças maiores de 13 anos. Eles extorquiram o privilégio desejado. O pretexto revelou-se, numa investigação poste-rior,
como pura mentira, 538 o que, entretanto, não os impediu de, com o sangue de crianças pequenas, que para a execução de seu trabalho
precisavam ser colocadas em cima de cadeiras, fiarem seda 10 horas diariamente. 539 A lei de 1844 "roubou-lhes", em verdade, a "liberdade"
de pôr a trabalhar crianças menores de 11 anos mais que 6 1/ 2 horas por dia, mas assegurou-lhes, em compensação, o privilégio de fazer
trabalhar crianças entre 11 e 13 anos por 10 horas diárias e cassou a obrigatoriedade escolar prescrita para crianças de outras fábricas.
Desta vez o pretexto:
"A delicadeza do tecido exige uma leveza de tato que somente pode ser assegurada por entrada precoce na fábrica". 540


Devido à delicadeza dos dedos, crianças foram completamente sacrificadas, como gado no sul da Rússia por causa da pele e do sebo.
Finalmente, em 1850, o privilégio concedido foi limitado aos departa-mentos de torcimento e enrolamento da seda, mas, como compensação
dos danos causados pela "liberdade" roubada ao capital, o tempo de trabalho para crianças de 11 a 13 anos foi aumentado de 10 para 10
1/ 2 horas. Pretexto:
"O trabalho seria mais leve nas fábricas de seda do que nas outras e de nenhum modo tão prejudicial à saúde". 541


OS ECONOMISTAS


406
536 No inverno, o período pode ser também entre 7 horas da manhã e 7 horas da noite. 537 "A lei atual" (de 1850) "foi um compromisso, por meio do qual os trabalhadores
abriram
mão dos benefícios de lei das 10 horas pela vantagem de um começo e término uniforme do trabalho daqueles cujo tempo de trabalho está submetido à limitação" (Reports
etc. for
30th April 1852. p. 14.) 538 Reports etc. for 30th Sept. 1844. p. 13.
539 Op. cit. 540 The delicate texture of the fabric in which they were employed requiring a lightness of touch,
only to be acquired by their early introduction to these factories. (Rep. etc. for 31st Oct. 1846. p. 20.)
541 Reports etc. for 31st Oct. 1861. p. 26.
389#
Investigação médica oficial demonstrou posteriormente que, ao contrário,
"a taxa média de mortalidade nos distritos de [fábricas] de seda é excepcionalmente alta e entre a parte feminina da população
ainda mais alta que nos distritos algodoeiros do Lancashire". 542
Apesar dos protestos semestrais dos inspetores de fábricas, o abu-so continua até hoje. 543


A lei de 1850 transformou apenas para "pessoas jovens e mu-lheres" o período de 15 horas, das 5 1/ 2 da manhã até as 8 1/ 2 da
noite, no período de 12 horas, das 6 da manhã até as 6 da tarde. Portanto não para as crianças, que seguiam sendo disponíveis sempre
1/ 2 hora antes do começo e 2 1/ 2 horas depois do término desse período, mesmo quando a duração total de seu trabalho não devesse ultrapassar
6 1/ 2 horas. Durante a discussão da lei, os inspetores de fábricas sub-meteram ao Parlamento uma estatística sobre os infames abusos de-correntes
daquela anomalia. Entretanto, em vão. No fundo, se ocultava a intenção de elevar a jornada de trabalhadores adultos, com a ajuda
das crianças, de novo a 15 horas, em anos de prosperidade. A expe-riência dos 3 anos seguintes demonstrou que tal tentativa tinha de
fracassar em face da resistência dos trabalhadores masculinos adul-tos. 544 A lei de 1850 foi, portanto, em 1853 completada pela proibição


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407
542 Op. cit., p. 27. De modo geral a população trabalhadora submetida à Lei Fabril melhorou bastante fisicamente. Todos os testemunhos médicos são concordantes a
esse respeito e
convenci-me do mesmo mediante observação pessoal em diferentes períodos. Contudo, e abstraindo a enorme taxa de mortalidade infantil nos primeiros anos de vida,
os relatórios
oficiais do dr. Greenhow mostram as desfavoráveis condições de saúde dos distritos fabris, comparados com os "distritos agrícolas de saúde normal". Como prova, entre
outras, a
seguinte tabela do seu relatório de 1861:


543 Sabe-se com que relutância os "livre-cambistas" ingleses renunciaram à proteção alfande-gária para a manufatura de seda. Em lugar da proteção contra a importação
francesa,
serve agora a falta de proteção às crianças inglesas que trabalham nas fábricas.
390#
"de utilizar crianças, na manhã antes e, à noite, depois das pessoas jovens e mulheres". A partir de então, com poucas exceções, a Lei
Fabril de 1850 regulou a jornada de trabalho de todos os trabalhadores nos ramos industriais submetidos a ela. 545 Desde a promulgação da
primeira Lei Fabril, havia já decorrido meio século. 546 A legislação ultrapassou pela primeira vez sua esfera original
com o Printwork's Act (lei sobre as oficinas de estampagem de tecidos etc.) de 1845. O desagrado com que o capital permitiu essa nova "ex-travagância"
ressalta de cada linha da lei. Ela limita a jornada de trabalho para crianças de 8 a 13 anos e para mulheres a 16 horas,
entre 6 horas da manhã e 10 horas da noite, sem nenhum intervalo legal para as refeições. Ela permite pôr trabalhadores do sexo masculino
maiores de 13 anos, a trabalhar à vontade, dia e noite. 547 É um aborto parlamentar. 548
Contudo, venceu o princípio com sua vitória nos grandes ramos industriais, que constituem a criação mais característica do moderno
modo de produção. Seu desenvolvimento maravilhoso de 1853 a 1860, par a par com o renascimento físico e moral dos trabalhadores fabris,
evidenciou-se até aos olhos mais imbecis. Os próprios fabricantes, aos quais foram arrancadas, passo a passo, no curso de uma guerra civil
de meio século, a limitação e regulamentação legal da jornada de tra-balho, apontavam orgulhosos para o contraste com os setores ainda
de "livre" exploração. 549 Os fariseus da "Economia Política" proclama-ram então a compreensão da necessidade de uma jornada de trabalho


OS ECONOMISTAS


408
544 Reports etc. for 30th April 1853. p. 30. 545 Durante os anos de apogeu da indústria inglesa de algodão, 1859 e 1860, alguns fabricantes
tentaram, por meio da isca de salários mais altos por horas extras, levar os fiandeiros masculinos adultos etc. a favorecer a prolongação da jornada de trabalho.
Os hand-mule-spinners
* e os self-actor minders ** puseram um fim ao experimento mediante memorando
a seus empregadores, onde se lê, entre outras coisas: "Falando francamente, nossa vida é para nós uma carga e enquanto nós ficamos quase 2 dias a mais por semana"
(20 horas)


"acorrentados à fábrica do que os outros trabalhadores, sentimo-nos como hilotas no país e nos censuramos por perpetuar um sistema que prejudica moral e fisicamente
a nós mesmos
e a nossos descendentes. (...) Portanto, informamos-lhes, respeitosamente, que a partir do Ano Novo não trabalharemos nenhum minuto mais que 60 horas semanais, das
6 horas
até 6 horas, com o desconto das pausas legais de 1 1/ 2 hora". (Report etc. for 30th April 1860. p. 30.)
* Fiandeiros manuais. (N. dos T.)
** Operadores de fiadoras automáticas. (N. dos T.)


546 Sobre os meios que a redação dessa lei oferece para sua violação, ver no Parliamentary Return Factories Regulations Acts (9 de agosto de 1859) e nela, de Leonard
Horner, "Sug-gestions


for Amending the Factory Acts to enable the Inspectors to Prevent Illegal Working, now Become very Prevalent".
547 "Crianças de 8 anos de idade e mais foram de fato esfalfadas das 6 horas da manhã até 9 horas da noite, durante o último meio ano" (1857) "em meu distrito."
(Reports etc. for
31st Oct. 1857. p. 39.) 548 "A lei sobre estamparia de algodão é confessadamente um fracasso no que se refere às
suas disposições tanto de educação quanto também de proteção." (Reports etc. for 31st Oct. 1862. p. 52.)
549 Assim, por exemplo, E. Potter numa carta ao Times de 24 de março de 1863. O Times lembrou-lhe a revolta dos fabricantes contra a lei das 10 horas.
391#
legalmente regulada como conquista característica de sua "ciência". 550 Compreende-se facilmente que, depois de terem os magnatas indus-triais
se conformado e se reconciliado com o inevitável, enfraquecesse gradualmente a força de resistência do capital, enquanto, ao mesmo
tempo, a força de ataque da classe trabalhadora cresceu com o número de seus aliados nas camadas sociais não diretamente interessadas. Daí
o progresso relativamente rápido a partir de 1860.
As tinturarias e branquearias 551 foram em 1860 submetidas à Lei Fabril de 1850; as fábricas de rendas e de meias em 1861. Em


virtude do primeiro relatório da "Comissão sobre o emprego de crianças" (1863) participaram do mesmo destino todas as manufaturas de artigos
de cerâmica (não apenas as de louças), fósforos, espoletas, cartuchos, fábricas de papéis de parede, aparamento de veludo (fustian cutting)
e numerosos processos que são resumidos sob a expressão finishing (acabamento). No ano de 1863, as "branquearias ao ar livre" 552 e as


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409
550 Assim, entre outros, o sr. W. Newmarch, colaborador e editor da History of Prices de Tooke. Constitui progresso científico fazer concessões covardes à opinião
pública?
551 A lei promulgada em 1860 sobre branquearias e tinturarias determina que a jornada de trabalho a 1º de agosto de 1861 seria reduzida preliminarmente a 12 horas
e a 1º de agosto
de 1862, definitivamente a 10 horas, isto é, 10 1/ 2 horas para dias úteis e 7 1/ 2 horas para os sábados. Ao romper o ano mau de 1862, repetiu-se a velha farce.
* Os senhores
fabricantes fizeram uma petição ao Parlamento para tolerar por mais um ano a jornada de trabalho de 12 horas para adolescentes e mulheres. (...) "Na situação atual
dos negócios"
(ao tempo da crise do algodão) "é grande vantagem para os trabalhadores se se lhes permite trabalhar 12 horas por dia e ganhar o maior salário possível (...) Já
se havia conseguido
apresentar um projeto nesse sentido na Câmara dos Comuns. Ele caiu em virtude da agitação dos trabalhadores nas branquearias da Escócia." (Reports etc. for 31st
Oct. 1862.
p. 14-15.) Assim, derrotado pelos próprios trabalhadores, em cujo nome pretendia falar, o capital descobriu, com a ajuda de óculos jurídicos, que a lei de 1860,
do mesmo modo que
as outras leis parlamentares destinadas à "proteção do trabalho", fora redigida em termos retorcidos e equívocos e daria margem a excluir de sua aplicação os calenderers
e finishers. **
A jurisdição inglesa, sempre fiel serva do capital, sancionou a chicana por meio da corte das Common Pleas. *** "Suscitou grande descontentamento entre os trabalhadores
e é muito
lamentável que a clara intenção da legislação ficasse frustrada sob o pretexto da definição defeituosa de uma palavra." (Op cit., p. 18.)
* Farsa. (N. dos T.)
** Prensadores e aprestadores. (N. dos T.)
*** Corte de justiça civil. (N. dos T.)


552 As "branquearias ao ar livre" escaparam à lei de 1860 sobre "branqueamento", por meio da mentira de que elas não punham mulheres a trabalhar à noite. A mentira
foi denunciada


pelos inspetores de fábricas, mas ao mesmo tempo petições dos trabalhadores roubaram ao Parlamento a imagem de refrescantes campinas perfumadas dessas "branquearias
ao
ar livre". Nessas branquearias são utilizadas câmaras de secagem com 90 até 100 Fahrenheit, onde trabalham principalmente moças. Cooling (resfriamento) é a expressão
técnica para
designar as ocasionais escapadas da câmara de secagem ao ar livre. "Quinze moças nas câmaras de secagem. Calor de 80 o a 90 o para linho, de 100 o e mais para a
cambric. * Doze
moças passam e dobram (cambric etc.) num pequeno quarto de cerca de 10 pés quadrados, no meio um fogão hermeticamente fechado. As moças estão em volta do fogão,
que irradia
um calor terrível e seca a cambraia rapidamente para as passadeiras. O número de horas para esses braços é ilimitado. Quando há maior movimento, elas trabalham até
as 9 ou
12 horas da noite, muitos dias seguidos." (Reports etc. for 31st Oct. 1862. p. 56.) Um médico declara: "Para o resfriamento não se concedem horas específicas, mas
quando a temperatura
torna-se insuportável, ou as mãos das trabalhadoras ficam sujas de suor, é-lhes permitido sair ao ar livre por alguns minutos. (...) Minha experiência no tratamento
das doenças
dessas trabalhadoras obriga-me a constatar que o estado de saúde delas é muito inferior
392#
panificadoras foram submetidas a leis próprias, das quais a primeira proibia, entre outras coisas, o trabalho de crianças, adolescentes e mu-lheres
à noite (das 8 horas da noite até as 6 horas da manhã) e a segunda, a utilização de oficiais de padeiros menores de 18 anos, entre
9 horas da noite e 5 da manhã. Sobre as propostas posteriores da citada comissão, as quais ameaçam roubar a "liberdade" de todos os
mais importantes ramos industriais ingleses, com exceção da agricul-tura, das minas e do sistema de transportes, voltaremos depois. 553


7. A luta pela jornada normal de trabalho. Repercussão da Legislação Fabril inglesa em outros países


O leitor recorda-se que a produção de mais-valia ou a extração de mais-trabalho constitui o conteúdo e o objetivo específico da produção
capitalista, abstraídas as transformações do próprio modo de produção que possam surgir da subordinação do trabalho ao capital. Recordar-se-
á que, do ponto de vista desenvolvido até agora, apenas o trabalhador independente e, portanto, legalmente emancipado contrata como ven-dedor
de mercadorias com o capitalista. Se, portanto, em nosso esboço histórico desempenha papel importante, de um lado, a moderna in-dústria
e, de outro, o trabalho dos que são física e juridicamente me-nores, a primeira funcionou apenas como esfera específica, o segundo
como exemplo particularmente convincente da exploração do trabalho. Sem entretanto antecipar o desenvolvimento posterior, segue da mera
interconexão dos fatos históricos:
Primeiro: Nas indústrias revolucionadas de início por água, vapor e maquinaria, nessas primeiras criações do moderno modo de produção,


nas fiações e tecelagens de algodão, lã, linho e seda, é satisfeito pri-


OS ECONOMISTAS


410
ao das fiandeiras de algodão". (E o capital, em suas petições ao Parlamento, as tinha pintado transbordantes de saúde, à maneira de Rubens!) "Suas doenças mais notórias
são
a tísica, bronquite, irregularidades das funções uterinas, histeria em sua forma mais agra-vada e reumatismo. Todas decorrem, acredito, direta ou indiretamente da
atmosfera supe-raquecida
de suas câmaras de trabalho e da falta de suficiente roupa confortável para protegê-las, ao irem para casa, da atmosfera úmida e fria durante os meses de inverno."
(Op. cit., p. 56, 57.) Os inspetores de fábricas observam, sobre a lei arrancada aos joviais "branqueários ao ar livre" a duras penas posteriormente, em 1863: "Essa
lei não só fracassou
em prestar aos trabalhadores a proteção que parece prestar (...) ela está redigida de tal modo que a proteção só se dá ao surpreender-se crianças e mulheres trabalhando
depois
das 8 horas da noite, e mesmo então o método legalmente estabelecido de prova é tão duvidoso que é quase impossível obter uma condenação". (Op. cit., p. 52.) "Como
uma lei
com objetivos humanitários e educativos, ela fracassou por completo. Dificilmente se pode qualificar de humanitário permitir mulheres e crianças trabalhar ou, o
que vem a ser o
mesmo, obrigá-las a trabalhar 14 horas diariamente, com ou sem refeições conforme for o caso, e talvez por mais horas, sem limite com referência à idade, sem diferenciar
os sexos
e sem consideração dos hábitos sociais das famílias da vizinhança, onde se situam as bran-quearias." (Reports etc. for 30th April 1863. p 40.)
* Cambraia. (N. dos T.)
553 Nota à 2ª edição. Desde 1866, quando escrevi o que se acha no texto, sobreveio de novo uma reação.
393#
meiramente o impulso do capital para a prolongação sem limites e sem considerações da jornada de trabalho. O modo de produção material
modificado e as condições sociais modificadas, que lhe correspondem, dos produtores 554 dão origem primeiramente a abusos desmedidos e
provocam então, em contraposição, o controle social, que limita, regula e uniformiza legalmente a jornada de trabalho com suas pausas. Esse
controle aparece, portanto, durante a primeira metade do século XIX, apenas como legislação de exceção. 555 Tão logo ela conquistou a área
original do novo modo de produção, verificou-se que, entrementes, não apenas muitos outros ramos de produção haviam se incorporado ao
regime propriamente fabril, mas que, além disso, manufaturas com métodos de produção mais ou menos antiquados, como as de louças,
de vidros etc., ofícios à moda antiga, como panificação, e, finalmente, até esparsas indústrias assim chamadas domiciliares, como o fabrico
de pregos etc., 556 há muito caíram sob a exploração capitalista tanto quanto a fábrica. A legislação foi, portanto, obrigada a desfazer-se pro-gressivamente
de seu caráter de exceção, ou, onde ela procede conforme a casuística romana, como na Inglaterra, a declarar arbitrariamente
qualquer casa, na qual se trabalhe, como sendo uma fábrica (factory). 557 Segundo: A história da regulamentação da jornada de trabalho
em alguns modos de produção e a luta que ainda prossegue em outros por essa regulamentação demonstram palpavelmente que o trabalhador
individual, o trabalhador como "livre" vendedor de sua força de trabalho, a certo nível de amadurecimento da produção capitalista encontra-se
incapaz de resistir. A criação de uma jornada normal de trabalho é, por isso, o produto de uma guerra civil de longa duração, mais ou
menos oculta entre a classe capitalista e a classe trabalhadora. Como a luta foi inaugurada no âmbito da indústria mais moderna, travou-se
primeiro na terra natal dessa indústria, na Inglaterra. 558 Os trabalha-


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411
554 "A conduta de cada uma dessas classes" (capitalistas e trabalhadores) "tem sido o resultado da situação relativa em que elas têm sido colocadas." (Reports etc.
for 31 st Oct. 1848. p. 113.)
555 "As ocupações sujeitas às limitações estavam relacionadas com a fabricação de produtos têxteis com a ajuda da força de vapor ou hidráulica. Uma atividade tinha
de preencher
duas condições para estar sob a proteção da inspeção de fábricas, a saber, a aplicação do vapor ou da força hidráulica e o processamento de determinadas fibras especificadas."
(Reports etc. for 31st. October 1864. p. 8.) 556 Sobre a situação da assim chamada indústria domiciliar encontra-se material abundante
nos últimos relatórios da Children's Employment Commission. 557 "As leis da última sessão legislativa" (1864) "(...) compreendem ramos de ocupação de
gêneros diversos, nos quais reinam costumes muito diferentes e a aplicação de força mecânica para movimentar as máquinas já não se inclui, como antigamente, entre
as condições
necessárias para que um estabelecimento seja considerado fábrica no sentido da lei." (Reports etc. for 31st Oct. 1864. p. 8.)
558 A Bélgica, o paraíso do liberalismo continental, não apresenta também nenhum indício desse movimento. Mesmo em suas minas de carvão e de metal, os trabalhadores
de ambos
os sexos e de qualquer idade são consumidos com completa "liberdade" por qualquer duração de tempo e período de tempo. Para cada 1 000 pessoas ali ocupadas há 733
homens, 88
mulheres, 135 rapazes e 44 moças com menos de 16 anos; nos altos-fornos etc. encontram-se para cada 1 000: 688 homens, 149 mulheres, 98 rapazes e 85 moças com menos
de 16
anos. Acrescenta-se a isso o salário baixo para enorme exploração de forças de trabalho,
394#
dores fabris ingleses foram os campeões da moderna classe trabalha-dora não somente inglesa, mas em geral, como também seus teóricos
foram os primeiros a lançar a luva à teoria do capital. 559 O filósofo fabril Ure denuncia, portanto, como vergonha inextinguível da classe
trabalhadora inglesa ter inscrito em sua bandeira "a escravidão das Leis Fabris", em contraposição ao capital, que lutava virilmente por
"completa liberdade do trabalho". 560 A França claudica lentamente atrás da Inglaterra. Foi necessária


a Revolução de Fevereiro para o nascimento da lei das 12 horas, 561
que é muito mais deficiente que o seu original inglês. Contudo, o método revolucionário francês faz valer também suas vantagens específicas.


De um só golpe, dita a todas as oficinas e fábricas, sem diferença, a
mesma limitação para a jornada de trabalho, enquanto a legislação
inglesa cede relutantemente, ora neste ponto, ora naquele outro, à
pressão das circunstâncias e está no melhor caminho de se perder enredada em novos casuísmos jurídicos. 562 Por outro lado, a lei francesa


proclama como princípio o que na Inglaterra só em nome de crianças,
menores e mulheres foi conquistado e só recentemente se reivindica
como direito geral. 563


OS ECONOMISTAS


412
amadurecidas e não amadurecidas, recebendo os homens em média por dia 2 xelins e 8 pence, as mulheres 1 xelim e 8 pence e os adolescentes 1 xelim e 2 1/ 2 pence.
Por isso
mesmo, em 1863, a Bélgica aproximadamente duplicou, em comparação com 1850, o quantum e o valor de sua exportação de carvão, ferro etc.
559 Quando Robert Owen, logo depois do primeiro decênio deste século, não só defendeu teo-ricamente a necessidade de uma limitação da jornada de trabalho, mas também
introduziu
realmente a jornada de 10 horas em sua fábrica em New-Lanark, isso foi ridicularizado como utopia comunista, assim como sua "união de trabalho produtivo com a educação
de
crianças", como também as empresas cooperativas dos trabalhadores, fundadas por ele. Hoje em dia, a primeira utopia é Lei Fabril, a segunda figura como frase oficial
em todas
as Factory Acts e a terceira já serve até como manto de cobertura para embustes reacionários. 560 URE (tradução francesa). Philosophie des Manufactures. Paris, 1836.
t. II, p. 39, 40,
67, 77 etc. 561 No Compte Rendu * do "Congresso Estatístico Internacional em Paris, 1855", lê-se entre
outras coisas: "A lei francesa que limita a duração do trabalho diário a 12 horas, em fábricas e oficinas, não restringe esse trabalho dentro de horas fixas" (períodos
de tempo), "na
medida em que apenas para o trabalho infantil é prescrito o período entre 5 horas da manhã e 9 horas da noite. Por isso, parte dos fabricantes serve-se do direito
que lhes dá
esse silêncio fatal, para fazerem trabalhar dia por dia, com exceção talvez dos domingos, sem interrupção. Eles utilizam para isso dois turnos diferentes de trabalhadores,
nenhum
dos quais passa mais de 12 horas na oficina, porém o trabalho do estabelecimento dura dia e noite. A lei está atendida, mas o está, da mesma forma, a humanidade?"
Além da "destruidora
influência do trabalho noturno sobre o organismo humano" é ressaltada também "a fatal in-fluência da associação noturna de ambos os sexos nas mesmas oficinas mal
iluminadas".
* Relatório. (N. dos T.)
562 "Em meu distrito, por exemplo, no mesmo edifício fabril, o mesmo fabricante é branqueador e tingidor sob a "lei das branquearias e tinturarias", estampador sob
a Printworks Act * e


finisher, sujeitos à Lei Fabril (...)" (Report of Mr. Baker. In: Reports etc. 31st Oct. 1861. p. 20.) Depois de enumerar as diferentes disposições dessas leis e
a conseqüente complicação
diz o senhor Baker: "Vê-se quão difícil é assegurar o cumprimento dessas três leis parla-mentares, quando o proprietário da fábrica gosta de burlar a lei". [Op.
cit., p. 2.] Mas o
que se assegura aos senhores juristas por meio disso são processos. * Lei das estamparias. (N. dos T.)
563 Assim os inspetores de fábricas atrevem-se finalmente a dizer: "Essas objeções" (do capital
395#
Nos Estados Unidos da América do Norte, todo movimento operário independente ficou paralisado enquanto a escravatura des-figurava
uma parte da República. O trabalhador de pele branca não pode emancipar-se onde o trabalhador de pele negra é marcado com
ferro em brasa. Mas da morte da escravidão nasceu imediatamente uma vida nova e rejuvenescida. O primeiro fruto da guerra civil foi
a agitação pelas 8 horas, que se propagou com as botas de sete léguas da locomotiva do Atlântico ao Pacífico, de Nova Inglaterra
até a Califórnia. O congresso geral de trabalhadores de Baltimore 564 declara (agosto de 1866):


"A primeira e mais importante exigência dos tempos presentes para libertar o trabalho deste país da escravidão capitalista é a
promulgação de uma lei, pela qual deve ser estabelecida uma jornada normal de trabalho de 8 horas em todos os Estados da
União. Estamos decididos a empregar todas as nossas forças até termos alcançado esse glorioso resultado". 565


Ao mesmo tempo (início de setembro de 1866), decidiu o "Con-gresso Internacional de Trabalhadores", em Genebra, por proposta do
Conselho Geral de Londres:
"Declaramos a limitação da jornada de trabalho uma condição preliminar, sem a qual todas as demais tentativas para a eman-cipação
devem necessariamente fracassar. (...) Propomos 8 horas de trabalho como limite legal da jornada de trabalho". 566


MARX


413
contra a limitação legal do tempo de trabalho) "devem ceder diante do grande princípio do direito do trabalho (...) existe um ponto no tempo em que cessa o direito
do empresário
sobre o trabalho de seu trabalhador e este mesmo pode dispor de seu tempo, mesmo quando ele ainda não esteja esgotado". (Reports etc. for 31st Oct. 1862. p. 54.)
564 O congresso geral americano de trabalhadores reuniu-se de 20 a 25 de agosto de 1866, em Baltimore. Participaram do congresso 60 delegados, que representavam
mais de 60 mil
trabalhadores organizados em trade unions [sindicatos]. O congresso tratou das seguintes questões: a introdução legal da jornada de 8 horas, a atividade política
dos trabalhadores,
as sociedades cooperativas, a união de todos os trabalhadores nas trade unions e outras questões. Além disso foi decidida a fundação da National Labor Union [União
Nacional do
Trabalho], uma organização política da classe trabalhadora. (N. da Ed. Alemã.) 565 "Nós, os trabalhadores de Dunkirk, declaramos que a jornada de trabalho exigida
sob o
atual sistema é demasiado longa e que não deixa ao trabalhador tempo para repouso e desenvolvimento, mas, ao contrário, o reduz a uma condição de servo, a qual é
pouco
melhor que a escravidão (a condition of servitude but little better than slavery). Por isso, resolvemos que 8 horas bastam para uma jornada de trabalho e devem ser
legalmente
reconhecidas como suficientes; que apelamos para a ajuda da imprensa, essa poderosa alavanca (...) e considerar todos que recusam essa ajuda inimigos da reforma
do trabalho
e dos direitos dos trabalhadores." (Resoluções dos trabalhadores de Dunkirk, Estado de Nova York, 1866.)
566 A resolução aqui citada, do Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores em Genebra, foi aceita com base nas "Instruktionen fuer die Delegierten des
Provisorischen
Zentralrats zu den einzelnen Fragen" [Instruções aos delegados do Conselho Central Pro-visório para questões isoladas], redigidas por Marx. (N. da Ed. Alemã.)
396#
Assim o movimento de trabalhadores surgido instintivamente das próprias condições de produção, em ambos os lados do Atlântico, con-sagrou
as palavras do inspetor de fábricas inglês R. J. Saunders:
"Novos passos para a reforma da sociedade não poderão ser dados com qualquer perspectiva de sucesso se não for limitada


antes a jornada de trabalho e estritamente imposta a observação do limite prescrito". 567


É preciso reconhecer que nosso trabalhador sai do processo de produção diferente do que nele entrou. No mercado ele, como pos-suidor
da mercadoria "força de trabalho", se defrontou com outros possuidores de mercadorias, possuidor de mercadoria diante de pos-suidores
de mercadorias. O contrato pelo qual ele vendeu sua força de trabalho ao capitalista comprovou, por assim dizer, preto no bran-co,
que ele dispõe livremente de si mesmo. Depois de concluído o negócio, descobre-se que ele não era "nenhum agente livre", de que
o tempo de que dispõe para vender sua força de trabalho é o tempo em que é forçado a vendê-la, 568 de que, em verdade, seu explorador
não o deixa, "enquanto houver ainda um músculo, um tendão, uma gota de sangue para explorar". 569 Como "proteção" contra a serpente
de seus martírios, 570 os trabalhadores têm de reunir suas cabeças e como classe conquistar uma lei estatal, uma barreira social in-transponível,
que os impeça a si mesmos de venderem a si e à sua descendência, por meio de contrato voluntário com o capital, à noite
e à escravidão! 571 No lugar do pomposo catálogo dos "direitos ina-lienáveis do homem" entra a modesta Magna Charta 572 de uma jor-nada
de trabalho legalmente limitada que


OS ECONOMISTAS


414
567 Reports etc. for 31st Oct. 1848. p. 112. 568 "Esses procedimentos (as manobras do capital, por exemplo, 1848/ 50) "proporcionaram,
além disso, prova incontestável de como é falsa a afirmativa, tantas vezes feita, de que os trabalhadores não precisam de proteção, mas devem ser considerados livres
possuidores
dispondo da única propriedade que eles têm, o trabalho de suas mãos e do suor de seu rosto." (Reports etc. for 30th April 1850. p. 45.) "Trabalho livre, se assim
pode ser chamado
ao todo, precisa para sua proteção, mesmo num país livre, do braço forte da lei." (Reports etc. for 31st Oct. 1864. p. 34.) "Permitir, o que significa o mesmo que
forçar (...) a trabalhar
14 horas diariamente, com ou sem refeições etc." (Reports etc. for 30th April 1863. p. 40.) 569 ENGELS, Friedrich. Die englische Zehnstundenbill. Op. cit., p. 5.
570 Schlange ihrer Qualen — Palavra modificada da poesia contemporânea de Heinrich Heine, Heinrich. (N. da Ed. Alemã.)
571 A lei das 10 horas, nos ramos industriais a ela submetidos, "salvou os trabalhadores da degeneração completa e protegeu suas condições físicas". (Reports etc.
for 31st Oct. 1859.
p. 47.) "O capital" (nas fábricas) "não pode jamais manter a maquinaria em movimento além de um período limitado de tempo, sem prejudicar os trabalhadores ocupados
em sua
saúde e sua moral; e eles não estão em condições de proteger a si mesmos." (Op. cit., p. 8.) 572 Magna Charta Libertatum — Documento imposto ao rei inglês João I
(" Sem Terra") pelos
senhores feudais, os barões e príncipes da Igreja revoltosos, apoiados pelos cavaleiros e pelas cidades. A Charta, assinada em 15 de junho de 1215, limitou os direitos
do rei
sobretudo em favor dos grandes senhores feudais e continha determinadas concessões aos cavaleiros e às cidades; à massa principal da população, os camponeses servos,
a Charta
397#
"finalmente esclarece quando termina o tempo que o traba-lhador vende e quando começa o tempo que a ele mesmo
pertence". 573
Quantum mutatus ab illo! 574


MARX


415
não trouxe nenhum direito. Marx refere-se aqui às leis para a limitação da jornada de trabalho, que foram conseguidas pela classe trabalhadora da Inglaterra numa
luta longa
e obstinada. (N. da Ed. Alemã.) 573 "Uma vantagem maior ainda significa que finalmente se distingue com clareza o tempo
do próprio trabalhador do que pertence ao seu empresário. O trabalhador sabe agora quando termina o tempo que ele vende e o seu próprio começa e, como ele de antemão
sabe disso
exatamente, pode dispor de seus próprios minutos para seus próprios fins antecipadamente." (Op. cit., p. 52.) "Ao torná-los donos de seu próprio tempo, elas (as
Leis Fabris) deram-lhes
uma energia moral, que os conduz possivelmente a tomar posse do poder político." (Op. cit., p. 47.) Com discreta ironia e com expressões muito cautelosas, os inspetores
de fábricas
indicam que a atual lei das 10 horas, de certo modo, libertou o capitalista da sua brutalidade naturalmente desenvolvida como simples encarnação do capital, e lhe
proporcionou tempo
para adquirir alguma "educação". Antes, "o empresário não tinha tempo para mais nada senão o dinheiro, o trabalhador para nada mais senão o trabalho". (Op. cit.,
p. 48.)
574 Que grande mudança! — Da epopéia de Virgílio. Eneida. Livro Segundo. Verso 274. (N. da Ed. Alemã.)
398#
CAPÍTULO IX TAXA E MASSA DA MAIS-VALIA
Neste capítulo supomos, como até aqui, que o valor da força de trabalho, ou seja, a parte da jornada de trabalho necessária para reproduzir
ou manter a força de trabalho, é uma grandeza constante, dada. Pressuposto isso, com a taxa nos é dada simultaneamente a massa
de mais-valia que o trabalhador individual fornece ao capitalista em determinado período de tempo. Se, por exemplo, o trabalho necessário
consiste em 6 horas por dia, expressas num quantum de ouro de 3 xelins = 1 táler, então é o táler o valor diário de uma força de trabalho
ou o valor do capital adiantado na compra de uma força de trabalho. E se ademais a taxa da mais-valia é de 100%, esse capital variável
de 1 táler produz uma massa de mais-valia de 1 táler, ou o trabalhador fornece diariamente uma massa de mais-trabalho de 6 horas.
O capital variável é, no entanto, a expressão monetária do valor total de todas as forças de trabalho que o capitalista emprega simul-taneamente.
Seu valor é, portanto, igual ao valor médio de uma força de trabalho, multiplicado pelo número das forças de trabalho empre-gadas.
Dado o valor da força de trabalho, a grandeza do capital variável está, portanto, na razão direta do número de trabalhadores simulta-neamente
empregados. Se o valor diário de uma força de trabalho = 1 táler, um capital de 100 táleres tem de ser adiantado para explorar
100 e de n táleres para explorar n forças de trabalho diariamente. Do mesmo modo: se um capital variável de um táler, o valor
diário de uma força de trabalho, produz uma mais-valia diária de 1 táler, um capital variável de 100 táleres produz uma mais-valia diária
de 100, e um de n táleres uma mais-valia diária de 1 táler x n. A massa da mais-valia produzida é portanto igual à mais-valia que a
jornada de trabalho do trabalhador individual fornece, multiplicada pelo número dos trabalhadores empregados. Mas como, além disso,
dado o valor da força de trabalho, a massa de mais-valia produzida pelo trabalhador individual é determinada pela taxa de mais-valia,


417
399#
segue-se daí esta primeira lei: A massa da mais-valia produzida é igual à grandeza do capital variável adiantado multiplicado pela taxa
de mais-valia ou é determinada pela relação composta entre o número das forças de trabalho exploradas simultaneamente pelo mesmo capi-talista
e o grau de exploração da força de trabalho individual. 575 Chamemos portanto M a massa de mais-valia, m a mais-valia
diariamente fornecida em média pelo trabalhador individual, v o capital variável adiantado diariamente para comprar uma força de trabalho
individual, V a soma total do capital variável, k o valor de uma força
de trabalho média, a' a trabalho excedente trabalho necessário o grau de sua exploração
e n o número dos trabalhadores empregados. Teremos então: m


v x V M =


k x a' a x n
Pressupomos sempre não só que o valor de uma força de trabalho média é constante, mas também que os trabalhadores empregados por


um capitalista são reduzidos a trabalhadores médios. Há casos excep-cionais em que a mais-valia produzida não cresce na proporção do
número dos trabalhadores explorados, mas então o valor da força de trabalho também não permanece constante.


Na produção de determinada massa de mais-valia o decréscimo de um fator pode por isso ser compensado pelo acréscimo do outro. Se
diminui o capital variável e, ao mesmo tempo e na mesma proporção, aumenta a taxa de mais-valia, a massa da mais-valia produzida per-manece
inalterada. Se, de acordo com os pressupostos anteriores, o capitalista tem de adiantar 100 táleres para explorar diariamente 100
trabalhadores e a taxa de mais-valia é de 50%, então esse capital variável proporciona uma mais-valia de 50 táleres ou de 100 x 3 horas
de trabalho. Se a taxa de mais-valia duplica ou a jornada de trabalho se prolonga, em vez de 6 a 9, de 6 a 12 horas, então o capital variável
reduzido à metade, a 50 táleres, proporciona igualmente uma mais-valia de 50 táleres, ou de 50 x 6 horas de trabalho. Uma diminuição do
capital variável pode, portanto, ser compensada por um aumento pro-porcional no grau de exploração da força de trabalho, ou o decréscimo
do número dos trabalhadores empregados por prolongamento propor-cional do dia de trabalho. Dentro de certos limites, a oferta de trabalho


OS ECONOMISTAS


418
575 Na tradução francesa autorizada, a segunda parte da frase é formulada da seguinte maneira: (...) "ou ela é igual ao valor de uma força de trabalho, multiplicado
pelo grau de sua
exploração e multiplicado pelo número das forças de trabalhos simultaneamente exploradas". (N. da Ed. Alemã.)
400#
explorável pelo capital torna-se, portanto, independente da oferta de trabalhadores. 576 Ao contrário, um decréscimo na taxa de mais-valia
deixa a massa da mais-valia produzida inalterada, se aumenta, na mesma proporção, a grandeza do capital variável ou o número dos
trabalhadores ocupados. Contudo, a compensação do número de trabalhadores ou da gran-deza
do capital variável pela elevação da taxa da mais-valia ou pelo prolongamento da jornada de trabalho tem limites intransponíveis.
Qualquer que seja o valor da força de trabalho, se chega a 2 ou a 10 horas o tempo de trabalho necessário para sustentar o trabalhador, o
valor total que um trabalhador pode produzir dia por dia é sempre menor do que o valor em que 24 horas de trabalho se objetivam, menor
do que 12 xelins ou 4 táleres, se essa for a expressão monetária de 24 horas objetivadas de trabalho. Sob nosso pressuposto anterior, de
que 6 horas de trabalho por dia são requeridas para reproduzir a própria força de trabalho ou repor o valor do capital adiantado na sua compra,
um capital variável de 500 táleres, que emprega 500 trabalhadores com taxa de mais-valia de 100% ou com jornada de trabalho de 12
horas, produz diariamente uma mais-valia de 500 táleres ou 6 x 500 horas de trabalho. Um capital de 100 táleres, que emprega diariamente
100 trabalhadores com taxa de mais-valia de 200% ou com jornada de trabalho de 18 horas, produz apenas uma massa de mais-valia de 200
táleres ou 12 x 100 horas de trabalho. E seu produto-valor total, equi-valente do capital variável adiantado mais a mais-valia, nunca pode
alcançar, dia por dia, a soma de 400 táleres ou 24 x 100 horas de trabalho. O limite absoluto da jornada média de trabalho, que por
natureza sempre é menor que 24 horas, forma um limite absoluto à compensação de capital variável diminuído por aumento da taxa de
mais-valia ou de um número reduzido de trabalhadores explorados por um acréscimo do grau de exploração da força de trabalho. Essa segunda
lei, mais palpável, é importante para explicar muitos fenômenos que surgem da tendência do capital, a ser desenvolvida mais tarde, de
reduzir tanto quanto possível o número de trabalhadores por ele em-pregados, ou seja, seu componente variável convertido em força de
trabalho, em contradição com sua outra tendência de produzir a maior massa possível de mais-valia. Pelo contrário. Se a massa das forças
de trabalho empregadas ou a grandeza do capital variável cresce, mas não na mesma proporção em que cai a taxa de mais-valia, diminui a
massa da mais-valia produzida. Uma terceira lei decorre da determinação da massa de mais-valia


MARX


419
576 Essa lei elementar parece ser desconhecida aos senhores da Economia vulgar que, ao contrário de Arquimedes, acreditam ter encontrado, na determinação dos preços
de mercado
do trabalho pela demanda e pela oferta, o ponto não para levantar o mundo de seu fulcro, mas sim para o paralisar.
401#
produzida pelos dois fatores, taxa de mais-valia e grandeza do capital variável adiantado. Dados a taxa de mais-valia ou o grau de exploração
da força de trabalho e o valor da força de trabalho ou a grandeza do tempo de trabalho necessário, é evidente que quanto maior o capital
variável, tanto maior a massa de valor e de mais-valia produzidos. Se o limite da jornada de trabalho é dado assim como o limite de sua
parte necessária, a massa de valor e de mais-valia que um capitalista individual produz depende, como é óbvio, exclusivamente da massa de
trabalho que põe em movimento. Esta, por sua parte, depende, sob os pressupostos dados, da massa de força de trabalho ou do número de
trabalhadores que ele explora, e esse número por sua vez é determinado pela grandeza do capital variável por ele adiantado. Dados a taxa de
mais-valia e o valor da força de trabalho, as massas de mais-valia produzidas estarão, assim, em razão direta às grandezas dos capitais
variáveis adiantados. Pois bem, sabe-se que o capitalista divide o seu capital em duas partes. Uma parte despende com meios de produção.
Essa é a parte constante de seu capital. A outra parte converte em força de trabalho viva. Essa parte constitui seu capital variável. Com
base no mesmo modo de produção, difere a divisão do capital em seus componentes constante e variável nos diversos ramos de produção. Den-tro
do mesmo ramo de produção, essa proporção varia ao variar a base técnica e a combinação social do processo de produção. Mas como quer
que um capital dado se decomponha em parte constante e variável, relacionando-se a última para a primeira como 1 : 2, 1 : 10, ou 1 : x,
a lei que acabamos de formular não é afetada, uma vez que, segundo nossa análise anterior, o valor do capital constante reaparece no valor
do produto, mas não entra no novo produto-valor criado. Para utilizar 1 000 fiandeiros, são necessários naturalmente mais matérias-primas,
fusos etc., do que para utilizar 100. O valor desses meios de produção a serem adicionados porém pode subir, cair, permanecer inalterado,
ser grande ou pequeno, mas ele permanece sem nenhuma influência sobre o processo de valorização das forças de trabalho que os põem
em movimento. A lei constatada acima assume, portanto, a seguinte forma: as massas de valor e mais-valia produzidas por diferentes ca-pitais
estão com dado valor da força de trabalho e igual grau de ex-ploração da mesma, em razão direta às grandezas dos componentes
variáveis desses capitais, isto é, de seus componentes transformados em força de trabalho viva.
Essa lei opõe-se evidentemente a toda experiência baseada na mera aparência. Todo mundo sabe que um fabricante de fios que, con-siderando-
se a porcentagem do capital total aplicado, utiliza relativa-mente muito capital constante e pouco variável, não obtém, por isso,
um lucro ou uma mais-valia menor que um padeiro que põe em mo-vimento relativamente muito capital variável e pouco constante. Para
resolver essa contradição aparente necessitam-se ainda muitos termos


OS ECONOMISTAS


420
402#
intermediários, do mesmo modo que, do ponto de vista da álgebra elementar, muitos termos intermediários são necessários para se
compreender que 0 0 pode representar uma grandeza real. Embora
nunca tenha formulado essa lei, a Economia clássica instintivamente apega-se a ela porque é uma conseqüência necessária da lei do valor


em geral. Procura salvá-la mediante abstração forçada das contra-dições da aparência. Mais adiante 577 veremos como a escola de Ri-cardo
tropeçou nessa pedra. A Economia vulgar que "realmente nada tem aprendido" 578 insiste aqui, como em tudo, na aparência, contra
a lei que a rege. Em oposição a Espinosa, ela acredita que "a igno-rância é uma razão suficiente". 579
O trabalho que o capital total de uma sociedade põe em movi-mento, dia a dia, pode ser considerado uma única jornada de trabalho.
Se, por exemplo, o número de trabalhadores é de 1 milhão e a jornada de trabalho média de um trabalhador é de 10 horas, a jornada de
trabalho social será de 10 milhões de horas. Dada a duração desta
jornada de trabalho, a massa de mais-valia só pode ser aumentada por meio do aumento do número de trabalhadores, isto é, da população


trabalhadora. O crescimento da população constitui aqui o limite ma-temático
da produção de mais-valia pelo capital total social. Pelo con-trário. Com dada grandeza da população, esse limite será constituído


pelo prolongamento possível da jornada de trabalho. 580 Ver-se-á no ca-pítulo
seguinte que essa lei só vale para a forma da mais-valia de que tratamos até agora.


Da consideração feita até agora sobre a produção da mais-valia
resulta que não se pode transformar qualquer soma de dinheiro ou de valor em capital, mas que essa transformação pressupõe certo mínimo


de dinheiro ou de valor de troca nas mãos do possuidor individual de dinheiro ou de mercadorias. O mínimo de capital variável é o preço
de custo de uma força individual de trabalho que, durante o ano inteiro,
dia a dia, é desgastada para a obtenção de mais-valia. Se esse traba-


MARX


421
577 Pormenores sobre isso no Livro Quatro. 578 "Eles nada aprenderam e nada esqueceram", dito de Talleyrand sobre os emigrantes aris-tocráticos
retornados à França depois da restauração do domínio dos Bourbons no ano de 1815, que tentaram retomar sua propriedade fundiária e obrigar os camponeses a assumir
de novo suas obrigações feudais. (N. da Ed. Alemã.) 579 "A ignorância é uma razão suficiente." — No apêndice à primeira parte de sua obra Ética,
Espinosa fala de que a ignorância não é razão suficiente e com isso dirige-se contra os representantes da visão clerical-teleológica da Natureza, que colocam como
causa das causas
de todos os fenômenos a "vontade de Deus", e cujo único argumento para isso era a apelação à ignorância de outras causas. (N. da Ed. Alemã.)
580 "O trabalho de uma sociedade, isto é, o tempo empregado na economia, representa uma grandeza dada, digamos 10 horas por dia de 1 milhão de pessoas ou 10 milhões
de horas.
(...) O capital é limitado em seu crescimento. Em cada período dado, esse limite consiste na extensão real do tempo empregado na economia." (An Essay in the Political
Economy
of Nations. Londres, 1821. p. 47-49.)
403#
lhador estivesse de posse de seus próprios meios de produção e se
contentasse em viver como trabalhador, bastar-lhe-ia trabalhar o tempo
necessário para reproduzir seus meios de subsistência, digamos, 8 horas
por dia. Portanto, precisaria apenas de meios de produção para 8 horas
de trabalho. Ao contrário, o capitalista que o faz executar 4 horas de
mais-trabalho além daquelas 8 horas precisa de uma soma de dinheiro
adicional para adquirir os meios de produção adicionais. De acordo
com nossa suposição, porém, teria de empregar dois trabalhadores para
poder viver da mais-valia apropriada diariamente, como um trabalha-dor,
isto é, para poder satisfazer as suas necessidades indispensáveis.
Nesse caso, a finalidade de sua produção seria a mera subsistência, e
não a multiplicação da riqueza, e esta última está pressuposta na
produção capitalista. Para poder viver duas vezes melhor do que um
trabalhador comum e retransformar a metade da mais-valia produzida
em capital, ele teria de multiplicar por 8 ao mesmo tempo o número
de trabalhadores e o mínimo do capital adiantado. No entanto, ele
mesmo pode, como seu trabalhador, participar diretamente do processo
de produção, mas então será apenas um meio-termo entre capitalista
e trabalhador, um "pequeno patrão". Certo grau de desenvolvimento
da produção capitalista exige que o capitalista possa aplicar todo o
tempo, durante o qual funciona como capitalista, isto é, como capital
personificado, à apropriação e portanto ao controle do trabalho alheio
e à venda dos produtos desse trabalho. 581 O sistema corporativo da
Idade Média procurou impedir coercitivamente a transformação do mes-tre-
artesão em capitalista, limitando a um máximo muito reduzido o
número de trabalhadores que um mestre individual podia empregar.
O possuidor de dinheiro ou de mercadorias só se transforma realmente
em capitalista quando a soma mínima adiantada para a produção ul-trapassa
de muito o máximo medieval. Aqui, como nas ciências natu-rais,
comprova-se a exatidão da lei descoberta por Hegel, em sua Lógica,


OS ECONOMISTAS


422
581 "O arrendatário não deve depender do seu próprio trabalho; e se assim o fizer, estará, na minha opinião, perdendo. Sua atividade deve consistir na supervisão
do conjunto: há de
prestar atenção a seu debulhador, pois senão em breve estará perdido o salário pago por cereal que não foi debulhado; do mesmo modo seus ceifeiros, segadores etc.
têm de ser
supervisionados; necessita revisar continuamente suas cercas; tem de cuidar para que nada seja negligenciado; o que será o caso se se limitar a um único ponto."
(ARBUTHNOT, J.
An Enquiry into the Connection between the Price of Provisions and the Size of Farms etc. By a Farmer. Londres, 1773. p. 12.) Esse escrito é muito interessante.
Nele pode-se estudar
a gênese do capitalist farmer * ou merchant farmer, ** como é chamado expressamente, e escutar sua autoglorificação em confronto com o small farmer, *** cujo objetivo
essencial é
a subsistência. "A classe capitalista é liberada de início parcialmente e por fim totalmente da necessidade do trabalho manual." (Textbook of Lectures on the Pol.
Economy of Nations.
By the Rev. Richard Jones. Hertford, 1852. Lecture III, p. 39.) * Agricultor capitalista. (N. dos T.)
** Agricultor mercantil. (N. dos T.)
*** Pequeno agricultor. (N. dos T.)
404#
de que modificações meramente quantitativas em certo ponto se trans-formam em diferenças qualitativas. 582
O mínimo da soma de valor que deve dispor um possuidor indi-vidual de dinheiro ou de mercadorias para metamorfosear-se em ca-pitalista
varia em diferentes graus de desenvolvimento da produção capitalista e, dado o grau de desenvolvimento, é diferente nas diferentes
esferas de produção, conforme as condições técnicas específicas de cada uma. Certas esferas de produção exigem já nas primeiras etapas da
produção capitalista um mínimo de capital que ainda não se encontra em mãos de indivíduos isolados. Isso leva, em parte, o Estado a sub-sidiar
tais particulares, como na França no tempo de Colbert e em alguns Estados alemães até a nossa época, em parte à constituição de
sociedades com monopólio legal para explorar determinados ramos in-dustriais e comerciais 583 — as precursoras das modernas sociedades
por ações.
Não nos deteremos em detalhes das modificações que a relação entre capitalista e trabalhador assalariado sofreu no curso do processo


de produção, nem, portanto, nas demais determinações conseqüentes do próprio capital. Apenas destacaremos aqui alguns poucos pontos
principais.
Dentro do processo de produção, o capital evoluiu para o comando sobre o trabalho, isto é, sobre a força de trabalho em atividade, ou


seja, sobre o próprio trabalhador. O capital personificado, o capitalista, cuida de que o trabalhador execute seu trabalho ordenadamente e com
o grau adequado de intensidade.
O capital evolui, além disso, para uma relação coercitiva que obriga a classe trabalhadora a executar mais trabalho do que exigia


o estreito círculo de suas próprias necessidades vitais. E como produtor de laboriosidade alheia, extrator de mais-trabalho e explorador da força
de trabalho, o capital supera em energia, exorbitância e eficácia todos os sistemas de produção anteriores baseados em trabalho forçado direto.
De início, o capital submete o trabalho ao seu domínio nas con-dições técnicas em que o encontra historicamente. Não altera, portanto,
imediatamente o modo de produção. A produção da mais-valia na forma


MARX


423
582 A teoria molecular aplicada pela Química moderna e desenvolvida cientificamente, pela primeira vez, por Laurent e Gerhardt, não se baseia em outra lei. — {Aditamento
à 3ª
edição} — Para esclarecer essa anotação, bastante obscura para quem não é químico, ob-servamos que o autor fala aqui das "séries homólogas" de compostos de hidrocarbonetos,
assim denominados pela primeira vez por C. Gerhardt em 1843, cada uma das quais tem sua própria fórmula algébrica de composição. Assim a série das parafinas: CnH2n+
2; a dos
álcoois normais: CnH2n+ 2O; a dos ácidos graxos normais: CnH2nO2 e muitas outras. Nos exemplos acima, obtém-se cada vez um corpo qualitativamente diferente mediante
simples
adição quantitativa de CH2 à fórmula molecular. Quanto à participação de Laurent e Ger-hardt, sobrestimada por Marx, na verificação desse fato importante, ver KOPP.
Entwicklung
der Chemie. Munique, 1873. p. 709-716; e SCHORLEMMER. Rise and Progress of Organic Chemistry. Londres, 1879. p. 54. — F. E.
583 Martin Luther chama a tais instituições de "Sociedade Monopolia".
405#
observada até agora, mediante simples prolongamento do dia de tra-balho, parecia, por isso, independente de qualquer mudança do próprio
modo de produção. Não era menos eficaz na padaria antiga do que na moderna fiação de algodão.
Encarado o processo de produção do ponto de vista do processo de trabalho, o trabalhador se comportava para com os meios de pro-dução
não como capital, mas como simples meio e material para sua atividade produtiva racional. Num curtume, por exemplo, trata as peles
como mero objeto de seu trabalho. Não é ao capitalista que ele curte a pele. Tudo é diferente quando observamos o processo de produção
do ponto de vista do processo de valorização. Os meios de produção transformaram-se imediatamente em meios para a absorção de trabalho
alheio. Não é mais o trabalhador quem emprega os meios de produção, mas os meios de produção que empregam o trabalhador. Em vez de
serem consumidos por ele como elementos materiais de sua atividade produtiva, são eles que o consomem como fermento de seu próprio
processo vital, e o processo vital do capital consiste apenas em seu movimento como valor que valoriza a si mesmo. Fornos de fundição e
edifícios de trabalho que se imobilizam à noite e não absorvem nenhum trabalho vivo são "mera perda" (mere loss) para o capitalista. Por isso,
fornos de fundição e edifícios de fábrica constituem um "direito de exigir trabalho noturno" das forças de trabalho. A mera transformação
do dinheiro em fatores objetivos do processo de produção, em meios de produção, torna os últimos títulos jurídicos e títulos coercitivos ao
trabalho e mais-trabalho alheios. Como essa inversão, particular e ca-racterística da produção capitalista, essa distorção da relação entre
trabalho morto e vivo, entre valor e força criadora do valor, se reflete na consciência das cabeças capitalistas será finalmente mostrado por
mais um exemplo. Durante a revolta inglesa dos fabricantes de 1848/ 50, escreveu


"o chefe da fiação de linho e algodão em Paisley, uma das mais antigas e respeitáveis firmas da Escócia ocidental, a com-panhia
Carlyle, Filhos & Cia., existente desde 1752 e dirigida por geração após geração da mesma família" —


esse gentleman extremamente inteligente escreveu uma carta 584 ao Glasgow Daily Mail de 25 de abril de 1849, sob o título "O sistema
de turno", na qual se encontra, entre outras, a seguinte passagem de uma ingenuidade grotesca:


"Consideremos agora os males que decorrem de uma redução do tempo de trabalho de 12 para 10 horas. (...) Eles 'montam' ao


OS ECONOMISTAS


424
584 Reports of Insp. of Fact. for 30th April 1849. p. 59.
406#
dano mais sério das perspectivas e da propriedade do fabricante. Se ele" (isto é, suas "mãos") "trabalhava 12 horas e é limitado
a 10, então cada 12 máquinas ou fusos em seu estabelecimento são reduzidos a 10 (then every 12 machines or spindles, in his
establishment, shrink to 10), e se quisesse vender sua fábrica, seriam avaliados apenas como 10, de modo que seria subtraída,
em todo o país, a sexta parte do valor de cada fábrica". 585
Nesse cérebro capitalista hereditariamente condicionado, da Es-cócia ocidental, o valor dos meios de produção, fusos etc., confunde-se


tanto com sua propriedade de capital de valorizar a si mesmo ou de tragar diariamente determinado quantum de trabalho alheio gratuito,
que o chefe da casa Carlyle & Co. presume realmente que, ao vender sua fábrica, ser-lhe-ia pago não só o valor dos fusos, mas além disso
sua valorização, não só o trabalho contido neles e necessário para pro-duzir fusos do mesmo tipo, mas também o mais-trabalho que eles aju-dam
a extrair diariamente dos honrados escoceses de Paisley. E, por isso, ele pensa que, reduzindo-se a jornada de trabalho em 2 horas, o
preço de venda de cada 12 máquinas de fiar se contrairia ao de 10.


MARX


425
585 Op. cit., p. 60. O inspetor de fábrica Stuart, também escocês e, ao contrário dos inspetores de fábrica ingleses, inteiramente imbuído da forma de pensar capitalista,
observa expres-samente
que essa carta, que incorpora a seu relatório, "É a comunicação mais útil feita por qualquer dos fabricantes que empregam o sistema de turnos e a mais bem concebida
para remover os preconceitos e escrúpulos contra aquele sistema".
407#
SEÇÃO IV
A PRODUÇÃO DA MAIS-VALIA RELATIVA
408#
CAPÍTULO X CONCEITO DA MAIS-VALIA RELATIVA
A parte da jornada de trabalho que apenas produz um equivalente do valor da força de trabalho pago pelo capital foi até agora por nós
considerada uma grandeza constante, o que ela realmente é sob condições de produção dadas, em dado grau de desenvolvimento econômico da so-ciedade.
Para além desse tempo de trabalho necessário, o trabalhador podia trabalhar 2, 3, 4, 6 horas etc. Da grandeza desse prolongamento
dependiam a taxa de mais-valia e a duração da jornada de trabalho. Se o tempo de trabalho necessário era constante, a jornada de trabalho total,
ao contrário, era variável. Suponha agora uma jornada de trabalho, cuja duração e cuja divisão em trabalho necessário e mais-trabalho sejam
dadas. A linha ac, ou seja, a b c, representa, por exemplo, uma jornada de trabalho de 12 horas; o segmento ab 10 horas de
trabalho necessário, o segmento bc 2 horas de mais-trabalho. Como se pode aumentar a produção de mais-valia, isto é, prolongar o mais-tra-balho,
sem qualquer prolongamento ou independentemente de qualquer prolongamento de ac?
Apesar dos limites dados da jornada de trabalho ac, parece que se pode prolongar o segmento bc não estendendo-o além de seu ponto
final c, que é, ao mesmo tempo, o ponto final da jornada de trabalho ac, mas sim deslocando seu ponto inicial b na direção oposta para a.
Suponha que b' b na linha a b' b c seja igual à metade de bc, ou seja, igual a 1 hora de trabalho. Se na jornada
de trabalho de 12 horas ac o ponto b se desloca para b', bc será pro-longado para bc, o mais-trabalho será aumentado de metade, de 2
horas para 3, embora a jornada de trabalho dure, depois como antes, apenas 12 horas. Essa extensão do mais-trabalho de bc para b'c, de 2
horas para 3, é porém evidentemente impossível sem o trabalho ne-cessário contrair-se de ab para ab', de 10 horas para 9. O prolongamento
do mais-trabalho corresponderia à redução do trabalho necessário, ou seja, uma parte do tempo de trabalho que o trabalhador até agora


429
409#
utilizava de fato, para si mesmo, transforma-se em tempo de trabalho para o capitalista. O que teria mudado não seria a duração da jornada
de trabalho, mas sua divisão em trabalho necessário e mais-trabalho. Por outro lado, a grandeza do mais-trabalho é evidentemente
dada, com dada grandeza da jornada de trabalho e dado valor da força de trabalho. O valor da força de trabalho, isto é, o tempo de trabalho
exigido para produzi-la, determina o tempo de trabalho necessário para reprodução de seu valor. Se 1 hora de trabalho se representa num
quantum de ouro de 1/ 2 xelim ou 6 pence e o valor da força de trabalho monta a 5 xelins, o trabalhador tem de trabalhar 10 horas por dia
para repor o valor diário de sua força de trabalho pago pelo capital
ou para produzir um equivalente do valor dos seus meios de subsistência diariamente necessários. Com o valor desses meios de subsistência é


dado o valor de sua força de trabalho, 586 com o valor de sua força de trabalho é dado seu tempo de trabalho necessário. A grandeza do mais-trabalho
obtém-se, porém, subtraindo da jornada de trabalho total o
tempo de trabalho necessário. Subtraindo-se 10 horas de 12 ficam 2, e não se pode ver como, nas condições dadas, o mais-trabalho pode


ser prolongado além de 2 horas. Na verdade, o capitalista pode pagar ao trabalhador, em vez de 5 xelins, 4 xelins e 6 pence ou menos ainda.
Para reproduzir esse valor de 4 xelins e 6 pence bastariam 9 horas de trabalho, cabendo assim ao mais-trabalho 3 horas em vez de 2 da
jornada de trabalho de 12 horas e aumentando-se a própria mais-valia de 1 xelim para 1 xelim e 6 pence. Mas esse resultado somente seria
obtido mediante compressão do salário do trabalhador abaixo do valor
de sua força de trabalho. Com os 4 xelins e 6 pence que produz em 9 horas, ele dispõe de 1/ 10 menos meios de subsistência do que antes,


e assim a reprodução de sua força de trabalho só se dá de maneira atrofiada. O mais-trabalho neste caso apenas seria prolongado por ul-trapassar
seus limites normais, seu domínio só se expandiria usurpando parte do domínio do trabalho necessário. Apesar do papel importante
que esse método desempenha no movimento real do salário, ele é aqui excluído pelo pressuposto de que as mercadorias, inclusive portanto a
força de trabalho, sejam compradas e vendidas por seu pleno valor.


OS ECONOMISTAS


430
586 O valor do salário médio diário determina-se pelo que o trabalhador precisa "para viver, trabalhar e reproduzir-se". (PETTY, William. Political Anatomy of Ireland.
1672. p. 64.) "O
preço do trabalho é sempre determinado pelo preço dos meios de subsistência necessários." O trabalhador não recebe o salário adequado "quando (...) o salário do
trabalhador não
basta para alimentar uma família tão grande como costuma ser o destino de muitos deles, de acordo com sua baixa condição social e sua situação de trabalhadores".
(VANDERLINT,
J. Op. cit., p. 15.) "O simples trabalhador que nada possui além dos seus braços e de sua aplicação nada tem a não ser quando consegue vender seu trabalho a outros.
(...) Em
qualquer espécie de trabalho tem de ocorrer, e de fato ocorre, que o salário do trabalhador fica limitado ao que ele precisa para seu sustento." (TURGOT. Réflexions
etc. In: Oeuvres.
Ed. Daire, t. I, p. 10.) "O preço dos meios de subsistência é, de fato, igual aos custos da produção do trabalho." (MALTHUS. Inquiry into etc. Rent. Londres, 1815.
p. 48, nota.)
410#
Uma vez admitido isso, o tempo de trabalho necessário para produzir
a força de trabalho ou para reproduzir seu valor pode diminuir, não
porque o salário do trabalhador cai abaixo do valor de sua força de
trabalho, mas só porque esse próprio valor cai. Com a duração da
jornada de trabalho dada o prolongamento do mais-trabalho tem de
decorrer da redução do trabalho necessário e não do contrário, ou seja,
a redução do trabalho necessário do prolongamento do mais-trabalho.
Em nosso exemplo, o valor da força de trabalho realmente tem de cair de 1/ 10 para que o tempo de trabalho necessário diminua de 1/ 10, de 10


horas para 9, e assim se prolongue o mais-trabalho de 2 horas para 3. Porém, tal diminuição do valor da força de trabalho de 1/ 10 re-quer,
por sua vez, que se produza em 9 horas a mesma quantidade de meios de subsistência que antes se produzia em 10. Isso porém é
impossível, sem aumentar a força produtiva do trabalho. Com os meios dados, um sapateiro pode, por exemplo, fazer um par de botas numa
jornada de trabalho de 12 horas. Para fazer, no mesmo tempo, dois pares de botas, tem de duplicar-se a força produtiva de seu trabalho,
e ela não pode duplicar-se sem alteração em seus meios de trabalho ou em seu método de trabalho, ou em ambos ao mesmo tempo. Por
isso tem de ocorrer uma revolução nas condições de produção de seu trabalho, isto é, em seu modo de produção, e portanto no próprio pro-cesso
de trabalho. Entendemos aqui por aumento da força produtiva do trabalho em geral uma alteração no processo de trabalho, pela qual
se reduz o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir uma mercadoria, que um menor quantum de trabalho adquira portanto
a força para produzir um maior quantum de valor de uso. 587 Enquanto pois na produção da mais-valia, na forma até aqui considerada, o modo
de produção é suposto como dado, não basta de modo algum, para produzir mais-valia mediante a transformação do trabalho necessário
em mais-trabalho, que o capital se apodere do processo de trabalho em sua forma historicamente herdada ou já existente, e apenas alongue
sua duração. Tem de revolucionar as condições técnicas e sociais do processo de trabalho, portanto o próprio modo de produção, a fim de
aumentar a força produtiva do trabalho, mediante o aumento da força produtiva do trabalho reduzir o valor da força de trabalho, e assim
encurtar parte da jornada de trabalho necessária para a reprodução deste valor.


A mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de tra-


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431
587 "Quando os ofícios se aperfeiçoam, isso não significa outra coisa que a descoberta de novos caminhos para que se possa fabricar um produto com menos pessoas
ou (o que é o mesmo)
em menos tempo que antes." (GALIANI. Op. cit., p. 158-159.) "A redução dos custos da produção não pode ser outra coisa senão a economia da quantidade de trabalho
aplicada
na produção." (SISMONDI. Études etc. t. I, p. 22.)
411#
balho chamo de mais-valia absoluta; a mais-valia que, ao contrário, decorre da redução do tempo de trabalho e da correspondente mudança
da proporção entre os dois componentes da jornada de trabalho chamo de mais-valia relativa.


Para que diminua o valor da força de trabalho, o aumento da força produtiva tem de atingir ramos industriais cujos produtos deter-minam
o valor da força de trabalho, que, portanto, ou pertençam à esfera dos meios de subsistência costumeiros ou possam substituí-los.
Mas o valor de uma mercadoria não é determinado apenas pelo quan-tum de trabalho que lhe dá sua forma definitiva, mas também pela
massa de trabalho contida em seus meios de produção. O valor de uma bota, por exemplo, não se determina apenas pelo trabalho do
sapateiro, mas também pelo valor do couro, do pez, do fio etc. O aumento da força produtiva e o correspondente barateamento das mercadorias
nas indústrias que fornecem os elementos materiais do capital cons-tante, os meios de trabalho e o material de trabalho para produzir os
meios de subsistência necessários, do mesmo modo reduzem o valor da força de trabalho. Por outro lado, em ramos de produção que não
fornecem nem meios de subsistência necessários nem meios de produção para fabricá-los, o aumento da força produtiva deixa o valor da força
de trabalho igual ao que era.
A mercadoria mais barata diminui naturalmente o valor da força de trabalho apenas pro tanto, isto é, na proporção em que entra na
reprodução da força de trabalho. Camisas, por exemplo, são meios de subsistência necessários, mas só um entre muitos. Seu barateamento
diminui apenas a despesa do trabalhador com camisas. A totalidade dos meios de subsistência compõe-se, porém, de diferentes mercadorias,
todos produtos de indústrias particulares, e o valor de cada uma dessas mercadorias constitui uma parte alíquota do valor da força de trabalho.
Esse valor diminui com o tempo de trabalho necessário à sua repro-dução, cuja redução total é igual à soma de suas reduções em todos
aqueles ramos de produção particulares. Tratamos esse resultado geral aqui como se fosse resultado direto e fim direto em cada caso individual.
Quando um capitalista individual mediante o aumento da força pro-dutiva do trabalho barateia, por exemplo, camisas, não lhe aparece
necessariamente como objetivo reduzir o valor da força de trabalho e, com isso, o tempo de trabalho necessário pro tanto, mas na medida
em que, por fim, contribui para esse resultado, contribuirá para elevar a taxa geral de mais-valia. 588 As tendências gerais e necessárias do
capital devem ser diferenciadas de suas formas de manifestação.


OS ECONOMISTAS


432
588 "Se o fabricante, por meio do aperfeiçoamento da maquinaria, duplica seus produtos (...) só ganha (ao final), se isso lhe capacita vestir mais barato o trabalhador
(...) e assim uma
parte menor do rendimento total fica com o trabalhador." (RAMSAY. Op. cit., p. 168-169.)
412#
O modo como as leis imanentes da produção capitalista aparecem no movimento externo dos capitais, como se impõem como leis coerci-tivas
da concorrência e assim surgem na consciência do capitalista individual como motivos impulsionadores não é para ser apreciado ago-ra,
mas esclareçamos de antemão: uma análise científica da concor-rência só é possível depois de se compreender a natureza interna do
capital, do mesmo modo que o movimento aparente dos corpos celestes somente é compreensível para quem conhece seu movimento real, em-bora
imperceptível aos sentidos. Não obstante, para compreender a produção da mais-valia relativa com base apenas nos resultados já
obtidos, deve-se observar o seguinte. Se 1 hora de trabalho se representa num quantum de ouro de
6 pence ou 1/ 2 xelim, numa jornada de trabalho de 12 horas se produzirá um valor de 6 xelins. Admita-se que, com a força produtiva de trabalho
dada, se produzam 12 peças de mercadoria nestas 12 horas de trabalho. O valor dos meios de produção, matéria-prima etc., gastos em cada
peça seja de 6 pence. Nessas circunstâncias, cada mercadoria custa 1 xelim, a saber, 6 pence pelo valor dos meios de produção e 6 pence
pelo novo valor adicionado em sua elaboração. Que um capitalista con-siga agora duplicar a força produtiva e produzir, portanto, durante a
jornada de trabalho de 12 horas, 24 peças dessa espécie de mercadoria, em vez de 12. Permanecendo inalterado o valor dos meios de produção,
o valor de cada mercadoria individual cai a 9 pence, a saber, 6 pence para o valor dos meios de produção e 3 pence para o novo valor adi-cionado
pelo último trabalho. Apesar da força produtiva duplicada, a jornada de trabalho gera, depois como antes, apenas um novo valor
de 6 xelins, que se distribui, entretanto, sobre duas vezes mais produtos. Sobre cada produto singular cai por isso apenas 1/ 24 em vez de 1/ 12
desse valor total, 3 pence em vez de 6 ou, o que é o mesmo, aos meios de produção em sua transformação em produto, contando-se cada peça,
adiciona-se agora apenas 1/ 2 hora de trabalho em vez de 1 hora inteira, como antes. O valor individual dessa mercadoria fica agora abaixo de
seu valor social, isto é, ela custa menos tempo de trabalho do que a grande massa dos mesmos artigos produzidos nas condições sociais
médias. A peça custa em média 1 xelim ou representa 2 horas de trabalho social; com o modo de produção modificado custa apenas 9
pence ou contém somente 1 1/ 2 hora de trabalho. O verdadeiro valor de uma mercadoria, porém, não é seu valor individual, mas sim seu
valor social, isto é, não se mede pelo tempo de trabalho que custa realmente ao produtor, no caso individual, mas pelo tempo de trabalho
socialmente exigido para sua produção. Portanto, se o capitalista que aplica o novo método vende sua mercadoria por seu valor social de 1
xelim, ele a venderá 3 pence acima de seu valor individual, realizando assim uma mais-valia extra de 3 pence. Mas, por outro lado, a jornada
de trabalho de 12 horas representa-se para ele agora em 24 peças de


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433
413#
mercadoria, em vez de 12, como antes. Para vender, portanto, o produto de uma jornada de trabalho, ele precisa de uma demanda duplicada
ou de um mercado duas vezes maior. Permanecendo iguais as demais circunstâncias, suas mercadorias só conquistarão maior espaço no mer-cado
mediante contração de seus preços. Por isso, ele as venderá acima de seu valor individual, mas abaixo de seu valor social, digamos por
10 pence cada peça. Desse modo, ele obtém ainda de cada peça indi-vidual uma mais-valia extra de 1 pêni. Essa elevação da mais-valia
se realiza para ele, pertença ou não sua mercadoria à esfera dos meios de subsistência necessários e que, por isso, entram na determinação
do valor geral da força de trabalho. Abstraindo dessa última circuns-tância, existe, portanto, para cada capitalista individual, motivo para ba-ratear
a mercadoria mediante aumento da força produtiva do trabalho. No entanto, mesmo nesse caso, a produção mais elevada de mais-valia
decorre da redução do tempo de trabalho necessário e do corres-pondente prolongamento do mais-trabalho. 589 Suposto que o tempo de
trabalho necessário seja de 10 horas ou o valor diário da força de trabalho de 5 xelins, o mais-trabalho, de 2 horas, a mais-valia produzida
diariamente portanto é de 1 xelim. Mas nosso capitalista produz agora 24 peças que vende por 10 pence cada uma ou por 20 xelins todas
juntas. Como o valor dos meios de produção é igual a 12 xelins, 14 2/ 5 peças da mercadoria apenas repõem o capital constante adiantado.
A jornada de trabalho de 12 horas representa-se nas 9 3/ 5 peças res-tantes. Como o preço da força de trabalho é de 5 xelins, o tempo de
trabalho necessário representa-se em 6 peças produzidas e o mais-tra-balho em 3 3/ 5. A proporção entre o trabalho necessário e o mais-tra-balho
que, nas condições sociais médias, era de 5: 1, é agora apenas de 5: 3. O mesmo resultado se obtém da maneira seguinte: o valor do
produto da jornada de trabalho de 12 horas é de 20 xelins. Destes, 12 xelins pertencem ao valor dos meios de produção, que apenas reaparece.
Restam, portanto, 8 xelins como expressão monetária do valor em que se representa a jornada de trabalho. Essa expressão monetária é maior
do que a expressão monetária do trabalho social médio da mesma espécie, da qual 12 horas se representam em apenas 6 xelins. O trabalho
de força produtiva excepcional atua como trabalho potenciado ou cria, no mesmo espaço de tempo, valores maiores do que o trabalho social
médio da mesma espécie. Mas nosso capitalista paga, depois como antes, apenas 5 xelins pelo valor diário da força de trabalho. O trabalhador
precisa, portanto, em vez de como antes 10 horas, agora apenas de 7


OS ECONOMISTAS


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589 "O lucro de uma pessoa não depende de seu comando sobre o produto do trabalho dos outros, mas de seu comando sobre o próprio trabalho. Se pode vender suas mercadorias
a
um preço mais alto, enquanto os salários de seus trabalhadores ficam inalterados, obterá evidentemente lucros daí. (...) Uma parte menor do que produz basta para
pôr esse trabalho
em movimento e, em conseqüência, fica para ele uma parte maior do produto." ([ CAZENOVE, J.] Outlines of Polit. Econ. Londres, 1832. p. 49-50.)
414#
1/ 2 para reproduzir esse valor. Seu mais-trabalho aumenta, por isso, de 2 1/ 2 horas e a mais-valia por ele produzida, de 1 para 3 xelins.
O capitalista que aplica o modo de produção aperfeiçoado apropria-se portanto de maior parte da jornada de trabalho para o mais-trabalho
do que os demais capitalistas no mesmo ramo. Ele faz individualmente o que o capital, na produção da mais-valia relativa, faz em conjunto.
Mas, por outro lado, aquela mais-valia extra desaparece tão logo se generaliza o novo modo de produção, pois com isso a diferença entre
o valor individual das mercadorias produzidas mais baratas e seu valor social se desvanece. A mesma lei da determinação do valor pelo tempo
de trabalho, que se fez sentir ao capitalista com o novo método na forma de ter que vender sua mercadoria abaixo de seu valor social,
impele seus competidores, como lei coercitiva da concorrência, a aplicar o novo modo de produção. 590 Portanto, o processo inteiro só afeta fi-nalmente
a taxa geral de mais-valia se o aumento da força produtiva do trabalho atingiu ramos de produção, portanto barateou mercadorias,
que entram no círculo dos meios de subsistência necessários e conse-qüentemente constituem elementos do valor da força de trabalho.
O valor das mercadorias está na razão inversa da força produtiva do trabalho. Do mesmo modo, por ser determinado por valores de mer-cadorias,
o valor da força de trabalho. A mais-valia relativa, ao con-trário, está na razão direta da força produtiva do trabalho. Sobe com
força produtiva em aumento e cai com força produtiva em queda. Per-manecendo inalterado o valor do dinheiro, uma jornada de trabalho
social média de 12 horas produz sempre o mesmo produto-valor de 6 xelins, qualquer que seja a distribuição dessa soma de valor entre
equivalente do valor da força de trabalho e mais-valia. Mas, se em conseqüência do aumento da força produtiva cair o valor dos meios
diários de subsistência e, por isso, o valor diário da força de trabalho de 5 xelins para 3, a mais-valia aumentará de 1 xelim para 3. Para
reproduzir o valor da força de trabalho eram necessárias 10 horas de trabalho e agora bastam 6. Quatro horas de trabalho foram liberadas
e podem ser anexadas ao domínio do mais-trabalho. Por isso, é impulso imanente e tendência constante do capital aumentar a força produtiva
do trabalho para baratear a mercadoria e, mediante o barateamento da mercadoria, baratear o próprio trabalhador. 591


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435
590 "Se meu vizinho pode vender barato por produzir muito com pouco trabalho, tenho de tratar de vender tão barato quanto ele. Desse modo, cada arte, cada procedimento
ou cada
máquina que consegue trabalhar com menor número de mãos e conseqüentemente mais barato provoca nos outros uma espécie de coerção e uma competição, seja para aplicar
a
mesma arte, o mesmo procedimento ou a mesma máquina, seja para inventar algo seme-lhante, a fim de que todos fiquem no mesmo nível e ninguém possa vender por menor
preço do que seu vizinho." (The Advantages of the East India Trade to England. Londres, 1720. p. 67.)
591 "Qualquer que seja a proporção em que se diminuam as despesas de um trabalhador, seu salário diminuirá na mesma proporção quando, ao mesmo tempo, são eliminadas
as res-
415#
O valor absoluto da mercadoria é, em princípio, indiferente ao capitalista que a produz. Só lhe interessa a mais-valia contida nela e
realizável na venda. A realização da mais-valia implica, por si mesma, a reposição do valor adiantado. Uma vez que a mais-valia relativa
cresce na razão direta do desenvolvimento da força produtiva do tra-balho, enquanto o valor das mercadorias cai na razão inversa desse
mesmo desenvolvimento, sendo, portanto, o mesmo processo idêntico que barateia as mercadorias e eleva a mais-valia contida nelas, fica
solucionado o mistério de que o capitalista, para quem importa apenas a produção de valor de troca, tenta constantemente reduzir o valor de
troca das mercadorias, uma contradição com que um dos fundadores da Economia Política, Quesnay, atormentava seus adversários e à qual
eles lhe ficaram devendo a resposta.
"Reconheceis", diz Quesnay, "que quanto mais se puder, sem prejuízo para a produção, poupar custos ou trabalhos dispendiosos


na fabricação de produtos industriais, tanto mais vantajosa será essa poupança, porque diminui o preço do produto. E apesar disso
acreditais que a produção da riqueza que decorre dos trabalhos dos industriais consiste no aumento do valor de troca de seus
produtos." 592
Economia do trabalho por meio do desenvolvimento da força pro-dutiva do trabalho 593 não objetiva, portanto, na produção capitalista,


a redução da jornada de trabalho. Seu objetivo é apenas reduzir o tempo de trabalho necessário para a produção de determinado quantum
de mercadorias. O fato de que o trabalhador com força produtiva au-mentada de seu trabalho, produz, em 1 hora, digamos 10 vezes mais


OS ECONOMISTAS


436
trições sobre a indústria." (Considerations, Concerning Taking off the Bounty on Corn Ex-ported etc. Londres, 1753. p. 7.) "O interesse da indústria exige que cereais
e todos os meios
de subsistência sejam tão baratos quanto possível; o que quer que os encareça, há de encarecer também o trabalho (...) em todos os países, nos quais a indústria
não está sujeita
a restrições, o preço dos meios de subsistência tem de influenciar o preço do trabalho. Este será sempre rebaixado, quando os meios de subsistência necessários se
tornam mais baratos."
(Op. cit., p. 3.) "Os salários são rebaixados na mesma proporção em que crescem as forças produtivas. A máquina na realidade barateia os meios de subsistência necessários,
mas ela
barateia, além disso, também o trabalhador." (A Prize Essay on the Comparative Merits of Competition and Cooperation. Londres, 1834. p. 27.)
592 "Ils conviennent que plus on peut, sans préjudice, épargner de frais ou de travaux dispen-dieux dans la fabrication des ouvrages des artisans, plus cette épargne
est profitable par
la diminution des prix et des ouvrages. Cependant ils croient que la production de richesse que résulte des travaux des artisans consiste dans l'augmentation de
la valeur vénale de
leurs ouvrages." (QUESNAY. Dialogues sur le Commerce et sur les Travaux des Artisans. p. 188-189.)
593 "Esses especuladores que poupam tanto o trabalho dos trabalhadores que teriam de pagar." (BIDAUT, J. N. Du Monopole qui s'Établit dans les Arts Industriels et
le Commerce. Paris,
1828. p. 13.) "O empresário fará sempre tudo para poupar tempo e trabalho." (STEWART, Dugald. Works. Ed. por Sir W. Hamilton, v. VIII, Edimburgo, 1855. Lectures
on Polit. Econ.
p. 318.) "Eles" (os capitalistas) "estão interessados em que as forças produtivas dos traba-lhadores que empregam sejam as maiores possíveis. Em aumentar essa força
sua atenção
se fixa e na verdade quase exclusivamente." (JONES, R. Op. cit., Lecture III.)
416#
mercadorias que antes, precisando, portanto, 10 vezes menos tempo de trabalho para cada peça de mercadoria, não impede, de modo algum,
de fazê-lo trabalhar, assim como antes, 12 horas e produzir, nestas 12 horas, 1 200 peças em vez de como antes 120. Sua jornada de trabalho
até pode ser prolongada, ao mesmo tempo, de modo que produza agora, em 14 horas, 1 400 peças etc. Por isso, nos economistas da estirpe de
um MacCulloch, Ure, Senior e tutti quanti, pode-se ler, numa página, que o trabalhador deve gratidão ao capital pelo desenvolvimento das
forças produtivas, porque este reduz o tempo de trabalho necessário, e na página seguinte, que ele deve manifestar essa gratidão passando
a trabalhar, em vez de 10, 15 horas. O desenvolvimento da força pro-dutiva do trabalho, no seio da produção capitalista, tem por finalidade
encurtar a parte da jornada de trabalho durante a qual o trabalhador tem de trabalhar para si mesmo, justamente para prolongar a outra
parte da jornada do trabalho durante a qual pode trabalhar gratuita-mente para o capitalista. Até que ponto pode-se alcançar ainda esse
resultado sem baratear as mercadorias, mostrar-se-á nos métodos parti-culares de produção da mais-valia relativa, a cujo exame passamos agora.


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417#
CAPÍTULO XI COOPERAÇÃO
A produção capitalista começa, como vimos, de fato apenas onde um mesmo capital individual ocupa simultaneamente um número maior
de trabalhadores, onde o processo de trabalho, portanto, amplia sua extensão e fornece produtos numa escala quantitativa maior que antes.
A atividade de um número maior de trabalhadores, ao mesmo tempo, no mesmo lugar (ou, se se quiser, no mesmo campo de trabalho), para
produzir a mesma espécie de mercadoria, sob o comando do mesmo capitalista, constitui histórica e conceitualmente o ponto de partida da
produção capitalista. Com respeito ao próprio modo de produção, a manufatura, por exemplo, mal se distingue, nos seus começos, da in-dústria
artesanal das corporações, a não ser pelo maior número de trabalhadores ocupados simultaneamente pelo mesmo capital. A oficina
do mestre-artesão é apenas ampliada. De início, a diferença é, portanto, meramente quantitativa. Viu-se
que a massa de mais-valia produzida por determinado capital é igual à mais-valia fornecida por um trabalhador individual, multiplicada pelo
número de trabalhadores simultaneamente ocupados. Esse número, em si e para si, em nada altera a taxa da mais-valia ou o grau de
exploração da força de trabalho, e quanto à produção de valor mercantil — em geral, qualquer modificação quantitativa do processo de trabalho
parece ser indiferente. Isso decorre da natureza do valor. Se uma jor-nada de trabalho se objetiva em 6 xelins, então 1 200 de tais jornadas
em 6 xelins x 1 200. Em um caso incorporam-se 12 horas de trabalho e no outro, 12 x 1 200 aos produtos. Na produção de valor, os muitos
sempre contam como muitos indivíduos. Para a produção de valor, não faz diferença que 1 200 trabalhadores produzam isoladamente ou uni-ficados
sob o comando do mesmo capital. Contudo, dentro de certos limites, ocorre uma modificação. O
trabalho objetivado em valor é trabalho de qualidade social média, portanto a manifestação de uma força de trabalho média. Mas uma


439
418#
grandeza média existe sempre apenas como média de muitas grandezas diferentes individuais da mesma espécie. Em cada ramo industrial, o
trabalhador individual, Pedro ou Paulo, difere mais ou menos do tra-balhador médio. Esses desvios individuais, chamados em Matemática
de "erros", compensam-se e desaparecem, tão logo se tome um número maior de trabalhadores em conjunto. Edmund Burke, o famoso sofista
e sicofanta, pretende até saber, com base nas suas experiências práticas de arrendatário, que toda diferença individual do trabalho já desaparece
"num pelotão tão pequeno" quanto o de 5 servos agrícolas; portanto, que os 5 primeiros servos agrícolas ingleses no melhor da idade adulta
executarão juntamente, no mesmo tempo, a mesma quantidade de tra-balho que quaisquer outros 5 servos agrícolas ingleses. 594 Como quer
que seja, é claro que a jornada total de trabalho de um número rela-tivamente grande de trabalhadores simultaneamente empregados, di-vidido
pelo número de trabalhadores, é em si e para si uma jornada de trabalho social média. Suponhamos que a jornada de um trabalhador
individual seja de 12 horas. Assim, uma jornada de trabalho de 12 trabalhadores simultaneamente ocupados constitui então uma jornada
global de 144 horas, e embora o trabalho de cada um dessa dúzia se desvie mais ou menos do trabalho social médio, o indivíduo podendo
por isso precisar de mais ou menos tempo para a mesma operação, a jornada de trabalho de cada indivíduo, como 1/ 12 da jornada global
de 144 horas, possui a qualidade social média. Mas, para o capitalista que emprega 1 dúzia, existe a jornada de trabalho como jornada de
trabalho global da dúzia. A jornada de trabalho de cada indivíduo existe como parte alíquota da jornada de trabalho global, independen-temente
do fato dos 12 colaborarem entre si ou que toda a conexão entre seus trabalhos consista apenas em trabalharem para o mesmo
capitalista. Se, ao contrário, dos 12 trabalhadores forem empregados 2 de cada vez por um pequeno mestre, será uma casualidade que cada
mestre produza a mesma massa de valor e portanto realize a taxa geral de mais-valia. Ocorreriam desvios individuais. Se um trabalhador
utilizasse significativamente mais tempo na produção de uma merca-doria do que o socialmente exigido, se o tempo de trabalho individual-mente
necessário se desviasse significativamente do tempo de trabalho socialmente necessário ou tempo de trabalho médio, seu trabalho não


OS ECONOMISTAS


440
594 "Sem dúvida, existe grande diferença entre o valor do trabalho de um homem e o de outro, em virtude da diferença de força, habilidade e honesta diligência. Porém,
com base em
minhas cuidadosas observações, estou completamente seguro de que quaisquer 5 homens, em sua totalidade, realizarão uma quantidade de trabalho igual à de quaisquer
outros 5,
que se encontram nos períodos de vida mencionados. Isto é, que entre esses 5 homens encontre-se 1 que tem todas as qualidades de um bom trabalhador, 1 que é um mau
trabalhador, enquanto os outros 3 são médios e se aproximam do primeiro e do último. Assim se encontrará, portanto, em um grupo tão pequeno de 5 homens mesmo a totalidade
de tudo o que 5 homens podem render." (BURKE, E. Op. cit., p. 15-16.) Ver Quételet sobre o indivíduo médio.
419#
contaria como trabalho médio nem sua força de trabalho como força de trabalho média. Esta não se venderia ao todo ou apenas abaixo do
valor médio da força de trabalho. Pressupõe-se, portanto, determinado mínimo de eficiência no trabalho, e veremos mais adiante que a pro-dução
capitalista encontra meios para medir esse mínimo. Nem por isso esse mínimo deixa de se desviar da média, embora, por outro lado,
o valor médio da força de trabalho tenha de ser pago. Dos 6 pequenos mestres, portanto, um obteria mais, outro menos do que a taxa geral
da mais-valia. As desigualdades se compensariam para a sociedade, mas não para o mestre individual. Portanto, a lei geral da valorização
só se realiza completamente para o produtor individual tão logo ele produza como capitalista, empregue muitos trabalhadores, ao mesmo
tempo, pondo assim em movimento, desde o início, trabalho social médio. 595 Mesmo não se alterando o modo de trabalho, o emprego simul-tâneo
de um número relativamente grande de trabalhadores efetua uma revolução nas condições objetivas do processo de trabalho. Edifícios
em que muitos trabalham, depósitos para matéria-prima etc., recipien-tes, instrumentos, aparelhos etc., que servem a muitos simultânea ou
alternadamente, em suma, uma parte dos meios de produção é agora consumida em comum no processo de trabalho. Por um lado, o valor
de troca de mercadorias e, portanto, também de meios de produção, não aumenta por uma exploração qualquer aumentada de seu valor
de uso. Por outro lado, cresce a escala dos meios de produção utilizados em comum. Um quarto em que trabalham 20 tecelões com seus 20
teares deve ser mais espaçoso do que o quarto de 1 tecelão com 2 ajudantes. Mas a produção de uma oficina para 20 pessoas custa menos
trabalho do que a produção de 10 oficinas para 2 pessoas cada uma, e assim o valor de meios de produção coletivos e concentrados massi-vamente
não cresce em geral na proporção de seu volume e seu efeito útil. Meios de produção utilizados em comum cedem parte menor do
seu valor ao produto individual, seja porque o valor global que trans-ferem se reparte simultaneamente por uma massa maior de produtos,
seja porque, comparados com meios de produção isolados, entram no processo de produção com um valor que, embora seja absolutamente
maior, considerando sua escala de ação, é relativamente menor. Com isso diminui um componente do valor do capital constante, diminuindo
também, portanto, na proporção de sua grandeza, o valor total da mer-cadoria. O efeito é o mesmo que se os meios de produção da mercadoria


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595 O senhor prof. Roscher pretende ter descoberto que 1 costureira que durante 2 dias é empregada pela senhora professora realiza mais trabalho que 2 costureiras
que a senhora
professora emprega no mesmo dia. * O senhor professor não devia fazer suas observações sobre o processo de produção capitalista no quarto das crianças e nem em circunstâncias
em que falta o personagem principal, o capitalista. * ROSCHER, W. Die Grundlagen der Nationaloekonomie. 3ª ed., Stuttgart, Augsburg, 1858.
p. 88-89. (N. da Ed. Alemã.)
420#
fossem produzidos mais baratos. Essa economia no emprego dos meios de produção decorre apenas de seu consumo coletivo no processo de
trabalho de muitos. E eles adquirem esse caráter de condições do tra-balho social ou condições sociais do trabalho em contraste com os meios
de produção dispersos e relativamente custosos de trabalhadores au-tônomos isolados ou pequenos patrões, mesmo quando os muitos apenas
trabalham no mesmo local, sem colaborar entre si. Parte dos meios de trabalho adquire esse caráter social antes que o próprio processo
de trabalho o adquira. O economizar meios de produção, em geral, tem de ser considerado
de um duplo ponto de vista. Uma vez, na medida em que barateia mercadorias, abaixando desse modo o valor da força de trabalho. Outra
vez, na medida em que modifica a proporção entre mais-valia e o capital global adiantado, isto é, a soma de valor de seus componentes constante
e variável. Esse último ponto será examinado na parte primeira do Livro Terceiro desta obra, onde, por causas contextuais, trataremos
também de assuntos que teriam aqui seu lugar. A marcha da análise exige essa quebra do objeto que corresponde, ao mesmo tempo, ao
espírito da produção capitalista. Como aqui, com efeito, as condições de trabalho se colocam em face do trabalhador de forma autônoma, o
economizá-las apresenta-se também como uma operação particular, que em nada lhe interessa e que por isso se separa dos métodos que elevam
sua produtividade pessoal. A forma de trabalho em que muitos trabalham planejadamente
lado a lado e conjuntamente, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos, chama-se cooperação. 596
Do mesmo modo que a força de ataque de um esquadrão de ca-valaria ou a força de resistência de um regimento de infantaria difere
essencialmente da soma das forças de ataque e resistência desenvol-vidas individualmente por cada cavaleiro e infante, a soma mecânica
das forças de trabalhadores individuais difere da potência social de forças que se desenvolve quando muitas mãos agem simultaneamente
na mesma operação indivisa, por exemplo, quando se trata de levantar uma carga, fazer girar uma manivela ou remover um obstáculo. 597 O
efeito do trabalho combinado não poderia neste caso ser produzido ao todo pelo trabalho individual ou apenas em períodos de tempo muito
mais longos ou somente em ínfima escala. Não se trata aqui apenas do aumento da força produtiva individual por meio da cooperação, mas


OS ECONOMISTAS


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596 "Concours de forces." (DESTUTT DE TRACY. Op. cit., p. 80.) 597 "Existem numerosas operações de espécie tão simples que não permitem sua decomposição
em partes, entretanto apenas mediante ação conjunta de muitos pares de mãos podem ser executadas. Assim, o levantar um grande tronco de árvore sobre um carro (...),
em suma,
tudo que não pode ser feito, sem que grande número de pares de mãos se ajudem mútua e simultaneamente na mesma tarefa indivisa." (WAKEFIELD, E. G. A View of the
Art of
Colonization. Londres, 1849. p. 168.)
421#
da criação de uma força produtiva que tem de ser, em si e para si, uma força de massas. 598
Abstraindo da nova potência de forças que decorre da fusão de
muitas forças numa força global, o mero contato social provoca, na
maioria dos trabalhos produtivos, emulação e excitação particular dos
espíritos vitais (animal spirits) que elevam a capacidade individual de
rendimento das pessoas, de forma que 1 dúzia de pessoas juntas, numa
jornada simultânea de 144 horas, proporciona um produto global muito
maior do que 12 trabalhadores isolados, cada um dos quais trabalha
12 horas, ou do que 1 trabalhador que trabalhe 12 dias consecutivos. 599
Isso resulta do fato de que o homem é, por natureza, se não um animal
político, 600 como acha Aristóteles, em todo caso um animal social. Embora muitos executem simultânea e conjuntamente o mesmo


ou algo semelhante, o trabalho individual de cada um pode ainda assim
representar, como parte do trabalho global, diferentes fases do próprio processo de trabalho, as quais o objeto de trabalho percorre mais ra-pidamente


em virtude da cooperação. Assim, por exemplo, quando pe-dreiros formam uma fila de mãos para levar tijolos do pé ao alto do
andaime, cada um deles faz o mesmo, mas não obstante as operações individuais formam partes contínuas de uma operação global, fases
específicas, que cada tijolo tem de percorrer no processo de trabalho, e pelas quais, digamos, as 24 mãos do trabalhador coletivo o trans-portam
mais rapidamente do que as 2 mãos de cada trabalhador in-dividual que subisse e descesse o andaime. 601 O objeto de trabalho


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598 "Enquanto um homem não é capaz de levantar 1 tonelada e 10 homens precisam esforçar-se para isso, 100 homens, porém, podem fazê-lo com a força apenas de um de
seus dedos."
(BELLERS, John. Proposals for Raising a Colledge of Industry. Londres, 1696. p. 21.) 599 "Há também" (quando, por exemplo, o mesmo número de trabalhadores é empregado
por
um arrendatário com 300 acres em vez de por 10 arrendatários com 30 acres cada um) "uma vantagem no número relativo dos servos, a qual não é tão fácil de reconhecer,
a não
ser por homens de prática. Diz-se naturalmente que assim como 1 está para 4, assim 3 está para 12; mas isso não se confirma na prática. Pois no tempo da colheita
e em muitas
outras operações que exigem a mesma pressa, o trabalho é realizado melhor e mais rápido pela união de muitas forças de trabalho. Por exemplo durante a colheita,
2 carroceiros, 2
carregadores, 2 enfeixadores, 2 recolhedores e os trabalhadores restantes no palheiro ou no celeiro realizam o dobro do trabalho que o mesmo número de trabalhadores,
se estivessem
divididos em grupos separados e em diferentes sítios." ([ ARBUTHNOT, J.] An Inquiry into the Connection between the Present Price of Provisions and the Size of Farmns.
Por um
farmer, Londres, 1773. p. 7-8.) 600 A definição de Aristóteles é na verdade que o homem é por natureza um cidadão urbano.
Ela é tão característica para a antiguidade clássica como a definição de Franklin, de que o homem é por natureza um fazedor de instrumentos, para os ianques.
601 "Deve-se observar ainda que essa divisão parcial do trabalho também pode ocorrer onde os trabalhadores estão ocupados numa operação igual. Pedreiros, por exemplo,
que fazem
passar tijolos de mão em mão, até ao alto de um andaime executam todos eles o mesmo trabalho; existe, ainda assim, entre eles uma espécie de divisão de trabalho,
que consiste
em que cada um deles faz o tijolo cobrir determinada distância, todos em conjunto fazendo-o chegar a um ponto dado mais rapidamente do que o fariam se cada um deles
carregasse
separadamente seu tijolo ao alto do andaime." (SKARBEK, F. Théorie des Richesses Sociales. 2ª ed., Paris, 1839. t. I, p. 97-98.)
422#
percorre o mesmo espaço em menos tempo. Por outro lado, ocorre com-binação de trabalho quando, por exemplo, uma construção é iniciada,
ao mesmo tempo, de vários lados, embora os que cooperam façam o mesmo ou algo da mesma espécie. A jornada de trabalho combinado
de 144 horas, que ataca o objeto de trabalho espacialmente de vários lados, porque o trabalhador combinado ou trabalhador coletivo possui
olhos e mãos à frente e atrás e, até certo ponto, o dom da ubiqüidade, faz avançar o produto global mais rapidamente do que 12 jornadas de
trabalho de 12 horas de trabalhadores mais ou menos isolados, obri-gados a atacar sua obra mais unilateralmente. Partes do produto em
locações diferentes amadurecem ao mesmo tempo. Acentuamos que os muitos que se completam mutuamente fazem
o mesmo ou algo da mesma espécie, porque essa forma mais simples de trabalho coletivo desempenha, mesmo na forma mais desenvolvida
da cooperação, papel importante. Se o processo de trabalho é compli-cado, a simples massa dos que trabalham juntos permite distribuir as
diferentes operações entre diferentes braços e, portanto, executá-las simultaneamente, e em virtude disso encurtar o tempo de trabalho
necessário para fabricar o produto global. 602 Em muitos ramos de produção há momentos críticos, isto é, pe-ríodos
de tempo fixados pela própria natureza do processo de trabalho, durante os quais determinados resultados do trabalho têm de ser atin-gidos.
Se, por exemplo, trata-se de tosquiar um rebanho de ovelhas ou de ceifar e colher determinada área de trigo, a quantidade e a
qualidade do produto dependem de a operação ser iniciada em deter-minado momento e terminada em determinado momento. O período
de tempo que deve ser ocupado pelo processo de trabalho é aqui pres-crito, como, por exemplo, na pesca de arenque. O indivíduo só pode
recortar de 1 dia uma jornada de trabalho, digamos, de 12 horas, mas a cooperação de 100 pessoas, por exemplo, expande uma jornada de
12 horas a uma jornada de trabalho de 1 200 horas. A brevidade do prazo de trabalho é compensada pela grandeza da massa de trabalho
lançada no campo de produção, no momento decisivo. O efeito oportuno depende aqui do emprego simultâneo de muitas jornadas combinadas
de trabalho e o volume do efeito útil, do número de trabalhadores, sendo esse número, entretanto, sempre menor do que o número de
trabalhadores que atingiriam, isoladamente, o mesmo resultado, no mesmo período de tempo. 603 É por falta dessa cooperação que no oeste


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602 "Quando se trata da execução de um trabalho complicado, coisas diferentes precisam ser feitas simultaneamente. Um faz uma coisa, enquanto o outro faz alguma
outra, e todos
contribuem para um resultado que um único homem não poderia ter produzido. Um rema, enquanto o outro dirige, um terceiro lança a rede ou arpoa o peixe, e a pescaria
tem sucesso,
o qual sem essa cooperação seria impossível." (DESTUTT DE TRACY. Op. cit., p. 78.) 603 "Sua" (do trabalho na agricultura) "realização no momento decisivo tem efeito
ainda maior."
([ ARBUTHNOT, J.] An Inquiry into the Connection between the Present Price etc. p. 7.)
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dos Estados Unidos se desperdiça, todo ano, uma quantidade de trigo e naquelas partes da Índia Oriental onde o domínio inglês destruiu o
velho sistema de comunidade, uma quantidade de algodão. 604 Por um lado, a cooperação permite estender o espaço em que se
realiza o trabalho, sendo, por isso, exigida em certos processos de tra-balho
pela própria configuração espacial do objeto de trabalho, como, por exemplo, na drenagem de terras, na construção de diques, na ir-rigação,


na construção de canais, estradas, ferrovias etc. Por outro lado, ela possibilita em proporção à escala de produção um estreita-mento
espacial do campo de produção. Essa limitação do âmbito espacial do trabalho com a simultânea expansão de sua escala de ação, com o
que se poupa uma quantidade de falsos custos (faux frais), surge da aglomeração dos trabalhadores, da junção na mesma área de diversos
processos de trabalho e da concentração dos meios de produção. 605 Em comparação com uma soma igual de jornadas de trabalho
isoladas individuais, a jornada de trabalho combinada produz maiores
quantidades de valor de uso, diminuindo por isso o tempo de trabalho necessário para produzir determinado efeito útil. Se, conforme o caso,


ela obtém essa força produtiva mais elevada por aumentar a potência das forças mecânicas do trabalho ou por estender sua escala espacial
de ação, ou por estreitar o campo espacial de produção em relação à escala da produção, ou por mobilizar no momento crítico muito trabalho
em pouco tempo, ou por provocar a emulação entre os indivíduos e
excitar seus espíritos vitais, ou por imprimir às operações semelhantes de muitos o cunho da continuidade e da multiplicidade, ou por executar


diversas operações ao mesmo tempo, ou por economizar os meios de produção mediante seu uso coletivo, ou por emprestar ao trabalho in-dividual
o caráter de trabalho social médio, em todas as circunstâncias a força produtiva específica da jornada de trabalho combinada é força
produtiva social do trabalho ou força produtiva do trabalho social. Ela decorre da própria cooperação. Ao cooperar com outros de um modo


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"Na agricultura não existe fator mais importante que o fator tempo." (LIEBIG. Ueber Theorie und Praxis in der Landwirtschaft. 1856. p. 23.)
604 "Outro mal que dificilmente se espera encontrar num país que exporta mais trabalho que qualquer outro do mundo, excetuando talvez a China e a Inglaterra, consiste
na impossi-bilidade
de se conseguir suficiente número de braços para a colheita de algodão. Em con-seqüência disso grandes quantidades de algodão ficam sem colher, enquanto outra parte
é recolhida do chão depois de ter caído, obviamente descolorida e parcialmente deteriorada, de tal modo que, por falta de trabalhadores, na estação certa, o plantador
é forçado a
submeter-se à perda de grande parte da colheita tão ansiada na Inglaterra." (Bengal Hur-karu. Bi-Monthly Overland Summary of News. 22 de julho de 1861.)
605 "Com o progresso da lavoura todo capital e todo trabalho, que antes eram dispersos em 500 acres ou talvez mais, são concentrados agora no cultivo mais completo
de 100 acres."
Embora "em relação ao montante empregado de capital e trabalho o espaço se tenha tornado menor, representa ele uma esfera de produção maior que a esfera de produção
ocupada
ou cultivada antes por um único produtor independente". (JONES, R. An Essay on the Distribution of Wealth "On Rent", Londres, 1831. p. 191.)
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planejado, o trabalhador se desfaz de suas limitações individuais e desenvolve a capacidade de sua espécie. 606
Se os trabalhadores não podem cooperar diretamente sem estar juntos, sendo, portanto, sua aglomeração em determinado local condição
de sua cooperação, os trabalhadores assalariados não podem cooperar, sem que o mesmo capitalista os empregue simultaneamente e, portanto,
compre ao mesmo tempo suas forças de trabalho. O valor global dessas forças de trabalho ou a soma dos salários dos trabalhadores por um
dia, uma semana etc., tem de estar reunido, portanto, no bolso do capitalista antes de as próprias forças de trabalho serem unidas no
processo de produção. O pagamento de 300 trabalhadores, de uma vez, mesmo por um dia só, exige maior dispêndio de capital que o pagamento
de poucos trabalhadores, semana por semana, durante o ano inteiro. Portanto, o número dos trabalhadores que cooperam ou a escala da
cooperação depende de início da grandeza do capital que o capitalista individual pode despender na compra da força de trabalho, isto é, da
medida em que cada capitalista dispõe dos meios de subsistência de muitos trabalhadores.
E com o capital constante acontece o mesmo que com o capital variável. A despesa com matéria-prima, por exemplo, é 30 vezes maior
para um capitalista que emprega 300 trabalhadores do que para cada um dos 30 capitalistas que empregam de cada vez 10. O volume de
valor e a massa material dos meios de trabalho utilizados em comum não crescem na verdade na mesma medida que o número de traba-lhadores
empregados, mas crescem consideravelmente. A concentração de grandes quantidades de meios de produção em mãos de capitalistas
individuais é, portanto, a condição material para a cooperação de tra-balhadores assalariados, e a extensão da cooperação, ou a escala da
produção, depende do grau dessa concentração. Inicialmente, certa grandeza mínima de capital individual pareceu
ser necessária para que o número de trabalhadores simultaneamente ex-plorados, portanto a massa de mais-valia produzida, fosse suficiente para
libertar o próprio empregador do trabalho manual, para fazer do pequeno patrão um capitalista e estabelecer assim formalmente o capital como
relação. Esse mínimo aparece agora como condição material para a trans-formação de muitos processos de trabalho individuais, dispersos e inde-pendentes
entre si em um processo de trabalho social combinado. Do mesmo modo, o comando do capital sobre o trabalho parecia
originalmente ser apenas conseqüência formal do fato de o trabalhador trabalhar, em vez de para si, para o capitalista e, portanto, sob o


OS ECONOMISTAS


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606 "A força do homem isolado é mínima, mas a união dessas forças tão mínimas gera uma força total que é maior que a soma de todas as forças parciais, de modo que
a mera união
das forças pode diminuir o tempo e alargar o âmbito de suas atividades." (CARLI, G. R. Nota a VERRI, P. Op. cit., t. XV, p. 196.)
425#
capitalista. Com a cooperação de muitos trabalhadores assalariados, o comando do capital converte-se numa exigência para a execução do
próprio processo de trabalho, numa verdadeira condição da produção. As ordens do capitalista no campo de produção tornam-se agora tão
indispensáveis quanto as ordens do general no campo de batalha. Todo trabalho diretamente social ou coletivo executado em maior
escala requer em maior ou menor medida uma direção, que estabelece a harmonia entre as atividades individuais e executa as funções gerais
que decorrem do movimento do corpo produtivo total, em contraste com o movimento de seus órgãos autônomos. Um violinista isolado
dirige a si mesmo, uma orquestra exige um maestro. Essa função de dirigir, superintender e mediar torna-se função do capital, tão logo o
trabalho a ele subordinado torna-se cooperativo. Como função específica do capital, a função de dirigir assume características específicas.
Em primeiro lugar, o motivo que impulsiona e o objetivo que determina o processo de produção capitalista é a maior autovalorização
possível do capital, 607 isto é, a maior produção possível de mais-valia, portanto, a maior exploração possível da força de trabalho pelo capi-talista.
Com a massa dos trabalhadores ocupados ao mesmo tempo cresce também sua resistência e com isso necessariamente a pressão
do capital para superar essa resistência. A direção do capitalista não é só uma função específica surgida da natureza do processo social de
trabalho e pertencente a ele, ela é ao mesmo tempo uma função de exploração de um processo social de trabalho e, portanto, condicionada
pelo inevitável antagonismo entre o explorador e a matéria-prima de sua exploração. Do mesmo modo, com o volume dos meios de produção,
que se colocam em face do assalariado como propriedade alheia, cresce a necessidade do controle sobre sua adequada utilização. 608 Além disso,


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607 "Lucros (...) são o único objetivo do negócio." (VANDERLINT, J. Op. cit., p. 11.) 608 Um jornal filisteu inglês, o Spectator, de 26 de maio de 1866, noticiou
que, depois da
introdução de uma espécie de associação entre capitalista e trabalhadores, na wirework company of Manchester: "o primeiro resultado foi uma súbita redução do desperdício
de
material, pois que os trabalhadores não compreendiam por que deveriam desperdiçar sua propriedade mais que a dos capitalistas, e desperdício de material é, ao lado
de más dívidas
a receber, talvez a maior fonte de prejuízos nas fábricas". O mesmo jornal descobriu como erro básico da experiência cooperativista de Rochdale: * "They showed that
associations of
workmen could manage shops, mills, and almost all forms of industry with success, and they immensely improved the condition of the men, but then they did not leave
a clear place
for masters". (" Elas comprovaram que associações de trabalhadores podem gerir com sucesso lojas, fábricas e quase toda forma de indústria, e elas melhoraram extraordinariamente
a
situação dos operários, porém (!), não deixaram nenhum lugar visível para capitalistas." Quelle horreur! **
* Rochdale cooperative experiments. — Sob a influência das idéias dos socialistas utópicos,
reuniram-se trabalhadores de Rochdale (norte de Manchester) em 1844 na Society of Equi-table Pioneers (Sociedade dos Pioneiros Justos.) Originalmente, foi uma cooperativa
de


consumo; logo ampliou-se e deu vida a organizações cooperativas de produção. Com os pioneiros de Rochdale começou um novo período do movimento cooperativo na Inglaterra
e em outros países. (N. da Ed. Alemã.) ** Que horror! (N. dos T.)
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a cooperação dos assalariados é mero efeito do capital, que os utiliza simultaneamente. A conexão de suas funções e sua unidade como corpo
total produtivo situa-se fora deles, no capital, que os reúne e os mantém unidos. A conexão de seus trabalhos se confronta idealmente portanto
como plano, na prática como autoridade do capitalista, como poder de uma vontade alheia, que subordina sua atividade ao objetivo dela.
Se, portanto, a direção capitalista é, pelo seu conteúdo, dúplice, em virtude da duplicidade do próprio processo de produção que dirige,
o qual por um lado é processo social de trabalho para a elaboração de um produto, por outro, processo de valorização do capital, ela é quanto
à forma despótica. Com o desenvolvimento da cooperação em maior escala, esse despotismo desenvolve suas formas peculiares. Como o
capitalista, de início, é libertado do trabalho manual, tão logo seu capital tenha atingido aquela grandeza mínima, com a qual a produção ver-dadeiramente
capitalista apenas começa, assim ele transfere agora a função de supervisão direta e contínua do trabalhador individual ou
de grupos de trabalhadores a uma espécie particular de assalariados. Do mesmo modo que um exército precisa de oficiais superiores militares,
uma massa de trabalhadores, que cooperam sob o comando do mesmo capital, necessita de oficiais superiores industriais (dirigentes, mana-gers
609 e suboficiais (capatazes, foremen, overlookers, contre-maîtres)
durante que o processo de trabalho comandam em nome do capital. O trabalho da superintendência se cristaliza em sua função exclusiva.


Comparando o modo de produção de camponeses independentes ou de artífices autônomos com a economia das plantações, baseada na escra-vatura,
o economista político considera esse trabalho de superinten-dência como um dos faux 610 frais de production. 611 Ao considerar o
modo de produção capitalista, ele identifica em contraposição a função de direção, na medida em que deriva da natureza do processo de tra-balho
coletivo, com a mesma função na medida em que é condicionada pelo caráter capitalista e, por isso, antagônico, desse processo. 612 O
capitalista não é capitalista porque ele é dirigente industrial, ele torna-se comandante industrial porque ele é capitalista. O comando
supremo na indústria torna-se atributo do capital, como no tempo


OS ECONOMISTAS


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609 Managers: gerentes. — Foremen: mestres. — Overlookers: supervisores. — Contre-maîtres: contra-mestres. (N. dos T.)
610 Falsos custos de produção. (N. dos T.) 611 O prof. Cairnes, depois de apresentar a superintendence of labour * como característica prin-cipal
da produção baseada na escravatura, nos Estados sulistas da América do Norte, prossegue: "Uma vez que o proprietário camponês" (do norte) "fica com todo o produto
de
seu solo para si, ele não precisa de nenhum estímulo específico para esforçar-se. A fiscalização aqui é totalmente desnecessária". (CAIRNES, Op. cit., 48-49.)
* Superintendência do trabalho. (N. dos T.)
612 Sir James Steuart, que se destaca pela excelente visão das diferenças caracteristicamente sociais entre diferentes modos de produção, observa: "Por que as grandes
empresas manu-fatureiras


destroem as indústrias domiciliares, senão por estarem mais próximas da sim-plicidade do trabalho escravo?" (Princ. of Pol. Econ. Londres, 1767. v. I, p. 167-168.)
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feudal o comando supremo na guerra e no tribunal era atributo da propriedade fundiária. 613
Proprietário de sua força de trabalho é o trabalhador, enquanto como vendedor da mesma mercadeja com o capitalista, e ele só pode
vender o que possui, sua força de trabalho individual isolada. Essa condição não se altera de modo algum por o capitalista comprar 100
forças de trabalho em vez de uma ou por concluir contratos com 100 trabalhadores independentes entre si em vez de apenas com um. Ele
pode utilizar os 100 trabalhadores sem fazê-los cooperar. O capitalista portanto paga o valor das 100 forças de trabalho independentes, mas
não paga a força combinada dos 100. Como pessoas independentes, os trabalhadores são indivíduos que entram em relação com o mesmo
capital, mas não entre si. Sua cooperação começa só no processo de trabalho, mas no processo de trabalho eles já deixaram de pertencer
a si mesmos. Com a entrada no mesmo eles são incorporados ao capital. Como cooperadores, como membros de um organismo que trabalha,
eles não são mais do que um modo específico de existência do capital. A força produtiva que o trabalhador desenvolve como trabalhador social
é, portanto, força produtiva do capital. A força produtiva social do trabalho desenvolve-se gratuitamente tão logo os trabalhadores são
colocados sob determinadas condições, e o capital os coloca sob essas condições. Uma vez que a força produtiva social do trabalho não custa
nada ao capital e, por outro lado, não é desenvolvida pelo trabalhador, antes que seu próprio trabalho pertença ao capital, ela aparece como
força produtiva que o capital possui por natureza, como sua força pro-dutiva imanente.
O efeito da cooperação simples mostra-se colossal nas obras gi-gantescas dos antigos asiáticos, egípcios, etruscos etc.


"Aconteceu em épocas passadas que esses Estados asiáticos, depois de custear suas despesas civis e militares, se encontravam
na posse de um excedente de meios de subsistência, que podiam aplicar em obras de magnificência ou utilidade. Seu comando
sobre as mãos e braços de quase toda a população não agrícola e o domínio exclusivo do monarca e do sacerdócio sobre esse
excedente proporcionavam-lhes os meios para construírem aque-les monumentos portentosos, com os quais cobriram o país. (...)
Para movimentar estátuas colossais e massas enormes, cujo transporte causa espanto, empregou-se quase exclusivamente e
de maneira pródiga trabalho humano. O número de trabalhadores e a concentração de seus esforços bastavam. Do mesmo modo
vemos possantes recifes de coral surgirem da profundidade do


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613 Auguste Comte e sua escola teriam podido demonstrar, portanto, da mesma forma, a eterna necessidade dos senhores feudais, como eles o fizeram para os senhores
capitalistas.
428#
oceano, formando ilhas e constituindo terra firme, embora cada de-positante individual (depositary) seja ínfimo, frágil e desprezível.
Os trabalhadores não agrícolas de uma monarquia asiática têm muito pouco a contribuir para as obras além de seus esforços físicos
individuais, mas seu número é a sua força e o poder de direção sobre essa massa deu origem àquelas obras gigantescas. Foi a con-centração
das rendas, das quais vivem os trabalhadores, em uma ou poucas mãos, que tornou possíveis tais empreendimentos." 614


Esse poder dos reis asiáticos e egípcios ou teocratas etruscos etc. foi conferido, na sociedade moderna, ao capitalista, quer ele se apresente
como capitalista individual, quer como nas sociedades por ações, como capitalista combinado.


A cooperação no processo de trabalho, como a encontramos nas origens culturais da humanidade, predominantemente nos povos ca-çadores
615 ou eventualmente na agricultura da comunidade indiana,
fundamenta-se, por um lado, na propriedade comum das condições de produção e, por outro, na circunstância de que o indivíduo isolado


desligou-se tão pouco do cordão umbilical da tribo ou da comunidade como a abelha individual da colmeia. Ambos diferenciam-na da coope-ração
capitalista. A utilização da cooperação em grande escala no mun-do antigo, na Idade Média e nas colônias modernas baseia-se em re-lações
diretas de domínio e servidão, na maioria das vezes na escra-vidão. A forma capitalista pressupõe, ao contrário, desde o princípio o
trabalhador assalariado livre, que vende sua força de trabalho ao ca-pital. Historicamente, no entanto, ela se desenvolve em oposição à
economia camponesa e ao exercício independente dos ofícios, possuindo este forma corporativa 616 ou não. Nesse confronto, a cooperação capi-talista
aparece não como forma histórica específica da cooperação, mas a cooperação mesma aparece como uma forma histórica peculiar do
processo de produção capitalista que o distingue especificamente.
Do mesmo modo que a força produtiva social do trabalho desen-volvida pela cooperação aparece como força produtiva do capital, a


própria cooperação aparece como forma específica do processo de pro-dução capitalista, em contraposição ao processo de produção de traba-lhadores
isolados independentes ou mesmo dos pequenos mestres. É


OS ECONOMISTAS


450
614 JAMES, R. Text-book of Lectures etc. p. 77-78. As coleções dos antigos assírios, egípcios etc., em Londres e em outras capitais européias, fazem-nos testemunhas
oculares daqueles
processos cooperativos de trabalho. 615 Linguet em sua Théorie des Lois Civiles não está talvez sem razão quando declara a caça
como a primeira forma de cooperação e a caça ao homem (guerra) como uma das primeiras formas de caça.
616 A pequena economia camponesa e o exercício independente dos ofícios, que constituem em parte a base do modo de produção feudal; em parte após a dissolução deste
aparecem ao
lado da empresa capitalista, formam ao mesmo tempo a base econômica das comunidades clássicas em sua melhor época, depois de ter-se dissolvido a propriedade comum
de origem
oriental e antes de a escravatura ter-se apossado efetivamente da produção.
429#
a primeira modificação que o processo de trabalho real experimenta pela sua subordinação ao capital. Essa modificação se dá naturalmente.
Seu pressuposto, ocupação simultânea de um número relativamente grande de assalariados no mesmo processo de trabalho, constitui o
ponto de partida da produção capitalista. Este coincide com a existência do próprio capital. Se o modo de produção capitalista se apresenta,
portanto, por um lado, como uma necessidade histórica para a trans-formação do processo de trabalho em um processo social, então, por
outro lado, essa forma social do processo de trabalho apresenta-se como um método, empregado pelo capital, para mediante o aumento da sua
força produtiva explorá-lo mais lucrativamente. Em sua figura simples, até agora considerada, a cooperação coin-cide
com a produção em maior escala, porém não constitui nenhuma forma característica fixa de uma época particular de desenvolvimento
do modo de produção capitalista. No máximo, aparece aproximada-mente assim nos inícios ainda artesanais da manufatura 617 e em cada
espécie de agricultura em grande escala, a qual corresponde ao período manufatureiro e se distingue substancialmente da economia camponesa
apenas pela massa de trabalhadores empregados ao mesmo tempo e pelo volume dos meios de produção concentrados. A cooperação simples
continua sendo ainda a forma predominante nos ramos de produção em que o capital opera em grande escala, sem que a divisão do trabalho
ou a maquinaria desempenhem papel significativo. A cooperação permanece a forma básica do modo de produção
capitalista, embora sua figura simples mesma apareça como forma particular ao lado de suas formas mais desenvolvidas.


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451
617 "Não é a união da habilidade, da diligência e da emulação de muitos juntos na mesma obra o meio de levá-la adiante? E teria sido, de outro modo, possível à Inglaterra
levar
sua manufatura de lã a tal grau de perfeição?" (BERKELEY. The Querist. Londres, p. 56, § 521.)
430#
CAPÍTULO XII DIVISÃO DO TRABALHO E MANUFATURA
1. Dupla origem da manufatura


A cooperação baseada na divisão do trabalho adquire sua forma clássica na manufatura. Como forma característica do processo de pro-dução
capitalista ela predomina durante o período manufatureiro pro-priamente dito, que, grosso modo, dura de meados do século XVI até
o último terço do século XVIII. A manufatura origina-se de modo duplo. Em um modo, traba-lhadores
de diversos ofícios autônomos, por cujas mãos tem de passar um produto até o acabamento final, são reunidos em uma oficina sob
o comando de um mesmo capitalista. Por exemplo, uma carruagem era o produto global do trabalho de grande número de artífices inde-pendentes,
tais como segeiro, seleiro, costureiro, serralheiro, correeiro, torneiro, passamaneiro, vidraceiro, pintor, envernizador, dourador etc.
A manufatura de carruagens reúne todos esses diferentes artífices em uma casa de trabalho, onde eles trabalham simultaneamente em co-laboração
uns com os outros. Não se pode na verdade dourar uma carruagem antes de fazê-la. Se, porém, muitas carruagens são feitas
ao mesmo tempo, uma parte pode ser continuamente dourada, enquanto outra parte percorre uma fase anterior do processo de produção. Até
aí estamos ainda no terreno da cooperação simples que encontra pree-xistente seu material humano e de coisas. Mas logo sucede uma mo-dificação
essencial. O costureiro, o serralheiro, o correeiro etc., que se ocupam apenas com a feitura de carruagens, perdem pouco a pouco
com o costume a capacidade de exercer seu antigo ofício em toda a sua extensão. Por outro lado, a sua atividade tornada unilateral adquire
a forma mais adequada para a sua restrita escala de ação. Original-mente, a manufatura de carruagens aparecia como uma combinação
de ofícios autônomos. Progressivamente, ela se transforma em divisão da produção de carruagens em suas diversas operações particulares,
em que cada operação cristaliza-se em função exclusiva de um traba-453
431#
lhador, e a sua totalidade é executada pela união desses trabalhadores parciais. Do mesmo modo surgiram a manufatura de panos e toda
uma série de outras manufaturas, da combinação de diferentes ofícios sob o comando do mesmo capital. 618
Mas a manufatura se origina também por caminho oposto. Muitos artífices que fazem o mesmo ou algo da mesma espécie, por exemplo,
papel ou tipos de imprensa ou agulhas, são ocupados pelo mesmo capital simultaneamente na mesma oficina. É essa a cooperação na forma
mais simples. Cada um desses artífices (talvez com um ou dois aju-dantes) produz por inteiro a mercadoria e leva a cabo portanto suces-sivamente
as diferentes operações exigidas para a sua fabricação. Ele continua a trabalhar de acordo com o seu antigo modo artesanal. Con-tudo,
circunstâncias externas levam logo a utilizar-se de outra maneira a concentração dos trabalhadores no mesmo local e a simultaneidade
de seus trabalhos. Um quantum maior de mercadorias prontas tem, por exemplo, de ser fornecido em determinado prazo. O trabalho é por
isso dividido. Em vez de o mesmo artífice executar as diferentes ope-rações dentro de uma seqüência temporal, elas são desprendidas umas
das outras, isoladas, justapostas no espaço, cada uma delas confiada a um artífice diferente e todas executadas ao mesmo tempo pelos coo-peradores.
Essa divisão acidental se repete, mostra suas vantagens peculiares e ossifica-se pouco a pouco em divisão sistemática do tra-balho.
Do produto individual de um artífice autônomo, que faz muitas coisas, a mercadoria transforma-se no produto social de uma união de
artífices, cada um dos quais realiza ininterruptamente uma mesma tarefa parcial. As mesmas operações que se engrenaram como tarefas
sucessivas do produtor de papel nas corporações alemãs tornaram-se autônomas na manufatura de papel holandesa, como operações parciais,
executadas uma ao lado da outra por muitos trabalhadores cooperantes. O agulheiro corporativo de Nuremberg constitui o elemento fundamen-tal
da manufatura inglesa de agulhas. Mas enquanto aquele agulheiro isolado realizava uma série de talvez 20 operações consecutivas, aqui
20 agulheiros logo passaram a executar paralelamente cada um apenas


OS ECONOMISTAS


454
618 Para dar um exemplo mais moderno dessa espécie de formação da manufatura, eis a seguinte citação. A fiação e tecelagem de seda de Lyon e Nîmes "é inteiramente
patriarcal; ela ocupa
muitas mulheres e crianças, mas sem fatigá-las nem corrompê-las; permite-lhes ficar em seus belos vales da Drôme, do Var, da Isère e de Vaucluse, para lá criarem
o bicho da
seda e enovelar seus casulos; nunca chega a ser um empreendimento fabril regular. E para permitir uma explicação tão extensa (...) o princípio da divisão do trabalho
assume aqui
caráter especial. Há dobadouras, torcedores de seda, tintureiros, encoladores, além de te-celões; mas não estão reunidos na mesma oficina nem dependem de um mesmo
mestre;
todos eles são independentes". (BLANQUI, A. Cours d'Écon. Industrielle. Recueilli par A. Blaise, Paris, 1838/ 39, p. 79.) Desde que Blanqui escreveu isso, os diversos
trabalhadores
independentes foram em parte reunidos em fábricas. {À 4ª edição. — E desde que Marx escreveu o que está acima, o tear a vapor invadiu as fábricas, expulsando rapidamente
o
tear manual. A indústria de sedas de Krefeld sabe igualmente cantar uma canção sobre isso. — F. E.}
432#
uma das 20 operações, as quais, em virtude das experiências, foram ainda muito mais subdivididas, isoladas e tornadas autônomas como
funções exclusivas de trabalhadores individuais. A origem da manufatura, sua formação a partir do artesanato,
é portanto dúplice. De um lado, ela parte da combinação de ofícios autônomos de diferentes espécies, que são despidos de sua autonomia
e tornados unilaterais até o ponto em que constituem apenas operações parciais que se complementam mutuamente no processo de produção
de uma única e mesma mercadoria. De outro lado, ela parte da coo-peração de artífices da mesma espécie, decompõe o mesmo ofício indi-vidual
em suas diversas operações particulares e as isola e as torna autônomas até o ponto em que cada uma delas torna-se função exclusiva
de um trabalhador específico. Por um lado a manufatura introduz, portanto, a divisão do trabalho em um processo de produção ou a de-senvolve
mais; por outro lado, ela combina ofícios anteriormente se-parados. Qualquer que seja seu ponto particular de partida, sua figura
final é a mesma — um mecanismo de produção, cujos órgãos são seres humanos.
Para o entendimento correto da divisão do trabalho na manufa-tura é essencial atentar para os seguintes pontos: antes de mais nada,
a análise do processo de produção em suas fases particulares coincide inteiramente com a decomposição de uma atividade artesanal em suas
diversas operações parciais. Composta ou simples, a execução continua artesanal e portanto dependente da força, habilidade, rapidez e segu-rança
do trabalhador individual no manejo de seu instrumento. O ofício permanece a base. Essa estreita base técnica exclui uma análise ver-dadeiramente
científica do processo de produção, pois cada processo parcial percorrido pelo produto tem que poder ser realizado como tra-balho
parcial artesanal. Precisamente por continuar sendo a habilidade manual a base do processo de produção é que cada trabalhador é apro-priado
exclusivamente para uma função parcial e sua força de trabalho é transformada por toda vida em órgão dessa função parcial. Final-mente,
essa divisão do trabalho é uma espécie particular da cooperação e algumas de suas vantagens decorrem da natureza geral e não dessa
forma particular da cooperação.
2. O trabalhador parcial e sua ferramenta


Descendo agora aos pormenores, é desde logo claro que um tra-balhador, o qual executa a sua vida inteira uma única operação simples,


transforma todo o seu corpo em órgão automático unilateral dessa ope-ração e portanto necessita para ela menos tempo que o artífice, que
executa alternadamente toda uma série de operações. O trabalhador coletivo combinado, que constitui o mecanismo vivo da manufatura,
compõe-se porém apenas de tais trabalhadores parciais unilaterais. Em comparação com o ofício autônomo produz por isso mais em menos


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433#
tempo ou eleva a força produtiva do trabalho. 619 O método do trabalho parcial também se aperfeiçoa, após tornar-se autônomo, como função
exclusiva de uma pessoa. A repetição contínua da mesma ação limitada e a concentração da atenção nela ensinam, conforme indica a expe-riência,
a atingir o efeito útil desejado com um mínimo de gasto de força. Mas como diferentes gerações de trabalhadores sempre convivem
simultaneamente e cooperam nas mesmas manufaturas, os truques técnicos do ofício assim adquiridos se consolidam, acumulam e trans-mitem
rapidamente. 620
A manufatura produz, de fato, a virtuosidade do trabalhador de-talhista, ao reproduzir, dentro da oficina, a diferenciação naturalmente


desenvolvida dos ofícios, que já encontrou na sociedade, e ao impul-sioná-la sistematicamente ao extremo. Por outro lado, a transformação
do trabalho parcial na profissão por toda vida de um ser humano cor-responde à tendência de sociedades anteriores de tornar hereditários
os ofícios, de petrificá-los em castas ou, caso determinadas condições históricas produzissem no indivíduo uma variabilidade que contradis-sesse
o sistema de castas, de ossificá-los em corporações. Castas e corporações surgem da mesma lei natural que regula a diferenciação
de plantas e animais em espécies e subespécies, só que em determinado grau de desenvolvimento a hereditariedade das castas e a exclusividade
das corporações são decretadas como lei social. 621
"As musselinas de Dakka em sua finura, as chitas e outros tecidos de Coromandel na magnificência e durabilidade de suas
cores nunca foram superados. São entretanto produzidos sem ca-pital, maquinarias, divisão do trabalho ou qualquer um dos outros
meios que proporcionam tantas vantagens à fabricação européia. O tecelão é um indivíduo isolado, que faz o tecido por encomenda
de um cliente, com um tear da mais rudimentar construção, cons-tituído às vezes apenas de hastes de madeira unidas toscamente.


OS ECONOMISTAS


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619 "Quanto mais um trabalho de grande variedade é desmembrado e atribuído a diferentes trabalhadores parciais, tanto mais ele deverá ser feito necessariamente melhor
e mais
depressa, com menos perda de tempo e trabalho." (The Advantages of the East India Trade, Londres, 1720, p. 71.)
620 "Trabalho realizado facilmente é habilidade transmitida." (HODGSKIN, Th. Popular Political Economy, p. 48.)
621 "Também as artes (...) alcançaram no Egito o devido grau de perfeição. Pois só nesse país os artesãos não podem intervir nos negócios de outra classe de cidadãos,
mas devem apenas
desempenhar a profissão que por lei é hereditária em sua tribo. (...) Em outros povos verifica-se que os artesãos dispersam sua atenção por objetos demais. (...)
Ora tentam a
agricultura, ora se lançam ao comércio, ora se ocupam com duas ou três artes ao mesmo tempo. Em Estados livres o mais das vezes freqüentam as assembléias do povo.
(...) No
Egito, ao contrário, qualquer artesão é severamente punido se se imiscui nos negócios do Estado ou se exerce, ao mesmo tempo, várias artes. Assim, nada pode perturbar
sua diligência
profissional. (...) Além disso, como têm numerosas regras de seus antepassados, empenham-se em descobrir ainda novas vantagens." (SICULUS, Diodorus. Historische
Bibliothek. Livro
Primeiro. Cap. 74.)
434#
Ele não possui sequer um dispositivo para puxar a corrente para cima, o tear tem de ser utilizado em todo o seu comprimento e
torna-se assim tão informe e longo que não cabe na choupana do produtor, obrigando-o a executar seu trabalho ao ar livre,
onde é interrompido por qualquer mudança do tempo." 622
É apenas a perícia acumulada de geração em geração e legada
de pai para filho que proporciona ao indiano como à aranha essa vir-tuosidade.
E, não obstante, tal tecelão indiano executa um trabalho
muito complicado em comparação com a maioria dos trabalhadores da manufatura.


Um artesão que executa, um após outro, os diversos processos parciais da produção de uma obra, é obrigado a mudar ora de lugar,
ora de instrumentos. A passagem de uma operação para outra inter-rompe o fluxo de seu trabalho e forma em certa medida poros em sua
jornada de trabalho. Esses poros vedam-se, tão logo ele execute o dia inteiro continuamente uma única e mesma operação, ou desaparecem
na medida em que diminuem as mudanças de operação. O aumento da produtividade se deve aqui ao dispêndio crescente de força de tra-balho
em dado espaço de tempo, portanto crescente intensidade de trabalho ou decréscimo do dispêndio improdutivo da força de trabalho.
O excesso de dispêndio de força exigida, a saber, de cada transição do repouso para o movimento, se compensa pela maior perduração da
velocidade normal, uma vez esta sendo alcançada. Por outro lado, a continuidade de um trabalho uniforme destrói a tensão e o impulso
dos espíritos vitais, que encontram sua recreação e seu estímulo na própria mudança de atividade.
A produtividade do trabalho depende não só da virtuosidade do trabalhador mas também da perfeição de suas ferramentas. Ferramen-tas
da mesma espécie, como instrumentos cortantes, perfuradores, pi-lões, martelos etc., são utilizadas em diversos processos de trabalho,
e o mesmo instrumento se presta para executar operações diferentes, no mesmo processo de trabalho. Mas tão logo as diversas operações
de um processo de trabalho se dissociam e cada operação parcial adquire na mão do trabalhador parcial a forma mais adequada possível e por-tanto
exclusiva, tornam-se necessárias modificações nas ferramentas anteriormente utilizadas para fins diferentes. O sentido de sua mu-dança
de forma resulta da experiência das dificuldades específicas oca-sionadas pela forma inalterada. A diferenciação dos instrumentos de
trabalho, que atribui aos instrumentos da mesma espécie formas fixas particulares para cada emprego útil particular, e sua especialização,


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457
622 Historical an Descriptive Account of Brit. India etc. Por Hugh Murray, James Wilson etc., Edimburgo, 1832. v. II, p. 449-450. O tear indiano fica de pé, isto
é, a cadeia é estendida
verticalmente.
435#
que faz com que cada um desses instrumentos particulares só atue com total plenitude na mão de trabalhadores parciais específicos, ca-racterizam
a manufatura. Apenas em Birmingham são produzidas cerca de 500 variedades de martelos, cada um deles servindo não só a um
processo particular de produção, mas um número de variedade fre-qüentemente serve para operações diferentes do mesmo processo. O
período manufatureiro simplifica, melhora e diversifica os instrumentos de trabalho, mediante sua adaptação às funções exclusivas particulares
dos trabalhadores parciais. 623 Ele cria com isso, ao mesmo tempo, uma das condições materiais
da maquinaria, que consiste numa combinação de instrumentos simples. O trabalhador detalhista e seu instrumento constituem os elementos
simples da manufatura. Voltemo-nos agora para sua figura conjunta.
3. As duas formas fundamentais da manufatura — manufatura heterogênea e manufatura orgânica


A articulação da manufatura possui duas formas fundamentais, que apesar de eventual entrelaçamento constituem duas espécies es-sencialmente
diferentes e também desempenham papéis inteiramente diferentes, nomeadamente na transformação posterior da manufatura
na grande indústria, movida por maquinaria. Esse caráter duplo ori-gina-se da natureza do próprio produto. Este ou se constitui por com-posição
meramente mecânica de produtos parciais autônomos ou deve sua figura acabada a uma seqüência de processos e manipulações conexas.
Uma locomotiva, por exemplo, constitui-se de mais de 5 mil peças autônomas. Ela não pode, porém, servir de exemplo para a primeira
espécie de manufatura, pois é uma criação da grande indústria. Mas sim o relógio, com o qual também William Petty ilustrou a divisão
manufatureira do trabalho. De obra individual de um artífice de Nu-remberg, o relógio transformou-se no produto social de inumeráveis
trabalhadores parciais, como o fazedor das peças em bruto, o fazedor das molas, o fazedor dos mostradores, o fazedor da mola espiral, o
fazedor dos furos para as pedras e as alavancas com rubis, o fazedor dos ponteiros, o fazedor da caixa, o fazedor dos parafusos, o dourador,
com muitas subdivisões, como, por exemplo, o fazedor de rodas (de rodas de latão e de aço, de novo separados), o fazedor dos carretes, o
fazedor da engrenagem dos ponteiros, o acheveur de pignon (fixa as


OS ECONOMISTAS


458
623 Darwin observa em sua célebre obra A Origem das Espécies, com referência aos órgãos naturais das plantas e animais: "Enquanto um mesmo órgão tem de executar
diferentes
trabalhos, pode-se talvez encontrar um motivo para a sua variabilidade no fato de a seleção natural preservar ou suprimir cada pequena variação de forma com menos
cuidado do que
se esse órgão fosse destinado apenas a uma função particular. Assim, facas destinadas a cortar qualquer coisa podem ser em linhas gerais da mesma forma, enquanto
ferramentas
destinadas a um uso determinado devem ter para cada outro uso uma forma também distinta".
436#
rodas nos carretes, dá polimento às facettes etc.), o fazedor do pivô, o planteur de finissage (coloca diversas rodas e carretes na máquina),
finisseur de barrillet (entalha os dentes nas rodas, dá aos furos as dimensões adequadas, endurece as posições e travas), o fazedor da
tranqueta de âncora, o fazedor do cilindro para essa tranqueta, o fazedor da roda catarina, o fazedor do volante, o fazedor do balancim, o fazedor
da raquete (mecanismo com que se regula o relógio), o planteur d'echap-pement (o que faz o escapo propriamente), o repasseur de barrillet (com-pleta
a caixa da mola e a posição), o polidor do aço, o polidor das rodas, o polidor dos parafusos, o pintor dos números, o esmaltador do
mostrador (funde o esmalte sobre o cobre), o fabricant de pendants (faz apenas as argolas do relógio), o finisseur de charnière (coloca o
eixo de latão no centro da caixa etc.), o faiseur de secret (coloca na caixa as molas que fazem pular a tampa), o graveur, o ciseleur, polisseur
de boîte 624 etc. e, finalmente, o repasseur, que monta todo o relógio e o entrega funcionando. Só poucas partes do relógio passam por dife-rentes
mãos, e todos esses membra disjecta são reunidos somente na mão que os combina finalmente para formar um todo mecânico. Essa
relação externa do produto acabado com seus elementos de diferentes espécies torna aqui, como em fabricações semelhantes, acidental a com-binação
dos trabalhadores parciais na mesma oficina. Os trabalhos parciais podem mesmo ser executados como ofícios independentes entre
si, como no cantão de Waadt e Neuchâtel, enquanto em Genebra, por exemplo, existem grandes manufaturas de relógios, isto é, realiza-se
a cooperação direta dos trabalhadores parciais sob o comando de um capital. Também no último caso, mostrador, mola e caixa são raramente
feitos na própria manufatura. A empresa manufatureira combinada aqui é lucrativa apenas sob condições excepcionais, pois a concorrência
entre os trabalhadores, que querem trabalhar em casa, é a maior pos-sível, o fracionamento da produção em numerosos processos heterogê-neos
permite pouco emprego de meios coletivos de trabalho e o capi-talista com a fabricação dispersa poupa as despesas com edifícios fabris
etc. 625 Entretanto, a posição desses trabalhadores detalhistas que tra-


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624 Gravador, cinzelador, polidor da caixa. (N. dos T.) 625 Genebra produziu, no ano de 1854, 80 mil relógios, menos de 1/ 5 da produção do cantão
de Neuchâtel. Chaux-de-Fonds, que se pode considerar uma única manufatura de relógios, fornece sozinha anualmente o dobro de Genebra. De 1850 a 1861, Genebra forneceu
720
mil relógios. Ver "Report from Geneva on the Watch Trade". In: Reports by H. M. 's Secretaries of Embassy and Legation on the Manufactures, Commerce etc. nº 6, 1863.
Se a falta de
conexão entre os processos em que se decompõe a produção de objetos apenas justapostos já dificulta em si e para si a transformação de manufaturas desse gênero em
grande
indústria mecanizada, para os relógios acrescem ainda dois outros obstáculos, a pequenez e delicadeza de seus elementos e seu caráter de luxo, portanto, sua variedade,
de modo
que, por exemplo, nas melhores casas de Londres, o ano todo, dificilmente chega-se a fabricar 1 dúzia de relógios que sejam parecidos. A fábrica de relógios de Vacheron
&
Constantin, que utiliza maquinaria com sucesso, também fornece no máximo 3 ou 4 dife-rentes variedades em tamanho e forma.
437#
balham em domicílio, mas para um capitalista (fabricante, établisseur), é inteiramente diferente da do artífice independente que trabalha para
seus próprios clientes. 626 A segunda espécie de manufatura, sua forma completa, produz
artigos que percorrem fases interligadas de desenvolvimento, uma se-qüência de processos gradativos, como, por exemplo, o arame, na ma-nufatura
de agulhas para costura, que passa pelas mãos de 72 e até de 92 trabalhadores parciais específicos.
Na medida em que tal manufatura combina ofícios originalmente dispersos, ela reduz a separação espacial entre as fases particulares
de produção do artigo. O tempo de sua passagem de um estágio a outro é reduzido, do mesmo modo que o trabalho que media essa pas-sagem.
627 Em comparação com o artesanato ganha-se assim força pro-dutiva,
na verdade originando-se esse ganho do caráter cooperativo geral da manufatura. Por outro lado, seu princípio peculiar da divisão


de trabalho causa um isolamento das diferentes fases de produção, que como outros tantos trabalhos parciais artesanais se autonomizam
reciprocamente. Estabelecer e manter a conexão entre as funções iso-ladas requer transporte ininterrupto do artigo de uma mão para outra
e de um processo para outro. Do ponto de vista da grande indústria, isso se apresenta como uma limitação característica, custosa e imanente
ao princípio da manufatura. 628 A observação de determinado quantum de matéria-prima, por
exemplo, de trapos na manufatura de papel ou de arame na manufatura de agulhas, mostra que ela percorre, nas mãos dos diferentes traba-lhadores
parciais, uma seqüência cronológica de fases de produção até chegar a sua figura final. Mas se observarmos pelo contrário a oficina
como um mecanismo global, vemos que a matéria-prima se encontra simultaneamente em todas as suas fases de produção de uma vez.
Com uma parte de suas muitas mãos armadas de instrumentos, o trabalhador coletivo, formado pela combinação de trabalhadores deta-lhistas,
estira o arame, enquanto simultaneamente com outras mãos e outras ferramentas o estica, com outras o corta, o aponta etc. De
uma sucessão no tempo, os diversos processos graduais transformam-se em uma justaposição no espaço. Daí o fornecimento de mais mercadorias
prontas no mesmo período de tempo. 629 Aquela simultaneidade decorre,


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626 Na feitura de relógios, esse exemplo clássico da manufatura heterogênea, pode-se estudar com precisão a acima mencionada diferenciação e especialização dos instrumentos
de tra-balho
oriunda da decomposição da atividade artesanal. 627 "Quando os homens trabalham tão juntos uns dos outros, o transporte tem de ser neces-sariamente
menor." (The Advantages of the East India Trade, p. 106.) 628 "O isolamento das diferentes fases de produção na manufatura, que decorre do emprego
de trabalho manual, eleva extraordinariamente os custos de produção, originando-se a perda sobretudo do mero transporte de um processo de trabalho para outro." (The
Industry of
Nations. Londres, 1855, Parte Segunda. p. 200.) 629 "Ela" (a divisão do trabalho) "produz também uma economia de tempo ao decompor o
438#
na verdade, da forma cooperativa geral do processo global, mas a manu-fatura não apenas encontra, desde o início, as condições para a cooperação,
senão que em parte as cria pela decomposição da atividade artesanal. Por outro lado, ela alcança essa organização social do processo de trabalho
apenas soldando o mesmo trabalhador ao mesmo detalhe. Sendo o produto parcial de cada trabalhador parcial apenas um
degrau particular no desenvolvimento do mesmo artigo, cada traba-lhador ou grupo de trabalhadores fornece ao outro sua matéria-prima.
O resultado do trabalho de um constitui o ponto de partida para o trabalho do outro. Um trabalhador ocupa, portanto, diretamente o ou-tro.
O tempo de trabalho necessário para alcançar o efeito útil ambi-cionado em cada processo parcial é fixado de acordo com a experiência,
e o mecanismo global da manufatura baseia-se no pressuposto de que em dado tempo de trabalho um resultado dado é obtido. Somente sob
esse pressuposto os diferentes processos de trabalho, que se comple-mentam mutuamente, podem prosseguir espacialmente lado a lado,
simultaneamente e sem interrupção. É claro que essa dependência direta dos trabalhos e portanto dos trabalhadores entre si obriga cada
indivíduo a empregar só o tempo necessário à sua função, produzindo-se assim uma continuidade, uniformidade, regularidade, ordenamento 630
e nomeadamente também intensidade de trabalho totalmente diferen-tes das vigentes no ofício independente ou mesmo na cooperação sim-ples.
Que se aplique a uma mercadoria apenas o tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção, aparece na produção mercantil
em geral como compulsão externa da concorrência, porque, expresso superficialmente, cada produtor individual tem de vender a mercadoria
pelo seu preço de mercado. O fornecimento de dado quantum de pro-dutos num tempo de trabalho determinado torna-se na manufatura
lei técnica do próprio processo de produção. 631 Operações diferentes necessitam, entretanto, de períodos desi-guais
de tempo e fornecem, por isso, em períodos iguais, quantidades desiguais de produtos parciais. Se, portanto, o mesmo trabalhador deve
executar, dia após dia, sempre a mesma operação, então é necessário empregar em diferentes operações números proporcionalmente dife-rentes
de trabalhadores, por exemplo, numa manufatura de tipos de


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trabalho em seus diversos ramos, que podem todos ser executados ao mesmo tempo. (...) Por meio da execução simultânea de todos os diferentes processos de trabalho,
que um
indivíduo isolado teria de executar separadamente, torna-se possível, por exemplo, produzir uma quantidade de agulhas no mesmo tempo que se necessitaria para cortar
ou aguçar
uma única agulha." (STEWART, Dugald. Op. cit., p. 319.) 630 "Quanto maior a variedade de trabalhadores especializados em cada manufatura (...) tanto
mais ordenado e regular é cada trabalho; este deve necessariamente ser executado em menos tempo e o trabalho deve reduzir-se." (The Advantages etc., p. 68.)
631 Em muitos ramos, contudo, a exploração manufatureira alcança esse resultado apenas imperfeitamente, pois não sabe controlar com segurança as condições físicas
e químicas
gerais do processo de produção.
439#
imprensa, 4 fundidores e 2 quebradores para 1 polidor, na qual o fun-didor funde 2 mil tipos por hora, o quebrador tira 4 mil do molde e o
polidor dá polimento a 8 mil. Reaparece aí o princípio da cooperação em sua forma mais simples, a ocupação simultânea de muitos que
executam trabalho da mesma espécie, agora porém como expressão de uma relação orgânica. A divisão manufatureira do trabalho simplifica
e diversifica portanto não só os órgãos qualitativamente diferenciados do trabalhador coletivo social, mas também cria uma proporção mate-mática
fixa para o volume quantitativo desses órgãos, isto é, para o número relativo de trabalhadores ou para a grandeza relativa dos gru-pos
de trabalhadores em cada função particular. Ela desenvolve com a articulação qualitativa a regra quantitativa e a proporcionalidade
do processo de trabalho social. Uma vez fixada pela experiência a proporção mais adequada dos
diferentes grupos de trabalhadores parciais para determinada escala de produção, somente pode-se ampliar essa escala de produção empre-gando-
se um múltiplo de cada grupo particular de trabalhadores. 632 Acresce que o mesmo indivíduo realiza certos trabalhos tão bem em
escala maior quanto menor, como, por exemplo, o trabalho de supe-rintendência, o transporte dos produtos parciais de uma fase de pro-dução
para outra etc. A autonomização dessas funções ou sua atribuição a trabalhadores específicos só se torna vantajosa com a ampliação do
número de trabalhadores ocupados, mas essa ampliação tem de atingir de uma vez todos os grupos proporcionalmente.
O grupo individual, um número de trabalhadores que executam a mesma função parcial, consiste em elementos homogêneos e constitui
um órgão particular do mecanismo global. Em diferentes manufaturas, entretanto, o próprio grupo é um corpo articulado de trabalho, enquanto
o mecanismo global é constituído pela repetição ou pela multiplicação desses organismos produtivos elementares. Tomemos por exemplo a
manufatura de garrafas de vidro. Ela decompõe-se em três fases es-sencialmente diversas. Primeiro, a fase preparatória, como preparação
da composição do vidro, mistura de areia, cal etc., e fundição dessa composição em uma massa líquida de vidro. 633 Na primeira fase estão
ocupados diferentes trabalhadores parciais, ocorrendo o mesmo na fase final, retirada das garrafas dos fornos de secagem, sua seleção, emba-lagem
etc. Entre ambas as fases está a feitura propriamente dita do


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632 "Quando a experiência, de acordo com a natureza particular dos produtos de cada manu-fatura, revela tanto a maneira mais vantajosa de dividir a fabricação em
operações parciais
como também o número de trabalhadores a elas necessário, os estabelecimentos que não empreguem um múltiplo exato desse número fabricarão com custos maiores. (...)
Essa é
uma das causas da ampliação colossal dos estabelecimentos industriais." (BABBAGE, Ch. On the Economy of Machinery. Londres, 1832, Cap. XXI, p. 172-173.)
633 Na Inglaterra, o forno de fusão é separado do forno de vidro, no qual se elabora o vidro; na Bélgica, por exemplo, o mesmo forno serve para os dois processos.
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vidro ou a elaboração da massa líquida do vidro. Na mesma boca de forno trabalha um grupo, que na Inglaterra chama-se hole, composto
de um bottle maker ou finisher, um blower, um gatherer, um putter up ou whetter off e um taker. 634 Esses cinco trabalhadores parciais
constituem outros tantos órgãos particulares de um único corpo de trabalho que só pode atuar como unidade por meio da cooperação direta
de todos os cinco. Faltando um membro do corpo de cinco partes, ele fica paralisado. O mesmo forno de vidro, porém, tem diversas aberturas,
na Inglaterra, por exemplo, de 4 a 6, cada uma delas com um cadinho de argila contendo a massa líquida de vidro e ocupando seu próprio
grupo de trabalhadores, composto dos mesmos cinco membros. A ar-ticulação de cada grupo individual baseia-se aqui diretamente na di-visão
do trabalho, enquanto o vínculo que reúne os diversos grupos da mesma espécie é a cooperação simples, que utiliza um dos meios
de produção, no caso o forno de vidro, de maneira mais econômica mediante seu consumo coletivo. Cada um desses fornos com seus 4 a
6 grupos constitui uma vidraria, e uma manufatura de vidro com-preende várias vidrarias juntamente com as instalações e os trabalha-dores
para as fases preparatórias e finais de produção. Finalmente, a manufatura, originando-se da combinação de di-ferentes
ofícios, pode-se desenvolver numa combinação de diferentes manufaturas. As maiores vidrarias inglesas, por exemplo, fabricam
elas mesmas seus cadinhos de argila, por depender essencialmente da sua qualidade o sucesso ou fracasso da produção. A manufatura de
um meio de produção se associa aqui com a manufatura do produto. Inversamente, a manufatura do produto pode ser associada a manu-faturas,
às quais serve por sua vez de matéria-prima ou com cujos produtos é montado posteriormente. Assim, por exemplo, encontra-se
a manufatura de flint glass 635 combinada com o polimento de vidro e com a fundição de latão, o último para a guarnição metálica de diversos
artigos de vidro. As diversas manufaturas combinadas formam então departamentos mais ou menos separados espacialmente de uma ma-nufatura
global e ao mesmo tempo processos de produção independentes entre si, cada um com sua própria divisão de trabalho. Apesar de
algumas vantagens que a manufatura combinada oferece, ela nunca adquire, sobre sua própria base, uma verdadeira unidade técnica. Esta
surge somente pela sua transformação em empresa mecanizada. O período da manufatura, o qual logo proclama conscientemente
como princípio 636 a diminuição do tempo de trabalho necessário para


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634 Hole: buraco. — Bottle maker: fazedor de garrafa. — Finisher: acabador. — Blower: soprador. — Gatherer: coletor. — Putter up: estivador. — Whetter off: amolador.
— Taker: entregador.
(N. dos T.) 635 Cristal. (N. dos T.)
636 Pode-se ver isto, entre outros, em W. Petty, John Bellers, Andrew Yarranton, The Advantages of the East India Trade e Vanderlint.
441#
a produção de mercadorias, também chega esporadicamente a desen-volver a utilização de máquinas, sobretudo para certos processos iniciais
simples que têm de ser executados maciçamente e com grande emprego de força. Assim, por exemplo, logo se executa na manufatura de papel
a trituração de trapos por meio de moinhos de papel e na metalurgia a fragmentação de minérios por meio dos assim chamados moinhos de
pilões. 637 O Império Romano transmitiu-nos a forma elementar de toda a maquinaria com o moinho de água. 638 O período do artesanato deixou
as grandes invenções da bússola, da pólvora, da impressão de livros e do relógio automático. Em geral, entretanto, a maquinaria desem-penha
o papel secundário que Adam Smith lhe atribui ao lado da divisão do trabalho. 639 Tornou-se muito importante a utilização espo-rádica
da maquinaria no século XVII, por ter oferecido aos grandes matemáticos daquele tempo pontos de apoio práticos e estímulos para
criarem a mecânica moderna. A maquinaria específica do período manufatureiro permanece o
próprio trabalhador coletivo, combinação de muitos trabalhadores par-ciais. As diferentes operações que são executadas alternadamente pelo
produtor de uma mercadoria e que se entrelaçam no conjunto de seu processo de trabalho apresentam-lhe exigências diferentes. Numa ele
tem de desenvolver mais força, em outra mais habilidade, numa terceira mais atenção mental etc., e o mesmo indivíduo não possui essas qua-lidades
no mesmo grau. Depois da separação, autonomização e isola-mento das diferentes operações, os trabalhadores são separados, clas-sificados
e agrupados segundo suas qualidades dominantes. Se suas peculiaridades naturais formam a base sobre a qual se monta a divisão
do trabalho, a manufatura desenvolve, uma vez introduzida, forças de trabalho que por natureza só são aptas para funções específicas uni-laterais.
O trabalhador coletivo possui agora todas as propriedades produtivas no mesmo grau de virtuosidade e ao mesmo tempo as des-pende
da maneira mais econômica, empregando todos os seus órgãos, individualizadas em trabalhadores ou grupos de trabalhadores deter-


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637 Ainda nos fins do século XVI na França utilizava-se o almofariz e a peneira para pilar e lavar os minérios.
638 Toda a história do desenvolvimento da maquinaria pode ser seguida através da história dos moinhos de trigo. A fábrica em inglês chama-se ainda mill [moinho].
Em escritos tec-nológicos
alemães dos primeiros decênios do século XIX encontra-se ainda a expressão moinho não só para designar toda maquinaria movida por forças naturais, mas também
todas as manufaturas que aplicavam aparelhos mecânicos. 639 Como se verá mais pormenorizadamente no Livro Quarto desta obra, A. Smith não elaborou
nenhuma proposição nova sobre a divisão do trabalho. O que, porém, o caracteriza como economista político que sintetiza todo o período da manufatura é o acento que
coloca sobre
a divisão do trabalho. O papel subordinado que atribui à maquinaria provocou no começo da grande indústria a polêmica de Lauderdale e numa época mais desenvolvida,
a de Ure.
A. Smith confunde também a diferenciação dos instrumentos, na qual o próprio trabalhador parcial da manufatura teve participação muito ativa, com a invenção das
máquinas. Não
são os trabalhadores das manufaturas, mas os estudiosos, os artífices, inclusive os campo-neses (Brindley) etc. que aqui desempenham papel importante.
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minados, exclusivamente para suas funções específicas. 640 A unilate-ralidade e mesmo imperfeição do trabalhador parcial tornam-se sua
perfeição como membro do trabalhador coletivo. 641 O hábito de exercer uma função unilateral transforma-o em seu órgão natural e de atuação
segura, enquanto a conexão do mecanismo global o obriga a operar com regularidade de um componente de máquina. 642
Uma vez que as diferentes funções do trabalhador coletivo podem ser mais simples ou mais complexas, mais baixas ou mais elevadas,
seus órgãos, as forças de trabalho individuais, exigem diferentes graus de formação, possuindo por isso valores muito diferentes. A manufatura
desenvolve portanto uma hierarquia das forças de trabalho, à qual corresponde uma escala de salários. Se, por um lado, o trabalhador
individual é apropriado e anexado por toda a vida a uma função uni-lateral, então as diferentes operações daquela hierarquia são adaptadas
às habilidades naturais e adquiridas. 643 Todo processo de produção exige no entanto certos manejos simples que qualquer ser humano é
sem mais capaz de realizar. Eles também são destacados de sua conexão em fluxo com os momentos de mais conteúdo da atividade e ossificados
em funções exclusivas. A manufatura cria portanto em todo ofício, de que se apossa,
uma classe dos chamados trabalhadores não qualificados, os quais eram rigorosamente excluídos pelo artesanato. Se ela desenvolve a especia-lidade
inteiramente unilateralizada, à custa da capacidade total de trabalho, até a virtuosidade, ela já começa também a fazer da falta
de todo desenvolvimento uma especialidade. Ao lado da graduação hie-rárquica surge a simples separação dos trabalhadores em qualificados
e não qualificados. Para os últimos os custos de aprendizagem desa-


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640 "Dividindo a fabricação de um artigo em várias operações diferentes, cada uma exigindo graus diferentes de habilidade e força, o mestre-manufatureiro pode conseguir
exatamente
o quantum de força e de habilidade correspondente a cada operação. Se, ao contrário, toda a obra tivesse de ser executada por um só trabalhador, o mesmo indivíduo
teria de possuir
suficiente habilidade para as operações mais delicadas e suficiente força para as mais penosas." (BABBAGE, Ch. Op. cit., cap. XIX.)
641 Por exemplo, desenvolvimento unilateral dos músculos, deformação dos ossos etc. 642 Muito corretamente responde o sr. Wm. Marshall, o general manager * de uma
manufatura
de vidros, à pergunta do comissário de inquérito, como a laboriosidade dos jovens traba-lhadores era mantida: "Eles não podem, de forma alguma, negligenciar seu
trabalho; depois
de terem começado a trabalhar, têm de prosseguir; eles são exatamente como partes de uma máquina". (Child. Empl. Comm., Fourth Report. 1865. p. 247.)
* Gerente geral. (N. dos T.)
643 Dr. Ure, em sua apoteose da grande indústria, percebe as características peculiares da manufatura com mais nitidez que os economistas anteriores, que não tinham
seu interesse


polêmico, e mesmo que seus contemporâneos, como, por exemplo, Babbage, que embora superior a ele como matemático e mecânico, compreende a grande indústria apenas
do
ponto de vista da manufatura. Ure observa: "A apropriação dos trabalhadores a cada ope-ração particular constitui a essência da distribuição dos trabalhos". Por
outro lado, qualifica
ele essa distribuição como "adaptação dos trabalhos às diferentes capacidades individuais" e caracteriza finalmente todo o sistema de manufatura como "um sistema
de gradações
segundo o nível de habilidade", como "uma divisão do trabalho segundo os diferentes graus de habilidade" etc. (URE. Philosophy of Manufactures. p. 19-23 et passim.)
443#
parecem por inteiro, para os primeiros esses custos se reduzem, em comparação com o artesão, devido à função simplificada. Em ambos
os casos cai o valor da força de trabalho. 644 Ocorrem exceções na medida em que a decomposição do processo de trabalho gerava novas funções
compreensivas que no artesanato ou não existiam ou não na mesma extensão. A desvalorização relativa da força de trabalho, que decorre
da eliminação ou da redução dos custos de aprendizagem, implica di-retamente uma valorização maior do capital, pois tudo que reduz o
tempo de trabalho necessário para reproduzir a força de trabalho amplia os domínios do mais-trabalho.


4. Divisão do trabalho dentro da manufatura e divisão do trabalho dentro da sociedade


Inicialmente, analisamos a origem da manufatura, depois seus elementos simples, o trabalhador parcial e sua ferramenta, finalmente
seu mecanismo total. Examinaremos agora, rapidamente, a relação entre a divisão manufatureira do trabalho e a divisão social do trabalho,
a qual constitui a base geral de toda a produção de mercadorias.
Se se considera apenas o próprio trabalho, podemos designar a separação da produção social em seus grandes gêneros, como agricul-tura,


indústria etc., de divisão do trabalho em geral, a diferenciação desses gêneros de produção em espécies e subespécies, de divisão do
trabalho em particular, e a divisão do trabalho dentro de uma oficina de divisão do trabalho em detalhe. 645
A divisão do trabalho dentro da sociedade e a correspondente limitação dos indivíduos a esferas profissionais particulares se desen-volve,
como a divisão do trabalho dentro da manufatura, a partir de pontos opostos. Dentro de uma família, 646 e com desenvolvimento ul-terior,
dentro de uma tribo, origina-se uma divisão do trabalho que


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644 "Todo artesão que (...) foi capacitado a aperfeiçoar-se, pela prática, numa operação parcial (...) tornou-se um trabalhador mais barato." (URE. Op. cit., p.
19.)
645 "A divisão do trabalho vai desde a separação das profissões mais diferentes até aquela divisão em que diversos trabalhadores dividem entre si a elaboração de
um único produto,
como na manufatura." (STORCH. Cours d'Écon. Pol. Ed. de Paris, t. I, p. 173.) "Encontramos nos povos que alcançaram certo grau de civilização três espécies de divisão
do trabalho: a
primeira, que chamamos de geral, leva à distinção dos produtores em agricultores, manu-fatores e comerciantes, correspondendo aos três ramos principais do trabalho
nacional; a
segunda, que se poderia chamar especial, é a divisão de cada ramo de trabalho em espécies (...) a terceira divisão do trabalho, finalmente, que se deveria designar
de divisão da operação
de trabalho ou divisão do trabalho propriamente dita, é a que se estabelece nos ofícios e profissões separados (...) e que se estabelece na maioria das manufaturas
e das oficinas."
(SKARBEK. Op. cit., p. 84-85.) 646 {Nota à 3ª edição. Estudos posteriores muito profundos sobre as condições primitivas do
homem levaram o autor a concluir que originalmente não foi a família que evoluiu para formar a tribo, mas sim, ao contrário, foi a tribo a forma primitiva, naturalmente
desen-volvida
da socialização humana baseada no parentesco de sangue, de modo que só mais tarde se desenvolveram, a partir do início da dissolução dos laços tribais, as múltiplas
e
diversas formas da família. — F. E.}
444#
evolui naturalmente das diferenças de sexo e de idade, portanto sobre uma base puramente fisiológica, que amplia seu material com a ex-pansão
da comunidade, com o crescimento da população e notadamente com o conflito entre as diversas tribos e a subjugação de uma tribo
pela outra. Por outro lado, como já observei anteriormente, o inter-câmbio de produtos origina-se nos pontos em que diferentes famílias,
tribos, comunidades entram em contato, pois nos começos da civilização não são pessoas privadas, mas famílias, tribos etc. que se defrontam
autonomamente. Comunidades diferentes encontram meios diferentes de produção e meios diferentes de subsistência em seu meio ambiente
natural. Seu modo de produção, modo de vida e produtos são portanto diferentes. É essa diferença naturalmente desenvolvida que, ao entra-rem
em contato as comunidades, provoca o intercâmbio recíproco dos produtos e portanto a transformação progressiva desses produtos em
mercadorias. O intercâmbio não cria a diferença entre as esferas de produção, mas as coloca em relação e as transforma assim em ramos
mais ou menos interdependentes de uma produção social global. Aqui surge a divisão social do trabalho por meio do intercâmbio entre esferas
de produção originalmente diferentes porém independentes entre si. Onde a divisão fisiológica do trabalho constitui o ponto de partida, os
órgãos particulares de um todo diretamente conexo desprendem-se uns dos outros, decompõem-se, para cujo processo de decomposição o in-tercâmbio
de mercadorias com comunidades estranhas dá o impulso principal, e se autonomizam até o ponto em que a conexão entre os
diferentes trabalhos é medida pelo intercâmbio dos produtos como mer-cadorias. Em um caso é a dependentização do que era autônomo, no
outro a autonomização dos antes dependentes. A base de toda divisão do trabalho desenvolvida e mediada pelo
intercâmbio de mercadorias é a separação entre a cidade e o campo. 647 Pode-se dizer que toda a história econômica da sociedade resume-se
no movimento dessa antítese, do qual porém já não iremos tratar aqui. Assim como para a divisão do trabalho dentro da manufatura
certo número de trabalhadores utilizados simultaneamente constitui o pressuposto material, este é para a divisão do trabalho dentro da
sociedade a grandeza da população e sua densidade, que ocupa aqui o lugar da aglomeração na mesma oficina. 648 Essa densidade no entanto


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647 Sir James Steuart foi quem melhor tratou desse ponto. Quão pouco conhecida é, hoje em dia, sua obra, que apareceu 10 anos antes da Wealth of Nations, vê-se,
entre outras coisas,
pela circunstância de que os admiradores de Malthus sequer sabem que este, na primeira edição de sua obra sobre a Population, pondo-se de lado a parte puramente
declamatória,
quase que se limita a copiar Steuart, além dos clérigos Wallace e Townsend. 648 "Existe certa densidade de população que é conveniente tanto ao inter-relacionamento
social quanto àquela combinação de forças, por meio da qual aumenta o produto de trabalho." (MILL, James. Op. cit., p. 50.) "Se o número dos trabalhadores cresce,
aumenta a força
produtiva da sociedade na mesma proporção desse crescimento, multiplicado pelo efeito da divisão do trabalho." (HODGSKIN, Th. Op. cit., p. 120.)
445#
é algo relativo. Um país de povoamento relativamente esparso com meios de comunicação desenvolvidos possui um povoamento mais denso
do que um país mais povoado com meios de comunicação menos de-senvolvidos, e desse modo, por exemplo, os Estados setentrionais da
União Americana são mais densamente povoados do que a Índia. 649
Sendo a produção e circulação de mercadorias o pressuposto geral do modo de produção capitalista, a divisão manufatureira do trabalho


exige que a divisão do trabalho tenha amadurecido até certo grau de desenvolvimento no interior da sociedade. Inversamente, a divisão ma-nufatureira
do trabalho desenvolve e multiplica por efeito recíproco aquela divisão social do trabalho. Com a diferenciação dos instrumentos
de trabalho diferenciam-se cada vez mais os ofícios que produzem esses instrumentos. 650 Se a empresa manufatureira apossa-se de um ofício,
que até então era ligado a outros, como atividade principal ou acessória, sendo exercido pelo mesmo produtor, ocorre imediatamente uma se-paração
e autonomização recíproca. Se ela se apossa de uma fase es-pecífica de produção de uma mercadoria, então suas diferentes fases
de produção transformam-se em diferentes ofícios independentes. Já verificamos que, quando o artigo é um todo composto puramente me-cânico
de produtos parciais, os trabalhos parciais podem autonomizar-se por sua vez em ofícios próprios. Para realizar mais perfeitamente a
divisão do trabalho dentro de uma manufatura, o mesmo ramo de produção é, conforme a diversidade de suas matérias-primas ou das
formas diferentes que a mesma matéria-prima pode assumir, dividido em manufaturas diferentes, em parte inteiramente novas. Assim, já
na primeira metade do século XVIII, eram tecidas somente na França mais de 100 variedades de seda, e em Avignon era lei que


"todo aprendiz tinha de dedicar-se a apenas uma espécie de fabricação, não devendo aprender a confecção de várias espécies,
ao mesmo tempo".
A divisão territorial do trabalho, que confina ramos particulares de produção em distritos particulares de um país, recebe novo impulso
da empresa manufatureira, a qual explora todas as particularidades. 651


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649 Em conseqüência da grande procura de algodão, a partir de 1861, foi ampliada, em alguns distritos densamente populosos da Índia oriental, a produção de algodão,
à custa da produção
de arroz. Surgiu assim penúria alimentar em certas partes, porque a falta de meios de comunicação, e portanto da conexão física, não permitia compensar a queda de
produção
de arroz de um distrito por suprimento de outros distritos. 650 Assim a manufatura de lançadeiras já constituía durante o século XVII, na Holanda, uma
indústria específica. 651 "Não está a manufatura de lã da Inglaterra, dividida em diferentes partes ou ramos, que
se assentaram em lugares particulares, onde elas são manufaturadas única ou principal-mente; tecidos finos em Somersetshire, grossos em Yorkshire, enfestados em
Exeter, seda
em Sudbury, crepes em Norwich, fazendas de meia-lã em Kendal, cobertores em Whitney etc.!" (BERKELEY. The Querist, 1750, § 520.)
446#
Rico material para a divisão do trabalho dentro da sociedade recebeu o período manufatureiro, com a ampliação do mercado mundial e o
sistema colonial, que pertencem à esfera de suas condições gerais de existência. Aqui não é o lugar para demonstrar além disso como essa
divisão se apossa, além da econômica, de todas as outras esferas da sociedade, lançando por toda parte a base para aquele avanço da es-pecialização,
de especialidades e um parcelamento do homem, que levou A. Ferguson, professor de A. Smith, a exclamar:


"Estamos criando uma nação de hilotas e não existem livres entre nós". 652
Apesar das numerosas analogias, porém, a das conexões entre a divisão do trabalho no interior da sociedade e a divisão dentro de uma
oficina, ambas não são apenas gradual, mas essencialmente diferentes. A analogia parece mais palpavelmente incontestável onde um vínculo
íntimo entrelaça diferentes ramos de negócios. O criador de gado, por exemplo, produz peles, o curtidor transforma as peles em couro, o sa-pateiro,
o couro em botas. Cada um deles produz aqui um produto gradual, e a forma final acabada é o produto combinado de seus tra-balhos
específicos. Somam-se a isso os múltiplos ramos de trabalho que fornecem ao criador de gado, ao curtidor e ao sapateiro os meios
de produção. Pode-se, então, imaginar com A. Smith que essa divisão social do trabalho se distinga apenas subjetivamente da manufatureira,
pois aqui o observador vê, num só olhar, espacialmente junta a varie-dade dos trabalhos parciais, enquanto lá a conexão é obscurecida pela
sua dispersão por grandes áreas e pelo grande número dos que estão ocupados em cada ramo específico. 653 O que estabelece porém a conexão
entre os trabalhos independentes do criador de gado, do curtidor e do sapateiro? A existência de seus produtos respectivos como mercadorias.
O que caracteriza, ao contrário, a divisão manufatureira do trabalho? Que o trabalhador parcial não produz mercadoria. 654 Só o produto co-


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652 FERGUSON, A. History of Civil Society. Edimburgo, 1767. Parte Quarta, seção II, p. 285. 653 Nas manufaturas propriamente ditas, diz ele, a divisão do trabalho
parece maior porque
"os ocupados em cada ramo de trabalho podem muitas vezes estar reunidos na mesma oficina e ser abarcados com um olhar pelo observador. Ao contrário, naquelas grandes
manufaturas (!), as quais são destinadas a satisfazer às principais necessidades da grande massa da população, cada ramo de trabalho ocupa um número tão grande de
trabalhadores
que é impossível reuni-los na mesma oficina (...) a divisão aí está longe de ser tão evidente". (SMITH, A. Wealth of Nations. Livro Primeiro. Cap. I.) O célebre
passus no mesmo capítulo
que começa com as palavras: "Observem-se os haveres do mais comum dos artesãos ou dos jornaleiros num país civilizado e florescente etc." e então prossegue descrevendo
como
inúmeros e variados ofícios trabalham em conjunto para satisfazer às necessidades de um trabalhador comum, é copiado quase literalmente dos remarks [comentários]
de B. de Man-derville
à sua Fable of the Bees, or, Private Vices, Publick Benefits. (Primeira edição sem comentários 1705, com comentários 1714.)
654 "Mas não existe nada mais que se possa designar como o salário natural do trabalho de um indivíduo. Cada trabalhador produz somente uma parte de um todo, e uma
vez que
cada parte por si mesma não tem valor ou utilidade, não existe nada que o trabalhador
447#
mum dos trabalhadores parciais transforma-se em mercadoria. 655 A divisão do trabalho no interior da sociedade é mediada pela compra e
venda dos produtos de diferentes ramos de trabalho, a conexão dos trabalhos parciais na manufatura pela venda de diferentes forças de
trabalho ao mesmo capitalista, que as emprega como força de trabalho combinada. A divisão manufatureira do trabalho pressupõe concentra-ção
dos meios de produção nas mãos de um capitalista, a divisão social do trabalho, fracionamento dos meios de produção entre muitos pro-dutores
de mercadorias independentes entre si. Enquanto na manufa-tura a lei de bronze da proporcionalidade submete determinadas quan-tidades
de trabalhadores a determinadas funções, na sociedade, o va-riado jogo do acaso e do arbítrio determina a distribuição dos produtores
de mercadorias e de seus meios de produção entre os diferentes ramos sociais de trabalho. As diferentes esferas de produção procuram, em
verdade, constantemente, pôr-se em equilíbrio, de um lado, ao dever produzir cada produtor de mercadorias um valor de uso, portanto sa-tisfazer
uma necessidade social particular, mas a extensão dessas ne-cessidades é quantitativamente diferente e um vínculo interno conca-tena
as diferentes massas de necessidades num sistema naturalmente desenvolvido; por outro lado a lei do valor das mercadorias determina
quanto de todo tempo de trabalho disponível a sociedade pode despender para produzir cada espécie particular de mercadoria. Todavia essa cons-tante
tendência das diferentes esferas de produção de se colocar em equilíbrio atua apenas como reação contra a contínua eliminação desse
equilíbrio. A regra que se segue a priori e planejadamente na divisão do trabalho dentro da oficina atua na divisão do trabalho no interior
da sociedade apenas a posteriori, como necessidade natural, interna, muda, perceptível nas flutuações barométricas dos preços do mercado,
subjugando o desregrado arbítrio dos produtores de mercadorias. A divisão manufatureira do trabalho pressupõe a autoridade incondicional


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possa tomar e do qual possa dizer: Isto é meu produto, isto quero para mim." (Labour Defended Against the Claims of Capital. Londres, 1825. p. 25.) O autor dessa
excelente
obra é o já anteriormente citado Th. Hodgskin. 655 Nota à 2ª edição. Essa diferença entre divisão manufatureira e divisão social do trabalho
foi ilustrada na prática para os ianques. Um dos novos impostos ideados em Washington durante a guerra civil foi o tributo de 6% sobre "todos os produtos industriais".
Pergunta:
O que é um produto industrial? Resposta do legislador: Uma coisa é produzida, "quando é feita" (when it is made), e ela é feita quando está pronta para a venda.
Então um exemplo,
entre muitos. Manufaturas de Nova York e Filadélfia anteriormente costumavam "fazer" guarda-chuvas com todos os acessórios. Mas sendo um guarda-chuva um mixtum compositum
de várias partes inteiramente diversas, tornaram-se elas, pouco a pouco, artigos indepen-dentes entre si, produzidos por ramos de negócios localizados em diferentes
lugares. Os
seus produtos parciais inseriam-se então como mercadorias independentes, na manufatura de guarda-chuva, que apenas os combina para formarem um todo. Os ianques batizaram
artigos dessa espécie com o nome de assembled articles, * nome que mereceram sobretudo por reunirem impostos. Assim, o guarda-chuva "reunia" 6% de impostos sobre
o preço de
cada um de seus elementos e novamente 6% sobre seu preço global. * Artigos reunidos (N. dos T.)
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do capitalista sobre seres humanos transformados em simples membros de um mecanismo global que a ele pertence; a divisão social do trabalho
confronta produtores independentes de mercadorias, que não reconhe-cem nenhuma outra autoridade senão a da concorrência, a coerção
exercida sobre eles pela pressão de seus interesses recíprocos, do mesmo modo que no reino animal o bellum omnium contra omnes 656 preserva
mais ou menos as condições de existência de todas as espécies. A mesma consciência burguesa, que festeja a divisão manufatureira do trabalho,
a anexação do trabalhador por toda a vida a uma operação parcial e a subordinação incondicional dos trabalhadores parciais ao capital como
uma organização do trabalho que aumenta a força produtiva, denuncia com igual alarido qualquer controle e regulação social consciente do
processo social de produção como uma infração dos invioláveis direitos de propriedade, da liberdade e da "genialidade" autodeterminante do
capitalista individual. É muito característico que os mais entusiásticos apologistas do sistema fabril não saibam dizer nada pior contra toda
organização geral do trabalho social além de que ela transformaria toda a sociedade numa fábrica.
Enquanto na sociedade do modo de produção capitalista a anar-quia da divisão social do trabalho e o despotismo da divisão manufa-tureira
do trabalho se condicionam reciprocamente, formas sociais an-teriores, nas quais a particularização dos ofícios se desenvolveu natu-ralmente,
para depois cristalizar-se e por fim firmar-se legalmente, apresentam, ao contrário, de um lado, o quadro de uma organização
do trabalho social subordinada a um plano e a uma autoridade, en-quanto de outro excluem inteiramente a divisão do trabalho dentro da
oficina, ou só a desenvolvem numa escala minúscula, ou de modo apenas esporádico e acidental. 657
Aquelas pequenas comunidades indianas antiqüíssimas, por exemplo, que em parte ainda continuam a existir baseiam-se na posse
comum das terras, na união direta entre agricultura e artesanato e numa divisão fixa do trabalho, que no estabelecimento de novas co-munidades
serve de plano e de projeto. Constituem organismos de produção que bastam a si mesmos, variando suas áreas de produção
de 100 a alguns milhares de acres. A maior parte dos produtos é des-tinada ao autoconsumo direto da comunidade não como mercadoria,
sendo portanto a própria produção independente da divisão do trabalho mediada pelo intercâmbio de mercadorias no conjunto da sociedade
indiana. Apenas os produtos excedentes transformam-se em mercado-


MARX


471
656 A guerra de todos contra todos. HOBBES, Thomas. Leviathan. (N. da Ed. Alemã.) 657 "Pode-se estabelecer como regra geral: quanto menos intervém a autoridade na
divisão do
trabalho no interior da sociedade, tanto mais se desenvolve a divisão do trabalho dentro da oficina e tanto mais ela se subordina à autoridade de um indivíduo. Conseqüentemente,
a autoridade na oficina e a autoridade na sociedade estão, com referência à divisão do trabalho, em razão inversa uma da outra." (MARX, Karl. Op. cit., p. 130-131.)
449#
rias, parte deles só depois de chegar às mãos do Estado, para o qual flui desde tempos imemoriais certo quantum como renda natural. Di-ferentes
regiões da Índia possuem diferentes formas de comunidades. Em sua forma mais simples a comunidade cultiva a terra em comum
e distribui seus produtos entre seus membros, enquanto cada família fia, tece etc. como atividade acessória doméstica. Ao lado dessa massa
homogeneamente ocupada encontramos "o habitante principal", juiz, polícia e coletor de impostos em uma pessoa; o guarda-livros, que faz
a contabilidade do cultivo e que registra e cadastra tudo que a ele diz respeito; um terceiro funcionário, que persegue criminosos e protege
viajantes estrangeiros, escoltando-os de uma aldeia a outra; o guarda de fronteira, que vigia as fronteiras de sua comunidade contra as co-munidades
vizinhas; o inspetor de águas, que distribui, para as ne-cessidades agrícolas, a água dos reservatórios comunais; o brâmane,
que exerce as funções do culto religioso; o mestre-escola, que ensina às crianças da comunidade a ler e a escrever na areia; o brâmane do
calendário, que como astrólogo indica as ocasiões para a semeadura, colheita e as boas e as más horas para todos o trabalhos agrícolas
particulares; um ferreiro e um carpinteiro que confeccionam e conser-tam todos os instrumentos agrícolas; o oleiro, que faz todo o vasilhame
da aldeia; o barbeiro, o lavador para a limpeza das roupas, o ourives de prata, aqui ou ali o poeta, que em algumas comunidades substitui
o ourives de prata e em outras o mestre-escola. Essa dúzia de pessoas é sustentada à custa de toda a comunidade. Se a população aumenta,
estabelece-se uma nova comunidade em terra não cultivada, segundo o modelo da anterior. O mecanismo comunal apresenta uma divisão
planejada do trabalho mas sua divisão manufatureira é impossível, pois o mercado do ferreiro, do carpinteiro etc. permanece inalterado,
podendo-se, de acordo com o tamanho da aldeia, encontrar no máximo, em vez de um ferreiro, oleiro etc., dois ou três deles. 658 A lei, que
regula a divisão do trabalho comunal, opera aqui com a autoridade inquebrantável de uma lei natural, enquanto cada artesão particular,
como o ferreiro etc., realiza todas as operações pertinentes a seu ofício, de maneira tradicional, mas independente e sem reconhecer nenhuma
autoridade em sua oficina. O organismo produtivo simples dessas comunidades auto-sufi-cientes,
que se reproduzem constantemente da mesma forma e, se forem destruídas acidentalmente, são de novo reconstruídas no mesmo lugar,
com o mesmo nome, 659 oferece a chave para o segredo da imutabilidade


OS ECONOMISTAS


472
658 WILKS, Tenente-coronel Mark. Historical Sketches of the South of India. Londres, 1810 e 1817, v. I, p. 118-120. Um bom compêndio das diferentes formas de comunidade
indiana
encontra-se em Modern India, de George Campbell, Londres, 1852. 659 "Dessa forma simples (...) têm vivido, desde tempos imemoriais, os habitantes do país. Os
limites das aldeias foram raramente alterados, e embora estas tenham sido repetidas vezes atingidas e mesmo devastadas pela guerra, pela fome ou por epidemias, o
mesmo nome,
450#
de sociedades asiáticas que contrastam de maneira tão impressionante com a constante dissolução e reconstrução dos Estados asiáticos e com
as incessantes mudanças de dinastias. A estrutura dos elementos eco-nômicos fundamentais da sociedade não é atingida pelas tormentas
desencadeadas no céu político. As leis das corporações, conforme já observamos, impediam pla-nejadamente,
ao limitar com severidade o número de ajudantes que um único mestre de corporação podia empregar, a sua transformação
em capitalista. Da mesma forma, somente era-lhe permitido empregar ajudantes no ofício em que ele era mestre. A corporação defendia-se
zelosamente contra qualquer intrusão do capital mercantil, a única forma livre de capital, com que se defrontava. O comerciante podia
comprar todas as mercadorias, mas não o trabalho como mercadoria. Ele era apenas tolerado como distribuidor dos produtos artesanais. Se
circunstâncias externas provocassem uma progressiva divisão do tra-balho, as corporações existentes dividiam-se em subespécies ou funda-vam-
se novas corporações ao lado das antigas, porém sem que diferentes ofícios se reunissem em uma oficina. A organização corporativa, por
mais que sua especialização, isolamento e aperfeiçoamento dos ofícios pertençam às condições de existência materiais do período de manufatura,
excluía, portanto, a divisão manufatureira do trabalho. Em geral, o tra-balhador e seus meios de produção permaneciam unidos como o caracol
e sua concha, e faltava assim a base principal da manufatura, a autono-mização dos meios de produção como capital perante o trabalhador.
Enquanto a divisão do trabalho no todo de uma sociedade, seja ou não mediada pelo intercâmbio de mercadorias, existe nas
mais diferentes formações sócioeconômicas, a divisão manufatureira do trabalho é uma criação totalmente específica do modo de produção
capitalista.
5. O caráter capitalista da manufatura
Um número relativamente grande de trabalhadores sob o coman-do de um mesmo capital constitui o ponto de partida naturalmente


desenvolvido tanto da cooperação em geral quanto da manufatura. Re-ciprocamente, a divisão manufatureira do trabalho desenvolve o cres-cimento
do número de trabalhadores empregados numa necessidade técnica. O mínimo de trabalhadores, que um capitalista individual tem
de empregar, é-lhe agora prescrito pela divisão do trabalho estabelecida. Por outro lado, as vantagens de uma divisão ulterior são condicionadas


MARX


473
os mesmos limites, os mesmos interesses e inclusive as mesmas famílias têm sobrevivido através de gerações. Os habitantes não se preocuparam com o desmoronamento
ou a divisão
de reinos; desde que a aldeia permaneça íntegra pouco lhes importa o poder a que foi transferida ou a que soberano foi adjudicada. Sua economia interna permanece
inalterada."
(RAFFLES, Th. Stamfort. "Late Lieut. Gov. of Java". In: The History of Java. Londres, 1817. v. I, p. 285.)
451#
pelo aumento ulterior do número de trabalhadores, que só se pode realizar por múltiplos. Com a parte variável tem de crescer também a parte cons-tante
do capital, além do volume das condições comuns de produção, como construções, fornos etc., nomeadamente também e com muito mais rapidez
que o número de trabalhadores, a matéria-prima. A sua massa consumida num tempo dado, por dado quantum de trabalho, aumenta na mesma
proporção que a força produtiva do trabalho em conseqüência da divisão deste. O incremento progressivo do volume mínimo de capital em mãos
de capitalistas individuais ou a transformação crescente dos meios sociais de subsistência e dos meios de produção em capital é portanto uma lei
que decorre do caráter técnico da manufatura. 660 Assim como na cooperação simples, na manufatura é o corpo de
trabalho em ação uma forma de existência do capital. O mecanismo social de produção composto de muitos trabalhadores parciais indivi-duais
pertence ao capitalista. A força produtiva originada da combi-nação dos trabalhos aparece por isso como força produtiva do capital.
A manufatura propriamente dita não só submete ao comando e à dis-ciplina do capital o trabalhador antes autônomo, mas cria também
uma graduação hierárquica entre os próprios trabalhadores. Enquanto a cooperação simples em geral não modifica o modo de trabalho do
indivíduo, a manufatura o revoluciona pela base e se apodera da força individual de trabalho em suas raízes. Ela aleija o trabalhador con-vertendo-
o numa anomalia, ao fomentar artificialmente sua habilidade no pormenor mediante a repressão de um mundo de impulsos e capa-cidades
produtivas, assim como nos Estados de La Plata abate-se um animal inteiro apenas para tirar-lhe a pele ou o sebo. Os trabalhos
parciais específicos são não só distribuídos entre os diversos indivíduos, mas o próprio indivíduo é dividido e transformado no motor automático
de um trabalho parcial, 661 tornando assim a fábula insossa de Menenius Agrippa, 662 segundo a qual um ser humano é representado como mero


OS ECONOMISTAS


474
660 "Não basta que o capital necessário para a subdivisão dos ofícios" (deveria dizer, os meios de subsistência e os de produção, para esse fim necessários) "se
encontre disponível na
sociedade; além disso, é preciso que esteja acumulado em mãos dos empresários em quan-tidade suficientemente grande, para capacitá-los a trabalhar em grande escala.
(...) Quanto
mais a divisão aumenta, a ocupação constante de um mesmo número de trabalhadores exige capital cada vez maior em ferramentas, matérias-primas etc." (STORCH. Cours
d'Écon.
Polit. Edição de Paris, t. I, p. 250-251.) "A concentração dos instrumentos de produção e a divisão do trabalho são tão inseparáveis uma da outra quanto, na área
da política, a
centralização dos poderes públicos e a divisão dos interesses privados." (MARX, Karl. Op. cit., p. 134.)
661 Dugald Stewart denomina os trabalhadores de manufatura "autômatos vivos (...) que são empregados em trabalhos parciais". (Op. cit., p. 318.)
662 Fábula de Menênio Agripa. — Em 494 a. C. ocorreu o primeiro grande choque entre patrícios e plebeus. Segundo a saga, o patrício Menênio Agripa conseguiu com
uma parábola convencer
os plebeus a aceitar a reconciliação. A sublevação dos plebeus assemelhar-se-ia a uma recusa dos órgãos do corpo humano em permitir que o estômago recebesse alimento,
o que
teria por conseqüência que esses mesmos órgãos emagreceriam muito. A recusa dos plebeus de cumprirem seus deveres levaria o Império Romano ao declínio. (N. da Ed.
Alemã.)
452#
fragmento de seu próprio corpo, realidade. 663 Se o trabalhador origi-nalmente vendeu sua força de trabalho ao capital, por lhe faltarem os
meios materiais para a produção de uma mercadoria, agora sua força individual de trabalho deixa de cumprir seu serviço se não estiver
vendida ao capital. Ela apenas funciona numa conexão que existe so-mente depois de sua venda, na oficina do capitalista. Incapacitado em
sua qualidade natural de fazer algo autônomo, o trabalhador manu-fatureiro só desenvolve atividade produtiva como acessório da oficina
capitalista. 664 Como o povo eleito levava escrito na fronte que era pro-priedade de Jeová, assim a divisão do trabalho marca o trabalhador
manufatureiro com ferro em brasa, como propriedade do capital. Os conhecimentos, a compreensão e a vontade, que o camponês
ou artesão autônomo desenvolve mesmo que em pequena escala, como o selvagem exercita toda arte da guerra como astúcia pessoal, agora
passam a ser exigidos apenas pela oficina em seu conjunto. As potências intelectuais da produção ampliam sua escala por um lado porque de-saparecem
por muitos lados. O que os trabalhadores parciais perdem, concentra-se no capital com que se confrontam. 665 É um produto da
divisão manufatureira do trabalho opor-lhes as forças intelectuais do processo material de produção como propriedade alheia e poder que
os domina. Esse processo de dissociação começa na cooperação simples, em que o capitalista representa em face dos trabalhadores individuais
a unidade e a vontade do corpo social de trabalho. O processo desen-volve-se na manufatura, que mutila o trabalhador, convertendo-o em
trabalhador parcial. Ele se completa na grande indústria, que separa do trabalho a ciência como potência autônoma de produção e a força
a servir ao capital. 666 Na manufatura, o enriquecimento do trabalhador coletivo e, por-tanto,
do capital em força produtiva social é condicionado pelo empo-brecimento do trabalhador em forças produtivas individuais.


"A ignorância é a mãe da indústria, como da superstição. A reflexão e a imaginação estão sujeitas ao erro; mas o hábito de
movimentar o pé ou a mão não depende nem de uma nem da


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475
663 Nos corais, cada indivíduo constitui realmente o estômago de todo o grupo. Mas esse in-divíduo lhe fornece substância nutritiva, em vez de, como o patrício romano,
as tirar dele.
664 "O trabalhador que domina uma profissão completa pode trabalhar e encontrar seu sustento em qualquer lugar; o outro" (o trabalhador de manufatura) "é apenas
um acessório e,
separado de seus colegas de trabalho, não possui nem capacidade nem independência, sendo forçado, portanto, a aceitar a lei que se considere correta lhe impor."
(STORCH. Op.
cit. Ed. São Petersburgo, 1815. t. I, p. 204.) 665 FERGUSON, A. Op. cit., p. 281: "Um pode ter ganho o que o outro perdeu".
666 "O homem do saber e o trabalhador produtivo estão amplamente separados um do outro, e a ciência, em vez de nas mãos do trabalhador aumentar suas próprias forças
produtivas
para ele mesmo, colocou-se contra ele em quase toda parte. (...) O conhecimento torna-se um instrumento capaz de ser separado do trabalho e oposto a ele." (THOMPSON,
W. An
Inquiry into the Principles of the Distribution of Wealth. Londres, 1824. p. 274.)
453#
outra. As manufaturas prosperam portanto mais onde mais se dispensa o espírito, de modo que a oficina pode ser considerada
uma máquina cujas partes são seres humanos." 667
Na realidade, algumas manufaturas na metade do século XVIII empregavam de preferência, em certas operações simples, mas que


constituíam segredos de fábrica, indivíduos meio idiotas. 668
"A inteligência da maior parte dos homens", diz A. Smith, "desenvolve-se necessariamente a partir e por meio de suas ocu-pações


diárias. Um homem que despende toda a sua vida na execução de algumas operações simples (...) não tem nenhuma
oportunidade de exercitar sua inteligência. (...) Ele torna-se ge-ralmente tão estúpido e ignorante quanto é possível a uma cria-tura
humana."
Depois de A. Smith descrever o aparvalhamento do trabalhador parcial, prossegue:


"A uniformidade de sua vida estacionária corrompe natural-mente também a coragem de sua mente. (...) Ela destrói mesmo
a energia de seu corpo e o incapacita a empregar suas forças com vigor e perseverança, a não ser na operação parcial para a
qual foi adestrado. Sua habilidade em seu ofício particular parece assim ter sido adquirida à custa de suas virtudes intelectuais,
sociais e guerreiras. Mas, em toda sociedade industrial e civili-zada, esse é o estado no qual necessariamente tem de cair o
pobre que trabalha (the labouring poor), isto é, a grande massa do povo". 669


A fim de evitar a degeneração completa da massa do povo, originada pela divisão do trabalho, A. Smith recomenda o ensino popular pelo Estado,
embora em doses prudentemente homeopáticas. Seu tradutor e comenta-rista francês, G. Garnier, que no primeiro império francês metamorfo-seou-
se em senador, polemiza conseqüentemente contra essa idéia. O en-sino popular contraria as leis primordiais da divisão do trabalho e com
ele "se proscreveria todo o nosso sistema social".


OS ECONOMISTAS


476
667 FERGUSON, A. Op cit., p. 280. 668 TUCKETT, J. D. A History of the Past and Present State of the Labouring Population.
Londres, 1846, v. I, p. 148. 669 SMITH, A. Wealth of Nations. Livro Quinto. Cap. I, art. II. Como discípulo de A. Ferguson,
que desenvolvera as desvantajosas conseqüências da divisão do trabalho, A. Smith era extremamente claro sobre esse ponto. Na introdução de sua obra, onde a divisão
do trabalho
é festejada ex professo, ele a menciona apenas de passagem como fonte das desigualdades sociais. Só no Livro Quinto, relativo à receita do Estado, reproduz ele,
Ferguson. Eu expus
em Misère de la Philosophie o necessário sobre a relação histórica entre Ferguson, A. Smith, Lemontey e Say em sua crítica da divisão do trabalho e lá também apresentei
a divisão
manufatureira do trabalho como forma específica do modo de produção capitalista. (Op. cit., p. 122 et seqs.)
454#
"Como todas as outras divisões do trabalho", disse ele, "a do trabalho manual e trabalho intelectual 670 se torna mais acentuada
e mais resoluta à medida que a sociedade" (ele emprega acerta-damente essa expressão referindo-se ao capital, à propriedade
da terra e ao seu Estado) "torna-se mais rica. Como qualquer outra divisão do trabalho essa é a conseqüência de progressos
passados e causa de progressos futuros. (...) Pode então o governo contrariar essa divisão do trabalho e retardar sua marcha natu-ral?
Pode ele empregar parte da receita pública para tentar con-fundir e misturar duas classes de trabalho que almejam sua di-visão
e separação?" 671
Certa deformação física e espiritual é inseparável mesmo da di-visão do trabalho em geral na sociedade. Mas como o período manu-fatureiro


leva muito mais longe essa divisão social dos ramos de tra-balho e, por outro lado, apenas com a sua divisão peculiar alcança o
indivíduo em suas raízes vitais, é ele o primeiro a fornecer o material e dar o impulso para a patologia industrial. 672


"Subdividir um homem significa executá-lo, se merece a pena de morte, assassiná-lo, se ele não a merece. A subdivisão do tra-balho
é o assassinato de um povo." 673


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477
670 Ferguson diz de imediato (Op. cit., p. 281): "E o pensar propriamente pode, nesta época de divisões do trabalho, vir a ser um ofício especial".
671 GARNIER, G. t. V de sua tradução, p. 4-5. 672 Ramazzini, professor de medicina prática em Pádua, publicou em 1713 sua obra De morbis
artificum, em 1777 traduzida para o francês, impressa novamente em 1841, na Encyclopédie des Sciences Médicales, 7 me Div. Auteurs Classiques. O período da grande
indústria ampliou
de muito, naturalmente, seu catálogo de doenças dos trabalhadores. Veja entre outras obras Hygiène Physique et Morale de l'Ouvrier dans les Grandes Villes en Général,
et dans la
Ville de Lyon en Particulier. Par le Dr. A. L. Fonteret, Paris, 1858 e [ROHATZSCH, R. H.] Die Krankheiten, welche verschiednen Ständen, Altern und Geschlechtern
eigenthümlich sind,
6 v., Ulm, 1840. No ano de 1854, a Society of Arts * nomeou uma comissão de inquérito sobre patologia industrial. A lista dos documentos reunidos por essa comissão
encontra-se no catálogo
do "Twickenham Economic Museum". Muito importante os Reports on Public Health oficiais. Ver também EDUARD REICH, M. D. Ueber die Entartung des Menschen. Erlangen,
1868.
* Society of Arts and Trades (Sociedade das Artes e Ofícios) — (Sociedade filantrópica
fundada em 1754, que se encontrava próxima do iluminismo burguês. Durante os anos 50 do século XIX, o príncipe Albert liderou essa sociedade. O objetivo da sociedade,
apregoado


com muito barulho, era "o apoio à arte, aos ofícios e ao comércio" e a recompensa para quem contribuísse "para dar emprego aos pobres, ampliar o comércio, aumentar
as riquezas
do país etc." Na pretensão de impedir o desenvolvimento do movimento grevista de massas na Inglaterra, essa sociedade tentou apresentar-se como intermediária entre
os trabalha-dores
e empresários. Marx denominou essa sociedade de Society of Arts and Tricks (Sociedade das Artes e Artimanhas). (N. da Ed. Alemã.)
673 "To subdivide a man is to execute him, if he deserves the sentence, to assassinate him, if he does not (...) the subdivision of labour is the assassination of
a people." (URQUHART,
D. Familiar Words. Londres, 1855. p. 119.) Hegel tinha idéias muito heréticas sobre a divisão do trabalho. "Por homens cultos pode-se entender aqueles que podem
fazer tudo
que os outros fazem", diz ele em sua obra Rechtsphilosophie. * * HEGEL. Grundlinien der Philosophie des Rechts, oder Naturrecht und Staatswissenschaft
im Grundrisse. Berlim, 1840. § 187, complemento. (N. da Ed. Alemã.)
455#
A cooperação baseada na divisão do trabalho ou a manufatura é nos seus inícios uma formação naturalmente desenvolvida. Tão logo
ela tenha ganho alguma consistência e amplitude de existência, torna-se a forma consciente, planejada e sistemática do modo de produção ca-pitalista.
A história da manufatura propriamente dita mostra como, de início, a sua divisão peculiar do trabalho atinge, de acordo com a
experiência, igualmente pelas costas das pessoas atuantes, as formas adequadas, e como almeja depois, da mesma forma que o artesanato
corporativo, manter tradicionalmente a forma uma vez descoberta, e a mantém em casos isolados por séculos. Excetuando aspectos secun-dários,
essa forma altera-se somente em conseqüência de uma revolução nos instrumentos de trabalho. A manufatura moderna — não falo aqui
da grande indústria baseada na maquinaria — ou encontra os disjecta membra poetae 674 já prontos, como, por exemplo, a manufatura de roupa
nas grandes cidades, onde ela nasce, tendo somente de juntá-los de sua dispersão, ou o princípio da divisão é evidente, bastando atribuir
as diferentes operações da produção artesanal (por exemplo, da enca-dernação) exclusivamente a trabalhadores particulares. Não custa nem
uma semana de experiência descobrir em tais casos a proporção entre os braços necessários para cada função. 675
A divisão manufatureira do trabalho cria, por meio da análise da atividade artesanal, da especificação dos instrumentos de trabalho,
da formação dos trabalhadores especiais, de sua agrupação e combi-nação em um mecanismo global, a graduação qualitativa e a propor-cionalidade
quantitativa de processos sociais de produção, portanto de-terminada organização do trabalho social, e desenvolve com isso, ao
mesmo tempo, nova força produtiva social do trabalho. Como forma especificamente capitalista do processo de produção social — e sob as
bases preexistentes ela não podia desenvolver-se de outra forma, a não ser na capitalista — é apenas um método especial de produzir
mais-valia relativa ou aumentar a autovalorização do capital — o que se denomina riqueza social, Wealth of Nations etc. — à custa dos tra-balhadores.
Ela desenvolve a força produtiva social do trabalho não só para o capitalista, em vez de para o trabalhador, mas também por
meio da mutilação do trabalhador individual. Produz novas condições de dominação do capital sobre o trabalho. Ainda que apareça de um
lado como progresso histórico e momento necessário de desenvolvimento do processo de formação econômica da sociedade, por outro ela surge
como um meio de exploração civilizada e refinada.


OS ECONOMISTAS


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674 Os membros dispersos do poeta — das Sátiras de Horácio. Livro Primeiro, sátira 4. (N. da Ed. Alemã.)
675 A crença cômoda no gênio inventivo, que o capitalista individual exerceria a priori na divisão do trabalho, só se encontra hoje em professores alemães, tais
como o sr. Roscher,
por exemplo, que consagra ao capitalista, como sinal de gratidão pela divisão do trabalho que salta pronta de sua cabeça jupiteriana, "diversos salários". A maior
ou menor aplicação
da divisão do trabalho depende do tamanho da bolsa, não da grandeza do gênio.
456#
A Economia Política, que só aparece como ciência própria no
período manufatureiro, considera a divisão social do trabalho exclu-sivamente
do ponto de vista da divisão manufatureira do trabalho 676
como um meio de produzir com o mesmo quantum de trabalho mais
mercadorias, portanto para baratear as mercadorias e acelerar a
acumulação do capital. Na mais rigorosa oposição a essa acentuação
da quantidade e do valor de troca, se atêm os escritores da anti-guidade
clássica exclusivamente à qualidade e ao valor de uso. 677
Em conseqüência da separação dos ramos sociais da produção, as
mercadorias são mais bem-feitas, os diversos instintos e talentos
dos seres humanos escolhem as correspondentes esferas de ação 678
e sem limitação nada significativo pode ser realizado. 679 Assim, pois,
com a divisão do trabalho melhoram o produto e o produtor. Quando
eventualmente é referido também o aumento da quantidade de pro-


MARX


479
676 Mais que A. Smith, escritores mais antigos, como Petty, como o autor anônimo das Ad-vantages of the East India Trade etc., fixaram o caráter capitalista da divisão
manufatureira
do trabalho. 677 Entre os escritores modernos constituem exceção alguns do século XVIII, como Beccaria e
James Harris, que em relação à divisão do trabalho quase não fazem mais que seguir os antigos. Assim diz Beccaria: "A cada um comprova sua própria experiência que,
quando
se empregam mãos e engenho sempre na mesma espécie de trabalho e de produtos, os resultados são mais fáceis, mais abundantes e melhores do que se cada um fizesse
isola-damente
todas as coisas de que necessita. (...) Desse modo, os homens dividem-se, para proveito de todos e para seu próprio proveito, em diferentes classes e estamentos".
(BEC-CARIA,
Cesare. Elementi di Econ. Pubblica. Ed. Custodi, Part. Moderna, t. XI. p. 28.) James Harris, mais tarde, em Earl of Malmesbury, famoso pelos Diaries [diários] de
sua
época de embaixador em São Petersburgo, diz mesmo em uma nota a seu Dialogue Con-cerning Happiness. Londres, 1741, * mais tarde de novo impresso em Three Treatises
etc.,
3ª ed., Londres, 1772: "Toda a demonstração de que a sociedade é algo natural" (isto é, pela "divisão das ocupações") "foi tirada do Livro Segundo da República de
Platão".
* O autor da obra Dialogue Concerning Happiness não é o diplomata James Harris, autor
dos Diaries and Correspondence, mas sim seu pai James Harris. Marx cita aqui de Three Treatises. Londres, 1772. p. 292. (N. da Ed. Alemã.)


678 Assim diz a Odisséia, XIV, 228: "Pois um outro homem se deleita também com outros trabalhos" e Arquíloco, em Sexto Empírico: "Cada um recreia seus sentidos em
outro trabalho". *
* Marx cita essa expressão do Arquíloco segundo a obra de Sexto Empírico, Adversus
Mathematicos. Livro 11, p. 44. (N. da Ed. Alemã.) 679 " ' , ' !" * — O ateniense sentia-se superior ao


espartano, como produtor de mercadorias, porque este na guerra podia dispor de homens, mas não de dinheiro, conforme palavras que Tucídides põe na boca de Péricles
em discurso
incitando os atenienses à guerra do Peloponeso. "Os que vivem em auto-subsistência estão mais preparados para fazer guerra com seus corpos do que com dinheiro."
(TUCÍDIDES.
Livro Primeiro. Cap. 141.) Entretanto, permanecia seu ideal, também na produção material, a ! ** que se opõe à divisão do trabalho, "pois com esta há
prosperidade, mas
com aquela há também independência". É necessário considerar-se que à época da queda dos 30 tiranos *** não chegavam a 5 mil os atenienses sem propriedade de terra.
* Muitos trabalhos sabia ele, entretanto sabia todos mal. (N. dos T.)
** Autarquia. (N. dos T.)
*** 30 tiranos — Uma comissão que depois do término da guerra do Peloponeso (404 a. C.)


foi encarregada, em Atenas, de elaborar uma nova constituição. Essa corporação, entretanto, em pouco tempo chamou para si todo o poder e realizou um regime de terror.
Após oito


meses de domínio pela violência, os tiranos foram derrubados e foi restaurada em Atenas a democracia escravocrata. (N. da Ed. Alemã.)
457#
dutos, isso é feito apenas relativamente à maior abundância do valor
de uso. Não se faz a menor alusão ao valor de troca, ao barateamento
das mercadorias. Esse ponto de vista do valor de uso domina tanto
em Platão 680 que faz da divisão do trabalho o fundamento da divisão
social dos estamentos, como em Xenofonte, 681 que com seu instinto
caracteristicamente burguês acerca-se já à divisão do trabalho na
oficina. A República de Platão, na medida em que a divisão do tra-balho
é desenvolvida nela como princípio formador do Estado, não
passa de idealização ateniense do sistema egípcio de castas, sendo
o Egito o país industrial modelar também para outros contemporâ-


OS ECONOMISTAS


480
680 Platão desenvolve a divisão do trabalho dentro da comunidade a partir da multiplicidade das necessidades e da unilateralidade das capacidades dos indivíduos.
O aspecto principal
para ele é que o trabalhador deve ajustar-se à obra e não a obra ao trabalhador, como seria inevitável, se ele exercesse diversas artes simultaneamente, portanto
uma ou outra
delas como ofício secundário. "Pois o trabalho não quer esperar pelo tempo livre daquele que o executa, mas o trabalhador tem de ater-se ao trabalho, todavia não
de maneira
leviana. — Isto é necessário. — Daí segue que se fabrica mais de tudo, assim como com mais beleza e facilidade, quando cada um faz apenas uma coisa, de acordo com
seus talentos
naturais, no momento adequado, estando livre de outras ocupações." (De Republica. Livro Segundo. Cap. 2. Ed. Baiter, Orelli etc.) * Semelhante em Tucídides, op.
cit., c. 142: "A
navegação é uma arte como qualquer outra, e não pode ser exercida circunstancialmente de maneira acessória senão, pelo contrário, outras ocupações não podem ser
exercidas aces-soriamente
ao lado dela". Se a obra, diz Platão, "tem de esperar pelo trabalhador, então, muitas vezes, o momento crítico da produção será perdido e a obra se estraga, " '
" ** A mesma idéia platônica encontra-se de novo no protesto dos proprietários ingleses de branquearias contra a cláusula da Lei Fabril que estabelece
determinada hora
para as refeições de todos os trabalhadores. Seu negócio não poderia ajustar-se aos traba-lhadores, pois "as diferentes operações de aquecer, lavar, clarear, passar,
calandrar e tingir
não podem, por nenhum momento, ser interrompidas sem perigo de danos. (...) Impor a mesma hora de refeição para todos os trabalhadores pode sujeitar ocasionalmente
bens
valiosos ao perigo de o processo de trabalho não ser terminado". Le platonisme où va-t-il se nicher! ***
* República de Platão — O tipo ideal de um Estado escravagista como o descreveu o filósofo
grego Platão em sua obra. O princípio básico dessa forma de Estado deveria ser a rigorosa divisão do trabalho entre os estamentos dos cidadãos livres. A função de
governar seria


concedida aos filósofos; uma casta de guerreiros, liberados de qualquer dever de trabalhar, estaria encarregada de proteger a vida e a propriedade dos cidadãos,
enquanto os campo-neses,
artesãos e comerciantes produziriam exclusivamente os bens materiais que eles fariam chegar ao povo. (N. da Ed. Alemã.)
** O tempo correto para o trabalho é perdido. (N. dos T.)
*** O platonismo, aonde ele vai se aninhar! (N. dos T.)


681 Xenofonte conta não ser apenas honroso receber alimentos da mesa do rei persa, mas que esses alimentos são muito mais saborosos que os outros. "E isso não é
nada milagroso, pois


assim como as outras artes adquirem uma perfeição especial nas grandes cidades, as iguarias reais são preparadas de um modo todo particular. Pois nas pequenas cidades
o mesmo
indivíduo faz cama, porta, arado, mesa; freqüentemente ainda constrói casas e fica satisfeito quando consegue desse modo uma clientela suficiente para manter-se.
É impossível que
uma pessoa que faz tanta coisa, faça tudo bem. Nas grandes cidades porém, onde cada um encontra muitos compradores, basta um ofício para alimentar um homem. Muitas
vezes,
nem é necessário um ofício por inteiro, um fazendo sapatos para homem, o outro, sapatos para mulher. Aqui e ali, um vive simplesmente de costurar, o outro de cortar
sapatos, um
simplesmente corta vestimentas, o outro assenta as partes. É necessário, pois, que o executor do trabalho mais simples o faça indubitavelmente da melhor maneira.
Do mesmo modo
ocorre com a culinária." (XENOFONTE. Cirop. Livro Oitavo. Cap. 2.) Acentua-se aqui ex-clusivamente a qualidade a ser atingida pelo valor de uso, embora Xenofonte
já saiba que
a escala da divisão do trabalho depende da extensão do mercado.
458#
neos, por exemplo, Isócrates, 682 e até mesmo para os gregos do tempo do Império Romano. 683
Durante o período manufatureiro propriamente dito, isto é, o período em que a manufatura era a forma dominante do modo de
produção capitalista, a plena realização de suas tendências se choca com obstáculos de diversas naturezas. Embora, como vimos, ela criasse
ao lado da graduação hierárquica dos trabalhadores uma divisão sim-ples entre trabalhadores qualificados e não qualificados, o número dos
últimos fica muito limitado em virtude da influência predominante dos primeiros. Embora ajustasse as operações especiais aos diversos graus
de maturidade, força e desenvolvimento dos seus órgãos vivos de tra-balho e portanto induzindo a exploração produtiva de mulheres e crian-ças,
essa tendência malogra geralmente devido aos hábitos e à resis-tência dos trabalhadores masculinos. Embora a decomposição da ati-vidade
artesanal reduzisse os custos de formação e portanto o valor do trabalhador, continua necessário para o trabalho de detalhe mais
difícil um tempo mais longo de aprendizagem, e mesmo onde este se tornava supérfluo, os trabalhadores procuravam zelosamente preser-vá-
lo. Encontramos, por exemplo, na Inglaterra, as laws of apprenti-ceship 684 com seus sete anos de aprendizagem em pleno vigor até o
fim do período manufatureiro, tendo sido postas de lado apenas pela grande indústria. Uma vez que a habilidade artesanal continua a ser
a base da manufatura e que o mecanismo global que nela funciona não possui nenhum esqueleto objetivo independente dos próprios tra-balhadores,
o capital luta constantemente com a insubordinação dos trabalhadores.


"A fraqueza da natureza humana", exclama o amigo Ure, "é tão grande que quanto mais hábil for o trabalhador, tanto mais
ele se torna voluntarioso e mais difícil de ser tratado e, por con-seguinte, causa grande dano ao mecanismo global, por meio de
seus caprichos tolos." 685
Por todo o período manufatureiro continua, por isso, a queixa sobre a falta de disciplina dos trabalhadores. 686 E se não tivéssemos


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682 "Ele" (Busíris) "dividiu a todos em castas especiais (...) ordenou que sempre os mesmos indivíduos executassem os mesmos ofícios, porque ele sabia que os que
mudam suas ocu-pações
não se aprofundam em nenhuma; os que, porém, permanecem na mesma ocupação, realizam tudo com a maior perfeição. Realmente verificaremos que em suas artes e ofícios
eles superaram seus rivais em maior medida do que o mestre superou o remendão, e em relação à instituição por meio da qual mantêm a monarquia e a constituição restante
do
Estado, são tão excelentes que os célebres filósofos, que trataram do assunto, elogiaram a constituição estatal egípcia mais que as outras." (ISÓCRATES. Busíris,
cap. 8.)
683 Cf. Diod. Sic. 684 Leis da aprendizagem. (N. dos T.)
685 URE. Op. cit., p. 20. 686 O que foi dito no texto é mais válido para a Inglaterra do que para a França, e mais para
a França do que para a Holanda.
459#
os testemunhos dos escritores da época, os simples fatos de que do século XVI até a época da grande indústria o capital não conseguiu
apoderar-se do tempo total disponível dos trabalhadores manufaturei-ros, que as manufaturas eram de vida curta e, de acordo com a imi-gração
ou a emigração dos trabalhadores, tinham de deixar um país para instalarem-se em outro, falariam com a eloqüência de bibliotecas.
"Ordem tem de ser estabelecida, de um modo ou de outro", exclama em 1770 o repetidamente citado autor do Essay on Trade and Com-merce.
Ordem, ressoa 66 anos mais tarde da boca do dr. Andrew Ure, "ordem" faltou na manufatura baseada no "dogma escolástico da divisão
do trabalho" e "Arkwright criou a ordem". Ao mesmo tempo, a manufatura nem podia apossar-se da pro-dução
social em toda a sua extensão, nem revolucioná-la em sua pro-fundidade. Como obra de arte econômica ela eleva-se qual ápice sobre
a ampla base do artesanato urbano e da indústria doméstica rural. Sua própria base técnica estreita, ao atingir certo grau de desenvol-vimento,
entrou em contradição com as necessidades de produção que ela mesma criou.
Uma de suas obras mais completas foi a oficina para a produção dos próprios instrumentos de trabalho, nomeadamente também dos apa-relhos
mecânicos mais complicados que já começavam a ser aplicados.
"Tal oficina", diz Ure, "oferecia aos olhos a divisão do trabalho em suas múltiplas gradações. A furadeira, o cinzel, o torno tinham


cada um seus próprios trabalhadores, classificados hierarquica-mente segundo o grau de sua habilidade." 687


Esse produto da divisão manufatureira do trabalho produziu, por sua vez — máquinas. Elas superam a atividade artesanal como prin-cípio
regulador da produção social. Assim, por um lado, é removido o motivo técnico da anexação do trabalhador a uma função parcial, por
toda a vida. Por outro lado, caem as barreiras que o mesmo princípio impunha ao domínio do capital.


OS ECONOMISTAS


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687 URE. Op. cit., p. 21.
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APÊNDICE A QUESTÃO DA TRADUÇÃO
Partindo do pressuposto de que línguas diversas designam entes idênticos com palavras diferentes, pode-se chegar logo à conclusão de que
a tradução é possível porque os entes referidos são os mesmos. Ou seja, verificando que, em vez de dizer "casa", em outra língua se diz "house"
ou "maison", ou que, em vez de "cavalo" é dito "horse" ou "cheval", em suma, que o ente A é designado numa língua pela palavra a e que, em
outra língua, este mesmo ente seja designado pela palavra a', conclui-se que a tradução é possível porque, sendo A = A, então a = a'.
De uma cultura para a outra, não só os entes que participam da experiência e do vocabulário da coletividade não são, contudo, ri-gorosamente
os mesmos, como também a divisão, feita pelas diferentes línguas, em campos semânticos não é a mesma em relação aos entes
que aparentam ser idênticos. Inclusive a coloração e conotação dada aos "mesmos" campos semânticos não é sempre a mesma. Uma língua
pode operar com dois gêneros; outra, alterando radicalmente a sua visão do mundo, pode operar com três ou fazer uma classificação até
antitética de entes em gêneros. Uma língua pode distinguir entre o "eu" usado pelo homem e o "eu" empregado pela mulher, outras línguas
podem ser indiferentes a isso. Uma língua pode distinguir o gênero para certos números ou até para vários números, outra língua pode
não fazer nunca qualquer distinção; uma língua pode agrupar certos números pouco elevados, outra pode levar tais agrupamentos mais de-talhadamente
avante. Tais diferenças, que sempre existem entre as línguas, constituem dificuldades para a tradução. Não se pode, portanto,
pressupor simplesmente que as diversas línguas apenas designam entes idênticos com palavras diferentes.
Sob a aparência de designar o mesmo ente, as línguas podem fazê-lo de modo bastante diversificado, complicando a questão da si-nonímia.
Assim, dois entes que aparentam pertencer à mesma família, "morcego" e "rato", têm, na língua inglesa, uma proximidade em termos


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461#
de significante, "bat" e "rat", que inexiste em português. A língua fran-cesa leva essa aproximação ainda mais avante, ao designar o rato
como "souris" e o morcego como "chauve-souris", que literalmente sig-nifica "rato careca". Na língua alemã, tal associação entre rato e mor-cego
também existe, só que já é diferente: o morcego, "Fledermaus", é designado, portanto, como um rato, ou melhor, um camundongo
(Maus), cuja capacidade de voar é que é destacada e qualificada. Por-tanto, ao considerar sinônimos tais termos, está-se fazendo uma tra-dução,
ao mesmo tempo, correta e inexata, assim como uma tradução literal poderia ser mais exata nos detalhes e menos comunicativa no
todo. Fazendo ou deixando de fazer associações dessa ordem, cada lín-gua organiza os dados da experiência de um modo peculiar, experiência
que é historicamente mutável.
Não só na tradução de textos estritamente literários, nem sempre a tradução "correta" é efetivamente a melhor tradução: as perdas e


acréscimos em tais processos de transposição podem ser às vezes de tal monta que é necessário criar novos termos, literalmente mais exatos;
o dicionário pode inclusive não ser o melhor conselheiro. Um termo como "Wertform" pode ser melhor traduzido por "forma-valor" do que
por "forma de valor" ou "forma do valor". A tradução literal pode às vezes criar cacófatos na língua de chegada, sendo recomendável evi-tá-
los. O circunlóquio altera a natureza compacta do original; o mo-nossílabo do original pode ter sua correspondência num trissílabo e
isso pode, eventualmente, ser um problema. Há mil e uma armadilhas que, a todo momento, o tradutor precisa evitar.
A questão da tradução tem tido três respostas básicas: a mate-rialista vulgar, a idealista e a materialista dialética.
A teoria materialista vulgar supõe que — estabelecendo-se aqui a convenção de designar os entes por letras maiúsculas e as palavras
por letras minúsculas —, como aos entes A, B, C, D, correspondem, numa determinada língua, as palavras a, b, c, d, enquanto, em outra
língua, aos mesmos entes correspondem as palavras a', b', c', d', a tradução é possível já que, então, a = a', b = b', c = c', d = d' etc. Os
signos seriam, portanto, arbitrários, mas, correspondendo a entes idên-ticos da realidade, acabariam tendo, de uma língua para outra, uma
identidade entre si, possibilitando, assim, a tradução. É uma teoria que parte da existência dos entes reais, mas supõe que sejam auto-idênticos
e confunde-os com "coisas em si". Supõe que os entes sejam iguais para todas as culturas, em todos os tempos e lugares. Se parte
da materialidade dos entes, cai, porém, no mecanicismo de não perceber que as diferentes culturas não operam com os mesmos entes nem as
suas línguas destacam e dividem o real do mesmo modo: não há cor-respondência direta e idêntica entre entes e palavras, pois "coisa sig-nificada"
e "significado" não são exatamente o mesmo.
A teoria idealista afirma que toda língua contém uma análise e


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uma visão do real capaz de estruturar o universo mental de seus fa-lantes, a ponto de estes, a rigor, não falarem a própria língua, mas a
língua se falar através deles. Nessa concepção, a língua é que constrói o real, divide-o em compartimentos, destaca certos aspectos, esquece
ou pouco discerne a outros, mostra-os existindo de um certo modo e não de outro. Em suma, são as palavras que distinguiriam a natureza
dos entes: porque existe a palavra "a" é que se configura no real a coisa "A" como sendo A e não B ou C. Já que, em outra língua, A'
corresponde a a', B' a b', C' a c' etc., como, portanto, A' é diferente de A, B' é diferente de B, C' é diferente de C etc., pois a
a', b b', c c', então, a rigor, a tradução é impossível. Chega-se assim à fórmula


"traduttori, traditori". A terminologia lingüística corrente é idealista. Repetindo toda a
tradição metafísica ocidental, faz uma distinção entre a parte corpórea e a espiritual do signo, fala de significante e de significado, mas, ao
separar radicalmente o significado da "coisa significada", entende o significado como a resultante de um jogo de diferenças entre elementos
do significante, como se a diferença entre pato, gato, rato e mato fosse a diferença entre p, g, r, m. O próprio termo "signo" é idealista, pois
supõe que ele é que designa o que o ente é: ele é, de fato, mais designado do que designa. Quando se concebe o significante como um jogo de
diferenças e esse jogo de diferenças como gerador do significado, con-cebe-se o significante como anterior ao significado e, inclusive, à coisa
significada (da qual, aliás, é então prescindido em nome da ciência). Cai-se na posição predileta do idealismo: de cabeça para baixo. Porque
existem os entes reais distintos é que se criam distinções verbais, o que não quer dizer que distinções lingüísticas não auxiliam a distinguir
elementos do real. Ao contrário do que reza a terminologia corrente, a coisa significada é que é significante, o significante é que é uma
coisa significada, tornada significativa, e o significado não só significa, mas é basicamente significado (e não por um mero jogo de diferenças
entre elementos do significante). Se o idealismo é a posição preponderante na "ciência lingüística",
o materialismo vulgar é a posição do senso comum e, em parte, dos dicionários. O pressuposto do materialismo vulgar, de que os entes
referidos pelas palavras das diferentes línguas sejam os mesmos, es-barra na inexatidão do esquema a = A e a' = A, pois não só não há
essa identidade absoluta de A, como também pode até ocorrer que — como se mostra ao ter de se traduzir, num certo sentido, o termo
português "burro" pelo termo alemão correspondente a "camelo" —, embora A
B, se tenha a = b'. Ainda que, até certo ponto, isso cor-responda ao processo de aprendizado, o idealismo se engana ao pres-supor,


de modo absoluto, que se tem primeiro a língua e depois, em decorrência, o real. Acerta, porém — assim como o materialismo vulgar
acerta ao partir dos entes — quando insiste na não-correspondência


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exata entre palavras de línguas diferentes, bem como no fato de elas configurarem uma divisão e uma ênfase diferenciada do real. Só que, pelo
fato de A não ser exatamente igual a A', conclui logo, a partir de exemplos relativamente esdrúxulos, que A é totalmente diferente de A', quando em
geral este A é muito mais idêntico a A' do que a C/ C' ou D/ D'. Se o materialismo vulgar se engana ao pressupor a identidade
entre os entes referidos pelos entes das diferentes línguas para, daí, supor a identidade entre as palavras, o engano do idealismo reside
em conferir à linguagem um poder que ela não tem e em exacerbar diferenças, esquecendo os elementos de identidade entre palavras e
entes. Tanto um quanto o outro são incapazes de explicar a contento os fenômenos que detectam, o que revela, aliás, a necessidade de su-perar
ambas as posições. Ora, a divisão do real e a sensibilidade se-mântica ao real não depende só das coisas, mas do fazer continuado
da comunidade que usa uma língua, na qual se sedimenta a sua ex-periência histórica, ajudando a formar a mente e a mentalidade das
novas gerações. Como esse fazer é diferenciado no espaço e no tempo, nunca se tem uma correspondência exata de uma língua para outra,
mas exatamente a diferença é que coloca a possibilidade e a necessidade desse diálogo que é a tradução.
Nenhuma língua designa todos os entes e espectros dos entes designados por outras línguas, mas toda língua tem a possibilidade
de absorver ou desenvolver os termos que forem necessários à comu-nidade que a utiliza. Essa necessidade é historicamente gerada, man-tida
e, assim também, ela pode deixar de existir, configurando a dia-cronia semântica da língua. Se os entes objetivos e o fazer da comu-nidade
condicionam a configuração do espectro semântico da língua, esse fazer é que acaba sendo a grande mola propulsora e possibilitadora
da tradução. É compreensível que uma língua esquimó faça muitas distinções entre os tipos de neve ou gelo, assim como uma comunidade
rural pode fazer distinções entre tipos de cavalo que o habitante da metrópole não seria capaz de designar.
As línguas não são, contudo, apenas campos semânticos mais ou menos isolados, mas também complexas articulações fônicas, morfoló-gicas
e sintáticas que, constituindo totalizações estruturadas, fazem com que, de uma língua para outra, mesmo as equivalências que apa-rentam
plena identidade sempre tenham presente o momento da não-identidade. Exatamente essa tensão dialética, ao invés de negar a via-bilidade
da tradução, é que a torna possível e necessária. Tradução não é pura identidade, mas diálogo em busca de identificação, encontro
de diferenças. Nenhuma tradução pode ser a reprodução absoluta da identidade do original, já porque o próprio original não tem essa iden-tidade
absoluta, pois é sempre uma recriação a partir do presente e guarda em seus passos as contradições do seu tempo. Toda leitura
reconstrói a obra a partir das ruínas dela deixadas como registros


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gráficos sobre o papel: tal reconstrução opera com registros, códigos e repertórios que não são exatamente os mesmos do autor. Até o autor
quando relê seu texto já não o vê com os mesmos olhos de quando o escreveu. Toda leitura é uma tradução da obra do autor para a obra
do leitor: a tradução concretiza explicitamente o que a leitura faz im-plicitamente. Não há tradução sem interpretação. Essa interpretação
busca a identidade através das diferenças de língua e de cultura, atra-vés do complexo jogo de identidade e diferenças entre palavras e entes.
Na tradução como na comunicação, a diferença é que leva à busca da convergência. Se a comunicação é possível, a tradução também o é; se
o bilingüismo é possível, a tradução também é. Não é preciso apelar para a hipótese idealista de uma língua pré-babélica, uma língua adâ-mica
ou uma língua dos anjos para encontrar universais possibilitadores de tradução. Esta tem, afinal, tantos problemas práticos a resolver
que já não lhe resta tempo para envolver-se em mistificações. Em suma, mantida a convenção inicial, surge o seguinte esquema
das três respostas básicas à questão da tradução:
1. Tese: MATERIALISMO VULGAR
Sendo A, B, C, D... = a, b, c, d... e A, B, C, D... = a', b', c', d'...


como A, B, C, D... = A, B, C, D... então a, b, c, d... = a', b', c', d'...


2. Antítese: IDEALISMO
Sendo a, b, c, d... = A, B, C, D... e a', b', c', d'... = A', B', C', D'...


como A, B, C, D... A', B', C', D'... então a, b, c, d...
a', b', c', d'...


3. Síntese: MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO


Sendo A, (B), C, D... a, (b), c, d...
e A', B', (C'), D'... a', b', (c'), d'...


como A, (B), C, D... A', B', (C'), D'...
então a, (b), c, d... a', b', (c'), d'...


Além de tais questões teóricas relativas aos fundamentos da tra-dução, na prática existe a hipótese de que se deve traduzir como se
imagina que o autor escreveria caso tivesse redigido o seu texto na


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língua para a qual é traduzido. Só que isso geralmente não passa de imaginação do tradutor. Como, devido à própria seleção de textos e ao
mercado de trabalho, os tradutores tendem a ser escritores de nível inferior ao dos autores, também a tradução se inclina a ser um texto
de qualidade inferior à do original e, então, a pretexto de querer fazer uma boa tradução, tem-se uma boa traição. Trata-se de uma "liberdade"
que tende a falsificar o original, a começar por seus traços estilísticos mais peculiares. Além da prática corrente de fazer a tradução só de
traduções, essa é, porém, a tendência ainda preponderante. Hipótese antitética de trabalho é a de trazer à língua para a
qual se traduz traços característicos e marcantes da língua da qual se traduz, para que aquela se enriqueça com o acervo desta. Isso pode
ocorrer efetivamente e pode representar também, às vezes, a melhor solução para problemas bastante intrincados. Desenvolvendo-se isso
porém, de modo sistemático e rigoroso, acaba criando um texto tão estranho e bizarro que o leitor precisa poder retraduzi-lo implicitamente
para a língua original a fim de verificar o que foi feito. Com isso se nega, no entanto, o próprio esforço e escopo da tradução.
A superação dialética das limitações dessas duas hipóteses an-tagônicas de trabalho aponta para uma tradução que seja fiel sem
deixar de reproduzir o original, que não fique aquém dos traços do original nem vá além do possibilitado por eles, que não seja desinibida
fantasia do tradutor nem fique presa às idiossincrasias de uma língua em relação à outra. Normalmente, maior fidelidade ao original acaba
fazendo com que a tradução seja um texto mais fiel ao texto que o autor escreveria se escrevesse na língua para a qual é traduzido. A
boa tradução deve ser o próprio original funcionando na língua-recep-tora como um original, possibilitando a este contemplar a si mesmo
como uma tradução através dessa tradução: descobre nela o seu próprio projeto implícito e, assim, aprende a se reler.
Devido às diferenças entre as línguas, as culturas, os momentos históricos, os interesses políticos, a capacidade de compreensão e de re-criação,
toda tradução necessariamente faz vários deslocamentos em re-lação ao original, condensando e até suprimindo significados. Por isso,
toda tradução é uma interpretação (inclusive a tradição também é tra-dução), que pode, contudo, ser mais ou ser menos exata. Aparentemente
sendo um modelo de fidelidade, a tradução literal tende, por causa dessas diferenças, a trair ainda mais o original. Mas, invertendo o chavão idea-lista,
muitas vezes só a traição é que possibilita uma boa tradução. A tradução livre, a pretexto de fazer uma recriação a partir do original,
tende a ser apenas uma paráfrase e não uma tradução confiável. A tradução literal tanto pode ser a melhor maneira de trair o original, quanto pode
ser, especialmente ao ter na etimologia a chave da equivalência, a melhor maneira de transpô-lo: em cada caso concreto, o tradutor precisa unir
talento e conhecimento para chegar à melhor decisão.


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Uma característica da má tradução é ela estar apenas preocupada com o nível semântico do original. É preciso traduzir não só o que um
autor diz, mas como ele o diz, pois esse como é essencial e decisivo para o que ele diz. Não é possível fazer uma boa tradução do conteúdo
do original sem, ao mesmo tempo, fazer uma boa tradução de sua forma. Como não há correspondências exatas de uma língua para outra,
é preciso fazer todo um jogo de equivalências recriativas: o que se perdeu de algum modo aqui, por diferenças entre as línguas, precisa
ser recuperado acolá ou precisa logo ter outra construção que possa ser equiparada e que, assim, reequilibre o texto.
Outra espécie de má tradução é aquela que basicamente só se preocupa com traduzir o nível do "significante", mesmo que o faça em
detrimento do nível do "significado". Ao aparentar fazer maravilhas com o significante, por tirá-lo de sua função, tende a descaracterizá-lo;
então, além de não traduzir bem o significado, acaba não traduzindo bem o próprio significante. Como toda grande obra literária, a boa
tradução é aquela que consegue superar as dificuldades geradas pelas contradições entre forma e conteúdo e, através dos próprios empecilhos,
é capaz de encontrar soluções que não prejudiquem a nenhum dos níveis, elevando a ambos.
Uma tradução, especialmente de obra literária, pode inclusive chegar a ser melhor do que o original. Ela pode ser a descoberta do
texto subjacente ao texto original e que o próprio original não conseguiu ser efetivamente capaz de textualizar. Isso se mostra mais claramente
no caso limite da inteligibilidade do texto e da tradução que é o poema hermético. Uma tradução de menor qualidade pode ser um bom auxiliar
para chegar a uma boa tradução, pois os seus desacertos e as suas diferenças para com o original assinalam o novo caminho a percorrer.
Todo acerto maior em algum momento da tradução provoca a neces-sidade de rever e reelaborar as outras partes até chegar a um todo
coerente, de melhor nível. O tradutor é um mediador entre autor e receptor: ao mesmo tempo que é receptor do original, ele é autor de
um novo texto. Ele é um leitor que gera leitores: podendo ser leitor, submete-se ao gesto de escrever para que outros possam ler. Tem a
profunda humildade de subordinar-se ao comando do texto original. O seu gesto básico é de subserviência, mas comanda a leitura de todos
os seus leitores. Através de um "como" ele busca chegar a um "o quê". Passo a passo, no esforço de subir cada degrau do texto, tenta chegar
ao horizonte configurado pelo autor para, assim, poder reproduzi-lo. É uma questão de artesanato, de saber fazer, mas é também um fazer
que busca um saber. Não há texto que não seja traduzível. A hipótese de que nem
tudo é traduzível porque todo ato de entendimento é historicamente determinado e que, portanto, pode-se perder o contexto do original,
apenas coloca de modo mais exacerbado o que ocorre em qualquer


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processo de comunicação: entre emissor e receptor há sempre distância e diferença. Exatamente o esforço da tradução enquanto comunicação
reside em entender e, de certo modo, superar essa distância, mas um momento de incomunicabilidade é inerente a todo processo de comu-nicação.
Traduzir é fazer um percurso de busca do original, mas como
as obras são refeitas ao serem apreendidas, como elas têm contradições internas freqüentemente não desenvolvidas, como elas mantêm em es-tado


de torso os projetos de leitura que elas são, como não há, portanto, nenhuma obra perfeita, também o traduzir é um perfazer. A tradução
é um diálogo com o original e acompanha-o como se fosse a sua sombra. Como sempre há diferença entre o mundo lingüístico-cultural do
original e o da tradução, traduzir é administrar desequilíbrios e ca-rências, é uma política permanente de buscar atender a muitas soli-citações
com recursos que sempre parecem insuficientes. O tradutor tem de aprender a política de transformar as próprias exigências em
recursos. Toda tradução é um estranhamento em relação ao original, mas, através da boa gerência do percurso e do ritual de passagem, a
boa tradução acaba funcionando com um novo original: como a sombra de Peter Schlemihl, consegue independizar-se, fazer as suas próprias
piruetas, criar as suas próprias alegrias e agonias, ser talvez até um fantasma que atormente a seu original. Tudo, porém, aparentando a
maior subserviência, a ponto de encontrar a sua identidade naquilo a que, de certo modo, aniquila.
O original se contempla no espelho da tradução e percebe que a boa tradução sai do espelho, deixa de viver apenas em função do ori-ginal.
Caminho de acesso ao original, passa a assumir o seu próprio caminho. Original e tradução se aproximam e se afastam entre si:
convergem e divergem. Aparentemente amigos, pai e filho, repetem o percurso de Édipo. O rei antigo precisa provar a sua soberania ante
o rebento que nasce. Para evitar a ameaça do original, que não quer
ver nenhum equivalente reinando em seu território, a tradução se re-fugia no país distante de outra língua e cultura; mesmo não querendo,


volta de lá para, se de boa estirpe, terçar armas com o original. A autonomia da grande tradução guarda o estigma do gesto sacrílego do
assassinato involuntário do pai, alteridade que se apresenta como her-deira do trono do pai, com o afastamento, o olvido e o enterro do
original propriamente dito. O fantasma do original reaparece clamando
pelos corredores do tempo, conclamando a vingança de uma nova tra-dução, exigindo a reimposição de sua diferença e o primado de sua


existência. Como o veneno pingado, gota a gota, no ouvido do pai de Hamlet, a tradução pinga, palavra após palavra, a morte do original:
depois ela se entroniza, com a ajuda da língua que foi a rainha de um e que agora é a de outro, no trono dele, procurando esquecer que o
original deixa um herdeiro potencial, uma nova tradução que, no terçar


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das armas dos novos tempos, há de cumprir o ritual da vingança as-sinalado pela inevitável diferença e releitura do original.
A estranheza que, sob uma aparência de originalidade, a tradução constrói em outra língua em relação ao original é o que possibilita a
sua autonomização e o seu funcionamento. Isso faz com que a tradução deixe de funcionar simplesmente como uma "tradução": há como que
um esquecimento de que ela seja uma tradução, ela passa a funcionar como um novo original, a ponto de sugerir até que o original seja a
sua tradução. Quanto melhor uma tradução, tanto menos ela é apenas uma tradução. Ela só se cumpre plenamente quando consegue aper-feiçoar-
se a ponto de negar a si mesma. Especialmente a tradução literária, mais ainda o caso-limite que é a tradução de poesia, precisa
levar avante o projeto implícito no original e que também é a sua proposta de tradução. A eventual infidelidade ao texto e à estrutura
de superfície pode ser a maior fidelidade ao texto subjacente que é almejado. Nesse caso, o original como que entra no espelho da tradução
e a tradução sai do espelho do original. E ambos se contemplam em dupla estranheza e mútuo reconhecimento.


São Paulo, 29 de maio de 1983.
Flávio R. Kothe


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ÍNDICE
Apresentação de Jacob Gorender . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Indicações Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . 67
SALÁRIO, PREÇO E LUCRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 Observações preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . 73


I — Produção e Salários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 II — Produção, Salários e Lucros . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . 75
III — Salários e Dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 IV — Oferta e Procura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . 87
V — Salários e Preços . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 VI — Valor e Trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . 90
VII — Força de Trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 VIII — A Produção da Mais-Valia . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . 100
IX — O Valor do Trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 X — O Lucro Obtém-se Vendendo uma Mercadoria pelo seu
Valor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 XI — As Diversas Partes em que se Divide a Mais-Valia . . . .
. . 104
XII — A Relação Geral entre Lucros, Salários e Preços . . . . . . . 106 XIII — Casos Principais de Luta pelo Aumento de Salários
ou Contra a sua Redução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 XIV — A Luta Entre o Capital e o Trabalho e seus
Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
O CAPITAL — CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA
A Respeito da Tradução de O Capital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 Advertências do Editor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . 125
Prefácio da Primeira Edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 Posfácio da Segunda Edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . 133
Prefácio da Edição Francesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 Posfácio da Edição Francesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . 145
Prefácio da Terceira Edição Alemã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
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Prefácio da Edição Inglesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 Prefácio da Quarta Edição Alemã . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . 155
LIVRO PRIMEIRO — O Processo de Produção do Capital . . . . . 161
SEÇÃO I — MERCADORIA E DINHEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
CAP. I — A Mercadoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165 1. Os dois fatores da mercadoria: Valor de uso e valor
(substância do valor, grandeza do valor) . . . . . . . . . . . . 165 2. Duplo caráter do trabalho representado nas
mercadorias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 3. A forma de valor ou o valor de troca . . . . . . . . . . . . . . . 176
A) Forma simples, singular ou acidental de valor . . . . 177 1) Os dois pólos da expressão de valor: forma relativa
de valor e forma equivalente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177 2) A forma relativa de valor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178
a) Conteúdo da forma relativa de valor . . . . . . . . . . . . . 178 b) Determinação quantitativa da forma de valor
relativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 3) A forma equivalente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . 183
4) O conjunto da forma simples de valor . . . . . . . . . . . . . . 187 B) Forma de valor total ou desdobrada . . . . . . . . . . . . . 190
1) A forma relativa de valor desdobrada . . . . . . . . . . . . 190 2) A forma equivalente particular . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
3) Insuficiências da forma de valor total ou desdobrada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
C) Forma geral de valor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192 1) Caráter modificado da forma valor . . . . . . . . . . . . . . 192
2) Relação de desenvolvimento da forma valor relativa e da forma equivalente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194
3) Transição da forma valor geral para a forma dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
D) Forma dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196 4. O caráter fetichista da mercadoria e seu segredo . . . . . 197


CAP. II — O Processo de Troca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209
CAP. III — O Dinheiro ou a Circulação das Mercadorias . . . . . . 219 1. Medida dos valores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219
2. Meio de circulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 a) A metamorfose das mercadorias . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
b) O curso do dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236 c) A moeda. O signo do valor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245


OS ECONOMISTAS


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3. Dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250 a) Entesouramento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . 250
b) Meio de pagamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 254 c) Dinheiro mundial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261


SEÇÃO II — A TRANSFORMAÇÃO DO DINHEIRO EM CAPITAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265
CAP. IV — Transformação do Dinheiro em Capital . . . . . . . . . . . 267 1. A fórmula geral do capital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267
2. Contradições da fórmula geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 275 3. Compra e venda da força de trabalho . . . . . . . . . . . . . . . 285


SEÇÃO III — A PRODUÇÃO DA MAIS-VALIA ABSOLUTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295
CAP. V — Processo de Trabalho e Processo de Valorização . . . . 297 1. O processo de trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 297
2. O processo de valorização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 305
CAP. VI — Capital Constante e Capital Variável . . . . . . . . . . . . 317
CAP. VII — A Taxa de Mais-valia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327 1. O grau de exploração da força de trabalho . . . . . . . . . . 327
2. Representação do valor do produto em partes proporcionais do produto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 335
3. A "última hora" de Senior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 338 4. O mais-produto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . 342


CAP. VIII — A Jornada de Trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 345 1. Os limites da jornada de trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . 345
2. A avidez por mais-trabalho. Fabricante e boiardo . . . . . 349 3. Ramos da indústria inglesa sem limite legal da
exploração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 357 4. Trabalho diurno e noturno. O sistema de
revezamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 370 5. A luta pela jornada normal de trabalho. Leis
compulsórias para o prolongamento da jornada de trabalho, da metade do século XIV ao fim do
século XVII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 378 6. A luta pela jornada normal de trabalho. Limitação
por força de lei do tempo de trabalho. A legislação fabril inglesa de 1833/ 64 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 391
7. A luta pela jornada normal de trabalho. Repercussão da Legislação Fabril inglesa em outros países . . . . . . . 410


MARX


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CAP. IX — Taxa e Massa da Mais-valia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 417
SEÇÃO IV — A PRODUÇÃO DA MAIS-VALIA RELATIVA . . . 427
CAP. X — Conceito de Mais-Valia Relativa . . . . . . . . . . . . . . . . . 429
CAP. XI — Cooperação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 439
CAP. XII — Divisão do Trabalho e Manufatura . . . . . . . . . . . . . . 453 1. Dupla origem da manufatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 453
2. O trabalhador parcial e sua ferramenta . . . . . . . . . . . . . 455 3. As duas formas fundamentais da manufatura —
manufatura heterogênea e manufatura orgânica . . . . . 458 4. Divisão do trabalho dentro da manufatura e divisão
do trabalho dentro da sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 466 5. O caráter capitalista da manufatura . . . . . . . . . . . . . . . . 473


APÊNDICE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 483


OS ECONOMISTAS


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